sexta-feira, 31 de agosto de 2007

CPMF e Previsão Orçamentária

Partindo das mesmas premissas que explicitamos em postagem anterior, o partido Democratas ajuizou ADI contra a norma de elaboração da LDO (lei de diretrizes orçamentárias) que autoriza a consideração da CPMF como receita para além de seu período de duração constitucionalmente previsto.

Sobre essa ADI - cuja procedência nos parece evidente - o site do STF noticiou o seguinte:

"30/08/2007 - 19:20 - Democratas propõem ADI contra norma de elaboração da LDO de 2008 que considera a CPMF como receita
O partido político Democratas (DEM) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3949) contra o artigo 100, da Lei 11.514, que dispõe sobre as diretrizes para a elaboração e execução da Lei Orçamentária de 2008. O DEM afirma que a norma impugnada concede às instâncias responsáveis pela elaboração da lei orçamentária o poder de estimar receita que não tenha base na legislação e, sobretudo, na própria Constituição Federal.
De acordo com a ação, o artigo 100 atacado autoriza o Executivo e o Legislativo, na elaboração do orçamento de 2008, considerarem “os efeitos das propostas de alterações na legislação tributária e das contribuições, inclusive quando se tratar de desvinculação de receitas, que sejam objeto de propostas de emenda constitucional, de projeto de lei ou de medida provisória que esteja em tramitação no Congresso Nacional”.
Para o partido político, essa autorização, com base em “esperança no futuro da legislação”, constitui abuso, pois a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o projeto de lei orçamentária devem observar necessariamente a ordem constitucional vigente, “e não pressupor uma constituição futura, hipotética e inexistente”. O legislador não pode esquecer os limites temporais impostos pelos artigos 76 e 90 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Se o ordenamento constitucional vigente determina expressamente que a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) não pode ser cobrada após 31 de dezembro de 2007, a elaboração do orçamento de 2008 não pode deixar de observar esse parâmetro temporal, conclui.
Alegando o perigo na demora [periculum in mora], decorrente do iminente envio da LDO para votação do Congresso Nacional, e a plausibilidade jurídica [fumus boni juris] da tese apresentada, os advogados do DEM requerem liminar para suspender a eficácia na norma impugnada. No mérito pedem a declaração de inconstitucionalidade do artigo contestado."

Fonte: www.stf.gov.br

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Decadência é matéria privativa de lei complementar

Acolhendo tese que a muito defendemos (Processo Tributário, São Paulo: Atlas, 2004), o STJ reconheceu que a decadência do direito de a Fazenda Pública efetuar o lançamento é matéria privativa de lei complementar federal (ou nacional) (CF/88, art. 146, III, "b"), não podendo ser disciplinada em lei ordinária da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal ou dos Municípios.

Foi o que noticiou o último informativo do STJ (327/2007):

INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 45 DA LEI N. 8.212/1991.
A sociedade buscava a compensação de valores relativos à contribuição previdenciária paga sob a égide de lei reputada inconstitucional, mas o acórdão ora recorrido reconheceu, unicamente, a ocorrência da prescrição qüinqüenal, prazo prescricional contado do fato gerador. Nesta sede especial, o Min. Teori Albino Zavascki, em decisão monocrática, negou seguimento ao recurso, ao aplicar a conhecida tese do “cinco mais cinco” lastreada na interpretação do CTN, firmado que o prazo qüinqüenal deveria ser contado da data da homologação tácita. Porém, na via do agravo regimental da sociedade, apontou-se a existência de lei específica ao caso, o art. 45 da Lei n. 8.212/1991, que estipula em dez anos o prazo para que a Seguridade Social constitua o crédito tributário previdenciário. Levado a julgamento o agravo na Primeira Turma, o Min. Teori Albino Zavascki argüiu a inconstitucionalidade daquele artigo da lei. Diante disso, a Corte Especial, ao prosseguir o julgamento, por maioria, entendeu afastar a preliminar de não-conhecimento da argüição levantada pelo Min. José Delgado, em voto-vista, ao fundamento de que, uma vez posta a argüição, a Corte Especial há que a examinar sem qualquer preocupação quanto ao fato de a declaração da inconstitucionalidade beneficiar o recorrente ou o recorrido. No mérito, por unanimidade, declarou a inconstitucionalidade do art. 45 da Lei n. 8.212/1991, visto que, por força do art. 146, III, b, da CF/1988 e da constatação de que se está no trato de norma geral tributária, o prazo de cinco anos constante dos arts. 150, § 4º, e 173 do CTN só poderia ser alterado por lei complementar. Argüição de Inconstitucionalidade no REsp 616.348-MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgada em 15/8/2007.

domingo, 19 de agosto de 2007

Dogmática jurídica?

Tema que há muito desperta minha curiosidade, no âmbito da epistemologia jurídica, é o da chamada "dogmática jurídica", termo estranhamente usado como sinônimo de "ciência jurídica".
De acordo com os estudiosos de epistemologia, ou teoria do conhecimento, o conhecimento científico se caracteriza pela abertura e pela provisoriedade, sendo o antônimo do dogma. Por que, então, denominar-se uma ciência de "dogmática"?
Cursando o Doutorado em Direito Constitucional, na disciplina "epistemologia jurídica", escrevi sobre o assunto, texto que está disponível, em formato PDF, em

(...)

