quinta-feira, 22 de julho de 2010

Direito Tributário nas Súmulas do STJ e do STF - Atualização On-line


Já está disponível no site da editora Atlas, devidamente editorado e diagramado, o arquivo contendo a atualização do meu "Direito Tributário nas Súmulas do STJ e do STF" (clique aqui).

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Menos do que nada

Algum tempo se passou desde a última postagem. Resolvi tirar férias e, para deixar tudo em dia no escritório antes de sair (alguns clientes parece que adivinham e trazem as urgências justo nessa hora), não dispus de tempo para postar nada. Depois, viajando, não quis postar nada.
Mas, antes de viajar, ocorreu-me uma coisa que, pensei, renderia um post no momento oportuno. E é o que faço agora, ainda retomando o ritmo de trabalho.
O fato rendeu-me boas risadas, dentro de uma filosofia de "rir para não chorar". E mostra o quanto se perde tempo e energia com burocracia inútil no Brasil. Vamos a ele.

***

Há algumas semanas tive de tirar o "certificado digital" da sociedade de advogados da qual faço parte. Tal providência tornou-se necessária para o cumprimento de obrigações tributárias acessórias junto à Secretaria da Receita Federal.
Com nossa contadora, preenchi um enorme formulário e levei toda a documentação solicitada pela instituição que forneceria o certificado digital (Serpro). Chegando lá, fui atendido por uma gentil senhora que passou, com muita atenção, a verificar se eu havia preenchido o formulário corretamente:
- Nome... Ok... Endereço... Ok... CNPJ... Ok... Nome do sócio... Certo... Qualificação do sócio... Hum...
Os músculos de sua face então se contraíram, ela levantou-me a vista e disse:
- Você errou no preenchimento. Não poderei dar-lhe o certificado...
- Onde o erro, senhora? Indaguei surpreso. Ao que ela respondeu: - A identidade! Esse não é seu RG!

Realmente, eu não havia utilizado o meu número de RG, mas o da OAB. É menor, mais fácil de memorizar, de preencher, daí porque o utilizo com frequência quando tenho de dar algum número de identificação em hotéis, contratos, certidões etc. Por isso, argumentei:

- Mas, senhora, o número de OAB também é um número de identidade.
- Sim, mas não pode. Tem que ser o RG.
- Por quê?
- Porque sim. São normas internas...

Já preocupado, porque se avizinhava o término do prazo para cumprir as obrigações acessórias para as quais o certificado digital seria necessário, e sem estar muito disposto a esperar mais outro tanto para ser atendido em outro dia, insisti:

- Mas a carteira fornecida pela OAB também é uma identidade. Do mesmo modo que aquela fornecida pelo Ministério do Trabalho (CTPS), pela Polícia Federal (passaporte), ou pela Secretaria de Segurança Pública (RG)...

Cheguei a tirar do bolso a minha carteira da ordem, que tem mencionada a disposição legal segundo a qual ela serve como identidade em todo o território nacional. Mostrei a ela, que respondeu:

- É, pode ser que tenha essa lei aí, mas aqui nos temos normas. E as normas internas do Serpro dizem que só o RG serve...
- Ok, então posso preencher outro formulário, usando o meu RG dessa vez?
- Talvez. Deixe eu ver o contrato social da firma... Não! Não pode! No contrato social não consta seu RG, e o formulário do certificado digital tem que ter o mesmo número de identidade usado no contrato social.

Tinha sido por isso mesmo que eu havia usado o número da OAB, pois sabia que, segundo o Serpro, o meu número de identidade deveria ser o mesmo que constava do contrato social da pessoa jurídica. A lógica era: como eu fazia o certificado digital de uma sociedade de advogados, e constaria como seu representante, meu número de identidade deveria ser aquele pelo qual eu estava identificado no contrato social correspondente.

Ri, e respondi brincando: - Agora quebrou dentro. Não pode a OAB por causa das normas internas do Serpro, que prevalecem sobre a Lei 8.906/94. E não pode o RG porque não é o documento usado para identificar o sócio no bojo do contrato social. E agora, a firma ficará sem certificado digital? Terei de fazer um aditivo ao contrato social, inserindo, em minha identificação como sócio, o meu número de RG?

A senhora fez então um ar de sabedoria e de quem estava disposta a realmente resolver meu problema, e disse:

- Não faz mal. É só deixar em branco.
- O quê? Como assim?
- Simples. O senhor volta para o escritório, preenche pela internet outro formulário requerendo a concessão de um certificado digital, e ao se identificar, deixa em branco o campo destinado ao número do documento de identidade. Imprime e volta para cá. Olhe que o pessoal aqui vai embora às 16:00, mas, para o senhor ver como não estou de má vontade, poderei esperar até as 16:30.

Nessa hora não aguentei e comecei a rir. Depois de me controlar um pouco, perguntei: - Deixar em branco? Então a inscrição na OAB vale menos do que nada? Indicá-la é pior do que deixar em branco o espaço?
- É. São as normas internas.
- Ah, tá. Claro. As normas internas.

Sendo pragmático, e considerando a multa pelo atraso na entrega da declaração à Receita Federal, fiz o que ela disse e consegui tirar o certificado. Mas não parava de pensar no livro O CASTELO, de F. Kafka. É um livro muito, mas muito bom. Fazendo um paralelo com O PROCESSO, no qual o mesmo autor narra absurdos havidos no âmbito de um processo judicial, O CASTELO trata da Administração Pública, de seu funcionamento, mas tudo na mesma tônica onírica e fantasticamente arbitrária, burocrática, irracional e opressora.

