domingo, 19 de novembro de 2023

Cognição corporificada revoluciona toda a base da filosofia ocidental

 

A teoria da cognição corporificada, uma proposta revolucionária no campo da ciência cognitiva, desafia profundamente as bases da filosofia ocidental. Concebida por influentes pensadores como George Lakoff, Mark Johnson e Eleanor Rosch, essa teoria redefine o entendimento do conhecimento humano, argumentando que ele não emerge isoladamente da cognição abstrata, mas é inseparável das experiências físicas e sensoriais do corpo. Esta abordagem radical contrasta fortemente com as visões tradicionais que consideram a cognição como um processo puramente mental.

No coração da cognição corporificada está a ideia de que o conhecimento e a compreensão humanos são profundamente moldados pela interação do corpo com o ambiente. Esta visão, detalhada em obras como "Philosophy in the Flesh", desafia a noção de que a cognição é um processo apenas cerebral e abstrato. Em vez disso, sugere que nossos processos de pensamento são fortemente influenciados por nossas experiências físicas e sensoriais. Essa perspectiva reconfigura a compreensão de conceitos filosóficos tradicionais, especialmente no que se refere à natureza do conhecimento, ética e interpretação.

A cognição corporificada lança um olhar crítico sobre as fundações da filosofia ocidental, particularmente sobre o pensamento de filósofos como Kant, os utilitaristas e Descartes. Esses pensadores basearam suas teorias em uma noção de razão pura e abstrata, independente do corpo e da experiência sensorial. A teoria da cognição corporificada, no entanto, argumenta que o raciocínio é moldado por categorias, estruturas e modelos cognitivos inconscientes, sugerindo que a razão não é um conceito abstrato desvinculado da experiência física.

Isso tem reflexos, ora ora, na velha - e, a meu ver, equivocada - divisão entre "tipos e conceitos", que ainda impera entre teóricos do Direito Tributário no Brasil. Ainda escreverei mais sobre o tema.

Além disso, a teoria encontra ressonância em pesquisas sobre a inteligência animal, como as de Frans de Waal em "Are We Smart Enough to Know How Smart Animals Are?". Estes estudos sugerem uma continuidade mais profunda entre a cognição humana e animal, desafiando a divisão tradicional entre humanos e outros animais.

A metáfora das palavras cruzadas de Susan Haack ilustra como descobertas em campos diferentes podem convergir e se confirmar mutuamente, simbolizando a unidade e a interconectividade do conhecimento humano. Parece ser o caso aqui. Waal, Damasio, Kahneman, por caminhos diferentes parecem convergir para as mesmas conclusões.

sábado, 18 de novembro de 2023

Ciência dogmática e o Chat-GPT

 


Fiz ao chat-GPT uma pergunta sobre Teoria da Ciência do Direito e recebi uma resposta bem interessante. Vejam só:


Hugo Segundo:  Se a ciência se caracteriza pela abertura à crítica, opondo-se ao dogma, por que se identifica a ciência do direito como dogmática jurídica?

ChatGPT

Chat-GPT: A "ciência do direito" é frequentemente referida como "dogmática jurídica", mas esse termo pode ser um pouco confuso. A ideia de "dogmática" no contexto jurídico não se refere à rigidez ou à indisposição para aceitar críticas, como o termo poderia sugerir em outros contextos. Em vez disso, tem um significado específico:

  1. Foco na Norma: A dogmática jurídica foca na interpretação, sistematização e aplicação das normas jurídicas existentes. Ela está interessada em entender e explicar o direito como ele é, ou seja, conforme expresso nas leis, nos códigos e nas decisões judiciais.

  2. Metodologia Analítica: Ao contrário de outras ciências que buscam constantemente a inovação e questionamento de paradigmas existentes, a dogmática jurídica é mais analítica e descritiva. Ela busca compreender e explicar o sistema jurídico vigente, suas regras e princípios, sem necessariamente questionar sua validade ou sua justiça.

  3. Diferença entre Ciência e Filosofia do Direito: Enquanto a dogmática jurídica lida com a aplicação e interpretação das leis, a filosofia do direito envolve-se mais com questões de justiça, moralidade e a base conceitual do direito. A filosofia do direito é mais propensa a questionar e criticar os fundamentos do sistema jurídico.