Atualização: O texto, um tanto modificado e ampliado, deu origem ao livro "Por que dogmática jurídica", publicado pela Forense no início de 2008. Por essa razão, tirei o link para sua versão em PDF daqui.

sábado, 11 de agosto de 2007

CPMF e DRU

O Governo Federal tem insistido na prorrogação da CPMF e da DRU, associando-as ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para com isso tentar convencer deputados e senadores a - mais uma vez - modificar a Constituição e permitir a "continuidade" daquelas duas siglas.
A contradição dos argumentos, contudo, é evidente.
Primeiro, é preciso que se esclareça o que é a CPMF, a DRU e o PAC.

CPMF é sigla que significa "contribuição provisória sobre a movimentação financeira". Trata-se de um tributo cobrado em face de operações financeiras (saques, depósitos, resgates etc.), destinado, em tese, ao financiamento de gastos com saúde pública.

DRU significa "desvinculação de receitas da união". É a permissão - que foi colocada na Constituição - para que o Governo Federal gaste os recursos arrecadados com coisas diferentes daquelas que, pela Constituição, seria obrigado. Por exemplo, em face da DRU, o Governo pode utilizar a arrecadação da CPMF para despesas outras que não com a saúde.

PAC, por sua vez, designa "programa de aceleração do crescimento", programa este que envolve uma série de investimentos federais em setores e áreas essenciais para o desenvolvimento da economia.

Pois bem. Já se viu, dessa explicação do sentido das siglas, que o "p" de CPMF significa que a contribuição é provisória. Frisamos a expressão "provisória" não como forma de ironizar a "p"erenização ou a "p"ermanência desse tributo, mas sim para mostrar que, quando foi criada, a CPMF foi prevista como provisória.
Daí, em face do Direito vigente até agora (se não for aprovada a prorrogação), NINGUÉM poderia contar com a CPMF para além da data em que ela deveria ser extinta. Muito menos o Governo, na feitura de seu orçamento.

Contar com a CPMF no orçamento federal, para além da data em que a sua arrecadação seria permitida, seria mais ou menos como alguém vender seu carro, combinando com o comprador o pagamento do preço em 3 parcelas mensais de R$ 5.000,00, e incluir no orçamento familiar, de forma indefinida, essa receita mensal de R$ 5.000,00, para além dos três meses em que isso havia sido combinado. Passados os três meses, essa pessoa diria ao comprador que ele deveria continuar pagando as parcelas de R$ 5.000,00, para não gerar um "rombo" no orçamento, no qual já haviam sido incluídas despesas para cujo atendimento aquele dinheiro seria necessário.

Ora, ora, ora... Se o Governo, ao fazer o orçamento, só podia contar com a CPMF até certa data, porque considerou a receita correspondente para além dela? Se o fez, incorreu em ato ilícito na feitura do orçamento. E, se não o fez, como não poderia mesmo ter feito, está, agora, faltando para com a verdade para forçar a prorrogação da cobrança de um tributo com o qual não poderia mais contar.

Isso para não mencionar a grossa contradição de pleitear a prorrogação de um tributo que só foi aceito pela sociedade em face do forte apelo social, eis que seria destinado à saúde, e, ao mesmo tempo, afirmar que as receitas são importantes para o PAC (que, embora também importante, não tem nada a ver com a saúde), e, pior, combinar tudo com a prorrogação da tal DRU, que o autorizaria a gastar os recursos com coisas ainda diferentes...

Em uma democracia, é preciso que haja transparência e sinceridade por parte do Governo. Para que, afinal, são necessários os recursos? Para a saúde? Para o PAC? Para o pagamento dos juros da dívida? A idéia é favorecer Estados-membros e Municípios, massacrados com o uso abusivo de contribuições por parte do Governo Federal (cf. meu "Contribuições e Federalismo", São Paulo: Dialética, 2005, passim)? Então porque não deixar de cobrar e de aumentar contribuições (CPMF, COFINS, CIDE etc. etc.), que não são com eles divididos (e nem servem para finalidades sociais coisa nenhuma, em face de desvios e da própria DRU), e de forma sincera aumentar impostos, que são divididos com os demais membros da federação e podem ser gastos de forma desvinculada?

Não emito aqui nenhum juízo de valor, para dizer se seria mais importante atender essa ou aquela finalidade, dessa ou daquela forma, mas apenas destaco a contradição, e a insinceridade. Que se diga a verdade, a fim de que a sociedade possa tomar um posicionamento, seja ele qual for.

Sobre o livro acima referido, a propósito, outras informações podem ser obtidas em http://www.hugosegundo.adv.br/conteudo.asp?idpublicacao=14

Mais temas para monografias

Pensei ainda em:
- Responsabilidade tributária de sucessores;
- Responsabilidade tributária de sócios e dirigentes de pessoas jurídicas;
- Exceção de pré-executividade em matéria tributária;
- Indenizações e o imposto de renda;
- Prisão por dívida tributária e o art. 168-A do CPB;
- Sanções políticas no Direito Tributário;
- Multas administrativas, não-confisco e proporcionalidade.

