segunda-feira, 4 de junho de 2007

Efetividade do processo e garantias constitucionais

Ouvi de um colega de pós-graduação, hoje de manhã, que, para ele, a principal causa da baixa efetividade do processo, e da impunidade, no Brasil, é o prestígio que se tem dado às garantias constitucionais processuais. Direito de defesa, recursos, presunção de inocência etc.

Tudo isso deveria ser "relativizado" para se dar mais eficiência ao processo.

O exemplo que ele citou de absurdo gerado pelo princípio da presunção de inocência foi o do jornalista Pimenta Neves. Réu confesso, foi condenado pelo homicídio de Sandra Gomide, e, por haver recorrido, ainda está em liberdade.

Reconheço que essas idéias deixaram-me bastante perturbado. Não só por terem sido defendidas com veemência por alguém que se dedica seriamente ao estudo do Direito, mas sobretudo por ser ele um magistrado. Vi que essa é a visão que muitos magistrados têm do direito de defesa e, por conseguinte, a visão preconcebida que têm das pessoas levadas ao seu julgamento: são culpadas até prova em contrário, e toda defesa é malandragem de advogado para soltá-las.

A afirmação de que as garantias constitucionais atrapalham a efetividade do processo (e ele se referia tanto ao processo penal como ao civil), e de que geram impunidade somente poderia ser aceita, especialmente no processo penal, se partíssemos da premissa de que o acusador é infalível, e de que o acusado é mesmo culpado. Algo mais ou menos como a Santa Inquisição medieval. Os acusadores eram santos, e, os acusados, bruxas ou hereges. Nesse contexto, de fato, para que falar-se em defesa?

O exemplo de Pimenta Neves é inoportuno. Primeiro, porque poder-se-ia afirmar que a parte da sentença relativa à condenação (seu recurso diz respeito apenas ao tamanho da pena) já transitou em julgado, permitindo sua prisão para que cumprisse a "parcela incontroversa" da pena. Segundo, porque, seja como for, não se pode colher um caso extremado e possivelmente equivocado como justificativa para uma generalização apressada e uma "relativização" de garantias em casos distintos do tomado como caricatura, nos quais isso não seria juridicamente possível.

Na verdade, o respeito às garantias processuais não é a causa da baixa eficiência do processo. E nem da impunidade.

A demora no processo decorre de uma série de fatores, que vão desde a pequena jornada (efetiva, e não a "no papel") de trabalho de muitos magistrados, passando pelo pequeno número deles em relação à população, e culminando no excessivo formalismo que muitos deles cultuam. A maior parte dos juizes parece estar à serviço da burocracia, da formalidade, e não da solução de conflitos. Recursos que não são conhecidos por conta de carimbos ou folhas faltantes, petições que não são despachadas pela falta de documentos ou requisitos desnecessários e inteiramente dispensáveis etc.

Por outro lado, a finalidade do processo não é a de se encerrar a qualquer custo. No processo penal, seu fim não é o de condenar o acusado, mas o de julgá-lo, condenando-o OU ABSOLVENDO-O. E para chegar a esse resultado com segurança, o prestígio das garantias é fundamental. Precisamente porque acusadores e julgadores são também humanos e, portanto, falíveis. Se recuarmos na História, veremos que a evolução levou ao processo como forma de controle na aplicação da pena, e não como forma de viabilizá-la, pois as punições - tal como os tributos - sempre foram aplicadas onde quer que tenha surgido um governante, estando a contribuição do mundo moderno no controle jurídico de sua imposição.

Quanto ao direito de defesa, é importante perceber que o juiz não só pode como deve deixar de produzir uma prova, por exemplo, se com ela a parte pretender demonstrar a veracidade de uma afirmação já tida por verdadeira, ou que seja irrelevante para o julgamento da questão. Mas se a prova é pertinente, e necessária, deixar de produzi-la sob o pretexto de dar mais efetividade ao processo é inteiramente absurdo.

