terça-feira, 30 de setembro de 2008

Machado de Assis e o homossexualismo feminino

Fala-se muito, nos últimos dias, de Machado de Assis, seguramente um dos maiores, senão o maior, escritor brasileiro. A razão é o centenário de sua morte.
O site do Ministério da Cultura, inclusive, em uma iniciativa louvável, disponibilizou toda a sua obra, nos formatos doc e pdf, em site de primorosa feitura. Para acessá-lo, clique aqui.
Mas o que me motiva a fazer este post, como o título sugere, é o homossexualismo feminino. Ou, pelo menos, a sua suposta presença na obra do mencionado autor.
Refiro-me ao conto "Benedita", no qual se lê:

"CAPÍTULO PRIMEIRO
A coisa mais árdua do mundo, depois do ofício de governar, seria dizer a idade exata de D. Benedita. Uns davam-lhe quarenta anos, outros quarenta e cinco, alguns trinta e seis. Um corretor de fundos descia aos vinte e nove; mas esta opinião, eivada de intenções ocultas, carecia daquele cunho de sinceridade que todos gostamos de achar nos conceitos humanos. Nem eu a cito, senão para dizer, desde logo, que D. Benedita foi sempre um padrão de bons costumes. A astúcia do corretor não fez mais do que indigná-la, embora, momentaneamente; digo momentaneamente. Quanto às outras conjeturas, oscilando entre os trinta e seis e os quarenta e cinco, não desdiziam das feições de D. Benedita, que eram maduramente graves e juvenilmente graciosas. Mas, se alguma coisa admira é que houvesse suposições neste negócio, quando bastava interrogá-la para saber a verdade verdadeira.

D. Benedita fez quarenta e dois anos no domingo dezenove de setembro de 1869.

São seis horas da tarde; a mesa da família está ladeada de parentes e amigos, em número de vinte ou vinte e cinco pessoas. Muitas dessas estiveram no jantar de 1868, no de 1867 e no de 1866, e ouviram sempre aludir francamente à idade da dona da casa. Além disso, vêem-se ali, à mesa, uma moça e um rapaz, seus filhos; este é, decerto, no tamanho e nas maneiras, um tanto menino; mas a moça, Eulália, contando dezoito anos, parece ter vinte e um, tal é a severidade
dos modos e das feições.

A alegria dos convivas, a excelência do jantar, certas negociações matrimoniais incumbidas ao cônego Roxo, aqui presente, e das quais se falará mais abaixo, as boas qualidades da dona da casa, tudo isso dá à festa um caráter íntimo e feliz. O cônego levanta-se para trinchar o peru. D. Benedita acatava esse uso nacional das casas modestas de confiar o peru a um dos convivas, em vez de o fazer retalhar fora da mesa por mãos servis, e o cônego era o pianista daquelas ocasiões
solenes. Ninguém conhecia melhor a anatomia do animal, nem sabia operar com mais presteza. Talvez, — e este fenômeno fica para os entendidos, — talvez a circunstância do canonicato aumentasse ao trinchante, no espírito dos convivas, uma certa soma de prestígio, que ele não teria, por exemplo, se fosse um simples estudante de matemáticas, ou um amanuense de secretaria. Mas, por outro lado, um estudante ou um amanuense, sem a lição do longo uso, poderia dispor da arte consumada do cônego? É outra questão importante.

Venhamos, porém, aos demais convivas, que estão parados, conversando; reina o burburinho próprio dos estômagos meio regalados, o riso da natureza que caminha para a repleção; é um instante de repouso.

D. Benedita fala, como as suas visitas, mas não fala para todas, senão para uma, que está sentada ao pé dela. Essa é uma senhora gorda, simpática, muito risonha, mãe de um bacharel de vinte e dois anos, o Leandrinho, que está sentado defronte delas. D. Benedita não se contenta de falar à senhora gorda, tem uma das mãos desta entre as suas; e não se contenta de lhe ter presa a mão, fita-lhe uns olhos namorados, vivamente namorados. Não os fita, note-se bem, de um modo persistente e longo, mas inquieto, miúdo, repetido, instantâneo. Em todo caso, há muita ternura naquele gesto; e, dado que não a houvesse, não se perderia nada, porque D. Benedita repete com a boca a D. Maria dos Anjos tudo o que com os olhos lhe tem dito: — que está encantada, que considera uma fortuna conhecê-la, que é muito simpática, muito digna, que traz o coração nos olhos, etc., etc., etc.

Uma de suas amigas diz-lhe, rindo, que está com ciúmes.

— Que arrebente! responde ela, rindo também.

E voltando-se para a outra:

— Não acha? ninguém deve meter-se com a nossa vida.

E aí tornavam as finezas, os encarecimentos, os risos, as ofertas, mais isto, mais aquilo, — um projeto de passeio, outro de teatro, e promessas de muitas visitas, tudo com tamanha expansão e calor, que a outra palpitava de alegria e reconhecimento.

O peru está comido. D. Maria dos Anjos faz um sinal ao filho; este levanta-se e pede que o acompanhem em um brinde:
 — Meus senhores, é preciso desmentir esta máxima dos franceses: — les absents ont tort. Bebamos a alguém que está longe, muito longe, no espaço, mas perto, muito perto, no coração de sua digna esposa: — bebamos ao ilustre Desembargador Proença.

A assembléia não correspondeu vivamente ao brinde; e para compreendê-lo basta ver o rosto triste da dona da casa. Os parentes e os mais íntimos disseram baixinho entre si que o Leandrinho fora estouvado; enfim, bebeu-se, mas sem estrépito; ao que parece, para não avivar a dor de D. Benedita. Vã precaução! D. Benedita, não podendo conter-se, deixou rebentarem-lhe as lágrimas, levantou-se da mesa, retirou-se da sala. D. Maria dos Anjos acompanhou-a. Sucedeu um silêncio mortal entre os convivas. Eulália pediu a todos que continuassem, que a mãe voltava já.

— Mamãe é muito sensível, disse ela, e a idéia de que papai está longe de nós...
O Leandrinho, consternado, pediu desculpa a Eulália. Um sujeito, ao lado dele, explicou-lhe que D. Benedita não podia ouvir falar do marido sem receber um golpe no coração — e chorar logo; ao que o Leandrinho acudiu dizendo que sabia da tristeza dela, mas estava longe de supor que o seu brinde tivesse tão mau efeito.
— Pois era a coisa mais natural, explicou o sujeito, porque ela morre pelo marido.
— O cônego, acudiu Leandrinho, disse-me que ele foi para o Pará há uns dois anos...
— Dois anos e meio; foi nomeado desembargador pelo ministério Zacarias. Ele queria a Relação de São Paulo, ou da Bahia; mas não pôde ser e aceitou a do Pará.
— Não voltou mais?
— Não voltou.
— D. Benedita naturalmente tem medo de embarcar...
— Creio que não. Já foi uma vez à Europa. Se bem me lembro, ela ficou para arranjar alguns negócios de família; mas foi ficando, ficando, e agora...
— Mas era muito melhor ter ido em vez de padecer assim... Conhece o marido?
— Conheço; um homem muito distinto, e ainda moço, forte; não terá mais de quarenta e cinco anos. Alto, barbado, bonito. Aqui há tempos disse-se que ele não teimava com a mulher, porque estava lá de amores com uma viúva.
— Ah!
— E houve até quem viesse contá-lo a ela mesma. Imagine como a pobre senhora ficou! Chorou uma noite inteira, no dia seguinte não quis almoçar, e deu todas as ordens para seguir no primeiro vapor.
— Mas não foi?
— Não foi; desfez a viagem daí a três dias.

D. Benedita voltou nesse momento, pelo braço de D. Maria dos Anjos. Trazia um sorriso envergonhado; pediu desculpa da interrupção, e sentou-se com a recente amiga ao lado, agradecendo os cuidados que lhe deu, pegando-lhe outra vez na mão.
— Vejo que me quer bem, disse ela.
— A senhora merece, disse D. Maria dos Anjos.
— Mereço? inquiriu ela entre desvanecida e modesta.

E declarou que não, que a outra é que era boa, um anjo, um verdadeiro anjo; palavra que ela sublinhou com o mesmo olhar namorado, não persistente e longo, mas inquieto e repetido. O cônego, pela sua parte, com o fim de apagar a lembrança do incidente, procurou generalizar a conversa, dando-lhe por assunto a eleição do melhor doce. Os pareceres divergiram muito. Uns acharam que era o de coco, outros o de caju, alguns o de laranja, etc. Um dos convivas, o Leandrinho, autor do brinde, dizia com os olhos, — não com a boca, — e dizia-o de um modo astucioso, que o melhor doce eram as faces de Eulália, um doce moreno, corado; dito que a mãe dele interiormente aprovava, e que a mãe dela não podia ver, tão entregue estava à contemplação da recente amiga. Um anjo, um verdadeiro anjo!"

Constaria, aí, nos itens em negrito, a indicação de algo mais que amizade entre as duas amigas?
Não tenho o propósito, evidentemente, de discutir o homossexualismo em si, seja do ponto de vista ético, biológico, jurídico ou religioso. Não é isso o que interessa. A questão, que suscito, relaciona-se à atualidade do escritor, que mencionava tema - no Século XIX - que, conquanto sempre presente nas sociedades humanas, mesmo hoje é polêmico quando abordado em telenovelas.
Josué Montello - no Diário do Entardecer - viu nessa narrativa um evidente exemplo de homossexualismo feminino. Depois transcrevo, aqui no blog, o que ele disse sobre o assunto.
Se for assim mesmo, pode-se dizer então, agora que tanto se fala dele em face do centenário de sua morte, que Machado de Assis estava à frente de seu tempo também nesse ponto. Não só no estilo, na maneira de dialogar com o leitor e de estruturar as histórias, mas também na tolerância e no reconhecimento das diferenças. Ou não?
Confesso que, quando li o conto pela primeira vez, não percebi nada disso. Relendo-o agora, depois de ter sido a tanto provocado pela observação de Montello, continuo sem ter essa certeza. Não teria a amiga apenas saído para consolar a outra, triste por haver sido deixada pelo marido, e isso haver sido inconvenientemente mencionado à mesa?

domingo, 28 de setembro de 2008

Mas que maquete cara!

