sexta-feira, 29 de maio de 2009

Democracia e meios eletrônicos - LC 131/2009

Defendi, em um pequeno item da minha tese, que a democracia pode ser aprimorada com o uso de meios eletrônicos. E isso não apenas no momento das votações, mas de forma permanente. Afinal, governo do povo, pelo povo e para o povo pressupõe a participação, o controle e a fiscalização deste em todos os momentos, e não apenas de quatro em quatro anos.
A idéia, evidentemente, não é minha, e nada tem de original. Bobbio, há muito, a defende. Paulo Bonavides também. Mas procurei indicar meios mais específicos através dos quais poderia ser implementada.
Tenho observado, nesse particular, que essa tendência tem sido seguida. Os meios eletrônicos, sobretudo a internet, estão se prestando de forma notável ao exercício da democracia. Não só pela crítica livre através de blogs e e-mails, pela comunicação com parlamentares e pelo acompanhamento de projetos de lei, mas especialmente pela fiscalização das contas públicas.
Nesse contexto, merece aplauso a LC 131, de 27 de maio de 2009, publicada ontem, que dispõe:

Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI COMPLEMENTAR Nº 131, DE 27 DE MAIO DE 2009

 

Acrescenta dispositivos à Lei Complementar  no 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar: 

Art. 1o  O art. 48 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação: 

“Art. 48.  ................................................................................... 

Parágrafo único.  A transparência será assegurada também mediante: 

I – incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos; 

II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; 

III – adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no art. 48-A.” (NR) 

Art. 2o  A Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 48-A, 73-A, 73-B e 73-C: 

Art. 48-A.  Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: 

I – quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; 

II – quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.” 

Art. 73-A.  Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão competente do Ministério Público o descumprimento das prescrições estabelecidas nesta Lei Complementar.” 

Art. 73-B.  Ficam estabelecidos os seguintes prazos para o cumprimento das determinações dispostas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e do art. 48-A: 

I – 1 (um) ano para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios com mais de 100.000 (cem mil) habitantes; 

II – 2 (dois) anos para os Municípios que tenham entre 50.000 (cinquenta mil) e 100.000 (cem mil) habitantes; 

III – 4 (quatro) anos para os Municípios que tenham até 50.000 (cinquenta mil) habitantes. 

Parágrafo único.  Os prazos estabelecidos neste artigo serão contados a partir da data de publicação da lei complementar que introduziu os dispositivos referidos no caput deste artigo.” 

Art. 73-C.  O não atendimento, até o encerramento dos prazos previstos no art. 73-B, das determinações contidas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 48 e no art. 48-A sujeita o ente à sanção prevista no inciso I do § 3o do art. 23.” 

Art. 3o  Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. 

Brasília,  27  de  maio  de 2009; 188o da Independência e 121o da República. 

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Guido Mantega
Paulo Bernardo Silva
Luiz Augusto Fraga Navarro de Britto Filho

Este texto não substitui o publicado no DOU de 28.5.2009


Merecem especial atenção, no caso, o art. 48, II, e o art. 48-A...

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Solidariedade

O Professor Ivo César Barreto de Carvalho, meu colega na Faculdade Christus, organizou entre os professores a coleta de diversos alimentos, roupas etc. para serem doados para as vítimas das enchentes no interior do Ceará.

Depois de um tempo, ele nos enviou, por e-mail, uma "prestação de contas", devidamente documentada. Abaixo a mensagem e as fotos que a acompanharam:

Caros amigos,
Venho prestar contas da doações recebidas por vcs e entregues diretamente no município de Itaiçaba, região do baixo Jaguaribe, q está totalmente alagada. A população carente perdeu, em sua grande maioria, suas casas e demais pertences. As pessoas moram em casas de parentes ou amigos e, em último caso, numa fábrica de cerâmica da cidade, local cedido pelo proprietário (q conheci na ocasião). Havia inúmeras barracas de lona improvisadas pela Prefeitura para abrigar as vítimas dessa enchentes em nosso Estado. Sem querer comparar tragédias (o que seria trágico pela própria natureza), mas lembrem-se das enchentes em Santa Catarina. Naquele momento, todo o Brasil ajudou (inclusive o Governo Federal, com abertura de conta na CEF e BB diretamente para ajudar àquelas vítimas) e houve grande repercussão na mídia, em geral. No nosso caso (das enchentes no Nordeste), pouco se vê de concreto por parte dos Governos, nenhuma conta bancária foi aberta por qualquer órgão ou instituição pública. MUITAS PROMESSAS E POUCA AÇÃO!!! VEJAM A REALIDADE!
Att.,
Ivo.

























IV Congresso Ibero-Americano de Direito Tributário

Na próxima semana acontece o IV Congresso Ibero-Americano de Direito Tributário. Os temas que serão discutidos parecem de grande relevância.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Intimação

Já disse aqui outras vezes. De vez em quando recebo "intimações" equivocadas por e-mail, porque o sistema de leitura automática de DJ que uso "pensa" que se trata de processo de meu interesse.
Chegando ao Hotel, em São Paulo, para daqui a pouco dar aula na pós em Direito Tributário da rede LFG, liguei o laptop para conferir os e-mails e recebi a seguinte "ocorrência no DJ".
Trata-se de um texto que escrevi faz muito tempo (2000) sobre isenções concedidas mediante despacho individual da autoridade administrativa, agora citado em decisão do STJ. Curiosa a coincidência, porque ontem de manhã tratei com os alunos de "Tributário I" exatamente desse assunto...

segunda-feira, 25 de maio de 2009

E ele cheirou o colchão?!


Faz uns meses, eu dava aulas de "Processo Judicial Tributário" para uma turma de pós-graduação na Universidade de Fortaleza. Sua maioria era de fiscais da SEFAZ-CE. Depois de alguns dias de aula, quebrado o gelo inicial e estabelecido um bom relacionamento entre professor e alunos, um deles veio me perguntar se era verdade uma história que circulava pela SEFAZ, que teria ocorrido entre o meu pai e um auditor. Uma história de um colchão...
Eu ri, e pedi a ele que me narrasse o tal acontecimento, para que eu pudesse dizer algo a respeito.
Aproveito o ensejo para dizer que, desde então, tenho usado esse exemplo quando vou explicar aos alunos de "Tributário I", na graduação, a diferença entre isenção e não-incidência.

***

Há muito tempo, uns 20 anos no mínimo, meu pai dirigia (se bem me lembro, uma D-20 azul) em direção a Parajuru, local onde temos uma casa de praia e que fica a uns 120 km de Fortaleza. No caminho, passou por um posto fiscal, da SEFAZ, e foi parado.
O carro estava cheio, tanto de pessoas como de coisas. Era sexta-feira de carnaval, e todos iriam passar vários dias na praia.
Depois de passar os olhos pelo porta-malas do carro, o fiscal implicou com um colchão que ia amarrado em cima do carro:
F - Onde está a nota fiscal desse colchão?
HBM - Não tenho.
F - Como assim não tem? O senhor não pode transportar mercadoria desacompanhada de nota fiscal! Terei de autuá-lo, e de apreender esse colchão.

