Refletindo esses dias, percebi que dois livros meus, separados por quase vinte anos, têm bastante relação um com o outro. Pode-se mesmo dizer que o mais recente é o refinamento de ideias que já se encontravam, embrionárias, no mais antigo.
Por que Dogmática Jurídica? foi escrito em 2007. Nele, a ideia central é: as normas se expressam por intermédio de textos, compostos por expressões e palavras, os quais só adquirem sentido no contexto em que aplicadas. Mesmo que a cognição plena e absoluta dos textos fosse possível (de nenhum objeto o é), ela não o seria em relação aos elementos contextuais. Daí por que o ramo do conhecimento que se propõe a estudar normas, se se pretende científico, não se pode designar "dogmática". É um oxímoro falar-se em "ciência dogmática". Algo como calor gelado ou secura úmida.
No mais recente, fruto de minha tese de livre docência na USP, aprofunda-se essa ideia, apontando-se a inferência abdutiva, o método falibilista popperiano, e o modelo Toulmin de argumentação, como hábeis a, juntos (são como que desdobramentos de uma mesma ideia explicada de formas diferentes), permitir a indicação do sentido que os textos normativos têm no caso em que aplicados, de modo intersubjetivamente controlável e, nessa condição, passível de crítica.
A textura aberta da linguagem permite ou suscita questionamentos bastante relevantes a respeito da determinação do sentido das palavras (à luz dos fatos relevantes ao caso), o que começo a explorar neste livro. Sem dúvida, há muito ainda a ser tratado. Em especial a impossibilidade de, com mais palavras, se afastar a vagueza ou a ambiguidade de palavras: incorre-se em regresso ao infinito. Para deixar claro o sentido de uma palavra, usam-se pelos menos outras quatro ou cinco, as quais, cada uma delas pode ter seu sentido problematizado. Exemplo: renda é acréscimo de patrimônio em período determinado de tempo. O que é acréscimo? O que é patrimônio? Devoluções são acréscimos? E se forem ligeiramente maiores que a quantia retirada? Quanto maior, para que passem de devolução a acréscimo? E se se tratar de acréscimo ao patrimônio material para reparar decréscimo moral?
Não que tais questões não tenham solução. Tem. Mas não se pode ingenuamente achar que só acrescentando mais e mais palavras ao debate se vai, abstrata e aprioristicamente, resolvê-lo. Remeto, a esse respeito, à polêmica "Soler x Carrió", mas esta fica já para outro post.