O importante, contudo, é que o aluno escreva sobre tema que goste e com o qual se identifique.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Temas para monografia

Meus alunos eventualmente me pedem a sugestão de temas para a elaboração de suas monografias de fim de curso (Bacharelado). Dizem gostar do Direito Tributário, pretendendo inclusive atuar nessa área quando formados, mas não têm idéias sobre os temas que poderiam render um bom trabalho acadêmico.
Essa situação seria agravada - segundo eles - pelo fato de a Instituição de Ensino Superior (IES) exigir a definição de um tema ainda no início do 9.º semestre, quando muitos ainda nem viram Direito Tributário, estando ainda no início da disciplina "Direito Tributário I".
Pensando nisso, relacionei, abaixo, algumas sugestões.
Devo lembrar que de uma monografia exigida como requisito parcial para a concessão do título de bacharel em Direito não se exige a abordagem de um tema inovador, de forma original e polêmica. Não. Embora isso não seja proibido, a idéia é que o aluno aborde questão específica (daí o nome monografia) revelando conhecimento satisfatório em torno dela. Diversamente de uma dissertação de mestrado, da qual se exige ampla pesquisa bibliográfia sobre o tema, e de uma tese de doutorado, na qual a inovação e a originalidade no trato da questão são indispensáveis.
As sugestões, então, para uma monografia de bacharelado, no âmbito tributário, são:
- Repetição do indébito e tributos indiretos;
- Planejamento tributário e a norma anti-elisão;
- Restrições ao ingresso de contribuines no "Simples" e o princípio da isonomia;
- Lançamento por homologação e suas particularidades;
- Suspensão da liminar e de segurança no Processo Tributário;
- Execução fiscal administrativa.

Essas são, como disse, só algumas sugestões. Se, depois, me ocorrerem outras, as postarei aqui.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Juízes são obrigados a receber advogados

"O magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa".

Foi o que decidiu o CNJ, fazendo lembrar lição elementar de Direito, infelizmente esquecida ou ignorada por alguns (poucos) magistrados. Espera-se que, à luz desse reconhecimento, magistrados que fixam horários (e até dias específicos) para atender advogados, fora dos quais não os recebem, deixem de fazer isso.

Eis a íntegra da decisão:
"CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Pedido de providência nº 1465
Requerente: José Armando Ponte Dias Júnior
Requerido: Conselho Nacional de Justiça