Passei boa parte da manhã deste domingo ajudando minha filha, e algumas coleguinhas dela, na feitura de uma maquete solicitada pela sua professora do colégio.
O trabalho é válido, e, acredito, ajuda a desenvolver nas crianças o senso estético, a coordenação motora e visual, o sentimento de grupo e a valorização da cooperação. Isso para não referir o que aprendem em torno do tema sobre o qual a maquete deve ser feita. Uma trouxe os pincéis, outra as tintas, outra o isopor... Uma ficou encarregada de algumas colagens...
Minha ajuda resumiu-se ao auxílio com facas, tesouras e fogo (para esquentar a faca e cortar mais facilmente o isopor). Dei algumas dicas também sobre cores a serem usadas, e sobre escalas. Destaquei a importância da proporção entre os objetos, não sendo possível misturar carrinhos matchbox com cadeiras da polly. Essa, aliás, era uma obsessão minha quando criança. Achava terrível ver meus sobrinhos colocando comandos em ação em carros da barbie e fazendo-os passar por entre casinhas de playmobil... Mas, voltando à maquete, dadas as dicas e diretrizes iniciais, elas fizeram todo o resto sozinhas. E ficou até bonitinha, para um grupo de meninas de oito anos.
Foi quando eu soube de uma história que me deixou perplexo.
Comentando essas atividades matutinas com alguns conhecidos, em um outro ambiente, em outro contexto, ouvi comentários de algumas mães, de outras crianças, diversas das que trabalhavam com minha filha (e até de outra série), a respeito do preço absurdo que uma senhora teria cobrado para fazer a maquete de seus filhos.
- Como assim? - Perguntei.
- Sim!!! A mulher teve o descaramento de cobrar R$ 100,00 para fazer a maquete!!! - Foi o que responderam as mães, que contrataram a senhora, bem habilidosa, para fazer o trabalho.
- Mas o trabalho não deveria ter sido feito pelos seus filhos?
- Ah... Mas é só uma maquetezinha besta, cuja feitura não mede o conhecimento de ninguém... A senhora, por outro lado, é responsável pela confecção de mesas de aniversário, e tem muita habilidade. A maquete ficou linda! Como o trabalho era em grupo, as mães das quatro crianças dividiram os honorários pela elaboração da maquete, que saiu por R$ 25,00 para cada uma...
A pior parte, contudo, foi ver o puta exemplo que essas mulheres estão dando para as pobres crianças, que assistem a tudo e assim aprendem ser esse o "jeito certo" de resolver as coisas. Nessas horas, dá vontade de sentir todos os prazeres fonéticos possíveis, acrescendo-se aos analisados pelo Prof. Alberto Xavier, ainda, o puta que pariu.
Sempre vemos em nossos pais um modelo. Na infância, inclusive, alguns valores podem não estar ainda devidamente consolidados na personalidade da criança, que toma a conduta do pai ou da mãe como paradigma. E que grande paradigma esses estão tendo.
Quando, depois, pagarem alguém para fazer sua monografia, na faculdade, a quem a mãe poderá culpar? As más companhias? Certamente. Estas são sempre as culpadas pelos defeitos que muitos pais não têm olhos para ver nos próprios filhos, e, às vezes, em si mesmos.
Quando, formados, acharem que pagando o oficial de justiça, o delegado ou o juiz, resolverão seus problemas, ou quando quiserem pagar para vencer uma licitação, ou para serem dispensados de um tributo que efetivamente devem... Tudo isso será, para eles, a coisa mais natural do mundo!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

John Nash e a teoria dos jogos

Com o mesmo propósito revelado no post sobre a Fundamentação do Direito Natural, insiro, aqui, o arquivo em PDF com o original da tese de doutorado de John Nash:




Es Dworkin un jusnaturalista?

Como disse que experimentaria postar algo em espanhol ou inglês…
Li recentemente um livro de Dimitri Dimoulis em que ele afirma algo mais ou menos assim: as pessoas no Brasil citam muito Ronald Dworkin, mas o fazem a partir de Alexy. Não leram sua obra toda, e não sabem que ele, na verdade, é.... J U S N A T U R A L I S T A.
E isso é dito – posso estar errado, naturalmente, mas entendi assim – quase como se se estivesse falando de um defeito inconfessável, um problema terrível, que, se fosse verdadeiramente conhecido dos brasileiros (será que não é?), estes jamais citariam o tal autor, e ainda queimariam seus livros na fogueira...
Fiz, então, a seguinte reflexão:
Es común, hoy en día, el pensamiento de que ser un jusnaturalista es algo muy malo. Casi como creer en duendes. Hay menos pudor en admitir la posición de positivista, pero también se necesita coraje para hacerlo. Lo mejor es el rótulo de “post-positivista”.
Pero… Será que lo son todos que dicen serlo? Que es el post-positivismo? Pensaba saber, pero, después de leer un poco sobre él, ya no sé.
Dworkin tiene un bueno artículo sobre el tema. En sus palabras, "no one wants to be called a natural lawyer". Asimismo, el sigue en el tema y define – de modo simple y directo - el jusnaturalismo como siendo la teoría según la cual “what the law is depends in some way on what the law should be." (DWORKIN, Ronald. "´Natural law revisited", in University of florida law review, vol. XXXIV, winter 1982, n.2, p. 165).
Despues, con coraje, dice: "If the crude description of natural law I just gave is correct, that any theory which makes the content of law sometimes depend on the correct answer to some moral question is a natural law theory, then I am guilty of natural law. I am not now interested, I should add, in whether this crude characterization is historically correct, or whether it succeeds in distinguishing natural law from positivist theories of law. My present concern is rather this. Suppose this is natural law. What in the world is wrong with it?"
Es verdad. What in the world is wrong with it?
Si contesto la pregunta al respecto del post-positivismo diciendo que es una teoría según la cual el ordenamiento tiene normas con estructura de principio, que determinan la realización de fines (una forma de hacer objetivos los valores…), estaré por acaso muy distante del positivismo? No son normas positivas los principios?
Si hay una orden jurídica que parece injusta, permeada de principios -mandamientos de optimización - injustos, que apuntan como fines, por ejemplo, la inferioridad de la mujer o la superioridad de una raza, cuáles son los criterios que el post-positivismo ofrece para juzgarla? No son ellos, por supuesto, meta o supra positivos?
Si soy médico, y estoy a estudiar substancias químicas, no lo hago pensando cómo podrán curar molestias? Este fin, metafísico porque no captado por los sentidos, no orienta mis pesquisas, o mi forma de ver las drogas que son (para que sean como deberían ser)? Si constato que una droga (que es) no logra atingir en absoluto la finalidad para la cual fue hecha (curar una molestia), no dejo de llamarla remedio? Por qué rayos con el derecho sería de modo distinto?
Diría más que Dworkin. No solo no hay nada no mundo que haga eso erado. En verdad, es imposible para un hombre – o una criatura humana, para no ser machista – ver una cosa que es de forma divorciada da forma como debería ser.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Quando o cliente tem razão em um SPA?

O suor escorria-lhe pela testa. Encerrava-se mais uma sessão de exercícios no SPA, e Teresa já não agüentava mais. Agora, felizmente, depois de um banho bem relaxante, chegaria a hora do almoço.
Chegando ao refeitório, contudo, a decepção. Sopa de frango de novo. E o detalhe: a sopa de frango já havia sido apelidada pelos demais freqüentadores do SPA de "sopa de frango sem frango".
O procedimento - segundo a imaginação brincalhona dos colegas de Teresa - seria o seguinte. Todos os dias o cozinheiro colocaria o frango para cozinhar em uma grande panela com água, sal e alguns legumes. O frango inteiro. Entretanto, ao final do cozimento, o frango é retirado da sopa, preso por um pequeno cordão, tal como aqueles saquinhos de chá.
No dia seguinte, O MESMO frango seria usado para uma nova sopa. E assim sucessivamente, por todos os dias da semana, até o sábado. Neste, em vez da sopa (cada vez mais rala, como é de se supor), seria servido, no jantar, o próprio frango, já inteiramente sem gosto, devidamente desfiado.
Além disso, nos lanches, biscoitinhos de fibra, barras de cereais, gelatina diet, massagens e exercícios. No jantar, salada, que - todos reclamavam - era composta basicamente de folhas. Ora - diziam - se folhas emagrecessem, não haveria elefantes gordos... Nem vacas, que só comem capim... Frases assim inteligentes despertavam gargalhadas crepitosas entre os frequentadores, que assim encontravam maneira de dar vazão às suas ânsias reprimidas.
Ao cabo de alguns dias, como mencionado, Teresa já não agüentava mais. Precisava comer algo de mais "sustância", como diria a babá de sua filha, de quem, aliás, sentia saudades. Da filha, e da babá. E da tapioca preparada por esta nas horas vagas enquanto a criança estava na escola, devidamente recheada com muito queijo de coalho.
Até que não agüentou. Começou, junto com alguns colegas, a providenciar um contrabando de big-macs. No mercado negro, poderiam ser obtidos por até R$ 40,00. Com mais um pouco, também as batatinhas, e a coca-cola normal.
Ao cabo de mais alguns dias, como era de se esperar,o peso de Teresa, em vez de diminuir, aumentava. Proporcionalmente aos Bigmacs que obtinha por meios escusos, dentro do próprio SPA. Alguns trazidos por familiares dentro de sacolas com roupas, alternadamente com pacotinhos de ruffles ou de pringle´s.
Teresa, enfim, revoltada com tudo aquilo, resolveu reclamar com a direção daquela espelunca.
- É um absurdo! Essa sopa de frango, e esses exercícios, eu não agüento mais. Quero algo mais saboroso para comer. E mais descanso.
- Dra. Teresa - ponderou o diretor - infelizmente essa dieta é sugerida pelas nossas nutricionistas. Algo mais saboroso talvez não ajude a senhora a atingir os objetivos que desejava quando hospedou-se aqui...
- Mas eu - e aí ela encheu a boca - estou  P A G A N D O  essa porra (palavra pronunciada pelo mero prazer fonético, sem qualquer finalidade ofensiva)! E não é pouco!!! Quero uma pizza hut agora!! Quero que esse instrutor idiota deixe de me obrigar a fazer tantos abdominais. É um acinte! Quero também doce de leite como sobremesa. Ou de goiaba com queijo de coalho. E aquela secretariazinha escrota que viu minha tia chegando ontem, e tomou o pacote de ruffles que ela trazia dentro da sacola, quero que seja expulsa do SPA imediatamente. É uma humilhação, para mim, ter que encará-la todos os dias, aquela atrevidinha! Recalcada! Só porque é magra fica se achando, mas é uma lisa! E o Sr. diretor não se esqueça do mandamento de toda empresa que se preze: "o cliente tem sempre razão"!