Meu pai respirou fundo, olhou para o braço do fiscal, e disse:
HBM - Onde está a nota fiscal desse seu relógio?
F - O quê? Nota fiscal? Não tenho... Mas... Mas...
HBM - "Mas mas" coisa nenhuma. É a mesma coisa do meu colchão. Não tem nenhum colega seu por ai para autuá-lo e apreender seu relógio?
F- Eh...
HBM - Na verdade, meu filho, tem-se aí uma evidentíssima hipótese de NÃO-INCIDÊNCIA, pois tanto o meu colchão como o seu relógio não são mercadorias. O colchão é para uso pessoal, e aliás já está bastante usado. Mercadoria é o que se produz para vender ou o que se compra para revender, conceito no qual não se encaixa nenhum desses dois objetos, como acontece também com seu sapato, com seus óculos, com sua camisa, e até com a sua cueca, bens dos quais o Sr. certamente também não mais possui qualquer tipo de nota fiscal.

O fiscal ficou meio errado, e tentou emendar:
F - O Sr. parece que sabe alguma coisa de Direito Tributário, e talvez até esteja certo. Vou liberá-lo, mas fique sabendo que não consta na legislação nenhuma referência expressa a tais hipóteses como sendo de "não-incidência"...

A emenda foi pior do que o soneto, e até fez com que meu pai incluísse no "Curso de Direito Tributário", em seguida, a seguinte passagem, que negritei para melhor identificação:

“A não incidência configura-se em face da própria norma de tributação, ou norma descritora da hipótese de incidência do tributo. Esta norma descreve a situação de fato que, se e quando realizada, faz nascer o dever jurídico de pagar o tributo. Tudo o que não esteja abrangido por tal descrição constitui hipótese de não incidência tributária. Em outras palavras, tudo que não é hipótese de incidência tributária é, naturalmente, hipótese de não incidência tributária. Objeto, pois, da não incidência são todos os fatos que não estejam abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência.

O legislador muitas vezes trata como de não incidência casos de isenção e isto tem efetivamente ensejado dúvidas intermináveis. Assim é que alguns agentes do fisco, por absoluta ignorância, só reconhecem situações de não incidência diante de regra jurídica expressa. O equívoco é evidente. Não se há de exigir uma regra indicando casos de não incidência. Basta a existência de regra jurídica definindo a hipótese de incidência, isto é, a hipótese que, se e quando concretizada tornará devido o tributo, e tudo que como tal não esteja definido será, obviamente, hipótese de não incidência.

Existem, todavia, situações em que poderiam ser suscitadas dúvidas a propósito da configuração, ou não, da hipótese de incidência tributária. Nestas situações o legislador, espancando as dúvidas, diz expressamente que o tributo não incide. São hipóteses de não incidência juridicamente qualificada. A lei, nestes casos, exerce função simplesmente didática, preventiva de litígios. A rigor, mesmo sem a norma que afirma a não incidência, ela estaria configurada. É o caso, por exemplo, das operações das quais decorre a transferência de propriedade do estabelecimento industrial, comercial ou de outra espécie, nas quais o imposto não incide porque não existe circulação de mercadorias, mas a lei, para evitar dúvidas, explicita essa não incidência.” (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 21ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 200, grifou-se)



Em edições mais recentes, atendendo ao pedido de uma ex-aluna, agente do fisco e professora de direito tributário (que dizia ser alvo de brincadeiras de seus alunos por conta da expressão negritada), ele amenizou a pena. Disse "... alguns agentes do fisco, por desconhecerem a distinção entre isenção e não incidência, ...". Mas quem tiver edições anteriores (19.ª, 20.ª...), poderá conferir.

Voltando à história, os fiscais que me lembraram dela no curso, conforme contei no início do post, perguntaram sobre a veracidade de uma série de "variações" existentes.
Em uma delas, o fiscal teria iniciado a lavratura do auto e, ao pedir os documentos do meu pai e identificá-lo, teria dito: "- Estudei pelo livro do senhor!", ao que teria ouvido como resposta: "- É mesmo? Pois não parece." Em outra variação, meu pai não teria dado essa resposta, mas o fiscal teria ido buscar dentro do posto o exemplar, para que fosse autografado. E, numa terceira, para provar que o colchão era usado, o fiscal teria sido obrigado a cheirá-lo.
Ri muito dessas variações, que confirmam que "quem conta um conto aumenta um ponto". Mas não lembro se são verdadeiras. Acho que não. Eu era criança, e estava dentro do carro, morrendo de medo de sairmos todos presos de lá. Talvez ele tenha dito ao fiscal que se duvidasse tratar-se o colchão de mero bem de uso pessoal poderia até cheirá-lo, o que terminou não sendo preciso, mas obrigá-lo a isso certamente não o fez...

domingo, 24 de maio de 2009

Excesso de exação

Fala-se muito que o contribuinte brasileiro é sonegador. E mais, que os sonegadores não são punidos como deveriam.
Fico a refletir. Mais de 95% da arrecadação tributária é espontânea, vale dizer, recolhida independentemente da propositura de execução fiscal. Certamente há sonegação, em volume maior do que aquele efetivamente reprimido, mas...
Mas...
Será que apenas o contribuinte comete ilícitos penais, no âmbito da relação tributária? Não que um erro justifique outro, mas a coerência é importante para que muitos cidadãos não fiquem a pensar que a lei só vale contra eles, o que é péssimo para a eficácia social da ordem jurídica. Como Dworkin explica com muita clareza, quando alguém não se sente tratado como igual pela ordem jurídica, tende a não reconhecê-la como tal.
Falo a propósito de um esquecido artigo que consta do Código Penal Brasileiro, que dispõe:

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Excesso de exação

§ 1º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)

§ 2º - Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.


Embora em um parágrafo, trata-se de tipo autônomo e diverso daquele previsto no caput. Não conheço, contudo, caso em que tenha sido aplicado.
Até se sabe, muito eventualmente, de casos de fiscais que são punidos por corrupção. No Rio de Janeiro, faz uns anos, uma quadrilha foi descoberta. Mas, nesse caso, a Fazenda é prejudicada (o fiscal fica com pequena parte do "produto da arrecadação" para si, e deixa de exigir a parte devida à Fazenda). Não conheço, contudo, qualquer caso, precedente, jurisprudência, NADA, sobre o art. 316, § 1.º, do CPB, acima transcrito. Será que nunca um funcionário exigiu tributo que sabe ou deveria saber indevido, ou empregando meios vexatórios que a lei não autoriza? Acho mais fácil acreditar que no Brasil não existe sonegação... Como diriam no twitter, #coerência #fail.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Revendo o passado