Vistos.
Trata-se de consulta formulada ao Conselho Nacional de Justiça pelo Juiz de Direito Titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Mossoró-RN, Dr. José Armando ponte Dias Júnior, nos seguintes termos.
1) Pode o magistrado reservar período durante o expediente forence para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças,recebendo os advogados em seu gabinete de trabalho, em tais períodos, somente quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência, a critério do Diretor de Secretaria da respectiva da Vara?”
2) “O magistrado é sempre obrigado a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independentemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho?”
Sucintamente relatados, decido.
A presente consulta envolve questão de extrema singeleza, claramente explicitada em texto legal expresso, razão pela qual a respondo monocráticamente, sem necessidade de submissão ao Plenário.
Como admite o próprio consulente, inciso VIII do art. 7º da Lei nº 8.906/94 estabelece que são direitos do advogado, dentre outros, “dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição observando-se a ordem de chegada”.
Ante a clareza do texto legal, indiscutível é a conclusão de que qualquer medida que condicione, crie embaraço ou impeça o acesso do profissional advogado à pessoa do magistrado, quando em defesa do interesse de seus clientes, configura ilegalidade e pode caracterizar, inclusive, abuso de autoridade.
Não há, como parece sugerir o consulente , qualquer conflito entre a presente disposição de lei ordinária e a prevista no inciso IV do art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN
Com efeito, o referido dispositivo da LOMAN, ao estabelecer como dever funcional do magistrado tratar com urbanidade os advogados e atender a todos os que o procurarem, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência, em momento algum autoriza o Juiz a criar horário especial de atendimento a advogados durante o expediente forense.
Em uma interpretação teleológica da norma, a condicionante de “providência que reclame e possibilite solução de urgência” há de ser associada, necessariamente, à expressão “a qualquer momento”, o que pressupõe situação excepcional, extraordinária, como , por exemplo, quando o magistrado se encontra em seu horário de repouso, durante a madrugada ou mesmo em gozo de folga semanal, jamais em situação de normalidade de expediente forense rotineiro.
O Juiz, até pelas relevantes funções que desempenha, deve comparecer à sua Vara diariamente para trabalhar, e atender ao advogado que o procura no fórum faz parte indissociável desse seu trabalho, constituindo-se em verdadeiro dever funcional.
A jurisprudência é repleta de precedentes enaltecendo o dever funcional dos magistrados de receber e atender ao advogado, quando este estiver na defesa dos interesses de seu cliente:
“ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELIMITAÇÃO DE HORÁRIO PARA ATENDIMENTO A ADVOGADS. ILEGALIDADE ART. 7º INCISO VIII DA LEI Nº 8.906/94. PRECEDENTES.
1. A delimitação de horário para atendimento a advogaods pelo magistrado viola o art. 7º, inciso VIII, da lei nº 8.906/94.
2. Recurso ordinário provido.” (STJ, 2ª Turma, RMS nº 15706/PA, Rel. Min. João Otávio de Noronha, in DJ 07/11/2005, p. 166)
“ADVOGADO – DIREITO DE ENTREVISTAR-SE COM MAGISTRADO – FIXAÇÃO DE HORÁRIO – ILEGALIDADE – LEI 8.906/94 ART. 7º, VIII). É nula, por ofender ao art. 7º, VIII da Lei 8.906/94, a portaria que estabelece horários de atendimento de advogado pelo juiz” (STJ, 1ª Truma, RMS nº 13262/SC, Rel. Desig. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ 30/09/2002, p. 157)”
“ADMINISTRATIVO – ADVOGADO – DIREITO DE ACESSO A REPARTIÇÕES PÚBLICAS – (LEI 4215 – ART. 89,VI, C). A advocacia é serviço público, igual aos demais, prestados pelo Estado. O advogado não é mero defensor de interesses privados. Tampouco, é auxiliar do juiz. sua atividade, como “particular em colaboração com o Estado” e livre de qualquer vínculo de subordinação para com magistrados e agentes do ministério público. O direito de ingresso e atendimento em repartições públicas (art. 89,VI,”c” da lei n. 4215/63) pode ser exercido em qualquer horário, desde que esteja presente qualquer servidor da repartição. A circunstância de se encontrar no recinto da repartição no horário de expediente ou fora dele – basta para impor ao serventuário a obrigação de atender ao advogado. A recusa de atendimento constituirá ato ilícito. Não pode o juiz vedar ou dificultar o atendimento de advogado, em horário reservado a expediente interno. Recurso provido. Segurança concedida.” (STJ, 1ª Turma, RMS nº 1275/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, in DJ 23/03/92, p. 3429)
Fixadas tais premissas, respondo às consultas formuladas nos seguintes termos:
1) NÃO PODE o magistrado reservar período durante o expediente forense para dedicar-se com exclusividade, em seu gabinete de trabalho, à prolação de despachos, decisões e sentenças, omitindo-se de receber profissional advogado quando procurado para tratar de assunto relacionado a interesse de cliente. A condicionante de só atender ao advogado quando se tratar de medida que reclame providencia urgente apenas pode ser invocada pelo juiz em situação excepcionais, fora do horário normal de funcionamento do foro, e jamais pode estar limitada pelo juízo de conveniência do Escrivão ou Diretor de Secretaria, máxime em uma Vara Criminal, onde o bem jurídico maior da liberdade está em discussão.
2) O magistrado é SEMPRE OBRIGADO a receber advogados em seu gabinete de trabalho, a qualquer momento durante o expediente forense, independentemente da urgência do assunto, e independetemente de estar em meio à elaboração de qualquer despacho, decisão ou sentença, ou mesmo em meio a uma reunião de trabalho. Essa obrigação se constitui em um dever funcional previsto na LOMAN e a sua não observância poderá implicar em responsabilização administrativa.
Dê-se ciência da presente decisão ao Consulente e ao Corregedor Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, autoridade administrativa responsável pela observância do estrito cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados de 1º grau vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

Brasília, 04 de junho de 2007.

Conselheiro MARCUS FAVER
Relator"
fonte: www.migalhas.com.br

Parcelamento, confissão de dívida e questionamento judicial

1. Introdução
A elevada carga tributária brasileira e a necessidade de o cidadão contribuinte apresentar “certidões de regularidade fiscal” como condição para o exercício de diversos direitos são fatores que estão a imprimir cada vez maior uso e importância à figura do parcelamento. Por essa razão, neste texto pretendo tratar de dois aspectos ligados à posterior discussão judicial de créditos tributários submetidos a parcelamento, a saber:
i) qual a repercussão da “confissão da dívida” geralmente assinada pelo sujeito passivo, quando da obtenção do parcelamento, sobre a validade da obrigação “confessada”? Ainda seria possível discutir a exação?
ii) quais são os efeitos da “obrigação” geralmente imposta ao sujeito passivo, quando da obtenção do parcelamento, de não discutir judicialmente a validade da exigência objeto do parcelamento e/ou de desistir de ações eventualmente em curso? Seria possível ao juiz, sem pedido expresso da parte autora, extinguir o processo (v.g., ação anulatória) por conta da celebração de parcelamento do valor discutido?