  4. Importância da Estabilidade: Em muitos aspectos, a natureza "dogmática" do direito reflete a necessidade de estabilidade e previsibilidade nas leis. Essa estabilidade é crucial para que o direito possa cumprir seu papel na sociedade.

  5. Crítica e Evolução: Embora a dogmática jurídica se concentre nas leis como elas são, isso não significa que o direito seja imune a críticas ou evolução. O sistema jurídico frequentemente evolui e se adapta, seja por meio de novas legislações, seja através de interpretações judiciais inovadoras.

Portanto, a "dogmática jurídica" não é antitética à crítica ou à evolução, mas sim representa uma abordagem específica e metodológica de tratar e entender o direito, enfocando mais na aplicação e interpretação das normas existentes do que na sua contestação ou reformulação.

 

 Hugo Segundo: Para evitar o caráter "um pouco confuso" do termo "dogmática", não seria melhor substituí-lo por "direito positivo" ou "ciência do direito positivo" ou "abordagem a partir do direito positivo"?

ChatGPT

Chat-GPT: A sugestão de substituir o termo "dogmática jurídica" por "direito positivo", "ciência do direito positivo" ou "abordagem a partir do direito positivo" é interessante e pode ajudar a esclarecer alguns aspectos. Vamos analisar cada um destes termos:

  1. Direito Positivo: Este termo refere-se ao conjunto de normas jurídicas que são formalmente reconhecidas e aplicadas em uma sociedade em um determinado momento. Ele se contrapõe ao direito natural, que seria um conjunto de princípios universais e inerentes à condição humana. O direito positivo é o direito "como ele é", incluindo leis, regulamentos, decisões judiciais, entre outros.

  2. Ciência do Direito Positivo: Esta expressão enfatizaria o estudo e a análise do direito positivo, ou seja, a compreensão sistemática das normas jurídicas em vigor. Esta abordagem se concentra em como as leis são formuladas, interpretadas e aplicadas, e pode ser vista como uma descrição e análise do direito existente.

  3. Abordagem a partir do Direito Positivo: Esta formulação sugere uma metodologia que parte das normas jurídicas vigentes para compreender e interpretar o sistema jurídico. É uma abordagem mais descritiva e analítica, focada no estudo das leis e regulamentos tal como estão formalmente estabelecidos.

Enquanto a expressão "dogmática jurídica" pode ser vista como mais abstrata e potencialmente confusa, os termos "direito positivo" e as variações sugeridas trazem uma conotação mais direta e específica, focando na análise das leis existentes. A substituição poderia, portanto, ajudar a clarificar que se trata do estudo e interpretação das normas jurídicas vigentes, sem necessariamente implicar uma postura inflexível ou acrítica. Contudo, é importante ressaltar que em contextos jurídicos e acadêmicos, o termo "dogmática jurídica" ainda é bastante utilizado e reconhecido, e uma mudança terminológica pode depender de uma reavaliação mais ampla dentro da comunidade jurídica.

 

Tendo escrito livro a respeito do tema ainda em 2008, devo dizer que fiquei bastante satisfeito com as respostas, que, vejam só, não consistem no uso do método extrativo, mas explicativo, interpretativo e de algum modo criativo. Um bom interlocutor, mas que exige, sempre, que saibamos do assunto de que se está falando, para evitar de sermos enganados por suas alucinações.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

A quem pertencem as criações de uma IA Generativa?

 
 

Quando alguém usa uma plataforma de inteligência artificial generativa, como o Chat-GPT, para criar algo como uma poesia, uma letra de uma música, uma figura etc., a quem pertence a obra daí resultante?

A questão é intrigante, e suscita reflexões mais profundas que à primeira vista pode parecer, ligadas mesmo à personalidade de tais sistemas inteligentes e à aptidão deles de ter, ou não, direitos e obrigações.

À luz da ordem jurídica brasileira vigente, parece-me que, não tendo o chat-GPT personalidade, a criação de algo por seu intermédio seguramente não pode, do ponto de vista jurídico, ser atribuída a ele, no que tange a direitos e obrigações. Isso inclui bônus e ônus, ou seja, o mérito pela criação de algo considerado bom, e o demérito ou a crítica por algo ruim (p.ex., uma decisão judicial "inventada", como recentemente se noticiou ter ocorrido com um magistrado).