Sexta-feira é dia para posts mais leves (aliás, peço aos leitores que depois me cobrem um post sobre "a teoria da sexta-feira", porque este ainda não será sobre ela).
(...)
Semana passada fiz o depósito da versão definitiva (existe algo que o seja?) de minha tese de doutorado. Que venha agora, como disse com certo sadismo o meu orientador, o derramamento de sangue em praça pública. Consegui terminar, também, algumas outras tarefas pendentes, como a atualização do "Uma Introdução à Ciência das Finanças", de Aliomar Baleeiro, que já está sendo revisada e em breve será lançada pela Forense em nova edição.
Esses e outros projetos, dos quais falarei depois, vinham tornando os posts do blog menos frequentes. Também no twitter eu quase não aparecia. Agora mais livre, talvez volte a postar mais.
Devo admitir, contudo, que o fato de essa frequência ser maior ou menor decorre mais da inspiração (ou da falta dela) do que do tempo, pois desse a gente sempre (quando quer) consegue arranjar mais um pedacinho.
Bom, o fato é que, com tempo, ou inspirado, estou com diversas idéias para fazer alguns posts.
É difícil separá-las. Às vezes penso em cuidar de várias coisas ao mesmo tempo. Depois vou pensando (geralmente ao dirigir, ou ao correr à beira-mar, sozinho, nas noites de terça e quinta), e os posts vão se moldando na cabeça. Eventualmente sonho em como fazê-los; aliás, a idéia de escrever o "CTN Anotado" eu tive durante um sonho. Disse isso uma vez para um amigo, e, pela cara dele, acho que ficou achando que eu era louco; por isso mesmo resolvi nunca mais contar o fato para ninguém...
Bom, mas o tema deste post nem era nada disso que acabei escrevendo. Era para falar do passado, e de como ele passa.

***

Neste ano de 2009 o livro "Curso de Direito Tributário", do meu pai, completou trinta anos. E, por feliz coincidência, trinta edições, o que justificará, dentro de alguns meses, uma comemoração, a ser devidamente anunciada aqui no blog. Mas o que importa, por ora, é que isso me fez prestar mais atenção na passagem do tempo, ou, na verdade, nas consequências dela, em diversas situações e circunstâncias. Parece que foi outro dia que ganhei um "colossus" no natal de 1984... E hoje me vejo às voltas com alguns dos sobreviventes dos meus brinquedos (sim, eu era cuidadoso), com os quais me divirto junto com os meus filhos. Minha filha mais velha, que até outro dia adorava meus falcons e me chamava para usá-los brincando com ela de barbie (e eu ia!), está começando a achar certas brincadeiras "meio sem noção". Dia desses perguntei se ela queria assistir discovery kids comigo (era seu canal preferido), e ouvi: - Pai, helooou, isso é coisa de criança!
Estava nesse contexto, dentro desse "horizonte hermenêutico" saudosista, quando por acaso, lendo um livro de Teoria do Direito meio amarelado na biblioteca do meu pai, encontrei, entre suas folhas, a seguinte fotografia:


Putz... Foi uma viagem. Naquela época, diria Saramago, "o futuro era uma carta fechada e a curiosidade para abri-la ainda estava por nascer". Eu diria que o passado também é uma carta, que, no futuro, estamos sempre a abrir e reler; com o tempo, aumentam suas páginas e o interesse pelo que nelas se acha escrito...
A foto foi tirada no meu aniversário de um ano, na sala de jantar da casa onde eu morava. Engraçado como a moda vai e vem: essa blusa do meu pai, que aos 10 anos eu teria achado horrível, está hoje super fashion. Outra coisa que percebi foi que essa mesmíssima sala, com algumas modificações, funciona atualmente como ambiente de reuniões do nosso escritório. Quase todos os dias participo de reuniões nela, e nunca tinha me dado conta de que, durante muito tempo, ali almoçávamos e jantávamos, conversando sobre os mais diversos assuntos familiares. Bom, outra coincidência foi que, nessa mesma sala, ocorreu (há exatos cinco anos!) o lançamento conjunto da primeira edição do meu "Processo Tributário" e da segunda edição (primeira pela Atlas) do "Uma Introdução ao Estudo do Direito", do meu pai, quando tiramos uma foto no mesmo lugar e quase na mesma posição daquela:



Quando é que, meio assustado com aquelas lembrancinhas e aquele bolo em formato de trem, lá nos idos de 1979, eu iria imaginar que 25 anos depois estaríamos ali de novo festejando e tirando fotos àquela mesa, depois de autografar alguns livros? Naquela época a minha curiosidade para abrir a carta realmente ainda estava por nascer... Mas acho que isso nem sempre é assim tão próprio da infância, pois tampouco meu pai pensava, à época, que, na mesma sala, 30 anos depois, ele autografaria exemplares da 30.ª edição do despretensioso "curso" que por aqueles dias havia encaminhado à editora...

ADI e honorários de sucumbência

Sempre achei estranhas as disposições da Lei 8.906/94 que dizem ser sempre do advogado os honorários de sucumbência, e "nulas" as disposições contratuais em contrário. Afinal, em face do "princípio da máxima coincidência possível", os honorários de sucumbência deveriam, em regra, pertencer à parte, e, nessa condição, como direito disponível, poderiam ser negociados com o advogado.
Por "máxima coincidência possível" (aprendi com o Prof. Marcelo Lima Guerra), deve-se entender o mandamento de otimização, decorrente do disposto no art. 5.º, XXXV, da CF/88, segundo o qual a parte vitoriosa de uma demanda judicial deve obter, com essa vitória, resultado "o mais coincidente possível" com aquele que teria conseguido se a parte adversa houvesse cumprido espontaneamente a sua obrigação.
É claro que a identidade nunca será obtida, pois na melhor das hipóteses o processo levará algum tempo para ser julgado. Mas, como dito, é um mandamento de otimização, uma meta, a ser atingida na máxima medida do que for factual e juridicamente possível, para usar termos de Alexy, autor que, nesse ponto, a meu ver, é imbatível.
Nesse contexto, se a parte autora gastou com custas judiciais, e venceu a demanda, a parte ré deve reembolsá-la dessas custas. O mesmo vale para os honorários, que, como eu disse, são devidos, em princípio, à parte, e não ao próprio advogado.
Como direito disponível, o crédito pode ser negociado com o advogado, pelo que são inválidas tanto as normas que afirmam ser a verba sempre do advogado, como as que vedam a pactuação.
Seguindo essas idéias, o STF decidiu na última quarta-feira, com inteiro acerto, a ADI movida contra o Estatuto da Advocacia, na qual se discutiam, entre outras coisas, justamente os tais artigos. É conferir:

Negociação de honorários de sucumbência deve respeitar a Constituição

O ministro Celso de Mello apresentou, nesta quarta-feira, o desempate à votação do Plenário acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1194. Para ele, o caput do artigo 21 da Lei 8.906/94, conhecida como Estatuto da Advocacia, é parcialmente inconstitucional e seu texto, embora não tenha de ser modificado, precisa ter interpretação limitada ao que diz a Constituição Federal.

O artigo 21 do Estatuto da Advocacia estabelece que nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados. Desde a concessão da liminar, esse dispositivo estava suspenso até o julgamento finalizado com o voto do ministro Celso de Mello.

Em março de 2004, o ministro aposentado Maurício Corrêa, relator da ADI, disse entender que a sucumbência é um direito disponível e confirmou o entendimento firmado no julgamento da liminar, quando se decidiu que a verba de sucumbência pertence, em regra, ao advogado da parte vencedora – diferentemente do que prevê o Estatuto. Corrêa julgou a ADI procedente em parte, quanto ao artigo 21 (caput e parágrafo único), para lhe dar interpretação conforme a Constituição, admitindo, assim, a negociação sobre os honorários da sucumbência.