À primeira das questões a doutrina tem dado resposta há mais tempo, mas o desconhecimento que muitos colegas têm do assunto justifica que a ele se retorne, ainda que apenas para reiterar o que já se disse. A segunda questão, por sua vez, talvez não tão antiga quanto a primeira (representando, a rigor, um desdobramento dela), é de solução aparentemente mais complexa, estando a preocupar todos os que, tendo aderido ao REFIS ou a parcelamentos congêneres, não desistiram das ações nas quais discutiam os créditos tributários parcelados, ou foram excluídos do programa e agora pretendem discutir o que lhes é exigido.
Vejamos como podem ser respondidas.

2. Obrigação tributária e vontade
Parece-me essencial, para equacionar o problema adequadamente, atentar para a natureza da obrigação tributária, e para os elementos que a fazem nascer.
Explicando o sentido da expressão “compulsória”, contida no art. 3.º do CTN, não são poucos os que afirmam que ela designa a “obrigatoriedade” do tributo, que o sujeito passivo deve pagar ainda que não o queira.
Essa explicação, contudo, não é correta. Ou, pelo menos, peca pela imprecisão.
Quando se diz que a prestação tributária é compulsória, não se está referindo ao seu cumprimento. Afinal, o adimplemento de qualquer obrigação, nesse sentido, é compulsório. A referência feita pelo art. 3.º do CTN significa que a prestação tributária não depende da vontade para nascer. Não se trata de obrigação contratual, decorrente da vontade, mas de obrigação que decorre diretamente da lei, ou da incidência da lei sobre o fato, considerado em sua pura faticidade, para cuja configuração o elemento volitivo é irrelevante. Ao contrário da obrigação contratual, a obrigação tributária não tem a vontade como ingrediente formador. Não é “gerada” por uma manifestação de vontade. Isso faz com que a capacidade tributária passiva (capacidade para ser contribuinte ou responsável pelo tributo) independa da capacidade civil (CTN, art. 126). Daí serem devidos tributos mesmo por pessoas físicas incapazes, ou por pessoas jurídicas constituídas de forma irregular, por exemplo.
Poder-se-ia dizer, em objeção ao que acabei de afirmar, que, quando o tributo tem como fato gerador um negócio jurídico (v.g., imposto incidente sobre a transmissão de um imóvel), seu fato gerador seria a “vontade” exprimida no citado negócio jurídico. Não é bem assim, contudo. Como explica Amílcar de Araújo Falcão, “de tais classificações não se deve deduzir que a vontade das partes – num negócio jurídico considerado como fato gerador – seja tomada em Direito Tributário como causa eficiente do débito do tributo. Tal vontade é considerada, em matéria fiscal, apenas como elemento objetivo, descritivo do fato gerador: despe-se, por conseguinte, de todo o seu caráter valorativo, ou seja, perde o seu conteúdo negocial.” (Fato gerador da obrigação tributária, 7.ed, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 37). É o que consta, por outras palavras, do art. 118 do CTN.
Mas as teses jurídicas devem ser vistas com coerência. Não se admite que “valham” apenas quando isso venha a favorecer a Fazenda Pública, ou o contribuinte. Se a vontade é irrelevante para fazer nascer a obrigação tributária, e por isso têm capacidade tributária passiva os incapazes e as sociedades de fato, isso significa que a obrigação nasce da ocorrência do fato descrito em lei como necessário e suficiente a desencadear esse efeito, mesmo que ausente (ou contrária a) a vontade do sujeito passivo. Ora, da mesma forma, numa situação em que esse fato descrito em lei não ocorreu, ou em que a lei que o descreve seja inválida, não será a manifestação de vontade do sujeito passivo que terá o condão de fazê-la nascer.
Se a lei que institui o tributo é inconstitucional, ou inaplicável ao caso, ou se incide norma mais específica, isentiva, ou por qualquer outra razão a obrigação tributária não nasceu, o sujeito passivo pode assinar dez confissões, todas com firma reconhecida (e ainda acompanhadas da assinatura de mais vinte testemunhas - o que evidentemente se considera apenas para fins caricaturescos, sobretudo em face do indevido e desmedido valor que os brasileiros dão ao papel, à formalidade, ao selo, ao carimbo. Algumas pessoas chegam ao cúmulo de dar mais crédito a uma cópia autenticada que ao original, como se a autenticidade reconhecida em cartório não dissesse respeito à relação entre cópia e original, mas entre a cópia da declaração e os fatos nela declarados) que a obrigação não passará a existir por isso. O lançamento efetuado não será “convalidado”, podendo, pois, ser questionado posteriormente.
Acolhendo esse entendimento, já decidiu o TRF da 1.ª Região, relativamente a exigência considerada inconstitucional, que, “tendo em vista que a exigibilidade do PIS, na forma dos Decretos-Leis 2.445 e 2.449, ambos de 1988, foi declarada inconstitucional pelo STF (RE 148.754/RJ), não prevalece, por ausência de fundamentação legal válida (C.T.N., art. 3º - prestação pecuniária compulsória instituída em lei; e Carta Magna, art. 150, I), confissão de dívida, acompanhada de parcelamento, firmada pelo contribuinte em data anterior àquela declaração.” (TRF da 1.ª R, 3.ª T suplementar, AC 1997.01.00.0506852, Rel. Des. Fed. Leão Aparecido Alves – conv -, j. em 11/3/2004, v.u., DJ de 1.º/4/2004, p. 48. Embora o trecho transcrito pudesse ser distorcido para, a contrario, dizer-se que a confissão posterior à declaração teria efeitos distintos, isso na verdade não acontece. Antes ou depois da declaração (que, em si mesma, é irrelevante), a confissão não inibe o contribuinte de demonstrar que a obrigação não nasceu, à míngua de elementos formadores (lei válida e incidente + fato), porquanto não supre a ausência destes)
Em termos semelhantes, o TRF da 4.ª Região consignou que “a confissão de dívida tributária não impede a sua discussão em juízo, fundada na inconstitucionalidade, não-incidência ou isenção do tributo ou em erro quanto ao fato. Se é fato que, lavrado o respectivo termo, este adquire força de lei entre as partes, igualmente verdadeiro é dizer-se que se trata de ato administrativo vinculado (cuja validade depende do cumprimento dos ditames legais a que está sujeito), e a irretratabilidade de que se reveste não se sobrepõe ao direito do contribuinte de ver-se corretamente cobrado, e, menos, ainda, à garantia constitucional de tutela jurisdicional de lesão ou ameaça a direito. A obrigação tributária decorre de lei, e a confissão do contribuinte diz respeito tão-somente ao fato do inadimplemento, do que denota não importar, a concordância inicial do contribuinte com o valor do débito apurado pelo Fisco, na imutabilidade deste, pois que, ao credor, não se reconhece o direito de cobrar mais do que é efetivamente devido, por força de lei.” (TRF da 4.ª R, 1.ª T, AC 2000.04.01077132-3/RS, Rel. Des. Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha, j. em 26/10/2005, DJ de 23/11/2005, p. 882). No mesmo sentido: “As declarações do contribuinte de modo algum geram a obrigação de pagar tributo em desconformidade com o fato gerador que lhe deu causa, sob pena de restar malferido o princípio da legalidade. (TRF da 4.ª R, 2.ª T, AC 97.04.29467-0/SC, Rel. Des. Fed. Vânia Hack de Almeida, j. em 7/10/1999, DJ de 17/11/1999, p. 97). No mesmo sentido: TRF da 4.ª R, 2.ª T, AC 2002.71.00.046869-2/RS, Rel. Des. Fed. A. A. Ramos de Oliveira, j. em 5/7/2005, DJ de 20/7/2005, p. 460.)
O TRF da 5.ª Região já manifestou idêntico entendimento, decidindo que “a confissão de dívida não é irreversível e elisiva do direito de repetição do indébito, pois o recolhimento de tributo somente é devido em razão de lei” (TRF da 5.ª R, 1.ª T, AC 105.131/AL, Rel. Des. Fed. Ubaldo Ataíde, j. em 1.º/10/1998, DJ de 16/4/1999, p. 563). Esta decisão, aliás, nos conduz a um ponto em torno do qual doutrina e jurisprudência já se haviam pacificado há mais tempo, e que tem inteira pertinência com o tema deste artigo: a repetição do indébito.
O art. 165 do CTN assevera que o direito à restituição do indébito independe de prévio protesto, o que significa dizer que o sujeito passivo da relação tributária tem direito à devolução do tributo pago indevidamente ainda que não tenha feito o pagamento movido por erro. A quitação pode ter ocorrido “espontaneamente”, ou “voluntaria e conscientemente”, e ainda assim deverá haver restituição, em face da natureza ex lege da obrigação. Da mesma forma, se o contribuinte comprometeu-se a pagar parceladamente (e já quitou todo o parcelamento, ou não, isso é irrelevante), não será o fato de tê-lo feito “voluntaria e conscientemente” que lhe retirará o direito de questionar a exigência, seja para pleitear sua restituição, seja para pleitear a extinção do crédito cujo pagamento ainda não foi feito.