Quanto à impunidade, o combate às verdadeiras causas de morosidade processual, acima apontadas, já seria de grande valia para a sua diminuição. Somando-se a isso uma pequena reforma na legislação, com, por exemplo, o aumento de alguns prazos prescricionais, e algumas modificações em sua forma de contagem, o problema seria reduzido a níveis bastante satisfatórios.

Por outro lado, não é demais lembrar que os presídios estão superlotados, e o cumprimento de todos os mandados de prisão atualmente expedidos não seria possível por falta de espaço. Nesse contexto, a afirmação de que o Judiciário é responsável pela impunidade não nos parece justa.

Em qualquer caso, "flexibilizar" garantias não é o meio mais adequado para resolver o problema, e certamente criará outro: como as autoridades que acusam não são infalíveis, e também podem agir, eventualmente, guiadas por propósitos inconfessáveis, criar-se-á meio propício para a perseguição pessoal, que seguirá como um rolo-compressor contra o qual não se poderão opor as "garantias".

Quanto ao processo civil, sempre que se fala em efetividade, esquece-se, sintomaticamente, que o Poder Público é o principal responsável pela sua ausência. Não só porque a ele incumbe aparelhar o Judiciário, mas especialmente porque ele é, de longe, o maior responsável pelo seu excessivo volume de processos. E, quanto a isso, todas as reformas que são feitas, na legislação e na cabeça dos julgadores, só pioram o problema. Enquanto se assiste a uma reforma no processo civil, relativamente às lides entre particulares, verifica-se uma "contra-reforma" nesse mesmo processo, quando o litigante é a Fazenda Pública.

Aliás, o mais lamentável é que essa "contra-reforma", supressora da efetividade do processo, é feita em relação aos feitos em que a Fazenda é ré. Quando é autora, e lhe interessa o rápido desfecho da lide, o tratamento dado ao processo é bem diferente. Fala-se hoje até em uma absurda execução fiscal administrativa, para que a Fazenda não precise do moroso e ineficiente judiciário para receber seus créditos. Dele socorrer-se-á apenas o contribuinte, quando não concordar com o valor cobrado ou com a forma de cobrança.

Na verdade, as garantias processuais devem ser protegidas, e prestigiadas, em qualquer caso, sempre de maneira proporcional, pois autoridades são também falíveis. Os exemplos da História são duros, sendo importante conhecê-los para que sirvem de lição, e não se repitam erros lamentáveis.

sábado, 2 de junho de 2007

O Juiz e o Medo

Com as acusações recentemente veiculadas pela imprensa, motivadas pela chamada "Operação Furação", ou Hurricane, levada a efeito pela Polícia Federal, alguns juízes passaram a ter bastante medo de proferir decisões liminares contra o Poder Público.
Mesmo presentes os requisitos, vale dizer, mesmo sendo plausível o direito da parte requerente, e havendo o risco de a mesma sofrer dano irreparável pela não concessão da medida, o magistrado não a defere, negando à parte o direito a uma jurisdição efetiva. Tudo para que depois não o acusem de venalidade.
Esse tipo de conduta é inaceitável em um magistrado.
Decidir contra o Direito motivado pelo medo de denúncias é quase tão grave quanto decidir contra o Direito por haver recebido de uma das partes vantagem pecuniária ou algo que o valha. Afinal, em ambos os casos (e também nos que decide contra o Direito, mas a favor do governo, para obter vantagens promocionais ou nomeações em Cortes Superiores), o Juiz não está em condições de cumprir a função pela qual existe e para a qual é remunerado pela sociedade, que é a de aplicar o Direito aos casos concretos, resolvendo conflitos.

Propósito deste BLOG

Neste blog, pretendo expor idéias e discutir temas em torno do Direito e da Democracia. Não apenas temas teóricos, acadêmicos, mas especialmente assuntos da vida cotidiana.