O voto de Celso de Mello também foi no sentido de, sem reduzir o texto do Estatuto, limitar sua aplicação aos casos em que não haja cláusula contratual que estipule uma orientação diferente. 

Ao votar como o relator, Celso de Mello fez prevalecer a linha já defendida pelos ministros Sepúlveda Pertence (aposentado), Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie. De forma contrária, ou seja, pela total procedência da ação neste dispositivo (sem a interpretação conforme a Constituição) divergiram os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandoski.

ADI 1194

Ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra o Estatuto da Advocacia, a ADI 1194 questionou o pagamento de honorários de sucumbência da forma como a lei determinava. A ação tentava que fossem declarados inconstitucionais pelo menos seis artigos – ou parte deles.

O artigo 1º, § 2º, que obriga a participação de advogados nos atos constitutivos de pessoas jurídicas, foi julgado constitucional, embora a CNI alegasse ofensa à liberdade de associação e ao princípio da igualdade. Por outro lado, por unanimidade, a Corte declarou a inconstitucionalidade do § 3º do artigo 24 da lei, que declarava nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

A ação da CNI chegou ao Supremo em janeiro de 1995. A liminar foi deferida em parte pelo Plenário, em fevereiro de 1996.

Julgamento

Confira, a seguir, a íntegra dos textos questionados e a apreciação de cada um deles pelo Plenário do Supremo:

Artigo 1º - São atividades privativas de advocacia:

Parágrafo 2º - Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.

Por maioria, o Tribunal julgou improcedente a ação com relação a este dispositivo. No dia 4 de março de 2004, o relator da matéria, ministro Maurício Corrêa (aposentado), afastou a alegação da Confederação de ofensa ao princípio da isonomia, bem como à liberdade de associação.

Para a confederação, a contratação de advogados é obrigatória para atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, e ao mesmo tempo não impõe tal exigência para celebrar quaisquer outros contratos, até de maior envergadura, além de trazer restrições à liberdade de associação garantida constitucionalmente.

A respeito desse dispositivo, o ministro considerou que a norma seria endereçada às pessoas jurídicas, com o objetivo de proteger os atos essenciais à sua constituição, afastando futuros prejuízos que possam advir às partes com elas envolvidas, em decorrência de irregularidades cometidas por profissionais estranhos à área jurídica.

“A ofensa ao princípio da isonomia supõe sempre tratamento desigual a situações idênticas, ou tratamento igual a situações diferentes. Não é o que ocorre na hipótese dos autos, em que todas as pessoas jurídicas são destinatárias do preceito atacado”, ponderou o ministro.

Ressaltou, ainda, que do mesmo modo não caberia alegar que partes de atos jurídicos e contratos da mesma significação jurídica de pessoas jurídicas, ou de maior abrangência, ficam dispensados da observância de semelhantes requisitos. Segundo Corrêa, a importância do registro das pessoas jurídicas advém da segurança dos que com elas tratam, e a interferência do advogado seria a minimização da possibilidade de enganos e fraudes.

Dessa forma, ele julgou improcedente a ação, sendo acompanhado pelos ministros Sepúlveda Pertence (aposentado), Celso de Mello, Ellen Gracie e os ministros aposentados Carlos Velloso e Nelson Jobim. Pela procedência, manifestaram-se os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Cezar Peluso, que divergiram.

Artigo 21 - Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados.

Parágrafo único - Os honorários de sucumbência, percebidos por advogado empregado de sociedade de advogados são partilhados entre ele e a empregadora, na forma estabelecida em acordo.

Ao examinar o artigo 21, caput e seu parágrafo único, do Estatuto da Advocacia, o ministro Maurício Corrêa trouxe, em março de 2004, o entendimento firmado no julgamento da liminar, quando se decidiu que a verba de sucumbência pertence, em regra, ao advogado da parte vencedora.

À época, o ministro entendeu que a sucumbência é um direito disponível, e de acordo com o disposto nos artigos 22 e 23 do Estatuto da Advocacia, que asseguraram expressamente que o advogado tem direito aos honorários de sucumbência. “Pertencendo à verba honorária ao advogado, não se há de falar em recomposição do conteúdo econômico-patrimonial da parte, criação de obstáculo para o acesso à Justiça, e muito menos em ofensa a direito adquirido da litigante”, afirmou Corrêa. Ele julgou a ADI procedente em parte, quanto ao artigo 21, caput e seu parágrafo único, para lhe dar interpretação conforme a Constituição, possa haver estipulação em contrário sobre os honorários da sucumbência.

Assim, somente em relação ao parágrafo único, o Tribunal acompanhou, por maioria, o voto do relator, julgando a ação procedente em parte para dar interpretação conforme a Constituição, vencidos os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa.

Sobre o caput do artigo 21, a Corte julgou procedente em parte para dar interpretação conforme a Constituição Federal segundo o recente voto do ministro Celso de Mello, e ainda os de Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, e do relator, Maurício Corrêa. De forma contrária, ou seja, pela total procedência da ação sem a interpretação conforme a Constituição divergiram os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso, Gilmar Mendes Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandoski.

Artigo 24 - A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

Parágrafo 3º - É nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

Por unanimidade, os ministros julgaram este dispositivo inconstitucional, dando interpretação conforme a Constituição Federal. Eles seguiram o voto do ministro Maurício Corrêa segundo a qual o advogado da parte vencedora poderá negociar a verba honorária da sucumbência com seu constituinte.


E o pior é que a quarta edição do "Processo Tributário" já está no forno da editora Atlas (ontem escolhi o novo layout), e evidentemente não coloquei no texto (que dessa vez quase não sofreu alterações) essa referência, eis que o julgado ocorreu quarta-feira última. Não bastasse a dificuldade de atualizar um livro de acordo com a legislação, a importância cada vez maior (depois faço post sobre isso) da jurisprudência faz com que também ela motive atualizações. Mas, no caso, fico conformado, porque no texto já faço referência a tudo o que ficou dito neste post, reportando-me à ADI, que apenas não havia sido julgada de forma definitiva ainda, mas que já contava com votos suficientes para que se pudesse prever o resultado que afinal fora proclamado, especialmente no que pertine ao art. 24 da lei impugnada.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Parcelamento tributário e legalidade

Costumo explicar para os meus alunos, quando se está cuidando das causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário, que as condições para o deferimento de uma moratória ou de um parcelamento (e o mesmo vale para isenção, remissão e anistia), mesmo quando têm o preenchimento passível de exame pela autoridade em cada caso, devem ser sempre fixadas em lei. Trata-se de decorrência do princípio da legalidade, de resto explicitada no art. 153 do CTN.
Pois bem. Seguindo essa idéia, o STJ decidiu, conforme vi em seu último informativo, que uma "Instrução Normativa" não pode exigir que o contribuinte autorize o "débito automático em conta" como condição para obter um parcelamento, se essa condição não é prevista na lei. Está coberto de razão. É conferir:

PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO. EXIGÊNCIA. DÉBITO. CONTA-CORRENTE. IMPOSSIBILIDADE.

