sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Meteram o fumo na fabricante de cigarros?

Está em apreciação no STF processo muito interessante, e de desfecho relevante para determinar os rumos da jurisprudência daquela Corte em matéria de "sanções políticas", vale dizer, meio de coação indireta usados contra contribuintes supostamente devedores, como forma de cobrança à margem do devido processo legal.
É o caso de uma fabricante de cigarros que está sendo ameaçada de ter seus estabelecimentos fechados pela Receita Federal, por ser supostamente devedora de elevada quantia a título de IPI.
A fabricante afirma não ser devedora de tais quantias, e a maior parte dos débitos está inclusive com exigibilidade suspensa por determinação judicial. Mas a questão é maior que a discussão sobre a existência das dívidas. Ainda que esteja mesmo devendo, o fechamento pode ser aplicado por conta disso?
Tive a oportunidade de ajudar meu pai a fazer um parecer para a fabricante, que está sendo usado por ela no julgamento que acontece no STF. Foi publicado na RDDT 150, a mesma que referi na postagem anterior. Pode ser vista - a revista, não o parecer - em http://www.dialetica.com.br/
Vi nas notícias do STF uma remissão ao caso que me faz desconfiar (mais do que eu já desconfiava) que os interesses da Receita estejam, no caso, sendo usados não para "proteger a sociedade", ou a "arrecadação", mas apenas os interesses de concorrentes da própria empresa de cigarros.
Às vezes isso ocorre, e é terrível para o contribuinte. O fisco se alia aos seus concorrentes, e invoca o suposto interesse público para, na verdade, realizar o interesse privado da concorrência de eliminar mais um do mercado.
Não estou defendendo, evidentemente, o direito de não pagar tributos. Nem muito menos fazendo uma apologia ao cigarro. De forma alguma. A questão é preservar o direito à livre iniciativa e à livre concorrência, e à cobrança de tributos nos termos do devido processo legal. Fechar empresas porque estas têm débitos tributários é inaceitável. Afinal, do mesmo modo que os cigarros da "American Virginia" são nocivos, os da Souza Cruz e os da Phillip Morris também o são. Se a exploração do tabaco é livre, lícita e permitida, não se pode fechar uma empresa por alegados débitos tributários, ao argumento de que seu produto é nocivo. Aplicam-se ao caso, como uma mão à luva, os princípios subjacentes às Súmulas 70, 323 e 547 do STF.
Isso para não referir violações escandalosas ao devido processo legal, havidas no próprio julgamento do RE, como, por exemplo, a inserção de "fatos novos" pela Fazenda Nacional, em sede de memoriais, fatos estes que não haviam sido discutidos nas instâncias ordinárias, nem no acórdão recorrido, nem nas razões - e contra-razões - de RE...
Mas não é o caso de alongar aqui a discussão. O parecer está na RDDT 150, e a notícia à qual me reportava é a seguinte:
"STF admite participação de sindicato em processo sobre fechamento de empresa de cigarros

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (28), admitir o Sindicato da Indústria do Fumo do Estado de São Paulo (Sindifumo/SP) como assistente litisconsorcial simples no Recurso Extraordinário (RE) 550769. Neste recurso, a American Virginia Indústria, Comércio Importação e Exportação de Tabacos Ltda. questiona acórdão (decisão colegiada) do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que poderá levar ao fechamento da empresa.
A decisão foi tomada pelo STF no julgamento de uma questão de ordem levantada no processo, e todos os demais ministros acompanharam o voto do relator, ministro Joaquim Barbosa, que opinou pelo interesse do Sindifumo e por sua legitimidade para atuar no processo como assistente simples. A American Virginia havia se manifestado a favor do pleito do Sindifumo, enquanto a União e o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Instituto Ético), também admitido no processo como litisconsorte, a ele se opuseram.
Ao decidir a questão, o STF indeferiu, por outro lado, requerimento do Sindifumo/SP para que o processo tramitasse em segredo de justiça. O Tribunal entendeu que se trata de questão de interesse público e que a tramitação em segredo de justiça só se dá em casos excepcionais. Entretanto, o relator, ministro Joaquim Barbosa, opinou pela preservação de sigilo em torno de algumas questões do processo, de interesse apenas do Sindifumo e do Instituto Ético.
Os demais ministros acompanharam, também, o voto do ministro Joaquim Barbosa no sentido de indeferir requerimento do Sindifumo para produção de provas. Segundo o relator, esta não é cabível no atual estágio em que se encontra o processo, pois não há previsão legal para ela.
O TRF-2 reconheceu a receptividade, pela Constituição Federal de 1988, do artigo 2º, inciso II, do Decreto-Lei 1.593/77, que autoriza o cancelamento de registro especial, obrigatório para funcionamento das empresas fabricantes de cigarros, no caso de descumprimento de obrigações tributárias. A American Virginia é acusada pela Secretaria da Receita Federal de ter sonegado impostos em valor que se aproximaria de R$ 1 bilhão.
Com sede em Nova Iguaçu, a American Virginia atua em 26 estados do País e no Distrito Federal, na comercialização, fabricação, importação e exportação de produtos de tabaco. Em 2005, quando foi iniciado o processo, afirmava deter 3,2% do mercado nacional de fumo. Sustenta que uma eventual cassação da licença deixará sem emprego cerca de 7 mil pessoas que atuam, direta ou indiretamente em seus negócios.
FK/LF
Processos relacionadosRE 550769"

3 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Hugo de Brito,

Meu nome é Luis Felipe Dalmedico Silveira, tenho 24 anos e sou pós-graduando no curso "Direito Privado e Empreendedorismo" da FGV.

O caso "American Virginia x União Federal" é o tema de meu trabalho de conclusão de curso - notadamente, no que diz respeito a autonomia privada e a possibilidade ou não de se vedar a exploração de determinada atividade econômica em razão de inadimplemento de tributos.

Gostaria, se isso fosse possível, que o Sr. me disponibilizasse algumas informações relativas ao caso, principalmente, as alegações de American Virginia e União Federal em 1ª instância e o teor da sentença proferida pelo juízo de 1º grau.

Meu e-mail é luisfelipe.adv@gmail.com

Aguardo, se possível, seu contato.

Obrigado pela atenção e pela disposição.

Cordialmente,

Luis Felipe.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Felipe,

Infelizmente, não posso divulgar detalhes do caso, em face do dever de sigilo profissional. O que sou autorizado a publicar consta no blog, e, de forma detalhada, no parecer em cuja feitura auxiliei meu pai, que foi publicado na Revista Dialética de Direito Tributário (procure em www.dialetica.com.br) e no livro Direito Tributário Aplicado (procure em www.forense.com.br).
Sucesso em seu trabalho. O tema é relevantíssimo. Sobre ele, aliás, talvez seja útil também conferir o livro "Certidões Negativas e Direitos Fundamentais do Contribuinte", editado pela Dialética e pelo ICET (www.icet.org.br), no qual a questão subjacente à questão da American Virginia é tratada por diversos autores, por prismas bem diversificados.

Anônimo disse...

Prezado Hugo,

Obrigado pela dica.

Consultarei as obras que você me indicou a fim de obter mais informações sobre o caso.

Mais uma vez, agradeço sua atenção.

Cordialmente,

Luis Felipe.