domingo, 22 de novembro de 2015

Comentários à Súmula 457 do STJ – “Os descontos incondicionais nas operações mercantis não se incluem na base de cálculo do ICMS.”


Comentários ———————————————————————————
            Deve haver relação entre a base de cálculo de um tributo e a sua hipótese de incidência. Pode-se dizer, aliás, que a primeira nada mais é do que a representação econômica da segunda. Base de cálculo deve sempre corresponder à quantificação, ou ao dimensionamento, daquilo que realiza a hipótese de incidência da norma jurídica tributária.
            Daí por que o imposto que tem por hipótese de incidência a propriedade de um imóvel urbano deve ter por base de cálculo o valor desse imóvel. Caso se colha outra grandeza para servir-lhe de base de cálculo (v.g., a renda do proprietário do imóvel), ter-se-á imposto transfigurado (no caso, verdadeiro imposto de renda disfarçado de IPTU). Confiram-se, a propósito, os comentários às Súmulas 133 e 332 do STF, e à Súmula 80 do STJ.
            Nessa ordem de idéias, se a hipótese de incidência da norma tributária relativa ao ICMS é a prática de operação relativa à circulação de mercadorias, a base de cálculo do imposto não pode ser algo diverso do valor dessa operação. Se o comerciante concedeu desconto incondicional ao comprador, o valor da operação foi determinado após a concessão do desconto, pelo que a base de cálculo do imposto não poderá ser composta do tal desconto.
            Exemplificando, se o produto seria vendido por R$ 100,00, mas em face de um desconto concedido ao comprador antes da compra terminou sendo vendido por R$ 90,00, esta última quantia é o valor da operação, e sobre ela deve ser calculado o ICMS. O mesmo raciocínio, cumpre destacar, vale para o IPI.
Literalmente, pode parecer que o ser “condicional” implica não ser concedido a todos, mas só a quem cumpra determinada condição (v. g., compre a vista). Não é bem assim, porém, até porque, nesse sentido, tudo pode ser considerado condicional (em última análise, a concessão do desconto seria “condicionada” à efetivação da compra...). Na verdade, a distinção essencial entre descontos condicionais e incondicionais está no momento em que são efetivados: descontos concedidos sob condição são aqueles que ficam a depender da ocorrência de um fato futuro e incerto, a se realizar depois da ocorrência do fato gerador do tributo. É por isso que não influem na base de cálculo do ICMS. É o caso, por exemplo, do contribuinte que compra uma mercadoria por R$ 100,00, para efetuar o pagamento em 60 dias, mas que poderá (ou não) efetuar esse mesmo pagamento em 30 dias e obter desconto de 10%. Tal desconto será condicional, e não poderá ser considerado para fins de reduzir a base de cálculo do ICMS, que deverá incidir sobre os R$ 100,00. Já o desconto incondicional é aquele concedido à luz de fatores que ocorrem antes da consumação do fato gerador, como na hipótese de o comprador localizar pequeno defeito na mercadoria anunciada por R$ 100,00 (p. ex., uma mancha em uma camisa), antes de comprá-la, e obter, por conta do defeito, a concessão de um desconto de 10%. Quando a venda se consuma, seu valor já está previamente reduzido pelo desconto, devendo o ICMS incidir sobre os R$ 90,00 pelos quais a operação foi realizada.
A lição de Hugo de Brito Machado, a esse respeito, é precisa: “A rigor, o desconto incondicional não poderia mesmo integrar a base de cálculo, porque não faz parte do valor da operação, que não é o preço proposto, mas o preço efetivo, ou preço contratado. Quanto a mercadoria é posta à venda geralmente é fixado um preço, que é o preço proposto, ou preço da oferta. O desconto incondicional é aquele concedido no momento em que se faz a venda. No momento em que se efetiva o contrato. O desconto incondicional é concedido ao comprador, para que se efetive a venda. É a diferença entre o preço da oferta e o preço do contrato.” (Hugo de Brito Machado, Aspectos Fundamentais do ICMS, 2. ed., São Paulo: Dialética, 1999, p. 78)
Vale destacar, a propósito, que idêntico raciocínio deve ser aplicado no caso de bonificação em mercadorias, técnica que não passa de outra forma de conceder o desconto incondicional. Com efeito, é indiferente que o desconto concedido pelo vendedor tenha sido de 20%, ou por meio de bonificação em mercadorias (compre 5 e leve 1 grátis). O seguinte acórdão é esclarecedor a esse respeito:
“(...)