A Turma, por maioria, entendeu que o art. 10 e seguintes da Lei n. 10.522/2002 prevê a possibilidade de parcelamento dos débitos existentes junto à Fazenda Nacional, não se referindo à obrigatoriedade de débito automático em conta-corrente das parcelas acertadas para a quitação. O débito em conta-corrente como condição imposta pela Fazenda Nacional para deferir o parcelamento do débito tributário não encontra respaldo legal. Assim, o art. 20 da Portaria PGFN/SRF n. 2/2002, ao criar óbices ao instituto do parcelamento, acabou por violar o princípio da reserva legal. Precedentes citados: REsp 133.586-RS, DJ 16/2/1998; REsp 1.042.739-RJ, DJe 25/9/2008, e REsp 969.343-SP, DJe 1º/9/2008. REsp 1.085.907-RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/5/2009.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Pô, profi, que casca de banana!

Tenho refletido, nesses dias, sobre o que é uma "casca de banana" em uma prova.
Depois de alguns anos como professor (já são mais de cinco! Nessas horas vemos o quanto o tempo, depois dos 18, passa rápido), vejo o quanto é difícil elaborar uma boa prova. Dá muito, mas muito trabalho. Não é por outra razão que existem instituições renomadas com um corpo técnico qualificado destinado apenas a elaborá-las para concursos públicos, vestibulares e exames em geral.
A prova precisa ser dosada com questões de níveis diferentes, e exigir do candidato respostas que tornem improvável o acerto de um chute, mas ao mesmo tempo não impeçam a pessoa que efetivamente sabe de responder corretamente por não haver compreendido o enunciado.
Não nego que fico satisfeito quando, depois de passar um dia inteiro preparando uma prova (empregando precioso tempo no qual conseguiria fazer algumas peças processuais, dependendo da complexidade, ou até escrever pequeno artigo em torno do qual já tivesse com a pesquisa feita e as idéias na cabeça), vejo, nas notas dos alunos, o resultado. Os bons alunos todos tiram entre 10 e 8. Os N.Q.Os ficam entre o 1 e o 4, e a maioria dos demais entre 5 e 7.
Não procuro, ou pelo menos evito, fazer questões com "cascas de banana", assim entendidas aquelas com pegadinhas destinadas a induzir o aluno ao erro. Tais questões medem mais a atenção do que o conhecimento, e, conquanto possam ser válidas (não as discuto aqui), não é meu propósito empregá-las.
Mas, mesmo assim, não raro alguns alunos acusam uma ou outra questão de minhas provas de ser "casca de banana" ou, pior, de "passar a rasteira" no aluno.
Outro dia, fiz uma questão relacionada ao art. 133 do CTN. Como sempre ocorre, as provas têm questões diversificadas, que exigem conhecimentos conceituais (diferencie obrigação de crédito tributário), raciocínio em torno de problemas (casos concretos a serem resolvidos), além de conhecimento da legislação e da jurisprudência. Foi na questão "caso concreto" que tratei do art. 133 do CTN, usando um exemplo no qual cidadão comprava um imóvel, reformava toda a sua estrutura, adquiria equipamentos, aparelhos, espelhos, instalando sistema de som, etc., contratava empregados, e dessa forma instalava (no imóvel antes vazio e desocupado) uma academia de musculação. Algum tempo depois, esse sujeito recebia cobrança de imposto de renda relativo a uma escola de balé que havia funcionado no mesmo endereço alguns anos antes. A questão indagava se, à luz do art. 133 do CTN, a Receita Federal poderia cobrar da academia de musculação o mencionado imposto.
O art. 133 dispõe:
"Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a data do ato:
(...)"

A resposta era não. E a razão muito simples: não houve, no caso, sucessão de empresas. Não houve aquisição de fundo de comércio, nem tampouco "continuidade" de exploração. Tal artigo somente é aplicável quando uma "operação" ou "atividade" é vendida e o adquirente dá continuidade à exploração. É o caso de quando o proprietário de um supermercado vende um estabelecimento inteiro (ponto de comércio, empregados, máquinas, equipamentos, estoque etc.) a uma outra rede de supermercados, que continua explorando, ali, a mesma atividade desempenhada, às vezes mudando apenas o luminoso exterior e a cor da farda dos empregados. Não era, como descrito no enunciado, o caso da questão.
A maior parte da turma acertou. Como a grama do vizinho sempre é mais verde, os alunos que fazem a mesma disciplina em outro turno, vendo a prova dos colegas, disseram que a questão estava "dada". Alguns alunos, contudo, erraram a questão, afirmando que havia sucessão, dizendo que o simples fato de ocupar o mesmo imóvel tornava a academia de musculação responsável por todos os tributos devidos pelo proprietário anterior. Na verdade, alguns até teriam sabido responder corretamente, mas erraram porque não leram direito o enunciado (erro comum a muitos alunos). Mas estes vieram dizer, depois, que a questão tinha uma casca de banana. Alguns disseram até que eu quis dar uma "rasteira na turma" com ela, justificando: o imóvel havia sido comprado vazio para a instalação de uma "academia" de musculação, e anos antes nele havia funcionado uma "academia" de balé. Ambas seriam "academias", tendo sido isso o que os levou ao erro. Disseram não ter prestado atenção para o fato de que uma era de balé e a outra de musculação, tendo se impressionado com o fato de serem ambas "academias".
Ora, ainda que fossem duas academias de musculação, o fato de a segunda haver sido instalada anos depois, em um imóvel vazio, é suficiente para descaracterizar a sucessão. Afinal, isso faz com que não se possa falar em "continuidade do empreendimento anterior" ou em "aquisição de fundo de comércio".
Mas os alunos queriam que a questão fizesse referência à instalação de uma academia de musculação em um local onde antes funcionara uma residência, ou uma loja de material de construção, de sorte a que ficasse bem claro que uma coisa não teria absolutamente nada a ver com a outra, pois, aí sim, não haveria a casca de banana.
Fiquei pensando... Será que têm razão? Levado o argumento às últimas conseqüências, e dizendo-se que a pequena semelhança no nome da atividade é "casca de banana", como poderíamos julgar as seguintes questões?:

Formulação "1"

Quem chegou ao Brasil, em 1500, conquistando-o em favor da coroa portuguesa?
a) Gato Félix.
b) Tinky Winky.
c) Papai Smurf.
d) Pedro Álvares Cabral.

Formulação "2"

Quem chegou ao Brasil, em 1500, conquistando-o em favor da coroa portuguesa?
a) Gato Félix.
b) Vasco da Gama.
c) Papai Smurf.
d) Pedro Álvares Cabral.

A segunda questão, na visão de alguns dos meus alunos, teria uma odiosa "casca de banana". A corretamente elaborada, que efetivamente mede o conhecimento, é a primeira formulação. Afinal, em relação à segunda, embora a resposta correta não seja Vasco da Gama, diriam, "esse cara também tava ligado com um lance aí de navegação, de caravela... e o profi colocou o nome dele só para confundir a galera."

sexta-feira, 8 de maio de 2009

O fim da tese da prescrição intercorrente?