Diante de tais agressivas e ameaçadoras reclamações, o diretor desse SPA tem duas opções.

1) Uma é dar à Teresa, e aos demais freqüentadores do lugar, tudo o que querem. Afinal, estão pagando. E caro. São clientes, e o cliente tem sempre razão. Logo, poderão passar o dia inteiro vendo televisão e comendo fast food. À noite, para variar, pode haver rodízio de massas, de churrasco ou de sushi. Ou ainda de pizza. Talvez, melhor, de tudo isso junto.
Ficarão todos satisfeitíssimos em um primeiro momento. O dono do SPA, com o caixa abarrotado em virtude de filas de gordinhos a procura de vagas, querendo passar semanas em um lugar tão legal. Até clientes de outros SPAs pedirão transferência para aquele, tão descolado e antenado. Os freqüentadores, por sua vez, mais satisfeitos ainda. Afinal, poderão dizer para familiares, amigos, e para suas próprias consciências, que estão em um SPA, pois, lá no fundo, admitem que precisam entrar em forma. Até que... Até que... Até que, depois de algum tempo, os clientes começam a sair do SPA e verificar, quando voltam para casa, que não emagreceram, e, em alguns casos, estão até muito mais gordos. O que pagaram no SPA foi dinheiro jogado fora; poderiam ter comido a mesma coisa em qualquer restaurante, por preços mais baixos, sem ter de se afastar de casa, da família, da rotina. Algum tempo depois, aqueles que querem mesmo emagrecer não se matriculam mais ali. Passado mais algum tempo, nem os que querem só dizer que estão no SPA se matriculam, pois não adianta dizer que estão em um SPA, para familiares e amigos, se o SPA é "aquele", que tem aquela fama... E o que era bom para todos, num curtíssimo prazo, passa a ser ruim, muito ruim, também para todos, num prazo um pouco mais (mas nem tanto) longo.

2) Outra opção do diretor do SPA é dizer à Dra. Teresa que, infelizmente, a política do SPA é aquela. Que, se ela não estiver satisfeita, pode sair na hora que desejar. Aberto a eventuais sugestões no cardápio, e nos exercícios, naturalmente, mas não para torná-los mais calóricos, no primeiro caso, ou mais leves, no segundo. Atento a reclamações contra instrutores de ginástica que não tenham a formação necessária, que faltem ou que não saibam orientar na feitura dos exercícios, mas não contra os instrutores que apenas exigem dos alunos que façam os exercícios corretamente, com freqüência e dedicação. E mais: fazer tudo isso e ainda tentar impedir o contrabando de Bigmacs. Com o tempo, aquele que estiver acima do peso, e pretender, de fato, entrar em forma, saberá qual instituição procurar.
Nem questiono, aqui, se o tomador dos serviços de um SPA tem a seu favor a possibilidade de invocar os direitos do consumidor. Parece claro que tem. A questão é saber, no caso, no que consiste "ser tratado como cliente que sempre tem razão". A indagação é: seus direitos de consumidor estarão sendo reconhecidos no primeiro caso, ou no segundo?

Ah... E para quem estiver se perguntando o que isso tem a ver com um blog sobre Direito e Democracia, esclareço: nada. Afinal, não existe qualquer relação entre esse SPA e uma Instituição de Ensino Superior particular, as condutas de alguns de seus alunos e as maneiras como podem eventualmente lidar com elas... Qualquer semelhança, no caso, é, evidentemente, mera coincidência. Quem quiser, por sua conta, que faça as analogias.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Existe verdade objetiva?

A realidade é simples. São as pessoas que complicam as coisas.
No último sábado, tive uma prova disso.
Tenho lido, para a tese que estou a elaborar, algo sobre filosofia e epistemologia. Apesar de parecer uma "viagem", espero que a tese fique clara, e com os pés no chão (embora com os olhos no horizonte).
Sábado, depois do almoço, na casa dos meus pais, distraía-me com a leitura de Robert Nozick (NOZICK, Robert. Invariances – the structure of the objective world. Massachusetts/London: Harvard University Press, 2001), um grande crítico de Rawls, quando meus filhos vieram me pedir ajuda para colocar para voar umas pipas que o meu pai havia feito para eles.
Interrompi a leitura do Nozick, precisamente no capítulo em que ele discute a existência, ou não, de verdades absolutas e de realidades objetivas, e fui ajudá-los com as pipas.
Eram três pipas. Para o Hugo, e para o Paulo, meu pai fez pipas pequenas e amarelas, com o nome de cada um colado. Para a Larinha, uma pipa maior, cor de rosa, também com o nome dela. Fomos ao jardim, e, com o vento forte da Fortaleza dos meses do "B-R-O" (setembro, outubro...), as pipas alçaram vôo. Foi uma felicidade. Muitas aventuras, lanceios, pousos forçados no telhado da casa... Até que, terminada a brincadeira, fomos guardar as pipas.
Foi quando a Larinha veio-me com o seguinte questionamento:
- Pai, lá fora, no sol, minha pipa era cor de rosa, mas bem clarinha. Aqui dentro de casa, ela fica mais escura. Quase roxa. Qual é a cor VERDADEIRA da minha pipa? A que ela tem lá fora, ou a cor aqui dentro?

Esse fato revela que mesmo a realidade sensível, supostamente objetiva porque mensurável, é relativa. Ou melhor, não a realidade, propriamente, mas a imagem que fazemos dela, que é necessariamente intermediada por nossos imperfeitos sentidos.
Insisto que falar de relativismo, aqui, não é o mesmo que propor a anarquia, e a inexistência de padrões. Eles existem. Mas apenas não são universais, relacionando-se com o momento histórico e os demais paradigmas em face dos quais são traçados.
Ou seria possível dizer, no caso, a cor VERDADEIRA (ela deu bastante ênfase a essa palavra) da pipa, sem recorrer a algum ambiente - e ao sujeito nele inserido - em relação ao qual (logo, relativo ao qual) essa cor seria determinada?

domingo, 21 de setembro de 2008

Manual para ser niño

Excelente texto de García Márquez a respeito de como despertar nas pessoas, especialmente nas crianças, o interesse pela literatura.
Pretendo introduzir, experimentalmente, alguns posts em outras línguas, notadamente em espanhol e em inglês, para ampliar o âmbito das discussões, sobretudo quando não focadas apenas no direito positivo brasileiro, o que parece pertinente quando se vê, pelo Analytics, que muitos dos acessos do blog vêm da Argentina, da Colômbia e da Espanha. Talvez a divulgação deste texto seja um bom começo.


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MANUAL PARA SER NIÑO

GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
 
Aspiro a que estas reflexiones sean un manual para que los niños se atrevan a defenderse de los adultos en el aprendizaje de las artes y las letras. No tienen una base científica sino emocional o sentimental, si se quiere, y se fundan en una premisa improbable: si a un niño se le pone frente a una serie de juguetes diversos, terminará por quedarse con uno que le guste más. Creo que esa preferencia no es casual, sino que revela en el niño una vocación y una aptitud que tal vez pasarían inadvertidas para sus padres despistados y sus fatigados maestros. 
Creo que ambas le vienen de nacimiento, y sería importante identificarlas a tiempo y tomarlas en cuenta para ayudarlo a elegir su profesión. Más aun: creo que algunos niños a una cierta edad, y en ciertas condiciones, tienen facultades congénitas que les permiten ver más alla de la realidad admitida por los adultos. Podrían ser residuos de algún poder adivinatorio que el género humano agotó en etapas anteriores, o manifestaciones extraordinarias de la intuición casi clarividente de los artistas durante la soledad del crecimiento, y que desaparecen, como la glándula del timo, cuando ya no son necesarias. 
Creo que se nace escritor, pintor o músico. Se nace con la vocación y en muchos casos con las condiciones físicas para la danza y el teatro, y con un talento propicio para el periodismo escrito, entendido como un género literario, y para el cine, entendido como una síntesis de la ficción y la plástica. En ese sentido soy un platónico: aprender es recordar. Esto quiere decir que cuando un niño llega a la escuela primaria puede ir ya predispuesto por la naturaleza para alguno de esos oficios, aunque todavía no lo sepa. Y tal vez no lo sepa nunca, pero su destino puede ser mejor si alguien lo ayuda a descubrirlo. No para forzarlo en ningún sentido, sino para crearle condiciones favorables y alentarlo a gozar sin temores de su juguete preferido. Creo, con una seriedad absoluta, que hacer siempre lo que a uno le gusta, y sólo eso, es la formula magistral para una vida larga y feliz. 
Para sustentar esa alegre suposición no tengo más fundamento que la experiencia difícil y empecinada de haber aprendido el oficio de escritor contra un medio adverso, y no sólo al margen de la educación formal sino contra ella, pero a partir de dos condiciones sin alternativas: una aptitud bien definida y una vocación arrasadora. Nada me complacería más si esa aventura solitaria pudiera tener alguna utilidad no sólo para el aprendizaje de este oficio de las letras, sino para el de todos los oficios de las artes. 
 