3. Infere-se do texto constitucional que este, implicitamente, delimitou a base de cálculo possível do ICMS nas operações mercantis, como sendo o valor da operação mercantil efetivamente realizada ou, como consta do art. 13, inciso I, da LC n.º 87/96, ‘o valor de que decorrer a saída da mercadoria’. Neste sentido, a doutrina especializada: ‘Realmente a base de cálculo do ICMS não é o preço anunciado ou constante de tabelas. É o valor da operação, e este se define no momento em que a operação se concretiza. Assim, os valores concernentes aos descontos ditos promocionais, assim como os descontos para pagamento à vista, ou de quaisquer outros descontos cuja efetivação não fique a depender de evento futuro e incerto, não integram a base de cálculo do ICMS, porque não fazem parte da do valor da operação da qual decorre a saída da mercadoria. [...]’ (MACHADO, Hugo de Brito. ‘Direito Tributário – II’, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 237)
4. Consectariamente, tendo em vista que a Lei Complementar n.º 87/96 indica, por delegação constitucional, a base de cálculo possível do ICMS, fica o legislador ordinário incumbido de explicitar-lhe o conteúdo, devendo, todavia, adstringir-se à definição fornecida pela Lei Complementar.
5. Desta sorte, afigura-se inconteste que o ICMS descaracteriza-se acaso integrarem sua base de cálculo elementos estranhos à operação mercantil realizada, como, por exemplo, o valor intrínseco dos bens entregues por fabricante à empresa atacadista, a título de bonificação, ou seja, sem a efetiva cobrança de um preço sobre os mesmos.
6. Deveras, revela contraditio in terminis ostentar a Lei Complementar que a base de cálculo do imposto é o valor da operação da qual decorre a saída da mercadoria e a um só tempo fazer integrar ao preço os descontos incondicionais ou bonificações (Precedentes: REsp 721.243/PR, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 7/11/2005; REsp 725.983/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ de 23/5/2005; REsp 477.525/GO, deste Relator, DJ de 23/6/2003; e REsp 63.838/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 5/6/2000)
7. As assertivas ora expostas infirmam a pretensão do fisco de recolhimento do ICMS, incidente sobre as mercadorias dadas em bonificação, em regime de substituição tributária. Isto porque, a despeito dos propósitos de facilitação arrecadatória que fundam a substituição tributária, é evidente que a mesma não pode ensejar a alteração dos elementos estruturais do ICMS, especialmente no que atine a composição de sua base de cálculo. Esta é justamente a lição de Roque Antonio Carraza: ‘De qualquer forma, mesmo sem perdermos de vista os propósitos arrecadatórios da substituição tributária, é óbvio que ela não pode servir de instrumento para alterar os elementos estruturais do ICMS, sobretudo os que dizem respeito à composição de sua base de cálculo. Vai daí que, se – como estamos plenamente convencidos – as vendas bonificadas têm como única base de cálculo o preço efetivamente praticado, esta realidade, imposta pela própria Constituição (que, conforme vimos, traça todos os elementos da regra-matriz do ICMS), em nada é afetada pela circunstância de a operação mercantil desencadear o mecanismo da substituição tributária. Não temos dúvidas, pois, em afirmar que nos casos em que o contribuinte emite nota fiscal (seja de venda, seja de outras saídas) destinada a Estados onde se adota o mecanismo da substituição tributária de ICMS o valor a ser deduzido como forma de crédito há de ser o efetivamente praticado na operação de venda com bonificação, vale dizer, zero. Nossa convicção lastreia-se na circunstância de que a bonificação é realidade acessória da operação de compra e venda mercantil, estando, destarte, submetida à regra acessorium sequitur suum principale. Esta realidade acessória em nada é abalada pelo mecanismo da substituição tributária, que não tem, de per si, o condão de desnaturar os efeitos tributários da operação mercantil, tal como expostos neste estudo.’ (in ‘ICMS’, 10. ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p. 117/118).
8. Outrossim, o fato gerador do imposto (a circulação) decorre da saída da mercadoria do estabelecimento do vendedor, pouco importando a legislação local do adquirente, aplicável aos produtos dessa origem. É que nessa Unidade, nas operações posteriores observar-se-á a transferência eventual das mercadorias fruto de bonificação à luz da não cumulatividade.

9. Recurso especial provido” (STJ, 1.ª T., REsp 715.255/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 28/3/2006, DJ de 10/4/2006, p. 140)