Dependendo do contrato celebrado (muitas vezes nem lido e "assinado" em segundos, em um clique no "de acordo" com os termos e condições), portanto, a criação pode pertencer ao usuário, ao dono da plataforma, ou a um terceiro. Geralmente se atribui ao usuário, que emprega a ferramenta. Tal como uma máquina de escrever não é dona do romance escrito com seu auxílio, tampouco a empresa que eventualmente seja proprietária dela e a alugue ao escritor. O autor é o escritor, que a utilizou. No caso das IAs generativas, é a mesma coisa.

Mas a máquina de escrever não seria diferente do Chat-GPT, por ter menos autonomia? Afinal, ela não faz o texto sozinha. O chat-GPT faz.

Bom, não faz. É preciso que o usuário o alimente corretamente com as diretrizes a serem seguidas na elaboração do texto. É uma ferramenta, portanto, juridicamente equiparável a uma máquina de escrever. Por enquanto.

Mas, do ponto de vista ético, e moral, não acho que a solução seja assim tão simples.

A muito maior autonomia da ferramenta, para, mesmo com o direcionamento do usuário, criar coisas, faz com que estas não possam simplesmente ser assumidas pelo usuário como suas, sem qualquer ressalva. O correto, no caso, parece ser agir com transparência e dizer que se usou a ferramenta. Como um pintor, que explicita a técnica usada (óleo sobre tela, aquarela, nanquim, etc.), o usuário explicitaria a ferramenta usada na produção do resultado.

O interessante é que perguntei ao próprio, ao Chat-GPT, a respeito do tema. Vejam o que respondeu:

Hugo Segundo: Bom dia. Caso eu peça para você criar uma poesia, uma letra de uma música ou uma imagem, fornecendo-lhe diretrizes ou parâmetros a serem seguidos, a obra daí resultante pertence, à luz do Direito Autoral, a quem? Posso dizer que fui eu que a elaborei? E do ponto de vista moral, ou ético?

ChatGPT
ChatGPT: Bom dia! Vamos analisar a questão sob duas perspectivas: direito autoral e ética.

Direito Autoral

  1. Autoria da Obra Criada por IA: No contexto atual, a legislação de direitos autorais em muitos países não reconhece explicitamente a inteligência artificial (IA) como criadora de obras. Isso significa que as obras geradas por IA, como poesias, letras de músicas ou imagens criadas a partir de suas instruções, geralmente não se enquadram claramente nas categorias de direitos autorais estabelecidas.

  2. Direitos Sobre a Obra: Se você fornece diretrizes ou parâmetros e eu, como IA, gero uma obra com base nesses insumos, a questão de quem detém os direitos autorais pode ser ambígua. Tradicionalmente, o autor de uma obra é considerado a pessoa que criou o conteúdo original. No caso de obras geradas por IA, você poderia ser visto como o "autor" no sentido de que forneceu a inspiração ou os parâmetros, mas a geração real do conteúdo é feita pela IA.

  3. Jurisprudência e Legislação: Dependendo do país e da jurisdição específica, a interpretação pode variar. Algumas jurisdições podem começar a elaborar leis específicas que abordam a autoria de obras criadas por IA.

Perspectiva Ética e Moral

  1. Crédito e Reconhecimento: Do ponto de vista ético, é importante considerar a transparência sobre como a obra foi criada. Atribuir a si mesmo a autoria total de uma obra gerada por IA pode ser visto como enganoso, especialmente se outras pessoas presumirem que todo o conteúdo foi criado exclusivamente por você sem assistência.

  2. Colaboração com IA: Uma abordagem mais ética pode ser reconhecer que a obra foi criada com a assistência de uma ferramenta de IA, o que reflete mais precisamente o processo de criação.

  3. Direitos Morais: Os direitos morais, que incluem o direito à integridade e paternidade da obra, também entram em questão. Embora uma IA não tenha direitos morais, a pessoa que forneceu os insumos pode ter certas reivindicações morais sobre a obra, como o reconhecimento de seu papel na concepção da ideia.

Em resumo, do ponto de vista legal, a questão ainda é bastante nebulosa e depende muito da legislação específica de cada país. Eticamente, é aconselhável ser transparente sobre o uso de IA na criação de obras e considerar a atribuição de crédito de forma que reflita a verdadeira natureza da colaboração entre humano e máquina."

 

E você, o que pensa do assunto? O que achou da resposta dele?A propósito, depois que ele deu essa resposta, pedi para que fizesse imagem que a ilustrasse, e ele fez a que abre este post. Bem interessante!