La vocación sin don y el don sin vocación 
Georges Bernanos, escritor católico francés, dijo: "Toda vocación es un llamado". El Diccionario de Autoridades, que fue el primero de la Real Academia en 1726, la definió como "la inspiración con que Dios llama a algún estado de perfección". Era, desde luego, una generalización a partir de las vocaciones religiosas. La aptitud, según el mismo diccionario, es "la habilidad y facilidad y modo para hacer alguna cosa". Dos siglos y medio después, el Diccionario de la Real Academia conserva estas definiciones con retoques mínimos. Lo que no dice es que una vocación inequívoca y asumida a fondo llega a ser insaciable y eterna, y resistente a toda fuerza contraria: la única disposición del espíritu capaz de derrotar al amor. 
Las aptitudes vienen a menudo acompañadas de sus atributos físicos. Si se les canta la misma nota musical a varios niños, unos la repetirán exacta, otros no. Los maestros de música dicen que los primeros tienen lo que se llama el oído primario, importante para ser músicos. Antonio Sarasate, a los cuatro años, dio con su violín de juguete una nota que su padre, gran virtuoso, no lograba dar con el suyo. Siempre existirá el riesgo, sin embargo, de que los adultos destruyan tales virtudes porque no les parecen primordiales, y terminen por encasillar a sus hijos en la realidad amurallada en que los padres los encasillaron a ellos. El rigor de muchos padres con los hijos artistas suele ser el mismo con que tratan a los hijos homosexuales. 
Las aptitudes y las vocaciones no siempre vienen juntas. De ahí el desastre de cantantes de voces sublimes que no llegan a ninguna parte por falta de juicio, o de pintores que sacrifican toda una vida a una profesión errada, o de escritores prolíficos que no tienen nada que decir. Sólo cuando las dos se juntan hay posibilidades de que algo suceda, pero no por arte de magia: todavía falta la disciplina, el estudio, la técnica, y un poder de superación para toda la vida. 
Para los narradores hay una prueba que no falla. Si se le pide a un grupo de personas de cualquier edad que cuenten una película, los resultados serán reveladores. Unos daran sus impresiones emocionales, políticas o filosóficas, pero no sabrán contar la historia completa y en orden. Otros contaran el argumento, tan detallado como recuerden, con la seguridad de que será suficiente para transmitir la emoción del original. Los primeros podrán tener un porvenir brillante en cualquier materia, divina o humana, pero no serán narradores. A los segundos les falta todavía mucho para serlo -base cultural, técnica, estilo propio, rigor mental- pero pueden llegar a serlo. Es decir: hay quienes saben contar un cuento desde que empiezan a hablar, y hay quienes no sabrán nunca. En los niños es una prueba que merece tomarse en serio. 

Las ventajas de no obedecer a los padres 
La encuesta adelantada para estas reflexiones ha demostrado que en Colombia no existen sistemas establecidos de captación precoz de aptitudes y vocaciones tempranas, como punto de partida para una carrera artística desde la cuna hasta la tumba. Los padres no están preparados para la grave responsabilidad de identificarlas a tiempo, y en cambio sí lo están para contrariarlas. Los menos drásticos les proponen a los hijos estudiar una carrera segura, y conservar el arte para entretenerse en las horas libres. Por fortuna para la humanidad, los niños les hacen poco caso a los padres en materia grave, y menos en lo que tiene que ver con el futuro. 
Por eso los que tienen vocaciones escondidas asumen actitudes engañosas para salirse con la suya. Hay los que no rinden en la escuela porque no les gusta lo que estudian, y sin embargo podrían descollar en lo que les gusta si alguien los ayudara. Pero también puede darse que obtengan buenas calificaciones, no porque les guste la escuela, sino para que sus padres y sus maestros no los obliguen a abandonar el juguete favorito que llevan escondido en el corazón. También es cierto el drama de los que tienen que sentarse en el piano durante los recreos, sin aptitudes ni vocación, sólo por imposición de sus padres. Un buen maestro de música, escandalizado con la impiedad del método, dijo que el piano hay que tenerlo en la casa, pero no para que los niños lo estudien a la fuerza, sino para que jueguen con él. 
Los padres quisiéramos siempre que nuestros hijos fueran mejores que nosotros, aunque no siempre sabemos cómo. Ni los hijos de familias de artistas están a salvo de esa incertidumbre. En unos casos, porque los padres quieren que sean artistas como ellos, y los niños tienen una vocación distinta. En otros, porque a los padres les fue mal en las artes, y quieren preservar de una suerte igual aun a los hijos cuya vocación indudable son las artes. No es menor el riesgo de los niños de familias ajenas a las artes, cuyos padres quisieran empezar una estirpe que sea lo que ellos no pudieron. En el extremo opuesto no faltan los niños contrariados que aprenden el instrumento a escondidas, y cuando los padres los descubren ya son estrellas de una orquesta de autodidactas. 
Maestros y alumnos concuerdan contra los métodos academicos, pero no tienen un criterio común sobre cuál puede ser mejor. La mayoría rechazaron los métodos vigentes, por su carácter rígido y su escasa atención a la creatividad, y prefieren ser empíricos e independientes. Otros consideran que su destino no dependió tanto de lo que aprendieron en la escuela como de la astucia y la tozudez con que burlaron los obstáculos de padres y maestros. En general, la lucha por la supervivencia y la falta de estímulos han forzado a la mayoría a hacerse solos y a la brava. 
Los criterios sobre la disciplina son divergentes. Unos no admiten sino la completa libertad, y otros tratan incluso de sacralizar el empirismo absoluto. Quienes hablan de la no disciplina reconocen su utilidad, pero piensan que nace espontánea como fruto de una necesidad interna, y por tanto no hay que forzarla. Otros echan de menos la formación humanística y los fundamentos teóricos de su arte. Otros dicen que sobra la teoría. La mayoría, al cabo de años de esfuerzos, se sublevan contra el desprestigio y las penurias de los artistas en una sociedad que niega el carácter profesional de las artes. 
No obstante, las voces más duras de la encuesta fueron contra la escuela, como un espacio donde la pobreza de espíritu corta las alas, y es un escollo para aprender cualquier cosa. Y en especial para las artes. Piensan que ha habido un despilfarro de talentos por la repetición infinita y sin alteraciones de los dogmas académicos, mientras que los mejor dotados sólo pudieron ser grandes y creadores cuando no tuvieron que volver a las aulas. "Se educa de espaldas al arte", han dicho al unísono maestros y alumnos. A éstos les complace sentir que se hicieron solos. Los maestros lo resienten, pero admiten que también ellos lo dirían. Tal vez lo más justo sea decir que todos tienen razón. Pues tanto los maestros como los alumnos, y en última instancia la sociedad entera, son víctimas de un sistema de enseñanza que está muy lejos de la realidad del país. 
De modo que antes de pensar en la enseñanza artística, hay que definir lo más pronto posible una política cultural que no hemos tenido nunca. Que obedezca a una concepción moderna de lo que es la cultura, para qué sirve, cuánto cuesta, para quién es, y que se tome en cuenta que la educación artística no es un fin en sí misma, sino un medio para la preservación y fomento de las culturas regionales, cuya circulación natural es de la periferia hacia el centro y de abajo hacia arriba. 
No es lo mismo la enseñanza artística que la educación artística. Ésta es una función social, y así como se enseñan las matemáticas o las ciencias, debe enseñarse desde la escuela primaria el aprecio y el goce de las artes y las letras. La enseñanza artística, en cambio, es una carrera especializada para estudiantes con aptitudes y vocaciones específicas, cuyo objetivo es formar artistas y maestros como profesionales del arte. 
No hay que esperar a que las vocaciones lleguen: hay que salir a buscarlas. Están en todas partes, más puras cuanto más olvidadas. Son ellas las que sustentan la vida eterna de la música callejera, la pintura primitiva de brocha y sapolín en los palacios municipales, la poesía en carne viva de las cantinas, el torrente incontenible de la cultura popular que es el padre y la madre de todas las artes. 

¿Con qué se comen las letras? 
Los colombianos, desde siempre, nos hemos visto como un país de letrados. Tal vez a eso se deba que los programas del bachillerato hagan más enfasis en la literatura que en las otras artes. Pero aparte de la memorización cronológica de autores y de obras, a los alumnos no les cultivan el hábito de la lectura, sino que los obligan a leer y a hacer sinopsis escritas de los libros programados. Por todas partes me encuentro con profesionales escaldados por los libros que les obligaron a leer en el colegio con el mismo placer con que se tomaban el aceite de ricino. Para las sinopsis, por desgracia, no tuvieron problemas, porque en los periódicos encontraron anuncios como éste: "Cambio sinopsis de El Quijote por sinopsis de La Odisea". Así es: en Colombia hay un mercado tan próspero y un tráfico tan intenso de resúmenes fotostáticos, que los escritores armamos mejor negocio no escribiendo los libros originales sino escribiendo de una vez las sinopsis para bachilleres. Es este método de enseñanza -y no tanto la televisión y los malos libros-, lo que está acabando con el hábito de la lectura. Estoy de acuerdo en que un buen curso de literatura sólo puede ser una gema para lectores. Pero es imposible que los niños lean una novela, escriban la sinopsis y preparen una exposición reflexiva para el martes siguiente. Sería ideal que un niño dedicara parte de su fin de semana a leer un libro hasta donde pueda y hasta donde le guste -que es la única condición para leer un libro-, pero es criminal, para él mismo y para el libro, que lo lea a la fuerza en sus horas de juego y con la angustia de las otras tareas. 
Haría falta -como falta todavía para todas las artes- una franja especial en el bachillerato con clases de literatura que sólo pretendan ser guías inteligentes de lectura y reflexión para formar buenos lectores. Porque formar escritores es otro cantar. Nadie enseña a escribir, salvo los buenos libros, leídos con la aptitud y la vocación alertas. La experiencia de trabajo es lo poco que un escritor consagrado puede transmitir a los aprendices si éstos tienen todavía un mínimo de humildad para creer que alguien puede saber más que ellos. Para eso no haría falta una universidad, sino talleres prácticos y participativos, donde escritores artesanos discutan con los alumnos la carpintería del oficio: cómo se les ocurrieron sus argumentos, cómo imaginaron sus personajes, cómo resolvieron sus problemas técnicos de estructura, de estilo, de tono, que es lo único concreto que a veces puede sacarse en limpio del gran misterio de la creación. El mismo sistema de talleres está ya probado para algunos géneros del periodismo, el cine y la televisión, y en particular para reportajes y guiones. Y sin exámenes ni diplomas ni nada. Que la vida decida quién sirve y quién no sirve, como de todos modos ocurre. 
Lo que debe plantearse para Colombia, sin embargo, no es sólo un cambio de forma y de fondo en las escuelas de arte, sino que la educación artística se imparta dentro de un sistema autónomo, que dependa de un organismo propio de la cultura y no del Ministerio de la Educación. Que no esté centralizado, sino al contrario, que sea el coordinador del desarrollo cultural desde las distintas regiones del país, pues cada una de ellas tiene su personalidad cultural, su historia, sus tradiciones, su lenguaje, sus expresiones artísticas propias. Que empiece por educarnos a padres y maestros en la apreciación precoz de las inclinaciones de los niños, y los prepare para una escuela que preserve su curiosidad y su creatividad naturales. Todo esto, desde luego, sin muchas ilusiones. De todos modos, por arte de las artes, los que han de ser ya lo son. Aun si no lo sabrán nunca. 