Entre os que estudam o processo administrativo tributário, há diversos autores que defendem a existência de uma "prescrição intercorrente" caso a Fazenda Pública, por inércia imputável exclusivamente aos seus servidores, deixe o processo administrativo abandonado por mais de cinco anos. Defendi isso no meu "Processo Tributário" (4.ed. São Paulo: Atlas, 2009), desde a primeira edição. Há artigos na RDDT de diversos autores. Em texto publicado em livro de autoria coletiva, coordenado pelo Prof. Ives, aprofundo um pouco a idéia.
No âmbito do STJ, a tese foi rejeitada, mas a jurisprudência não está ainda pacificada. Não tem o assunto sido muito questionado.
Recentemente, contudo, o STF proferiu decisão que, se por um lado acena no sentido da conveniência de que exista tal prazo, por outro afirma que, no momento, ele não existe. É conferir:

ADI N. 124-SC
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. NORMA DO ESTADO DE SANTA CATARINA QUE ESTABELECE HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO POR TRANSCURSO DE PRAZO PARA APRECIAÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO FISCAL. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO, ART. 16. ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, ART. 4º. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 146, III, B, DA CONSTITUIÇÃO. A determinação do arquivamento de processo administrativo tributário por decurso de prazo, sem a possibilidade de revisão do lançamento equivale à extinção do crédito tributário cuja validade está em discussão no campo administrativo. Em matéria tributária, a extinção do crédito tributário ou do direito de
constituir o crédito tributário por decurso de prazo, combinado a qualquer outro critério, corresponde à decadência. Nos termos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1996), a decadência do direito do Fisco ao crédito tributário, contudo, está vinculada ao lançamento extemporâneo (constituição), e não, propriamente, ao decurso de prazo
e à inércia da autoridade fiscal na revisão do lançamento originário. Extingue-se um crédito que resultou de lançamento indevido, por ter sido realizado fora do prazo, e que goza de presunção de validade até a aplicação dessa regra específica de decadência. O lançamento tributário não pode durar indefinidamente, sob risco de violação da segurança jurídica, mas a Constituição de 1988 reserva à lei complementar federal aptidão para dispor sobre decadência em matéria tributária. Viola o art. 146, III, b, da Constituição federal norma que estabelece hipótese de decadência do crédito tributário não prevista em lei complementar federal. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e julgada procedente.
* noticiado no Informativo 514


Pelo que se vê, o STF não só afirmou (mero obiter dictum, é certo) a inexistência do tal prazo em lei complementar (no caso, no CTN, que é considerado como tendo natureza de LC, embora não seja), como declarou a inconstitucionalidade de lei estadual que fixava um prazo dessa natureza.

Antropologia


Há um relativo consenso, hoje, de que o estudo do direito deve ser multidisciplinar, ou interdisciplinar. Como ocorre com todo objeto, a compreensão que se tem do fenômeno jurídico é tanto mais completa quanto de mais numerosos ângulos ele for examinado. Sem esquecer, é claro, de que ele ainda se exprime através de normas, e que conhecê-las é certamente insuficiente, mas por igual indispensável, deve-se ter contato também com os ramos do conhecimento que se ocupam de suas parcelas fática e axiológica.
Ao elaborar minha tese de doutorado, a antropologia, a filosofia, a epistemologia e até a biologia evolutiva foram muito importantes. Não há como compreender o direito sem compreender também a criatura humana. Ambos estão intimamente relacionados. Acredito, até, que direito, racionalidade e liberdade estão ligados de tal forma que é difícil dissociá-los, tendo sido a criatura humana moldada - pela seleção natural - de sorte a ter essas características. Um sofisticado sistema de cooperação mútua tornou-se possível por conta de um maior desenvolvimento neurológico, e estes responderam pela maior aptidão das criaturas que os desenvolveram à sobrevivência. Algo bem darwiniano.
Bom, mas deixando as divagações de lado, o propósito deste post era apenas o de divulgar e aplaudir a iniciativa da Faculdade Christus, que oferece aos seus alunos, e ao público em geral, o curso de extensão em Antropologia a que se refere o banner acima. De 12 de maio a 16 de junho, por apenas R$ 50,00 (público externo à faculdade), às terças e quintas no finalzinho da tarde, com o Prof. Dr. Sóstenes Tavares Luna. 

Execução fiscal e suspensão pelos embargos

Tenho defendido que os embargos à execução fiscal têm o efeito de suspendê-la, não se lhes aplicando o disposto no art. 739-A do CPC. A tese está explicada em textos que publiquei na Revista Dialética de Direito Tributário, e em alguns que disponibilizei no scribd. Não vou retomá-la aqui. Só gostaria de saber como conciliar a tese de que esse efeito suspensivo não existe com o seguinte precedente, divulgado no informativo do STJ:

LEVANTAMENTO. FIANÇA BANCÁRIA.

O levantamento da fiança bancária oferecida como garantia da execução fiscal fica condicionado ao trânsito em julgado da respectiva ação. No caso dos autos, os embargos à execução fiscal com oferecimento de carta de fiança para garantia do juízo foram julgados improcedentes pelo Tribunal a quo, e o estado membro requereu a liquidação dos valores garantidos pela carta de fiança. Explica o Min. Relator que, a teor dos arts. 1º, 9º, § 3º, e 15 da LEF (Lei n. 6.830/1980), verifica-se que o legislador também equiparou a fiança bancária ao depósito judicial como forma de garantia da execução. Também, esse é o entendimento da jurisprudência deste Superior Tribunal. Assim, o levantamento de depósito em dinheiro só ocorre após o trânsito em julgado da sentença, conforme dispõe o art. 32, § 2º, da LEF. Precedentes citados: REsp 643.097-RS, DJ 18/4/2006; REsp 543.442-PI, DJ 21/6/2004, e EREsp 479.725-BA, DJ 26/9/2005.

STJ, 1 T., REsp 1.033.545-RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 28/4/2009.



quinta-feira, 7 de maio de 2009

Manutenção do crédito de IPI, STJ e STF

Tenho observado uma coisa. Pode até ser coincidência, mas sempre que o STJ firma jurisprudência em um sentido, a do STF, quando este conhece da matéria por ser esta também de cunho constitucional, firma-se em outro. Não sei nas outras áreas, mas em Direito Tributário é quase sempre assim.
Não que uma das cortes seja "pro-fisco" e a outra "pro-contribuinte". Não é isso. As vezes o STJ firma uma jurisprudência contra o contribuinte, e a do STF é favorável, ou vice-versa. A lógica, na verdade, parecer ser a de que o STF é "contra-STJ". Pelo menos, insisto, em matéria tributária.
STJ diz que ICMS incide na importação de bens por não-contribuintes (antes da EC 33/2001), STF diz que não.
STJ diz que o prévio exaurimento da via administrativa não é necessário para que seja processada a ação penal por crime contra a ordem tributária. STF diz que é.
STJ admite denúncia genérica em matéria tributária. STF diz que não pode.
STJ diz que contribuinte tem direito à devolução do excesso, no caso de a operação final ocorrer por preço diverso do previsto na antecipação (ICMS-ST). STF diz que não.
STJ diz que COFINS não é devida por sociedades de profissionais liberais, STF diz que sim.
Os exemplos são muitos.
Mas o que quero destacar, agora, é algo relativo ao crédito de IPI. Uma decisão do STF que me surpreendeu, em questão na qual considerava evidente a razão dos contribuintes.
Não falo do crédito decorrente de entradas isentas ou não-tributadas, em face de operações seguintes tributadas. Essa questão já foi decidida faz tempo, e até acho que, na maioria dos casos (ressalvadas as isenções regionais), a Fazenda tem inteira razão. Refiro-me à situação inversa: o contribuinte adquire produtos (matéria prima, material de embalagem etc.) tributados, e efetua venda de produtos isentos ou tributados com alíquota zero.
Uma padaria, por exemplo, compra ingredientes que sofrem a incidência do IPI, mas fabrica pão, que é tributado com alíquota zero. Os créditos relativos às entradas tributadas se acumulam em sua escrita (eis que não precisam ser estornados, como ocorre no caso do ICMS, por expressa disposição constitucional), sem ter como serem aproveitados. Até que a Lei 9.779/99 passou a permitir o uso desses créditos para compensação com débitos relativos a outros tributos federais. A lei não restringiu a data dos créditos que poderiam ser aproveitados, limitando-se a criar um mecanismo para que esse aproveitamento pudesse ser feito. Mas veio (como sempre) uma IN (instrução normativa) para dizer que a lei somente poderia ser aplicada para a compensação de créditos surgidos depois de sua vigência.
Pois bem. O STJ tinha jurisprudência pacífica em favor dos contribuintes, como eu até tive a oportunidade de registrar no "CTN Anotado":