3. O objeto da confissão
Há um outro aspecto, ainda ligado à figura da “confissão”, que deve ser lembrado. Trata-se de seu objeto, ou do que se pode dizer estar sendo “confessado”.
Como observa Pontes de Miranda, “só existe confissão de fato, e não de direito; o direito incide: está, portanto, fora da órbita da confissão. Ninguém confessa que o contrato é de mútuo ou de hipoteca, confessa fatos de que pode resultar tratar-se de mútuo, ou de hipoteca.” (Comentários ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., atualização legislativa de Sérgio Bermudes, Rio de Janeiro: Forense, 2001, tomo IV, p. 320)
Um contribuinte, portanto, não pode “confessar” que o IRPJ é devido, ou que sua alíquota é x%. Pode confessar, isso sim, que certas despesas escrituradas em seus livros são fictícias, ou que algumas receitas foram omitidas, ou que a natureza de sua atividade é “z”. Da mesma forma, não confessa ser devido o ICMS, mas pode confessar ter realmente omitido saídas, ou subfaturado o valor pelo qual foram registradas.
Daí não ser correto dizer que a confissão “não vale nada” em matéria tributária. Vale. Ou pode valer. Mas só em relação aos fatos. Se o contribuinte firma um termo de confissão, e o lançamento cuja procedência é “confessada” funda-se na afirmação de que houve omissão de vendas, o contribuinte está confessando a ocorrência dessas vendas e sua omissão. Mas não “confessa” a existência, a validade nem a incidência da norma aplicada sobre esse fato. Por isso mesmo, a utilidade da confissão reside unicamente “em inverter o ônus da prova. Comprovado o fato, pela confissão, fica a Administração Tributária dispensada de produzir qualquer outra prova do fato cujo acontecimento gerou a dívida”. (Hugo de Brito Machado, “Confissão de Dívida Tributária”, artigo publicado na Revista Jurídica LEMI n.º 184, Belo Horizonte: Lemi, Março de 1983, p. 10)

