quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Tributação Indireta no Direito Brasileiro


Acaba de chegar o novo livro da coleção de estudos tributários editada anualmente pelo Instituto Cearense de Estudos Tributários - ICET. A partir deste ano, a série passará a ser editada pela Malheiros, e não mais pela Dialética. Mas, como das outras vezes, diversos autores responderam a uma sequência de questões relevantes, difíceis e interrelacionadas sobre um mesmo tema, no caso, a tributação indireta no Brasil, suas incoerências e suas contradições.
Escrevi um dos textos da coletânea, no qual inseri parte das ideias constantes do livro "Repetição do Tributo Indireto: Incoerências e Contradições", publicado em 2011 pela mesma editora e mencionado no post anterior. Mas dessa vez, na contribuição à coletânea, que escrevi quando ainda estava na Áustria, já aproveitei parte das pesquisas realizei por lá a respeito desse assunto. É, digamos, um primeiro fruto daquelas pesquisas (outros ainda virão, na Revista Dialética de Direito Tributário e, depois, talvez, na Revista Nomos).
O mais interessante desse livro do ICET, porém, que lhe confere destaque em relação a outras obras monográficas, é a pluralidade de visões em torno de um mesmo problema. Afinal, todos respondem, a partir de suas pesquisas, seus valores, pré-compreensões etc., às mesmas perguntas, feitas pelo coordenador da obra. Daí o seu valor, para qualquer pesquisa. Talvez por isso, as principais decisões do STJ em torno dos assuntos versados nessas coletâneas (nas passadas, naturalmente), as referem. Foi o que se deu em relação à repetição do indébito e à prescrição, ao regime jurídico das indenizações etc.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Tributação, transparência e anestesia

Baleeiro diz que a tributação incidente sobre a atividade produtiva costuma beneficiar-se de um "efeito anestésico". O empresário tem a ilusão de que todo o ônus fiscal é repassado aos preços, e não costuma se insurgir - tanto quando poderia - em face de alíquotas elevadas. O consumidor, por sua vez, não vê que paga um preço mais alto por conta de tributos. E por isso se pode manter uma tributação excessiva sobre o consumo, e ninguém diz nada.

Basta notar que o mais sutil aumento no IPTU, ou no IPVA, leva a uma grita generalizada. Mas pouco se ouve a respeito do ICMS, do IPI, da COFINS e do PIS, que juntos tornam os bens e seviços que consumimos em média 50% mais caros do que poderiam ser.

Por que falei em ilusão, no parágrafo que inicia este texto?

Porque o empresário nem sempre consegue "embutir" nos preços todos os tributos. E, mesmo quando o faz, isso conduz a uma redução de seus lucros - que seriam maiores se os tributos fossem menores, seja porque venderiam por preços igualmente altos, e lucrariam mais, seja porque poderiam vender por preços mais baixos, lucrando também mais, em face da quantidade. Se há competição, as leis do mercado, em geral, conduzem a essa última situação, o que beneficia também o consumidor.

E, por falar em consumidor, a ilusão deste é ainda maior. Paga mais caro por produtos e serviços, mas não pecebe, de forma clara, que isso se deve ao ônus tributário. Ao leitor interessado em aprofundar essa discussão, sugiro o "Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições" (clique aqui, aqui e aqui), e ainda o livro, sobre o mesmo assunto, de Tarcísio Neviani, já comentado aqui no blog (clique aqui) , nos quais o tema é aprofundado de forma que não seria pertinente no espaço deste blog.

Mas o leitor pode questionar: - E daí? Para que alguém vai querer saber disso? O que muda, na vida do trabalhador, saber que a lata de leite em pó que adquire é X% mais cara em razão de tributos?

Muita coisa muda. Saber o custo do Estado no próprio bolso leva o cidadão a refletir sobre ele, sua eficiência, o que recebe em troca... E só se pode JULGAR aquilo que se conhece, sendo certo que, em uma democracia, para que as pessoas possam decidir e julgar, inclusive e principalmente ao votar, elas precisam conhecer.

Por outro lado, há aquela crença de que "de cavalo dado não se olham os dentes". Se o posto de saúde é ruim, faltam médicos e remédios, se as ruas são esburacadas, se não há segurança, se as estradas estão sofríveis, murmura-se algo, mas sem ênfase, porque, afinal, é de graça... Já o aluno da escola particular, diante da mais mínima falha - que as vezes é do próprio, e não da escola - enche a boca para reclamar. Afinal, "está pagando".

