O Superior Tribunal de Justiça
decidiu, apreciando o
REsp 1.060.210, que o Município competente para exigir o ISS incidente sobre operações de leasing é aquele no qual está instalada a instituição financeira correspondente, e não aquele no qual é licenciado o veículo arrendado.
O entendimento, fiel ao texto da LC 116/2003 e ao propósito do art. 146, I, da CF/88, é elogiável sob todos os aspectos, representando importante passo no combate aos conflitos de competência de ISS, os quais só prejudicam os contribuintes, obrigados, muitas vezes, a recolher o imposto, referente a um mesmo serviço, em dois, ou até em três Municípios diferentes. Esse critério estava previsto, desde o início, no DL 406/68, mas fraudes praticadas pelos contribuintes (que instalavam "de fato" seus estabelecimentos nas capitais, mas "no papel" os localizavam em pequenos municípios do interior, onde o ISS era mais baixo) levaram o STJ a atropelar a regra, "interpretando-a" em radical oposição ao sentido de seu texto, no que violava, ainda, a Súmula Vinculante 10/STF e o art. 97 da CF/88. A esse respeito, com inteira propriedade o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho obsevou:
"eventuais fraudes (como a manutenção de sedes fictícias) devem ser
combatidas por meio da fiscalização e não do afastamento da norma legal,
o que seria verdadeira quebra do princípio da legalidade”.
A decisão lembrou-me do que havia escrito nas notas ao art. 3.º da LC 116/2003, no "Código Tributário Nacional - Anotações à Constituição, ao CTN e às Leis Complementares 87/96 e 116/2003", que agora precisarão se atualizadas, ou complementadas:
1. Local da ocorrência do fato gerador – Tendo em vista a natureza
imaterial do “serviço”, muitas vezes é difícil determinar onde efetivamente
o mesmo é prestado. Afinal, em questão judicial que percorre todas as
instâncias recursais, o serviço de advocacia foi prestado em qual município? E
o serviço de pesquisa, contratado pelo candidato à Presidência da República, em
cuja feitura são ouvidas pessoas nos mais diversos municípios? Para resolver o
problema, em atenção ao art. 146, I, da CF/88, o legislador complementar optou
por eleger o local do estabelecimento do prestador do serviço com critério para
determinar qual Município é competente para exigir o tributo correspondente
(cf. DL no 406/68, art. 12). “Cuida-se de opção do
legislador, que instituiu uma ficção jurídica. O local da prestação do serviço,
assim, está definido por ficção jurídica. Não se admite prova em contrário. O imposto,
portanto, é devido ao Município em que tem estabelecimento o prestador, ou se
não é estabelecido, onde tem domicílio. Ficaram, desta forma, resolvidas
inúmeras questões que certamente seriam suscitadas, em casos como o de um
advogado que tem escritório em
São Paulo mas, eventualmente, presta serviços em Brasília,
junto ao STJ ou ao STF” (Hugo de Brito Machado, Comentários ao Código
Tributário Nacional, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 172).
Aproveitando-se dessa disposição, contribuintes se estabeleceram
formalmente em distantes municípios do interior, nos quais não eram tributados,
ou submetiam-se a uma tributação mais baixa, e não obstante mantinham estrutura
na capital e efetivamente prestavam serviços na capital. Em vez de detectar a
fraude, e considerar como estabelecimento o local onde efetivamente se
mantinha uma estrutura necessária à prestação do serviço (e não aquele
formalmente designado em contrato social), o STJ preferiu IGNORAR a regra
estabelecida no art. 12 do DL no 406/68, determinando fosse
devido o imposto no local onde efetivamente prestado o serviço: “Embora a lei
considere local da prestação de serviço, o do estabelecimento prestador (art.
12 do Decreto-lei no 406/68), ela pretende que o
ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador. É o
local da prestação do serviço que indica o Município competente para a
imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional
implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações
ocorridas em seu território. A lei municipal não pode ser dotada de
extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no
território de município onde não pode ter voga. [...]” (STJ, 1a T., REsp 41.867-4/RS, Rel. Min. Demócrito
Reinaldo, DJ de 25/4/1994). Restabeleceu, com isso, os conflitos que o
legislador complementar tentou equacionar.