4. Condições para a concessão do parcelamento e conseqüências de seu descumprimento
Estando claro que a confissão não convalida um lançamento viciado, não impedindo, por conseguinte, seu questionamento judicial, resta a questão de saber se essa conclusão pode ser mantida quando o parcelamento contém, entre as condições para sua concessão, a exigência de que o contribuinte não só confesse o débito, mas também desista de todas as ações nas quais discute a validade do crédito impugnado. Se houver alguma ação em curso, e a desistência não for pedida, pode o juiz ainda assim extinguir o processo?
Analisando a questão, o TRF da 5.ª Região já se pronunciou dando-lhe resposta afirmativa, vale dizer, afirmando a necessidade de extinção do processo mesmo contra a vontade do contribuinte. O acórdão foi assim ementado:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ADESÃO AO PAES. LEI 10.684/03. RECONHECIMENTO DA DÍVIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. ARTIGO 267, VI, DO CPC.
I. Apelação de sentença que extinguiu o processo de embargos à execução, nos termos do artigo 267, VI, do CPC.
II. Havendo parcelamento da dívida, com a adesão ao PAES, nos termos da Lei 10.684/03, há o reconhecimento da dívida por parte do contribuinte.
III. A adesão ao referido parcelamento acarreta a ausência de interesse processual, devendo o processo ser extinto conforme dispõe o art. 267, VI, do CPC.
IV. Apelação improvida.” (TRF da 5.ª R, 4.ª T, AC 388.207/CE, DJ de 16/11/2006, p. 920.)

No processo em questão, o contribuinte fora provocado a manifestar-se sobre sua adesão ao PAES, e este reiterou seu interesse em que o feito tivesse seu mérito apreciado. Mesmo assim, entendeu-se que a “confissão” tornaria esse exame impossível.
Não me parece, com todo o respeito, que o Tribunal tenha acertado.
Quanto ao interesse processual, o pagamento do débito não necessariamente o afasta. Sobretudo quando não tem o condão de convalidá-lo, como é o caso do pagamento de uma obrigação tributária. Vale recordar, aqui, o que foi dito em item anterior deste texto, sobretudo em relação aos arts. 3.º e 165 do CTN.
Consideração de alguns aspectos do Direito Tributário, tanto material como processual, confirmam isso.
É aceito pela jurisprudência que os embargos do executado, na execução fiscal, só suspendem a execução até o julgamento em primeira instância. Depois disso, caso os pedidos do embargante sejam julgados improcedentes, e a apelação do executado/embargante seja recebida apenas no efeito devolutivo, a execução continua como definitiva. Como conclusão, o executado pode ser forçado a pagar o débito independentemente do julgamento de seu recurso, que pode ser provido... Se o pagamento do débito implicasse a automática perda de interesse processual, qual sentido teria a continuidade dos embargos, na fase recursal? Nenhuma.
Na verdade, embora os embargos sejam bastante esvaziados, e eventualmente se configurem situações irreversíveis, o que motiva crítica de parte da doutrina à continuidade da execução, o julgamento posterior dos embargos pode continuar interessando – tanto do ponto de vista fático como jurídico – ao embargante. O mesmo vale para a ação anulatória de lançamento fiscal, diante de eventual pagamento do débito impugnado antes de seu definitivo julgamento.
Como se sabe, em situações assim, nas quais o tributo é pago diante de decisão desfavorável, que depois é reformada, o contribuinte tem direito de postular a restituição do indébito tributário (dando origem a outro processo judicial, se for o caso), no prazo previsto no art. 168, II, do CTN. Esse prazo, não é demais lembrar, é de cinco anos contados de quando transitar em julgado a decisão que der provimento ao seu recurso, reformar a sentença e afirmar a invalidade da exigência.
Subsiste, pois, o interesse na decisão, que, se der pela procedência dos pedidos do contribuinte, faz coisa julgada quanto a uma importante premissa de ulterior pedido de restituição. O fato de haver sido pedido um parcelamento (que é menos que um pagamento), portanto, não há de inviabilizar o curso da ação.
Considerando que a vontade é irrelevante para “validar” a exigência tributária cuja validade é impugnada pelo contribuinte na ação, nem vou mencionar, aqui, que essa “confissão” muitas vezes é feita em face de coação, sendo imposta ao contribuinte como condição sine qua non para se obter qualquer parcelamento de débitos tributários indispensáveis à obtenção de certidões positivas com efeito de negativa e, por conseguinte, à continuidade de seus negócios. Não é relevante saber se, compelido pela imposição de “sanções políticas” e por outros ônus que o Poder Público costumeiramente impõe aos que considera seus devedores, os contribuintes são coagidos à tal “confissão”.
Se a confissão do débito e a desistência de qualquer ação judicial na qual o mesmo esteja sendo impugnado (e, por óbvio, também a não propositura de uma ação, caso esta inexista à época do parcelamento) sejam condições para a obtenção do parcelamento, a única conseqüência que poderia ser extraída da “não-desistência” seria a possibilidade de o contribuinte ver anulado o parcelamento, com o restabelecimento da exigibilidade do saldo devedor, mas nunca o de ser “forçado a desistir” de uma ação judicial em relação à qual manifestou, de forma expressa, interesse.
Esse é o posicionamento do STJ, que já decidiu que, “não havendo nos autos qualquer manifestação da embargante de que renuncia ao direito, é inviável a extinção do feito com base no art. 269, V, do CPC.” Com relação ao fato de a desistência, no processo levado ao seu julgamento, ser suposto requisito para a adesão ao REFIS, considera o STJ que “se essa circunstância permitia ou não a adesão ao REFIS, nos termos da legislação que rege a homologação do pedido de inclusão no Programa, na esfera administrativa, é matéria que refoge ao âmbito desta demanda” (REsp 639.526/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 23/8/2004, p. 151). Vale dizer: que se exclua do REFIS o contribuinte que não desistiu, não sendo possível negar-lhe o direito à jurisdição, do qual ele não abriu mão.
Diz-se muito, em relação às condições onerosas que devem ser cumpridas para que se obtenha um parcelamento, que o contribuinte não as pode impugnar por haver aderido a elas como condição para obter o parcelamento. Não pode ficar só com o “lado bom” do parcelamento (prazo, condições, descontos etc.), impugnando o lado ruim por considerar ofensivo aos seus direitos fundamentais.
A objeção é verdadeira, mas não leva à conclusão de que a ação possa ser extinta contra a sua vontade. O que não pode acontecer é de o contribuinte obter as vantagens de um parcelamento, e afirmar inválidas eventuais concessões que tenha de fazer para obtê-lo. Essas concessões, em tese, tem de ser cumpridas (com limites, pois mesmo no Direito Privado a autonomia da vontade não é absoluta), mas nos termos em que foram idealizadas, vale dizer, como condição para que o contribuinte tenha direito ao parcelamento. Se são descumpridas, que se lhe tire o direito ao parcelamento.

