segunda-feira, 27 de julho de 2009

A constitucionalidade da lei que reserva vagões especiais

Havia tirado uns dias de férias. Fui à Grécia, onde tive algumas experiências engraçadas que depois justificarão um post específico.
A data da defesa de minha tese de doutorado está marcada de forma oficial. Será mesmo no dia 7/8/2009, às 9:00, na Unifor. Acho que vou usar essas duas semanas para me preparar um pouco, pelo que não sei se postarei com frequência, até porque alguns compromissos anteriores ficaram armazenados nessas férias e os terei de resolver agora. Mas o que me motivou a abrir o blogger e escrever esta postagem foi uma notícia que recebi por email do Eduardo Bim, no mínimo curiosa. Ei-la:

Lei para vagões especiais é julgada constitucional
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que a Lei Estadual 4.733/2006, que criou os vagões exclusivos para mulheres nos horários de pico nos trens e no metrô, é constitucional. A decisão foi em uma arguição de inconstitucionalidade, suscitada pela 13ª Câmara Cível do TJ fluminense ao ao analisar recurso do Ministério Público contra decisão de primeira instância que havia extinguido Ação Civil Pública do MP sem exame do mérito.
Em Ação Coletiva, o Ministério Público argumentou que a aplicação da lei, sob o pretexto de evitar casos de assédio sexual, teria ferido o direito à igualdade e de escolha de homens e mulheres. A ação foi movida contra as empresas SuperVia e a Opportrans, que administram o sistema ferroviário e metroviário do estado. As concessionárias foram acusadas pelo MP de criar privilégios ao obedecerem à lei.
Os desembargadores do Órgão Especial concluíram que a norma foi apenas mais um esforço para se proteger um direito da mulher. O relator do processo, desembargador Valmir de Oliveira Silva, citou parecer da própria Procuradoria-Geral de Justiça, que em processo administrativo interno opinou pela constitucionalidade da medida.
Na ação, o promotor Rodrigo Terra afirma que, além de não garantir a inocorrência do assédio, a lei pode causar outra espécie de dano. "A mulher que não faça questão do tratamento privilegiado terá de conviver com a possibilidade de que a julguem 'prostituta', enquanto o homem que esteja no vagão especial será visto como um 'pervertido'".
O MP pediu o fim da reserva, sob pena de multa, além de indenização por perdas e danos. E também pediu que as empresas fossem condenadas a promover campanhas educativas sobre o uso correto do serviço público.
A 5ª Vara Empresarial do Rio extinguiu o processo sem julgamento do mérito, por entender que a ação coletiva é meio inadequado para alcançar a inconstitucionalidade da lei. O MP recorreu. Ao analisar a apelação, a 13ª Câmara Cível suspendeu o julgamento do recurso e encaminhou o processo para o Órgão Especial do TJ para apreciação do incidente de inconstitucionalidade, que ocorreu na última segunda-feira (20/7). Em seu voto, o desembargador Valmir de Oliveira Silva classificou a argumentação do promotor de exagerada.Com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
2009.017.00019


A discussão, relativamente à questão de direitos fundamentais, é mesmo interessante. Em minha opinião, parece que o Tribunal acertou, e que o MP estava mesmo exagerando. Afinal, se existem banheiros apenas para mulheres, qual seria o problema em haver vagões para horários de pico? Trata-se da típica hipótese na qual o tratamento diferenciado se justifica, em função do uso de um critério de descrímen razoável e da pretensão de se alcançar, com ele, de forma proporcional, finalidade constitucionalmente determinada.
Não deve ser confortável para uma mulher, em um vagão lotado, aturar aquele abusado que, pedindo desculpas pelo aperto e creditando tudo aos empurrões que recebe, aproveita a situação para dar umas pressionadas com certos membros em certas partes dela.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Filhos e o mundo


Recebi por e-mail de um amigo. Gostei da charge (vejo isso no colégio da minha filha), e principalmente da mensagem subjacente, que é mais ampla e não se resume à escola. A mensagem, a propósito, era: "todo mundo ´pensando' em deixar um planeta melhor para os nossos filhos... Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Djacir Menezes e a Filosofia do Direito