19. Não-cumulatividade do IPI. Crédito acumulado e operações posteriores não tributadas – Diversamente do que acontece com o ICMS (CF/88, art. 155, § 2o, II, a e b), o regramento constitucional da não-cumulatividade, no âmbito do IPI, não contempla as restrições de crédito relativas às hipóteses em que as operações anteriores, ou as operações posteriores, não são tributadas. Assim, ainda que a operação de saída realizada pelo contribuinte não seja tributada, terá ele direito de manter os créditos relativos às entradas, vale dizer, creditar-se do IPI eventualmente incidente nos produtos utilizados como matéria-prima, insumos e material de embalagem. Exemplificando, caso uma indústria panificadora adquira material de embalagem tributado pelo IPI, terá direito de manter o respectivo crédito, apesar de o pão por ela industrializado não ser onerado pelo imposto, por conta da aplicação de “alíquota zero”.
O problema é que, se o contribuinte não industrializar outros produtos tributados pelo IPI, não terá como aproveitar seus créditos, no âmbito da sistemática da não-cumulatividade, e estes acumular-se-ão em sua escrita. Para resolver essa dificuldade, e instrumentalizar o aproveitamento desses créditos, o art. 11 da Lei no 9.779, de janeiro de 1999, autorizou a sua utilização para compensação com qualquer outro tributo administrado pela Secretaria da Receita Federal, nos termos do art. 74 da Lei no 9.430/96.
A Secretaria da Receita Federal pretendeu que o art. 11 da Lei no 9.779/99 tivesse efeitos constitutivos, vale dizer, que somente as entradas havidas após a sua vigência (jan./1999) gerariam créditos compensáveis. Normatizando esse seu entendimento, editou a IN SRF 33/99, tratando da questão como se a lei não houvesse apenas possibilitado a compensação de um crédito preexistente, mas sim dado cabimento ao próprio nascimento desse crédito. Com efeito, em seu art. 4o a citada IN dispunha que “o direito ao aproveitamento, nas condições estabelecidas no artigo 11 da Lei no 9.779/99, do saldo credor do IPI decorrente da aquisição de MP, PI e ME aplicados na industrialização de produtos, inclusive imunes, isentos ou tributados à alíquota zero, alcança, exclusivamente, os insumos recebidos no estabelecimento industrial ou equiparado a partir de 1o de janeiro de 1999”.
O Superior Tribunal de Justiça, todavia, considerou, corretamente, que o direito ao crédito decorre diretamente da Constituição Federal, e que a lei apenas veiculou uma nova forma de aproveitá-lo, vale dizer, “a Lei no 9.779, por força do assento constitucional do princípio da não-cumulatividade, tem o caráter meramente elucidativo e explicitador” (STJ, 2a T., RESP 435.783/AL, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 3/5/2004). No mesmo sentido: STJ, 1a T., REsp 514940/SC, DJ de 23/8/2004, p. 124; 1a T., REsp 639868/SC, DJ de 28/2/2005, p. 228; 1a T., REsp 654472/PR, DJ de 28/2/2005, p. 238; 1a T., AgRg no RESP 612034/PR, DJ de 30/8/2004, p. 221; 1a T., REsp 415.796/RS, DJ de 10/5/2004. E nem poderia mesmo ser diferente, pois se não fosse possível – independentemente do que dispusesse a lei – manter o crédito decorrente de operações anteriores tributadas, o ônus do IPI sobre elas incidente terminaria repercutindo sobre o produto isento ou tributado com alíquota zero, acumulando-se onerosamente sobre produto que, por sua essencialidade, não deveria ser tributado. No voto que proferiu quando do julgamento do REsp 435.783/AL, acima referido, o Ministro Castro Meira consignou que a “Carta Magna, relativamente ao imposto estadual, vedou o direito ao aproveitamento de crédito relativo à operação não-tributada, seja na entrada, seja na saída da mercadoria do estabelecimento comercial. [...] A sistemática da não cumulatividade do IPI não se encontra subordinada à regra semelhante. A Constituição não limitou o direito de crédito pela ocorrência de operações não tributadas [...] impende reconhecer que a Constituição, ao tratar do IPI elegeu o regime da inacumulatividade plena. Mesmo nos casos de saída não tributada, existe o direito ao creditamento do imposto”.
Com isso, na prática, a partir da edição da citada lei as indústrias com saldo credor acumulado de IPI passaram a poder compensá-lo com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal (COFINS, CSLL, IRPJ...), sem prejuízo, naturalmente, de poderem aproveitar, dessa mesma forma, os créditos de IPI decorrentes de entradas subseqüentes.


Eis que, em virtude do antagonismo que não raro há entre a jurisprudência das referidas Cortes, o STF resolve a questão dando-lhe o desfecho contrário. É conferir:

STF limita concessão de créditos de IPI em matéria prima tributada para período posterior a 99

Somente depois da entrada em vigor da Lei 9779/99 se tornou possível a compensação de créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pagos na entrada de insumos, quando o produto final for isento do tributo ou sujeito à alíquota zero. Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu na tarde desta quarta-feira (6) que não havia essa compensação no período de cinco anos anteriores à vigência da lei.

A decisão foi tomada no julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) 460785, 562980 e 475551. Os processos discutiam a possibilidade de, antes da edição da norma, as empresas terem direito de receber crédito do IPI pagos na entrada da matéria-prima, quando o produto final era isento do tributo ou se sujeito à alíquota zero. A lei 9779/99 regulamenta, entre outras questões tributárias, o aproveitamento de créditos do IPI, conforme determina o artigo 150, parágrafo 6º da Constituição Federal de 1988.