5. Conclusões
Em razão do que se expôs, podemos firmar nossas conclusões respondendo, sinteticamente, as perguntas que fizemos na introdução do texto, assim:
i) qual a repercussão da “confissão da dívida” geralmente assinada pelo sujeito passivo, quando da obtenção do parcelamento, sobre a validade da obrigação “confessada”? Ainda seria possível discutir a exação?
A única repercussão dessa “confissão” está no plano dos fatos, tendo ela o efeito de inverter o ônus da prova relativamente à sua ocorrência. O fisco estará dispensado de comprovar a ocorrência dos fatos sobre os quais se funda o lançamento.
Não se pode falar, contudo, de “validação” da obrigação, que não tem na vontade ingrediente formador. Assim, o contribuinte pode insurgir-se contra o débito confessado, seja para demonstrar (com o ônus de provar) que os fatos sobre os quais se funda não ocorreram, seja para demonstrar que a norma aplicada pelo agente da administração é inválida, ou inaplicável ao caso.

ii) quais são os efeitos da “obrigação” geralmente imposta ao sujeito passivo, quando da obtenção do parcelamento, de não discutir judicialmente a validade da exigência objeto do parcelamento e/ou de desistir de ações eventualmente em curso? Seria possível ao juiz, sem pedido expresso da parte autora, extinguir o processo (v.g., ação anulatória) por conta da celebração de parcelamento do valor discutido?
A aceitação das condições exigidas para a concessão de um parcelamento não impede o contribuinte de se rebelar contra elas, descumprindo-as. Entretanto, como são – o nome está dizer – “condições” para ele beneficiar-se do parcelamento, não poderá descumpri-las e continuar com o direito ao parcelamento. Assim, se a desistência da ação na qual o débito é questionado é condição para que seja parcelado, e o contribuinte não desiste, poderá ver desfeito o parcelamento, mas não extinta, contra a sua vontade, a ação.
Conectando essa segunda questão à primeira, só na hipótese de o contribuinte desistir efetivamente da ação já proposta, com renúncia do direito no qual a mesma se funda (implicando extinção do processo com julgamento de mérito), a discussão posterior do débito será prejudicada. Mas isso não ocorrerá por conta da confissão, ou da renúncia em si mesma, mas por conta da coisa julgada, que só através de ação rescisória, no prazo de 2 anos, poderia ser rediscutida.