Quando estava pesquisando para escrever a tese, fiz alguns achados interessantes. Livros novos, recentíssimos, e alguns antigos, mas que ainda não havia lido. Um que me impressionou bastante, positivamente, foi o Tratado de Filosofia do Direito, do Prof. Djacir Menezes. Muito bom. Didático, claro, e extremamente atual, embora a edição que li tenha sido publicada há quase trinta anos.
Uma passagem, em particular, chamou minha atenção, na qual ele cuida da relevância do estudo proposto:
Filosofia do Direito não é turismo feito no cemitério à busca de colóquio com fantasmas. O pensamento dos gênios mortos é o que há de mais vivo no mundo. Todo olhar por cima das barreiras, todo escrutar do horizonte que integre parcialidades, todo estudo interdisciplinar que desça às categorias do pensar, toda visão de globalização do jurídico no humano e do humano no universal, tudo isso interessa profundamente a todos que participam da Ação comum na conquista do bem-estar coletivo. O tecnicismo do profissional tem seus limites; se não se vitaliza nos propósitos humanos, que lhe dá [sic] horizontes, escapa-lhe o sentido ético necessário à convivência dos seres racionais.

Parece ser isso mesmo...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Não cumulatividade e correção monetária

O STJ já entendia assim, mas agora está consolidado no âmbito do julgamento de "recurso repetitivo":


REPETITIVO. IPI. CORREÇÃO MONETÁRIA.

A Seção, ao julgar o recurso repetitivo de controvérsia (art. 543-c do CPC e Res. n. 8/2008-STJ) reiterou o entendimento de que a correção monetária não incide sobre os créditos de IPI decorrentes do princípio constitucional da não cumulatividade (créditos escriturais), por ausência de previsão legal. A oposição constante de ato estatal, administrativo ou normativo, que impede a utilização do direito de crédito oriundo da aplicação do princípio da não cumulatividade descaracteriza o referido crédito como escritural, assim considerado aquele oportunamente lançado pelo contribuinte em sua escrita contábil. Destarte, a vedação legal ao aproveitamento do crédito impele o contribuinte a socorrer-se do Judiciário, circunstância que acarreta demora no reconhecimento do direito pleiteado, dada a tramitação normal dos feitos judiciais. Consectariamente, ocorrendo a vedação ao aproveitamento desses créditos, com o consequente ingresso no Judiciário, posterga-se o reconhecimento do direito pleiteado exsurgindo legítima a necessidade de atualizá-los monetariamente, sob pena de enriquecimento sem causa do Fisco. Precedentes citados: EREsp 605.921-RS, DJe 24/11/2008, e EREsp 430.498-RS, DJe 7/4/2008. REsp 1.035.847-RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 24/6/2009.

Anualidade e anterioridade

Examinar as súmulas do STF, especialmente as mais antigas, é um exercício às vezes de "arqueologia". É curioso ver as origens e o surgimento de institutos atuais.
É o caso, por exemplo, do princípio da anterioridade, que nasceu de um amesquinhamento jurisprudencial feito pelo STF ao princípio da anualidade. Os comentários às súmulas 66 e 67 do STF explicam isso:

Súmula n.º 66/STF – “É legítima a cobrança do tributo que houver sido aumentado após o orçamento, mas antes do início do respectivo exercício financeiro.”

· Aprovada na sessão plenária de 13/12/1963

Comentários ———————————————————————————

A súmula em comento representa o entendimento do STF que, não obstante vigorasse à época texto constitucional que consagrava o princípio da anualidade, transformou-o ou entendeu-o como equivalente ao que hoje se conhece como princípio da anterioridade.

Como se sabe, pelo princípio da anualidade (que não mais existe na ordem constitucional vigente), a cobrança de um tributo somente poderia acontecer, em determinado exercício financeiro, se houvesse previsão para tanto na respectiva lei orçamentária. Ainda que o tributo houvesse sido criado por lei publicada muitos anos antes, e viesse sendo cobrado nos exercícios anteriores, a falta de previsão orçamentária para a sua cobrança em determinado exercício a inviabilizava. A previsão orçamentária era uma condição para a vigência da lei, a cada ano, pouco importando a data de sua publicação.

Foi esse princípio, que encontrava amparo na Constituição de 1946, que o STF “interpretou” como exigindo apenas a publicação da lei correspondente ainda no exercício anterior, mesmo que depois da aprovação da lei orçamentária (e, por conseguinte, mesmo que não houvesse previsão no orçamento para a cobrança correspondente). Essa “interpretação”, que a doutrina especializada (1) criticou como flagrantemente contrária ao texto constitucional, transformou o princípio da anualidade no que hoje se conhece como “anterioridade da lei ao exercício financeiro” (CF/88, art. 150, III, “a”).

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Súmula n.º 67/STF – “É inconstitucional a cobrança do tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício financeiro.”