A propósito de burocracia, na ocasião, estupefato, só consegui pensar na inscrição da OAB valendo menos do que nada para a concessão do certificado digital. Mas, depois, conversando com um colega no twitter, ouvi algo bastante preciso: - Ora essa, se se trata de campo que pode sem prejuízo ser deixado em branco, por que exigir o seu preenchimento (com o RG ou qualquer outro número)? Pura burocracia mesmo...

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Tributação e Roubo


Embora o título possa sugerir, não vou falar, aqui, que a carga tributária é elevada, que não há retorno, que muitos métodos de cobrança são abusivos etc. Pretendo cuidar, em verdade, do regime tributário do roubo, por parte de quem o sofre.
Por parte de quem rouba, a doutrina e a jurisprudência já se posicionaram há algum tempo. A origem ilícita do rendimento não exime seu titular de pagar o imposto, e em geral se admite a tributação dos fatos ilícitos (CTN, art. 118), fundada no princípio do non olet.
O problema, agora, diz respeito a quem sofre o roubo, e torna-se mais relevante na medida em que a violência, sobretudo no Brasil, cresce assustadoramente.
Imaginem só: uma empresa é roubada, e, mesmo assim, tem que pagar tributo sobre os itens correspondentes, como se os houvesse vendido. Foi o que decidiu, por maioria, o STJ:

IPI. FATO GERADOR. ROUBO.

É consabido que o fato gerador do IPI é a saída do produto industrializado do estabelecimento industrial ou equiparado, seja qual for o título jurídico de que decorra (art. 46, II, do CTN; art. 2º, II e § 2º, da Lei n. 4.502/1964, e art. 32, II, do Dec. n. 2.637/1998 – RIPI). Dessa forma, o roubo ou furto da mercadoria depois da saída (implemento do fato gerador do IPI) não afasta a tributação; pois sem aplicação o contido no art. 174, V, do RIPI/1998. O roubo ou furto são riscos inerentes à atividade industrial, logo o prejuízo sofrido individualmente e decorrente do exercício da atividade econômica não pode ser transferido para a sociedade sob o manto do não pagamento do tributo devido. Esse entendimento foi acolhido pela maioria dos componentes da Turma após o prosseguimento do julgamento do recurso. Precedentes citados do STF: RE 562.980-SC, DJe 19/12/2010; do STJ: REsp 860.369-PE, DJe 18/12/2009. REsp 734.403-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 22/6/2010.


Dizer que o roubo é "inerente à atividade industrial", e que esse risco seria "transferido para a sociedade sob o manto do não pagamento do tributo devido", com todo o respeito, é falacioso.
A questão é que o fato gerador do IPI é uma operação da qual decorra a saída da mercadoria do estabelecimento industrial. Não é a mera saída física. Dá-se o mesmo com o ICMS: o seu fato gerador é a saída "jurídico-contábil" do bem, e não sua saída física. Do contrário, sempre que alguém fizesse um test-drive em um veículo (que assim "sairia" da concessionária), o imposto deveria ser pago, ainda que o carro não fosse vendido.
Na verdade, no caso em questão o fato gerador do IPI nem chegou a ocorrer. A situação é análoga, aliás, à que ocorreria se as mercadorias se tivessem extraviado. Imagine-se, por exemplo, se o caminhão que as leva virasse em uma ladeira, e as mercadorias perecessem: não haveria imposto devido.
Aliás, o perecimento de uma mercadoria é um risco da atividade empresarial, e nem por isso se afirma que uma mercadoria que se estraga (e assim não é vendida) deve submeter-se, ao ser jogada no lixo, ao ICMS ou ao IPI, sob pena de "transferir-se o risco para a sociedade sob o manto do não pagamento do imposto". Do mesmo modo, o prejuízo em uma atividade empresarial é um risco a ela inerente, mas não é por isso que será devido o imposto de renda sobre tal prejuízo, para evitar a tal "transferência para a sociedade sob o manto do não pagamento do imposto".

Se as mercadorias tivessem sido vendidas com cláusula FOB, e o roubo ocorresse depois, tudo bem. Afinal, a venda ocorreu. A transferência se deu. O fato gerador surgiu. Se o comprador foi roubado depois, problema dele. Mas, no caso, a questão era de roubo ANTES da entrega ao comprador. Nessa hipótese, a operação não se consuma. Tanto que, se o comprador já pagou pela aquisição ou ainda pretende fazê-lo de qualquer modo, novo carregamento da mesma mercadoria lhe terá de ser enviado (e o imposto, no caso, será cobrado duas vezes...). Ou, se o comprador ainda não pagou e desiste da compra depois do roubo, a operação simplesmente não se consuma, mas o imposto...

Não falta mais nada mesmo. Além de não dar a mínima segurança, a mais elementar de suas funções, que mesmo o mais liberal dos pensadores não ousa retirar de sua responsabilidade, o Estado agora pretende tributar os que são roubados, como se nisso houvesse alguma manifestação de capacidade contributiva, de riqueza. E como se houvesse apoio moral para tanto. Se isso aparecesse nas páginas de um livro de História como tendo ocorrido há um par de Séculos, acharíamos absurdo. Mas, sendo hoje, é pura decorrência do "interesse público"...