quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Fica assim não, cara...

É talvez tão antiga quanto o próprio homem a discussão relativa à origem e aos fundamentos da moral. Afinal, de onde vem nosso senso de certo e de errado? Seria uma imposição de Deus, ou dos Deuses? Muitos acreditam que sim, motivo pelo qual não conseguem entender como um ateu pode, ainda assim, ser uma pessoa correta (embora não seja nenhum paradigma de retidão aquele religioso que vê no "medo do fogo do inferno" o único motivo para não praticar o mal, mas deixemos essa discussão de lado, por enquanto). A propósito, sabe-se que há quem, independentemente de questões religiosas, atribua esse senso ético à razão humana. Capaz de enxergar a si como sujeito, dotado de liberdade, e não apenas objeto submetido às leis de causalidade, o ser humano seria capaz de extrair dessa premissa consequências morais, usando para tanto a razão.

Não é o propósito deste post aprofundar essa discussão, ou alongar esse resgate histórico. Qualquer bom manual de Filosofia Moral faz um apanhado das várias correntes que, ao longo dos séculos, de forma descontínua e pendular, atribuem a estes ou a outros fatores a origem e o fundamento da moralidade.

Desejo chamar a atenção do leitor, na verdade, para uma descoberta relativamente recente da biologia, que lança novas luzes sobre esse debate: o senso de certo e errado pode - e já existem várias evidências nesse sentido - ter origem evolutiva.

O assunto já foi comentado neste blog, e está um pouco mais detidamente explicado, com a indicação de literatura específica, em artigo apresentado no Conpedi de Santa Catarina em maio de 2014 (clique aqui). Neste post, gostaria apenas de chamar a atenção para as consequências dessas descobertas, que têm sido confirmadas empiricamente, com a observação de alguns animais.

Como uma imagem vale por mil palavras, peço ao leitor que preste atenção na foto abaixo: 




Na foto, constante de WAAL, Frans de. Good Natured: The Origins of Right and Wrong in Humans and Other Animals. Cambridge: Harvard University Press, 1996, p. 89, de autoria do próprio Waal, é retratado o momento em que Yeroen é consolado por um colega.

Yeroen era o “macho alfa” de uma comunidade de chimpanzés, posição obtida em face de sua força, sua habilidade em resolver conflitos havidos entre os demais membros da comunidade, dentre outras qualidades que o faziam credor desse reconhecimento por parte de seus semelhantes. Com o passar do tempo, e com o seu envelhecimento, essa sua posição foi ameaçada por outro macho, mais jovem, que terminou por vencê-lo em uma batalha. Logo depois de ser derrotado na batalha e destituído de seu posto de macho alfa, Yeroen aparentava estar bastante triste, sendo rapidamente consolado pelo chimpanzé menor, que espontaneamente procurou confortá-lo com gesto universal também entre os humanos. Como se estivesse dizendo: "Fica assim não, cara... Vai ficar tudo bem..."

As consequências dessas descobertas para o estudo da filosofia moral são enormes, e ainda estão para ser devidamente exploradas. A primeira e mais óbvia constatação é a de que sentimentos morais antecedem a racionalidade humana e, obviamente, a religiosidade, não guardando, portanto, relação necessária com tais pretensos fundamentos.

Não se pretende, com isso, resgatar o antigo e equivocado darwinismo social, tampouco ignorar a falácia naturalista denunicada por Hume, segundo a qual não se pode extrair um juízo de dever ser a partir (apenas) de afirmações sobre o ser. A natureza também é rica em exemplos de agressividade, egoísmo e crueldade. A biologia está longe de suplantar a importância da filosofia no trato de tais questões, mas não por isso deve desprezar as contribuições desta, que têm sido cada vez mais relevantes.