· Aprovada na sessão plenária de 13/12/1963

Comentários ———————————————————————————

A mencionada Súmula foi editada antes da publicação do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), quando ainda vigia a Constituição Federal de 1946, que consagrava o princípio da anualidade. Representa, conjuntamente com a Súmula 66/STF, a contribuição da Suprema Corte para a modificação daquele princípio, que se tornou o que hoje se conhece como princípio da anterioridade.

Embora o princípio da anualidade exigisse, para que o tributo fosse cobrado em um exercício financeiro, que houvesse sido previsto no orçamento correspondente, ainda no ano anterior (ainda que previsto em lei publicada anos antes), o STF entendeu que a falta da previsão orçamentária não invalidaria a cobrança, desde que a lei instituidora do tributo fosse publicada antes do respectivo exercício financeiro. Transformou, como se vê, anualidade em anterioridade.

Com relação à aplicação atual da mencionada súmula, dois aspectos devem ser destacados.

O primeiro é o de que a anterioridade, hoje, não envolve apenas a necessidade de a lei que institui ou aumenta o tributo ser publicada no exercício financeiro anterior ao do início de sua vigência, mas também o de que isso ocorra noventa dias antes do início de sua vigência. À anterioridade do exercício, originalmente prevista no art. 150, III, “b”, da CF/88, a EC 42/2003 adicionou a exigência de anterioridade nonagesimal (art. 150, III, “c”, da CF/88). Assim, quando é publicada uma lei instituindo ou aumentando tributo, faz-se necessário aguardar pelo início do exercício seguinte e pelo transcurso de noventa dias. Os dois prazos correm paralelamente, e só quando ambos são atendidos a vigência da lei pode ter início.

O segundo é o de que a anterioridade comporta exceções, as quais, por conseqüência, dizem respeito também ao enunciado da súmula. Nem toda cobrança de tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exercício financeiro será inconstitucional, como se depreende do art. 150, § 1.º, da CF/88. Assim, por exemplo, se houver aumento de alíquotas do imposto de importação, a cobrança correspondente poderá ocorrer ainda no mesmo exercício financeiro, e não haverá, por isso, inconstitucionalidade.



1 Para a crítica ao posicionamento representado pelas Súmulas 66 e 67 do STF, que contrariam a letra e o espírito da Constituição então vigente, confira-se: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11.ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 100.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Direito Tributário na Música

Não, não vou falar sobre a cobrança de ICMS sobre download de arquivos MP3, ainda. O tema, aliás, é complexo: arquivo eletrônico é mercadoria? Coisa móvel... Sei não.
Nos EUA, onde o âmbito de incidência do sales tax é mais amplo, está aberta a polêmica, sendo certo que a revolução digital modificará, também, a forma como certas operações serão oneradas. Mas isso é tema para outro post. Por ora, queria apenas registrar músicas que retratam o tema da tributação.
A primeira é dos Beatles:

1,2,3,4,1,2

Let me tell you how it will be,
There’s one for you, nineteen for me,
‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.
Should five per cent appear too small,
Be thankful I don’t take it all.
‘Cos I’m the Taxman,
Yeah yeah, I’m the Taxman.

(If you drive a car car), I’ll tax the street,
(If you try to sit sit), I’ll tax your seat,
(If you get too cold cold), I’ll tax the heat,
(If you take a walk walk), I’ll tax your feet.
Taxman.

‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.
Don’t ask me what I want it for
(Ah Ah! Mister Wilson!)
If you don’t want to pay some more
(Ah Ah! Mister Heath!),
‘Cos I’m the Taxman,
Yeeeah, I’m the Taxman.

Now my advice for those who die, (Taxman!)
Declare the pennies on your eyes, (Taxman!)
‘Cos I’m the Taxman,
Yeah, I’m the Taxman.
And you’re working for no-one but me,
(Taxman).


A segunda, na mesma linha, do Djavan, que eu até já havia mencionado aqui no blog:

IPVA, IPTU
CPMF forever
É tanto imposto
Que eu já nem sei!...
ISS, ICMS
PIS e COFINS, pra nada...
Integração Social, aonde?
Só se for no carnaval
Eles nem tchum
Mas tu paga tudo
São eles os senhores da vez
Tu é comum, eles têm fundo
Pra acumular, com o respaldo da lei
Essa gente não quer nada
É praga sem precedente
Gente que só sabe fazer
Por si, por si
Tudo até parece claro
À luz do dia
Mas claro que é escuso
Não pense que é só isso
Ainda tem a farra do I.R.
Dinheiro demais!
Imposto a mais, desvio a mais
E o benefício é um horror
Estradas, hospitais, escolas
Tsunami a céu aberto,
Não está certo.
Pra quem vai tanto dinheiro?
Vai pro homem que recolhe
O imposto
Pois o homem que recolhe
O imposto
É o impostor

É interessante notar a distinção. Em taxman a reclamação é só contra a cobrança em si. Em imposto, Djavan frisa a falta de retorno, o que talvez reflita a principal distinção entre a nossa carga tributária e a inglesa...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Ah, o passado...