Os recursos foram interpostos pela União contra a Imprimax, de Santa Catarina (RE 562980), a Indústria Têxtil Apucarana Ltda., do Paraná (RE 475551) e contra a Calçados Tabita, do Rio Grande do Sul (RE 460785), que haviam conseguido decisões favoráveis a seus interesses nos Tribunais Regionais Federais (TRFs). As empresas recorreram à justiça com base no entendimento de que o objetivo dos créditos ou isenções dos impostos era evitar um efeito em cascata da cobrança do imposto, segundo o princípio constitucional da não cumulatividade, que veda a cobrança de tributos em duplicidade. A União recorreu contra esse entendimento ao STF.

RE 460785

No começo do julgamento, em junho de 2008, o ministro Marco Aurélio, relator do RE 460785, descartou a alegada ofensa à Constituição e votou pelo provimento do recurso, alegando que, se somente há tributação de insumos, matéria-prima e embalagens na entrada da indústria e não na saída, não há cumulatividade e, portanto, não há ofensa à Constituição. Em outras palavras, a matéria prima ou o insumo tributado não geram créditos de IPI se o produto final é isento ou alíquota zero. “Se não operação final verificou-se isenção, não existirá compensação do que recolhido anteriormente, ante a ausência do objeto”, explicou o ministro.

Na sessão desta quarta-feira (6), o ministro Eros Grau divergiu em parte do ministro Marco Aurélio. Isso porque o RE 460785 envolvia produto final isento de IPI, e para Eros Grau, somente nos casos de produtos sujeitos à alíquota zero não deve ser concedido crédito. Neste recurso e no RE 562980, ficaram vencidos ainda os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, que entendiam que a não cumulatividade já existia no ordenamento constitucional, e portanto não poderia ser contrariado por uma legislação ordinária – no caso a Lei 9779/99.

No caso do RE 475551, a maioria que deu provimento ao recurso da União, contando ainda com o voto do ministro Eros Grau, uma vez que, nesse caso, tratava-se de produto final sujeito à alíquota zero, o que no entender do ministro não permitiria a concessão do crédito do tributo. Também neste processo ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso

A notícia não é muito clara, e até sugere, pela sua parte final, que os ministros confundiram um pouco as coisas. Parece que pensavam estar julgando a questão relativa a ENTRADAS isentas ou tributadas com alíquota zero (falando que "gerariam" créditos), quando a questão reside em saber se os créditos, que inegavelmente existem e decorrem de entradas tributadas, podem ser MANTIDOS diante de saídas isentas ou tributadas com alíquota zero. Parece-me claro que podem, pois esse direito não é oriundo da tal lei, que apenas cuidou da possibilidade de compensação (do crédito pré-existente, que dela não decorre), mas da Constituição. É aguardar o teor dos votos para ver. Como é o Plenário, parece haver pouco o que fazer, agora. A confusão será instaurada, isso sim, no âmbito das rescisórias, pois um sem número de decisões já transitou em julgado em favor dos contribuintes no STJ. É o banana boat. Esse nosso sistema processual...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O ralo das terceirizações


A imprensa - falada, escrita e televisionada - tem dado atenção ao problema das terceirizações no Senado. Serviriam para nepotismo, corrupção, desvios etc.

Curioso. Faz um bom tempo que meu pai vem dizendo isso. Para ele,
[e]ntre os males da terceirização, temos o aumento de oportunidades para a prática de corrupção, a dificuldade no controle das contas públicas e o significativo aumento da concentração de renda no País. Enquanto a remuneração de servidores públicos direciona a renda para camadas economicamente mais modestas, a terceirização permite que empresas explorem os trabalhadores, pagando a estes salários os menores que o mercado permite, de sorte que o gasto com terceirização termina por carrear as maiores somas para o bolso do empresário, na forma de lucro. (MACHADO, Hugo de Brito. Carga tributária e gasto público: propaganda e terceirização. Interesse público, Curitiba: Notadez, ano VIII, n. 38, p. 185-186, 2006)

Na trigésima edição do Curso, ele igualmente diz:

Além de bastante elevada nossa carga tributária é crescente. A cada dia se eleva um tributo ou se cria um tributo novo e a arrecadação, assim, tem batido sucessivos recordes. Não obstante não há dinheiro para obras importantes. As estradas, especialmente no Nordeste, estão sem a necessária manutenção, praticamente destruídas. O sistema penitenciário superlotado. As universidades federais minguando, enquanto cresce a olhos vistos o sistema de ensino superior particular. Parece que os recursos arrecadados são utilizados apenas para o pagamento de juros, ou escorrem pelo ralo da corrupção.
A propósito de corrupção, temos observado que no serviço púiblico implantou-se a prática de contratar mão-de-obra terceirizada, em vez de realizar concursos públicos. Tudo que não seja atividade-fim pode ser entregue a terceiros, isto é, a não-funcionários públicos. E isto é uma porta escancarada para a corrupção. Tanto os próprios trabalhadores se deixam corromper com mais facilidade, pois praticamente nada têm a perder se apanhados em falta, porque não são titulares de cargos públicos, como as contratações de mão-de-obra ensejam práticas de corrupção de difícil ou impossível controle.

Realmente, há burla à regra constitucional que exige concurso público. O administrador responsável pela contratação da empresa de cessão de mão-de-obra "conversa" com o dono da empresa e a ele encaminha sobrinhos, filhos, tios, amigos, etc., que assim são inseridos por via oblíqua no serviço público, como "terceirizados", sem concurso. A reportagem do Jornal Nacional de ontem mostrava exatamente isso.
Por outro lado, além da burla ao concurso, e da concentração de renda, há o problema da dificuldade de controle dos gastos.
Se a administração faz concurso para admitir em seus quadros determinados servidores, o custo para os cofres públicos, decorrente de sua contratação, pode ser obtido com a multiplicação dos respectivos vencimentos (e eventuais encargos) pelo número de vagas as erem preenchidas. No caso do terceirizado, diante da uma despesa de tantos milhares de reais com "limpeza", como saber quantos lixeiros e varredores efetivamente foram encaminhados ao órgão público? Como saber quanto esses lixeiros receberam, e quanto ficou para o "cedente" da mão de obra? É realmente complicado. E não tem dinheiro que chegue, sendo necessário esfolar ainda mais o contribuinte, para que com os recursos dele extraídos se custeie o "interesse público".
A terceirização tem suas vantagens, especialmente no setor privado. No público, contudo, parece ser a válvula de escape para o "jeitinho brasileiro" burlar a saudável regra do concurso público.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Manual de Direito Tributário do Prof. Sabbag

Quando jantei com ele em Salvador, como mencionei em post anterior, já tinha notícia do livro que estava a lançar, mas ainda não o havia lido.
Agora, tendo-o lido (evidentemente não todo), posso dizer: o livro é muito bom.
Trata-se de um livro bastante extenso (mais de 1000 páginas), didático e claro. Contempla toda a matéria, explicando-a didaticamente, com referências à doutrina, à jurisprudência, e à forma como as matérias são cobradas em concursos públicos. A maneira como os concursos são referidos é inovadora. Em vez de conter uma série de questões ao final de cada capítulo, o livro contém notas em balões (parecidos com os do word, quando usamos os recursos de revisão de texto, de "controlar alterações" e "comentários") dizendo, à medida em que são explicados, como os assuntos são cobrados em concursos.
O melhor é que o livro não se limita ao estudo destinado ao concurseiro, embora seja ideal também para ele, servindo a todos os públicos. Recomendo.