Saber o quanto os tributos encarecem nossa vida - e não só ter uma vaga ideia às vezes - será importante para que as pessoas se lembrem que do governo também devem cobrar tudo o que acham merecer "porque estão pagando". E caro.

Nessa linha, merece todos os elogios a Lei 12.741/2012, de 8 de dezembro de 2012, que impõe aos comerciantes varejistas o esclarecimento, ao consumidor, dos tributos que oneram os produtos e serviços que este consome. Como esse é um esclarecimento que não interessa aos políticos, o projeto, tal como o da Lei da Ficha Limpa, foi fruto de iniciativa popular. A lei encontrará - estejam certos - muita resistência. Por isso é importante divulgá-la e dar-lhe (ainda mais) legitimidade.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Local da ocorrência do fato gerador do ISS

O Superior Tribunal de Justiça decidiu, apreciando o REsp 1.060.210, que o Município competente para exigir o ISS incidente sobre operações de leasing é aquele no qual está instalada a instituição financeira correspondente, e não aquele no qual é licenciado o veículo arrendado.

O entendimento, fiel ao texto da LC 116/2003 e ao propósito do art. 146, I, da CF/88, é elogiável sob todos os aspectos, representando importante passo no combate aos conflitos de competência de ISS, os quais só prejudicam os contribuintes, obrigados, muitas vezes, a recolher o imposto, referente a um mesmo serviço, em dois, ou até em três Municípios diferentes. Esse critério estava previsto, desde o início, no DL 406/68, mas fraudes praticadas pelos contribuintes (que instalavam "de fato" seus estabelecimentos nas capitais, mas "no papel" os localizavam em pequenos municípios do interior, onde o ISS era mais baixo) levaram o STJ a atropelar a regra, "interpretando-a" em radical oposição ao sentido de seu texto, no que violava, ainda, a Súmula Vinculante 10/STF e o art. 97 da CF/88. A esse respeito, com inteira propriedade o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho obsevou:

"eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal, o que seria verdadeira quebra do princípio da legalidade”.



A decisão lembrou-me do que havia escrito nas notas ao art. 3.º da LC 116/2003, no "Código Tributário Nacional - Anotações à Constituição, ao CTN e às Leis Complementares 87/96 e 116/2003", que agora precisarão se atualizadas, ou complementadas:




1. Local da ocorrência do fato gerador Tendo em vista a natureza imaterial do “serviço”, muitas vezes é difícil determinar onde efetivamente o mesmo é prestado. Afinal, em questão judicial que percorre todas as instâncias recursais, o serviço de advocacia foi prestado em qual município? E o serviço de pesquisa, contratado pelo candidato à Presidência da República, em cuja feitura são ouvidas pessoas nos mais diversos municípios? Para resolver o problema, em atenção ao art. 146, I, da CF/88, o legislador complementar optou por eleger o local do estabelecimento do prestador do serviço com critério para determinar qual Município é competente para exigir o tributo correspondente (cf. DL no 406/68, art. 12). “Cuida-se de opção do legislador, que instituiu uma ficção jurídica. O local da prestação do serviço, assim, está definido por ficção jurídica. Não se admite prova em contrário. O imposto, portanto, é devido ao Município em que tem estabelecimento o prestador, ou se não é estabelecido, onde tem domicílio. Ficaram, desta forma, resolvidas inúmeras questões que certamente seriam suscitadas, em casos como o de um advogado que tem escritório em São Paulo mas, eventualmente, presta serviços em Brasília, junto ao STJ ou ao STF” (Hugo de Brito Machado, Comentários ao Código Tributário Nacional, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 172).
Aproveitando-se dessa disposição, contribuintes se estabeleceram formalmente em distantes municípios do interior, nos quais não eram tributados, ou submetiam-se a uma tributação mais baixa, e não obstante mantinham estrutura na capital e efetivamente prestavam serviços na capital. Em vez de detectar a fraude, e considerar como estabelecimento o local onde efetivamente se mantinha uma estrutura necessária à prestação do serviço (e não aquele formalmente designado em contrato social), o STJ preferiu IGNORAR a regra estabelecida no art. 12 do DL no 406/68, determinando fosse devido o imposto no local onde efetivamente prestado o serviço: “Embora a lei considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-lei no 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o Município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território. A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga. [...]” (STJ, 1a T., REsp 41.867-4/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 25/4/1994). Restabeleceu, com isso, os conflitos que o legislador complementar tentou equacionar.
Merece transcrição, a propósito, a observação de Hugo de Brito Machado: “O Superior Tribunal de Justiça, a pretexto de evitar práticas fraudulentas, tem decidido que é competente para a cobrança do ISS o Município onde ocorre a prestação do serviço, sendo irrelevante o local em que se encontra o estabelecimento prestador. Melhor seria, porém, identificar a fraude, em cada caso. Generalizar o entendimento contrário à norma do art. 12 do Decreto-lei no 406/68 implica afirmar sua inconstitucionalidade, o que não é correto, pois tal norma resolve, e muito bem, o conflito de competência entre os Municípios. A questão está em saber o que é estabelecimento prestador do serviço. O equívoco está em considerar como tal o local designado formalmente pelo contribuinte. Estabelecimento na verdade é o local em que se encontram os equipamentos e instrumentos indispensáveis à prestação do serviço, o local em que se pratica a administração dessa prestação. Adotado esse entendimento, as situações fraudulentas podem ser corrigidas, sem que se precise desconsiderar a regra do art. 12 do Decreto-lei no 406/68” (Curso de Direito Tributário, 13. ed., São Paulo: Malheiros, p. 293).
O art. 3o da LC no 116/2003, dispositivo no qual a questão está atualmente tratada, reitera – contra a jurisprudência do STJ – que o critério para determinação do local da ocorrência do fato gerador é o local do estabelecimento prestador. Essa lei complementar, contudo, faz duas alterações importantes. Primeiro, define o que se deve entender por estabelecimento (art. 4o), para fins de determinação do local no qual o ISS é devido. E, segundo, estabelece diversas exceções à regra de que o imposto é devido no local do estabelecimento. O DL no 406/68 só previa como exceção a construção civil, enquanto a nova lei contempla as exceções dos 22 incisos de seu art. 3o, todos serviços em relação aos quais é possível se determinar onde foram prestados.
Na edição anterior deste livro, chamávamos a atenção para esse ponto, vale dizer, para o fato de que a jurisprudência do STJ sobre o “local da ocorrência do fato gerador do ISS” havia sido construída à luz do DL no 406/68, e não da LC no 116/2003. E tanto isso é verdade que, em momento mais recente, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos: “[...] 1. Decisão agravada que, equivocadamente, decidiu à questão tão-somente à luz do art. 12 do Decreto-lei no 406/68, merecendo análise a questão a partir da LC no 116/2003. 2. Interpretando o art. 12, ‘a’, do Decreto-lei no 406/68, a jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a competência tributária para cobrança do ISS é do Município onde o serviço foi prestado. 3. Com o advento da Lei Complementar no 116/2003, tem-se as seguintes regras: a) o ISS é devido no local do estabelecimento prestador (nele se compreendendo o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas); e b) na falta de estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII do art. 3o da LC no 116/2003. 4. Hipótese dos autos em que não restou abstraído qual o serviço prestado ou se o contribuinte possui ou não estabelecimento no local da realização do serviço, de forma que a constatação de ofensa à lei federal esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 5. Agravo regimental não provido” (STJ, 2a T., AgRg no Ag 903224/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 11/12/2007, DJ de 7/2/2008, p. 1). Como se vê, o STJ não chegou a conheceer do recurso por considerar que, em face das peculiaridades do caso (forma como a questão fora tratada no acórdão recorrido e no recurso especial), isso dependeria do reexame de fatos e provas, o que não pode ser feito no âmbito do Recurso Especial. Deixou claro, de qualquer sorte, que o entendimento a respeito do local da ocorrência do fato gerador do ISS, antes construído a partir do DL no 406/68, há de ser, como apontávamos na primeira edição deste livro, diferente em razão do art. 3o da LC no 116/2003. Resta saber como o STJ decidirá a questão, relativamente ao período posterior à LC no 116/2003, no que diz respeito aos casos não situados nas 22 exceções estabelecidas no art. 3o dessa lei. Quando for o caso de aplicar o caput do citado artigo, data venia, a Corte não poderá continuar adotando o entendimento que sempre adotou, a menos que declare a inconstitucionalidade do dispositivo (e não parece que haja fundamento para isso).