Existem pessoas que constantemente enaltecem o passado. Para elas, as coisas não seriam mais como nos velhos (e bons) tempos.
Na verdade, é preciso cuidado com isso. É claro que o passado tinha coisas boas, que talvez não tenhamos mais. Mas tinha também coisas ruins, que felizmente não existem mais. E ainda: muita coisa não era tão diferente quanto parece.
Embora não tenha qualquer conhecimento formal no âmbito da psicologia, tenho uma teoria a respeito: as pessoas memorizam melhor as coisas boas. Se impressionam mais com elas, principalmente quando não as têm mais. É como a história de que a grama mais verde é sempre a do vizinho, ou de que boa mesmo é a vida dos outros.
Lembro bem de quando era criança e dizia para o meu pai que a vida dele era "moleza". Ficava só sentado em uma mesa grande, brincando com a máquina de escrever e falando com os amigos ao telefone, enquanto eu tinha que dar um duro danado no colégio, fazendo tarefas dificílimas. Hoje brinco com minha filha em torno disso, dizendo o que eu pensava quando criança e o que penso agora. Ela, é claro, concorda com meus pensamentos de criança: hoje fico só no escritório brincando no computador e falando com amigos ao telefone, conversando com clientes, ou então dando aulas sobre assunto que (ela acha) eu já sei. Dura é a vida dela, que tem de ir ao colégio e estudar matemática, ciências...
Bom, eu acho que acontece isso em relação à vida de uma mesma pessoa também, entre o ontem e o hoje. Quando alguém lembra do passado, parece que a memória amplifica a parte boa. E quando olha o presente, só vê o lado ruim. As coisas boas, acostumados como estamos a elas, não são percebidas. Só o são quando não as temos mais, o que ocorre justamente com as virtudes do passado. Tal como o lance, acima já mencionado, da grama do vizinho (e outro dia, sem brincadeira, um vizinho meu levou sua secretária para ver de perto a grama da minha casa e perguntar a ela porque a minha era verde e a dele não... E eu achava o contrário...).
Hoje talvez haja mais violência (pelo menos no Brasil), drogas... Mas o respeito às liberdades, aos direitos humanos, às minorias, está induvidosamente maior (embora ainda precise melhorar muito). Existem meios eletrônicos, internet, meios de transporte mais rápidos e ágeis... A poluição é grande, mas aumenta a cada dia a consciência em torno do assunto (antes inexistente).
Tudo isso me veio à cabeça, na verdade, por causa das súmulas do STF e do STJ, que estou comentando. As primeiras foram editadas no início dos anos 60, e dizem respeito a conflitos havidos na década de 50. As últimas são de meses atrás. E, para comentar cada uma, examino todos os precedentes que lhes originaram. É uma viagem muito curiosa.
Primeiro, nota-se, claramente, a falta de precisão e de técnica, relativamente a diversos conceitos do Direito Tributário. Alguns não estavam ainda bem esclarecidos no plano doutrinário, mas outros já eram conhecidos e sabidos, e mesmo assim eram baralhados. A eventual "confusão" que a jurisprudência faz, nesse ponto, não é nenhuma novidade, nem um "mal" dos tempos atuais.
Segundo, nota-se que a qualidade (do ponto de vista técnico) das decisões aumentou muito. Não é uma linha ascendente muito regular, até porque depende da composição do tribunal e do ministro relator, em cada caso, o que é sujeito a eventuais altos e baixos, mas, no geral, a qualidade é crescente.
E, o mais curioso, e que talvez mostre que a história é mesmo meio circular, e que "o futuro não é mais como era antigamente": os acórdãos eram muito, mas muito sintéticos. Os votos tinham uma, no máximo duas páginas. E as páginas adicionais (hoje há votos com 10, 15, 20...) não faziam a menor falta.
É claro. Na época, tudo feito de próprio punho, e depois datilografado, sem CTRL+C , CTRL+V, os ministros eram compelidos à síntese. Diziam só o essencial. Não faziam como hoje, em que votos enormes são repetidos, ampliados, mesclados com outros...
Ora, mas não é esse um mal que, modernamente, se tem atribuído à internet? Que, diante de tanta informação, se procura cada vez mais a síntese, o resumo, a informação rápida, ou, como no caso do twitter, algo reduzido a 140 caracteres?
Se os ministros, hoje, passassem a adotar fundamentações sintéticas, estariam indo para o futuro e entrando na era do twitter, ou ao passado, voltando aos votos curtinhos feitos à máquina?
O presente post não tem o menor propósito conclusivo. A idéia é mesmo só provocar a reflexão. Pensando no tema (prolixo x sintético), eu até elaborei - já que estou me preparando para a defesa da minha tese, que provavelmente será dia 7 de agosto de 2009, sexta-feira (quando tiver a data confirmada informo aqui no blog), um arquivo chamado "tese em 42 tuítes", no qual procuro escrever toda a tese em 42 parágrafos de 140 letras cada um. Depois da defesa, posto aqui. Ficou até legal, e talvez seja mais convincente que a própria tese.