sábado, 20 de setembro de 2008

Democracia e liberdade


Democracia e liberdade são conceitos interdependentes. Não há como garantir a existência de uma democracia sem a garantia da liberdade.
Ando pesquisando o assunto, que tem direta relação com o tema de minha tese de doutorado, e, coincidentemente, vi, no Diário do Nordeste, agora na sala dos professores da pós-graduação da Unifor, a notícia de que Chávez teria expulso a ONG "Human Rights Watch" da Venezuela.
O motivo da expulsão foi o fato de a organização ter afirmado que ele, Chávez, controla os tribunais do país, pelo que a garantia da tripartição de poderes, e a própria limitação ao poder do estado, que dela depende, e garante a democracia, estaria ameaçada.
A afirmação da ONG teria sido um "insulto às instituições democráticas da Venezuela", motivando assim a expulsão.
A resposta, dada pelos membros da entidade, não poderia ter sido melhor: Chávez expulsou o mensageiro, mas reforçou, até mais não poder, a mensagem...
O fato, e a justificativa de Chávez, demonstram o acerto de Sartori, para quem “a democracia se transformou numa palavra universalmente honorífica”, sendo certo que, para os inimigos da democracia, “a melhor forma de evitá-la é fazê-lo em seu nome e com seu próprio nome” (SARTORI, Giovanni. A Teoria da democracia revisitada – v. 1 – O debate contemporâneo, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Ática, p. 18.)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Teoria da Katchanga


O George fez excelente post a respeito do que ele intitulou "Teoria da Katchanga", que me lembrou texto que escrevi com a Raquel sobre o "Caos dos princípios tributários". Foi publicado no "Grandes Questões Atuais de Direito Tributário", da editora Dialética, e está disponível também no link abaixo:


Em suma, a "Teoria da Katchanga" libera o julgador de seu dever de fundamentar a decisão. Dever que, diga-se de passagem, é um notável instrumento de limitação do arbítrio. Livre dessa amarra, o julgador pode decidir, mais à vontade, da maneira que bem entender.
O grande problema dessa teoria, em matéria tributária, é que não raras vezes a maneira que o julgador bem entende é favorável ao poder público.
Essa realidade especificamente tributária foi examinada pela Raquel no livro "Interesse Público e Direitos do Contribuinte", publicado pela Dialética. Nele, diversas katchangadas foram examinadas.

O que mudou no sistema constitucional tributário de 1988 a 2008?

Fui convidado pela UnP para participar de evento, em Natal/RN, em comemoração aos 20 anos da Constituição Federal.
Falarei hoje à noite a respeito do tema "Sistema Tributário Nacional: de 1988 a 2008".
O conteúdo da palestra será, mais ou menos, o que se segue.

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Boa noite a todos.
Sou grato aos organizadores deste evento, sobretudo à UnP e à Editora Atlas, pelo convite que me fizeram para que dele participasse. É sempre uma satisfação vir a Natal e discutir temas ligados ao Direito, à Constituição Federal de 1988, e à tributação.
Em relação ao tema, o nosso sistema tributário efetivamente sofreu diversas alterações dignas de nota, nestes últimos 20 anos. No plano infraconstitucional, aboliu-se a garantia do sigilo bancário em face da Fazenda Pública (LC 105/2001), institui-se a chamada "norma geral anti-elisão" (LC 104/2001, que inseriu parágrafo no art. 116 do CTN), ainda não regulamentada mas já responsável por alguns questionamentos, procederam-se a diversas alterações na legislação processual (com inegáveis repercussões na esfera tributária, ou processual tributária), ampliou-se a idéia do imposto de renda incidente sobre bases mundiais (world wide income taxation), etc., alterações estas cuja validade fora questionada mas ainda não definitivamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal. No plano constitucional, e fazendo referência agora ao sistema constitucional tributário, assim entendido o conjunto ordenado de normas constitucionais que cuidam da tributação, assistiu-se à constitucionalização da substituição tributária "para frente" (EC 3/93), à permissão constitucional para a fixação de alíquotas progressivas para o IPTU, à ampliação da regra da anterioridade (EC 42/2003), entre muitas outras modificações.
São tantas, que não poderia examiná-las todas no tempo desta exposição. Poderia, quando muito, catalogá-las, não restando tempo sequer para explicá-las com maior detalhamento.
Por isso, escolhi um tema central, ou um problema central, em torno do qual a maior parte das mudanças, muitas até aparentemente não relacionadas porquanto distintas umas das outras, foram levadas a efeito. Ou, por outras palavras, procurarei um fio condutor que permita estabelecer uma conexão entre diversas modificações sofridas pelo texto constitucional nas duas últimas décadas.
Refiro-me ao federalismo.
Só lembrando, federalismo designa uma forma de estado em que vários entes se reúnem para formar um estado soberano, ou um "país", cada um conservando a sua autonomia.
São exemplos de federação os Estados Unidos da América do Norte, a Argentina, a Alemanha, Austrália, México, Venezuela, e, entre outros, o Brasil.
Embora não exista um modelo abstrato e absoluto de federação, não sendo, diversamente do que às vezes inadvertidamente se diz, a Constituição dos EUA, como ironizou João Mangabeira, o "metro de irídio" conservado em Paris, pode-se apontar como característica dessa forma de estado a existência de divisões internas, constitucionalmente determinadas, dotadas de autonomia política, financeira e administrativa.
Não é o caso de entrarmos, aqui, na discussão relativa às vantagens da forma federativa de Estado. Ela foi adotada por nossa Constituição, e inclusive alçada ao patamar de cláusula pétrea, como se depreende do art. 60, § 4.º, da CF/88. Pode-se dizer, mesmo assim, que a federação consiste em uma divisão vertical interna do poder (ou das funções...), análoga à tripartição de poderes, que seria uma divisão horizontal. Assim, como toda forma de divisão do poder, que se presta a contê-lo, a federação é muito importante. Mas não só. A federação presta-se, ainda, para permitir a unidade apesar (e com o respeito) da diversidade, sendo apontada como a solução para conflitos étnicos, linguísticos e culturais que, de outra forma, levariam à cisão do Estado. E, finalmente, tem ela a grande vantagem de incrementar o exercício da democracia, tanto por permitir que pessoas de partidos e ideologias diferentes dividam o exercício do poder (v.g., Presidente da República de um partido e Governador do Estado de outro), como por aproximar o representante dos representados, notadamente em países de dimensão continental como o Brasil.
Pois bem. Mas - o leitor pode estar se perguntando - o que a federação tem a ver com a tributação, com o sistema tributário e com suas mudanças nos últimos 20 anos?
A relação entre federalismo e tributação é muito intensa. Isso porque o que caracteriza a forma federativa de estado, como visto, é a existência de divisões internas autônomas. E a autonomia, nem é preciso dizer, depende da existência de recursos com os quais a liberdade por ela oferecida poderá ser exercida.
Basta recorrermos a um exemplo para demonstrar isso.
Imagine-se que um filho, já com seus 18 anos, resolve "proclamar a independência" e diz ao pai que agora é dono do próprio nariz. Resolve, com isso, desistir da faculdade de medicina e seguir a carreira de guitarrista em uma banda de heavy metal. Não tem, contudo, recursos para comprar os instrumentos, e pede então ao pai que lhe "arranje" algo. O pai, ortodoxo, acha que essa história de rock é coisa de vagabundo e diz: - Dinheiro para a matrícula na faculdade e para os livros, tudo bem. Para guitarra, não!
Em poucos minutos, o filho vê desaparecer, como fumaça, a sua autonomia. Se, contudo, ele obtém um emprego e começa a receber o próprio salário, aí sim, pode dizer: - O dinheiro é meu, sou independente e compro a guitarra que quiser.
O mesmo se passa no âmbito de uma federação. Caso o governador, ou o prefeito, precisassem sempre "pedir" recursos ao governo federal, este os daria apenas a quem quisesse, e para aplicação nas finalidades que ele governo federal quisesse. É preciso, pois, para que haja autonomia, que os entes periféricos tenham fontes de receita que independam da vontade do poder central.
E isso, só o sistema constitucional tributário pode viabilizar, através da chamada "divisão constitucional da rendas".