Merece transcrição, a propósito, a observação de Hugo de Brito
Machado: “O Superior Tribunal de Justiça, a pretexto de evitar práticas
fraudulentas, tem decidido que é competente para a cobrança do ISS o Município
onde ocorre a prestação do serviço, sendo irrelevante o local em que se
encontra o estabelecimento prestador. Melhor seria, porém, identificar a fraude,
em cada caso. Generalizar o entendimento contrário à norma do art. 12 do
Decreto-lei no 406/68 implica afirmar sua
inconstitucionalidade, o que não é correto, pois tal norma resolve, e muito
bem, o conflito de competência entre os Municípios. A questão está em saber o
que é estabelecimento prestador do serviço. O equívoco está em
considerar como tal o local designado formalmente pelo contribuinte.
Estabelecimento na verdade é o local em que se encontram os equipamentos e
instrumentos indispensáveis à prestação do serviço, o local em que se pratica a
administração dessa prestação. Adotado esse entendimento, as situações
fraudulentas podem ser corrigidas, sem que se precise desconsiderar a regra do
art. 12 do Decreto-lei no 406/68” (Curso de
Direito Tributário, 13. ed., São Paulo: Malheiros, p. 293).
O art. 3o da LC no 116/2003, dispositivo no qual a questão está
atualmente tratada, reitera – contra a jurisprudência do STJ – que o
critério para determinação do local da ocorrência do fato gerador é o local do
estabelecimento prestador. Essa lei complementar, contudo, faz duas alterações importantes.
Primeiro, define o que se deve entender por estabelecimento (art. 4o), para fins de determinação do
local no qual o ISS é devido. E, segundo, estabelece diversas exceções à regra
de que o imposto é devido no local do estabelecimento. O DL no 406/68 só previa como exceção a construção
civil, enquanto a nova lei contempla as exceções dos 22 incisos de seu art. 3o, todos serviços em relação aos
quais é possível se determinar onde foram prestados.
Na
edição anterior deste livro, chamávamos a atenção para esse ponto, vale dizer,
para o fato de que a jurisprudência do STJ sobre o “local da ocorrência do fato
gerador do ISS” havia sido construída à luz do DL no 406/68, e não da LC no
116/2003. E tanto isso é verdade que, em momento mais recente, a Segunda
Turma do Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se nos seguintes termos:
“[...] 1. Decisão agravada que, equivocadamente, decidiu à questão tão-somente
à luz do art. 12 do Decreto-lei no
406/68, merecendo análise a questão a partir da LC no 116/2003. 2. Interpretando o art. 12, ‘a’, do
Decreto-lei no 406/68, a
jurisprudência desta Corte firmou entendimento de que a competência tributária
para cobrança do ISS é do Município onde o serviço foi prestado. 3. Com o
advento da Lei Complementar no
116/2003, tem-se as seguintes regras: a) o ISS é devido no local do
estabelecimento prestador (nele se compreendendo o local onde o contribuinte
desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e
que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para
caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento,
sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham
a ser utilizadas); e b) na falta de estabelecimento, no local do domicílio do
prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII do art. 3o da LC no 116/2003. 4. Hipótese dos autos em que não restou
abstraído qual o serviço prestado ou se o contribuinte possui ou não
estabelecimento no local da realização do serviço, de forma que a constatação
de ofensa à lei federal esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 5. Agravo regimental
não provido” (STJ, 2a T., AgRg
no Ag 903224/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 11/12/2007, DJ de
7/2/2008, p. 1). Como se vê, o STJ não chegou a conheceer do recurso por
considerar que, em face das peculiaridades do caso (forma como a questão fora
tratada no acórdão recorrido e no recurso especial), isso dependeria do reexame
de fatos e provas, o que não pode ser feito no âmbito do Recurso Especial.
Deixou claro, de qualquer sorte, que o entendimento a respeito do local da
ocorrência do fato gerador do ISS, antes construído a partir do DL no 406/68, há de ser, como
apontávamos na primeira edição deste livro, diferente em razão do art. 3o da LC no 116/2003. Resta saber como o STJ decidirá a questão,
relativamente ao período posterior à LC no
116/2003, no que diz respeito aos casos não situados nas 22 exceções estabelecidas
no art. 3o dessa lei. Quando for
o caso de aplicar o caput do citado artigo, data venia, a Corte
não poderá continuar adotando o entendimento que sempre adotou, a menos que
declare a inconstitucionalidade do dispositivo (e não parece que haja fundamento
para isso).