A divisão constitucional de rendas pode ser obtida com o uso de duas técnicas diferentes: (1) atribuição de competências e (2) repartição da receita.
Pela técnica da atribuição de competência a Constituição outorga aos entes federados, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a faculdade de instituírem seus próprios tributos. É o que consta, por exemplo, dos arts. 145, 148, 149 e 153 a 156 da CF/88. O Município, por exemplo, pode instituir e cobrar o IPTU, o ISS, o ITBI, taxas pelos serviços específicos e divisíveis que presta etc., e, com isso, obter recursos que garantam a sua efetiva autonomia.
Mas só a atribuição de competências não é suficiente, sobretudo quando se tem em mente um federalismo de cooperação, em que se busca a redução das desigualdades regionais. De que adianta dar a um município pobre a competência para instituir todos os tributos imagináveis, se em seu território não há riqueza que possa ser tributada?
Daí a repartição de receitas, técnica por meio da qual o ente central é compelido, por imposição constitucional, a dividir parte do produto arrecadado com seus próprios tributos com os entes periféricos. É o caso do IR e do IPI, apenas para citar dois exemplos, que são impostos federais mas, não obstante, têm aproximadamente 50% do produto de sua arrecadação partilhado com Estados e Municípios.
Dito isso, pode-se perguntar: bom, mas o que foi alterado, nessa realidade, de 1988 para 2008?
Várias coisas, mas todas, ou quase todas, com o mesmo fim: centralismo.
Em 1988, os Estados tinham competência para instituir um "imposto de renda adicional", e os Municípios podiam instituir um "imposto sobre venda a varejo de combustíveis".
Além disso, o IR e o IPI, como já mencionado, tinham quase 50% do produto de sua arrecadação dividido com  Estados e Municípios, sendo certo que esses eram os dois impostos responsáveis pela maior parcela da arrecadação tributária federal.
Não havia como desequilibrar a divisão de rendas feitas pela Constituição (e, por conseguinte, o grau de autonomia de cada ente), pois se a União majorasse seus principais impostos, teria de partilhar o produto dessa majoração. E se criasse outros impostos, diversos dos já previstos, teria de também dividir o produto de sua arrecadação, a teor do art. 157, II, da CF/88.
O que ocorreu, então?
O uso de uma "válvula de escape", para usar as palavras do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que inclusive assim se expressou em seu livro de memórias. As contribuições.
Como se sabe, contribuições são tributos que se caracterizam por servirem de instrumento à consecução de uma finalidade constitucionalmente determinada. Seu perfil, em 1988, ainda não estava claramente delineado, e sabia-se que as principais delas somente poderiam ser usadas no custeio da seguridade social (CF/88, art. 195). Além destas, de seguridade, poderiam as contribuições destinarem-se apenas à excepcional intervenção da União no domínio econômico, ao interesse de categorias profissionais ou econômicas, e a outras finalidades sociais já expressamente determinadas na Constituição.
Eis que, de 1988 para 2008, o aumento significativo da carga tributária no Brasil deve-se, precipuamente, a essa nova espécie tributária.
E mais: criaram-se e aumentaram-se contribuições, e os impostos, além de não terem sido majorados da forma como poderiam ter sido, foram, em alguns casos, reduzidos.
Quem perdeu com isso?
Nem é preciso dizer: os Estados e os Municípios, que viram diminuir, cada vez mais, a sua parcela no montante da arrecadação tributária federal. Além de terem passado a conviver com "contribuições federais" invadindo suas competências impositivas, vale dizer, tributando fatos que, antes, eram onerados apenas por impostos estaduais ou municipais.
E como isso pôde ocorrer? Algumas manobras paulatinas e isoladas, e, junto com elas, a complacência do STF. Uma forçadazinha aqui, uma admissãozinha ali, e aos poucos o sistema, e a divisão de rendas, alterou-se vertiginosamente.
A EC 3/93 suprimiu o imposto de renda estadual, e o imposto municipal de vendas de combustíveis a varejo.
Pouco antes, o Presidente Collor considerou que seria inconveniente deixar que o Instituto Nacional da Seguridade Social - INSS, autarquia com status constitucional à qual havia sido atribuído o mister de gerir a seguridade, arrecadasse as novas contribuições de seguridade, a saber, CSLL e COFINS.
Essas contribuições foram a saída encontrada pelo constituinte para financiar todos os benefícios idealizados pela chamada constituição cidadã sem com isso onerar ainda mais a folha de salários. Considerou-se que, caso se elevasse ainda mais a tributação sobre a folha, haveria aumento da informalidade, aumento da automação, prejuízo ao trabalhador e não haveria aumento da arrecadação. Daí a opção por fontes de custeio não atreladas à folha de pagamento (faturamento e lucro).
O STF, questionado, considerou válida a arrecadação, pela Receita Federal, de tais contribuições. Isso porque a Receita estaria apenas "ajudando" a Seguridade a arrecadar, destinando-lhe, em seguida, todos os recursos. Pelo menos foi o que restou consignado no RE 138.284-CE.
Mas o maior problema nem foi essa decisão do STF. Se a União desse cumprimento ao disposto no art. 165, § 5.º, III, da CF/88, o problema não existiria. O tal artigo, a propósito, dispõe:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.


A lei orçamentária, todavia, não prevê orçamento para a seguridade. Basta consultá-la para verificar que existe um orçamento autônomo, tal como determinado no inciso III antes transcrito, apenas para a PREVIDÊNCIA, sintomaticamente sempre falida.

A expressão "seguridade" tem, para o Governo Federal, esse sentido camaleônico. No art. 195, seguridade significa o tripé composto por saúde, assistência e previdência. Assim, e com a desculpa de que ela União tem despesas com saúde e assistência, apropria-se das contribuições COFINS e CSLL. Entretanto, ao elaborar o orçamento de que cuida o art. 165, a palavra seguridade perde o tal sentido amplo, e passa a significar apenas previdência, para que as outras contribuições, que não a tal "previdenciária" incidente sobre a folha, permaneçam em seu orçamento fiscal.

É essa manobra, de validade ainda não apreciada pelo STF, que propicia, de uma só vez, o desvio de recursos que deveriam ser aplicados em ações de seguridade social para outros fins, a parcial "substituição" de impostos por contribuições, e a hipertrofia da parcela federal do bolo arrecadado nacionalmente.

Depois dela, o que se assistiu foi uma seqüência de emendas constitucionais destinadas a ampliar ainda mais as competências federais em relação às contribuições. São exemplos a CPMF (EC 12/1996), a CIDE-Combustíveis e a EC 33/2001, a EC 20/1998 e o aumento da base de cálculo da COFINS...

E não só. Também a jurisprudência do STF contribuiu para essa distorção. Não só permitindo que a Receita Federal arrecade as contribuições de seguridade, mas também dando às contribuições de intervenção no domínio econômico perfil tão amplo que praticamente tudo se pode criar sob esse rótulo. SEBRAE, ATP e CIDE-Combustíveis são apenas três exemplos de exações completamente diferentes umas das outras, com perfis distintos, cobradas em face de atuações distintas, mas todas validadas sob o rótulo "CIDE". O mesmo pode ser dito das contribuições sociais gerais, outra janela aberta no sistema tributário, pela qual pode passar tudo.

E isso para não referir a figura da DRU, ou "desvinculação de receitas da união", que paradoxalmente permite que as receitas obtidas com as contribuições sejam aplicadas em quaisquer outras finalidades, até o limite de 20%.

Alguém pode então perguntar: qual seria a solução?

Três coisas resolveriam o problema: (1) impor a observância do art. 165, § 5.º, III, da CF/88, o que levaria a um desinteresse da União pelas contribuições de seguridade, que voltariam a patamares razoáveis e suficientes ao custeio dos serviços aos quais se destinam; e (2) ser o Judiciário menos complacente com novas contribuições, sendo certo que o meio ordinário de custeio dos cofres públicos é o imposto; (3) extinguir a DRU, que na prática transforma a contribuição em imposto; ora, imposto por imposto, que se institua um, submetido aos limites e aos requisitos desta espécie tributária, em vez de se recorrer a essa reprovável fraude à lei, ou, no caso, fraude à Constituição.

E a reforma tributária, caminha no sentido dessa solução?

A proposta atual, infelizmente, não.

Primeiro, a proposta ratifica e consolida o modelo atual, deformado, pois extingue as contribuições COFINS, PIS, CSLL e salário educação e cria um "imposto sobre operações com bens", que, com âmbito constitucional de incidência assim tão alargado, poderá justificar a tributação só de tudo. Segundo, porque, embora as contribuições atuais sejam extintas (será porque não eram necessárias enquanto tal? será a saúde, a assistência e a previdência já excelentes?), não será extinta a competência para que outras sejam criadas... Assim, as contribuições que já existem, que o contribuinte já se conformou em pagar, são transformadas em imposto, e outras contribuições (o nome é tão doce... as justificativas, tão nobres...) serão instituídas. As finalidades sociais, como sempre, servindo apenas de justificativa para seguidos aumentos...

O que se pode fazer, a respeito, é participar. O primeiro passo, para isso, é conhecer o problema, e essa é mais uma razão para eu parabenizar os organizadores do evento, e todos vocês, que nesta noite aqui estão presentes. O segundo é contactar parlamentares, provocá-los, escrever, para eles e para quaisquer outras pessoas, suscitando a questão. O que não se deve fazer é ficar quieto. Nào podemos nos comportar como aquele vizinho, que nunca vai às reuniões de condomínio, nunca quer ser síndico, mas adora falar mal do valor pago ao condomínio, das coisas que são feitas e também das que não são feitas.

Para quem tiver interesse em aprofundar o assunto, ele pode ser visto no livro "Contribuições e Federalismo", que publiquei pela Dialética. As decisões referidas, além de outras, e anotações sobre essas e outras transformações pelas quais passou o sistema constitucional tributário, podem ser vistas no "Código Tributário Nacional Anotado" que publiquei pela Atlas.

Sem desejar cansá-los (ainda mais), e permanecendo à disposição dos que quiserem qualquer esclarecimento adicional, despeço-me desejando-lhes uma boa noite e dizendo, pela paciência de terem-me ouvido: MUITO OBRIGADO.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

XIII Prêmio Tesouro Nacional

Estão abertas as inscrições para o "XIII Prêmio Tesouro Nacional - 2008:
Homenagem a Machado de Assis - Concurso de Monografias em Finanças
Públicas."

Temas:

   1. Política Fiscal e Dívida Pública
   2. Tópicos Especiais de Finanças Públicas
   3. Orçamentos e Sistemas de Informação sobre a administração Financeira Pública
   4. Qualidade do Gasto Público
  

Premiação:

   R$ 20.000,00 - 1º colocado em cada tema
   R$ 10.000,00 - 2º colocado em cada tema
   R$   5.000,00 - 3º colocado em cada tema
   Certificado de vencedor
   Publicação da monografia

Outras informações podem ser obtidas em:

Tolerância com a intolerância?

É incrível como alguns assuntos se entrelaçam.
Dizem que, quando se está escrevendo uma monografia, dissertação ou tese, como estou, com tudo se encontra relação com o tema examinado. É o caso da polêmica em torno da foto da Carol Castro com o terço, que, suscitando um debate em torno da tolerância, lembrou-me desse importante valor em uma democracia, e da sua aplicabilidade, ou não, em relação à intolerância.

Lembrei-me de uma outra polêmica, surgida faz algum tempo, em razão de algumas charges publicadas em um jornal dinamarquês sobre o profeta Maomé. Basta ler o blog da indigitada atriz para verificar que os fundamentalismos – tenham origem em qualquer religião – têm as mesmas características. Tal como as ditaduras capitalistas e comunistas, estão, como todos os extremismos, muito próximos uns dos outros.
Pois bem. Mas o que pretendo, aqui, é divulgar a explicação do jornalista do Jyllands-Posten (jornal dinamarquês) sobre as charges do Maomé. A mim, pareceu irreprochável. Verdadeira aula de democracia e de direitos fundamentais. Resta saber se nós queremos nos aproximar do islã (a rigor, de alguns extremistas islâmicos), que tantos por aqui criticam (a meu ver injustamente)...

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Por que publiquei as charges
Flemming Rose * 

Infantil. Irresponsável. Discurso do ódio. Uma provocação gratuita. Uma jogada de marketing. Os críticos das 12 charges do profeta Maomé que decidi publicar no jornal dinamarquês Jyllands-Posten não mediram suas palavras. Eles dizem que a liberdade de expressão não implica endossar o insulto aos sentimentos religiosos das pessoas e também que a mídia censura a si mesma todos os dias. Assim, que não lhes ensinemos sobre a liberdade de expressão sem limites. Concordo que a liberdade de publicar coisas não significa publicar tudo. O Jyllands-Posten não publicaria imagens pornográficas ou detalhes explícitos de cadáveres; palavrões raramente entram em nossas páginas. Portanto, não somos fundamentalistas em nossa defesa da liberdade de expressão.
Mas a história das charges é diferente. Aqueles exemplos têm a ver com o exercício do comedimento por causa dos padrões éticos e do gosto; chamem isso de edição. Em contraste, encomendei as charges em resposta a vários incidentes de autocensura na Europa motivados por crescentes temores e sentimentos de intimidação no trato de questões relacionadas ao Islã. E ainda acredito ser este um assunto que nós, europeus, precisamos enfrentar, desafiando os muçulmanos moderados a se manifestar. A idéia não era provocar gratuitamente - e sem dúvida não pretendíamos desencadear manifestações violentas no mundo islâmico. Nosso objetivo era simplesmente repelir limites auto-impostos à liberdade de expressão que pareciam se fechar ainda mais.
No fim de setembro, um comediante dinamarquês disse numa entrevista ao Jyllands-Posten que não teria problemas em urinar sobre a Bíblia diante de uma câmera, mas não se atreveria a fazer o mesmo com o Alcorão.
Este foi o clímax de uma série de exemplos perturbadores de autocensura. Em setembro, um escritor dinamarquês de livros infantis teve dificuldade de encontrar um ilustrador para um volume sobre a vida de Maomé. Três pessoas recusaram o trabalho com medo das conseqüências. A pessoa que finalmente aceitou insistiu no anonimato, o que a meu ver é uma forma de autocensura. Os tradutores europeus de um livro crítico sobre o Islã também não quiseram que seus nomes aparecessem na capa ao lado do nome da autora, uma política holandesa nascida na Somália que também vivia escondida.
Na mesma época, a galeria Tate, em Londres, retirou uma instalação do artista de vanguarda John Latham que retratava o Alcorão, a Bíblia e o Talmude rasgados em pedaços. O museu explicou que não queria causar comoção depois dos atentados a bomba em Londres (poucos meses antes, para evitar ofender os muçulmanos, um museu de Gotemburgo, Suécia, removera uma pintura com um tema sexual e uma citação do Alcorão).
Finalmente, no fim de setembro, o primeiro-ministro dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, reuniu-se com um grupo de imãs, um dos quais lhe pediu que interferisse na imprensa para obter uma cobertura mais positiva do Islã.
Assim, ao longo de duas semanas, testemunhamos meia dúzia de casos de autocensura, confrontando a liberdade de expressão com o medo de tratar de questões sobre o Islã. Esta era uma notícia legítima a ser coberta, e o Jyllands-Posten decidiu fazê-lo adotando um princípio jornalístico bem conhecido: mostre, não conte. Escrevi a membros da associação dos cartunistas dinamarqueses pedindo que "desenhassem Maomé como o viam".
Decerto não lhes pedimos que ridicularizassem o profeta. De 25 membros ativos, 12 responderam.
Temos uma tradição de sátira quando lidamos com a família real e outras figuras públicas, e isto se refletiu nas caricaturas. Os cartunistas trataram o Islã como tratam o cristianismo, o budismo, o hinduísmo e outras religiões. E, tratando os muçulmanos da Dinamarca como iguais, eles defenderam uma idéia: nós os incluímos na tradição dinamarquesa de sátira porque vocês são parte de nossa sociedade, e não estranhos. As charges incluem, e não excluem, os muçulmanos.
De modo algum os desenhos demonizam ou estereotipam os muçulmanos. Na verdade, eles diferem uns dos outros no modo como retratam o profeta e em seu alvo. Um zomba do Jyllands-Posten, retratando seus editores de cultura como um bando de provocadores reacionários. Outro sugere que o escritor de livros infantis que não conseguia encontrar um ilustrador foi a público só para obter publicidade barata. Um terceiro põe a líder do xenófobo Partido do Povo Dinamarquês, em formação, como se fosse suspeita de um crime.
Uma das caricaturas - retratando o profeta com uma bomba no turbante - motivou as críticas mais severas. Segundo vozes indignadas, a charge diz que o profeta é um terrorista ou que todo muçulmano é terrorista. Leio o desenho de outro modo: alguns indivíduos transformaram a religião islâmica em refém cometendo atos terroristas em nome do profeta. São estes que abalam a reputação da religião. O cartum também faz referência à fábula sobre Aladim e a laranja que caiu em seu turbante e fez sua fortuna. Isto sugere que a bomba vem do mundo exterior e não é uma característica inerente do profeta.
Ocasionalmente, o Jyllands-Posten recusou-se a publicar cartuns satíricos de Jesus, mas não porque siga um duplo padrão. De fato, o mesmo cartunista que desenhou a imagem de Maomé com uma bomba no turbante desenhou uma charge mostrando Jesus na cruz com notas de dólar nos olhos e outra exibindo a estrela de Davi ligada a um pavio de bomba. Não houve, contudo, incêndios de embaixadas ou ameaças de morte quando publicamos estas. O Jyllands-Posten insultou e desrespeitou o Islã? Certamente, ele não pretendia. Mas o que significa respeito? Quando visito uma mesquita, mostro meu respeito tirando os sapatos. Sigo os costumes, como faço numa igreja, sinagoga ou outro local sagrado. No entanto, se um fiel exige que eu, como infiel, observe seus tabus no domínio público, não está pedindo meu respeito, e sim minha submissão. E isto é incompatível com uma democracia secular.
É exatamente por isso que Karl Popper, na obra seminal A Sociedade Aberta e seus Inimigos, insistiu que não se deve ser tolerante com os intolerantes. Em nenhum outro lugar tantas religiões coexistem pacificamente como numa democracia onde a liberdade de expressão é um direito fundamental. Na Arábia Saudita, você pode ser preso por usar uma cruz ou levar uma Bíblia na mala, enquanto os muçulmanos na Dinamarca secular podem ter suas próprias mesquitas, cemitérios, escolas e estações de TV e rádio.
Reconheço que algumas pessoas se ofenderam com a publicação das charges, e o Jyllands-Posten se desculpou por isso. Mas não podemos nos desculpar por nosso direito de publicar materiais, até mesmo ofensivos.
Não se pode editar um jornal paralisado por temores sobre todos os insultos possíveis. Sou ofendido todo dia por coisas no jornal: transcrições de discursos de Osama bin Laden, fotos de Abu Ghraib, pessoas insistindo que Israel deveria ser eliminado da face da Terra, pessoas dizendo que o Holocausto nunca aconteceu. Mas isso não me impede de publicá-las, contanto que respeitem os limites da lei e do código de ética do jornal.
Como ex-correspondente na União Soviética, sou sensível a pedidos de censura por razões de insulto. Este é um truque popular dos movimentos totalitários: rotular qualquer crítica ou defesa do debate como um insulto e punir os transgressores. Foi o que aconteceu com ativistas de direitos humanos e escritores como Andrei Sakharov, Vladimir Bukovski, Alexander Soljenitsyn, Natan Sharanski, Boris Pasternak. O regime os acusou de propaganda anti-soviética, do mesmo modo como alguns muçulmanos rotulam 12 charges de um jornal dinamarquês como antiislâmicos.
A lição da guerra fria é: se você cede a impulsos totalitários uma vez, novas exigências se seguem. O Ocidente prevaleceu na guerra fria porque mantivemos nossos valores fundamentais e não nos curvamos a tiranos totalitários.
Desde a publicação das caricaturas, em 30 de setembro, temos um debate construtivo na Dinamarca e na Europa sobre a liberdade de expressão, a liberdade de religião e o respeito aos imigrantes e às crenças das pessoas. Nunca tantos muçulmanos dinamarqueses haviam participado de um diálogo público - em reuniões em câmaras municipais, cartas a editores, colunas de opinião e debates no rádio e na TV. Não tivemos distúrbios antimuçulmanos, êxodo de muçulmanos do país ou muçulmanos praticando atos de violência. Os imãs radicais que informaram de modo equivocado seus colegas no Oriente Médio sobre a situação dos muçulmanos na Dinamarca foram marginalizados. Estes não falam mais em nome da comunidade muçulmana da Dinamarca porque os muçulmanos moderados tiveram a coragem de se manifestar contra eles.
Em janeiro, o Jyllands-Posten publicou três páginas inteiras de entrevistas e fotos de muçulmanos moderados afirmando não serem representados pelos imãs. Eles insistem que sua fé é compatível com uma democracia secular moderna. Uma rede de muçulmanos moderados comprometidos com a Constituição foi estabelecida e o Partido do Povo conclamou seus membros a distinguir entre muçulmanos radicais e moderados, isto é, entre muçulmanos que propagam a lei da sharia e muçulmanos que aceitam o domínio da lei secular. A face muçulmana da Dinamarca mudou e está ficando claro que este debate não é entre "eles" e "nós", e sim entre aqueles que são comprometidos com a democracia na Dinamarca e aqueles que não são.
Algumas das corajosas defesas de nossa liberdade de expressão foram inspiradoras. Mas manifestações trágicas no Oriente Médio e na Ásia não era o que esperávamos e muito menos desejávamos. Além disso, o Jyllands-Posten recebeu 104 ameaças registradas, dez pessoas foram presas, cartunistas foram obrigados a se esconder por causa de ameaças a suas vidas e a sede do jornal foi esvaziada várias vezes graças a ameaças de bomba. Este dificilmente é um clima para atenuar a autocensura.
Ainda assim, creio que os cartuns agora têm lugar em duas histórias separadas, uma na Europa e outra no Oriente Médio. Nas palavras da política holandesa de origem somali Ayaan Hirsi Ali, a integração dos muçulmanos nas sociedades européias foi acelerada em 300 anos graças aos cartuns; talvez não precisemos travar mais uma vez a batalha pelo Iluminismo na Europa. A história no Oriente Médio é mais complexa, mas isso pouco tem a ver com os cartuns.

* Flemming Rose, editor de Cultura do jornal dinamarquês 'Jillands-Posten', escreveu este artigo para 'The Washington Post'. O diário da Dinamarca publicou originalmente as 12 charges sobre o profeta Maomé em setembro, causando a violenta reação da população de praticamente todos os países muçulmanos.
Fonte: O Estado de S. Paulo - Terça-feira, 21 fevereiro de 2006

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Abaixo as conjunções conclusivas

Foi divulgado que o Presidente Lula teria dito "foda-se a Constituição". 
Não sei se é verdade. Mas o evento lembrou-me de notável passagem do livro do Prof. Alberto Xavier.
Para quem não conhece, trata-se de professor de Direito Tributário, autor de obras notáveis no âmbito do processo tributário, do direito internacional tributário e do planejamento tributário, português que vive no Brasil há algumas décadas. Seus livros - quem já os leu sabe disso - são de erudição, clareza e profundidade notáveis.
Bom, mas o livro do qual estou falando é literário. Sua primeira incursão no terreno da ficção. E dele extrai, para transcrever aqui no blog, o seguinte trecho:
 


ABAIXO AS CONJUNÇÕES CONCLUSIVAS

- Foda-se  o 'logo'! – exclamo, subitamente aliviado da pressão exercida por um sistema de raciocínio, em relação ao qual certos instintos mediterrânicos me sussurravam dever manter-me, pelo menos, ou por enquanto, cético.
(Observo entre parêntesis que, se me permito a plebéia interjeição 'foda-se', não é por grosseria ou vontade de chocar – de resto, quem? – mas pelos efeitos distensores que exercem no meu psiquismo os elementos fonéticos da respectiva articulação. Especialmente a fricativa 'F', em que o ar comprimido passa por uma fenda estreita da cavidade bucal, desencadeia alívios comparáveis aos de uma merecida excreção. Logo após, a oclusiva línguo-dental 'D' satisfaz a minha agressividade latente, tanto mais acalmada quantas mais vezes a ponta da língua bate na arcada dental, como tímpano num tambor: d-d-d-d. A alveolar 'S' (do-se), em que o ar sai da minha boca como um silvo de cobra, representa a fase final do meu apaziguamento interior. A vogal média fechada 'Ô' imprime um pano de fundo prolongado, repousante, ordenado, inexorável e neutro, com a estrita finalidade de realçar, por contraste fonético, o belicismo do F, do D e do S. Vêm estas considerações a propósito apenas para me escusar perante Fátima, que odeia plebeísmo e vulgaridades, do emprego que faço da expressão 'foda-se' com fins estritamente terapêuticos, relaxantes e medicinais.
Aproveitando o desabafo, acrescento que quase tão bom como dizer 'foda-se' é soletrar 'porra'. Raros fonemas conseguem produzir o prazer 'excretal' de 'porra'. Seja qual for o significado material deste fonema, a verdade é que é indizível o prazer acústico-labial que dá dobrar os lábios em posição de combate, e expelir a militar oclusiva 'P' com o prazer uretral de quem urina, e a raivosa vibrante velar, o 'R' sonoro forte, no véu palatino, de modo rolado, repetitivo, como um rufar de tambor ou um disparo múltiplo de 'fogo grego'. (Dizer 'porra' é – tal como dizer 'foda-se' – um estilizado e intenso prazer fonético).” (XAVIER, Alberto. Al-gharb - 1146 - uma viagem onírica ao portugal muçulmano.  1ª edição. Rio de Janeiro:Gryphus, 2004, p. 156)

O Presidente, portanto, estaria apenas a experimentar os efeitos distensores que exercem no seu psiquismo os elementos fonéticos da respectiva articulação...


Falar mal do Brasil

Deve haver uma explicação sociológica, ou até antropológica. Nós podemos falar mal de alguém de nosso grupo, geralmente para alguém do mesmo grupo. Mas, quando a crítica vem de fora, não é ouvida da mesma forma, ou não é tão bem recebida.
Basta ver alguém falando mal da tia, de um primo, irmão etc. Experimente - sendo você de fora da família - concordar. Um mero "É mesmo..." já é motivo de alguma revolta. A pessoa não gosta.
Acontece a mesma coisa com quem fala mal do próprio País. Aqui no Brasil, esse parece ser até um esporte nacional. Mas, quando um estrangeiro o faz... Ah...
Essa realidade é muito bem retratada em um comercial das Havaianas:





Algo semelhante acontece em uma disciplina que estou a cursar no doutorado. Um professor, alemão, eventualmente fala de defeitos de nosso país, e o compara com o dele. Defeitos que os outros professores também apontam, e que os alunos evidentemente conhecem.  Mas, nem preciso dizer, a turma não gosta muito. Tal como o Lázaro Ramos, no comercial acima...

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Direito Tributário no exame de ordem

Foi-se o tempo em que o exame de ordem era muito fácil.
Ainda lembro de quando, em 2000, aguardava na fila para entrar na sala onde seria realizado o exame. Em meio a diversos colegas, todos nervosos, um disse:
- Cara, estou com medo de não passar...
Ao que um outro o respondeu:
- Que é isso, cara! Todo mundo passa!
O medroso então, desconsolado, respondeu:
- Pois é. O problema é justamente esse.
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Hoje as provas estão bem mais difíceis. Tão difíceis quanto as provas de qualquer concurso público. A única diferença, que no caso é grande, é a inexistência de um número de vagas. Na OAB, o sujeito disputa contra sua própria insuficiência, e não contra o melhor preparo dos colegas, como ocorre em um concurso.
Já faz um tempo em que penso em postar algo sobre os exames de ordem. Tenho visto as provas, até para atualizar o "Direito Tributário e Financeiro", e o seu nível está muito bom.
Não pela dificuldade, que não é tanta, mas pelo fato de que as questões estão muito bem formuladas.
Quem é professor e já se deu ao trabalho de preparar uma avaliação sabe o quanto é difícil fazer algo bem feito. E as avaliações da CESPE são muito, mas muito bem feitas. Estão todos de sua equipe de parabéns.
É claro que, às vezes, uma ou outra pode conter erro, imprecisão etc. Afinal, são feitas por criaturas humanas. Mas, dentro do possível, são muito, mas muito boas.
Para alternar, descer um pouco para a concretude e para o pragmatismo, depois de posts sobre o conceito de teoria e sobre a democracia, sobre a Carol Castro nua, álbuns de figurinhas e a reforma tributária, nada como comentar uma questão do último exame de ordem (CESPE, OAB/SP), a saber:

Questão 89 - A CF determina que o imposto de renda será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei. É correto afirmar que o critério da generalidade
A constitui técnica de incidência de alíquotas por meio da qual se procura variá-las em uma razão proporcional à base de cálculo.
B determina que a totalidade da renda do sujeito passivo deve sujeitar-se à tributação, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos.
C tem por finalidade implementar a isonomia na tributação da renda, onerando mais gravosamente os contribuintes que tenham maior capacidade contributiva.
D impõe a sujeição de todos os indivíduos à tributação do imposto de renda,  independentemente de quaisquer características do contribuinte.

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A resposta certa é "D".
A opção "A" diz respeito ao princípio (ou técnica) da progressividade. É por causa dele - bastante mitigado, diga-se de passagem - que as alíquotas do IR são variáveis (isenção, 15% e 27,5%) conforme o montante da renda tributável.
Já a alternativa "B" reporta-se ao princípio (ou técnica) da universalidade. É por conta dela, por exemplo, que o Brasil adota a tributação da renda por bases mundiais, também conhecida como world wide income taxation. Se o contribuinte é domiciliado no Brasil (esse o elemento de conexão), pagará o IRPF aqui ainda que por conta de rendimentos recebidos no exterior. Confira-se, a propósito, o § 1.º do art. 43 do CTN, segundo o qual “a incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção”.
Finalmente, a alternativa "C" diz respeito à finalidade da progressividade, definida na opção "A".
A resposta certa é a "D", portanto. Não só por eliminação, mas porque generalidade realmente é a imposição de que todos os indivíduos sejam tributados, sendo isso o que a diferencia da universalidade (que se reporta a todos os rendimentos de um mesmo contribuinte), e à progressividade (crescimento das alíquotas conforme cresce a base). As três técnicas, que devem informar a legislação em torno do IR, constam do art. 153, § 2.º, I, da CF/88.