Restituição de ICMS e art. 166 do CTN

Encontrei nos meus registros a seguinte notícia, divulgada pelo site do STJ, que faz tempo estava guardada para ser comentada aqui no blog:

"Transbrasil não tem direito a receber restituição de ICMS
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso especial com o qual a Transbrasil Linhas Aéreas pretendia receber valores pagos a título de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. A cobrança do tributo foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

O recurso foi contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Em seu acórdão, o tribunal estadual reformou a sentença que concedia à empresa o direito de receber de volta os valores pagos. A Transbrasil alegou, no recurso, violação de diversos dispositivos legais. Argumentou que o acórdão contestado foi omisso ao não analisar todas as questões levantadas. Para a empresa, os desembargadores concluíram equivocadamente que o ICMS cobrado havia sido repassado ao consumidor no preço das passagens.

O relator, ministro Teori Albino Zavascki, constatou falta de prequestionamento de algumas alegações e não verificou as omissões apontadas. Ele ressaltou que, mesmo sem o exame individual de cada um dos argumentos, a decisão estava suficientemente fundamentada.

O ministro Teori Albino Zavascki também considerou que não houve violação do artigo 166 do Código Tributário Nacional, conforme alegou a empresa. A Transbrasil disse ter demonstrado que não repassou o ICMS aos consumidores e que há uma certidão do Departamento de Aviação Civil atestando que o tributo não havia sido embutido no preço das passagens.

Segundo o relator, o acórdão contestado pela Transbrasil esclarece que as empresas aéreas estavam autorizadas a incluir o ICMS no cálculo da tarifa. Portanto, considerou-se que o imposto foi pago pelo consumidor e que a companhia aérea funcionava como agente cobrador do poder público. Para resolver essa controvérsia, seria necessário reexaminar provas a fim de verificar se o ICMS foi embutido no valor das passagens, porém a Súmula n. 7 do STJ impede o reexame de provas no julgamento de recurso especial.

A decisão foi por maioria de votos. Acompanharam o entendimento do relator os ministros Denise Arruda e Francisco Falcão. Ficaram vencidos os ministros José Delgado e Luiz Fux."

Como se pode perceber, a notícia é um pouco antiga. Afinal, no julgado participou, ainda, o Ministro Delgado, que já está aposentado faz algum tempo.
Mas isso não importa. O relevante é perceber a contradição existente no acórdão. Isso ocorre com muita frequência, infelizmente, no julgamento de REsp.
Sem entrar no mérito da questão de saber se a Transbrasil tinha direito, ou não, à restituição do ICMS, o que se nota, do julgado noticiado, é que:
1) nas instâncias ordinárias, a Transbrasil juntou documento que comprovaria a inocorrência de repasse do ICMS ao preço das passagens;
2) esse documento não foi examinado nem de qualquer modo analisado ou mesmo referido pelo acórdão recorrido, o que motivou a interposição de embargos declaratórios;
3) os declaratórios não foram acolhidos, ao argumento de que o juiz "não precisa se manifestar sobre todos os pontos suscitados pela parte";
4) a Transbrasil interpôs REsp alegando violação ao art. 535 do CPC (porque os declaratórios não foram acolhidos) e ao art. 166 do CTN (porque a restituição lhe fora negada mesmo diante da prova do não repasse do imposto ao consumidor).

Pois bem, nesse contexto, o STJ decidiu:
1) quanto aos declaratórios, que o TJ não estaria obrigado a se manifestar sobre todos os pontos suscitados pela parte, não havendo omissão a ser sanada;
2) quanto ao art. 166 e à inocorrência do repasse do imposto ao consumidor, que isso não estaria provado nem teria sido apreciado pela instância de origem, não podendo o STJ fazê-lo em face da Súmula 7...

Não sei se eu estou raciocinando errado, mas acho que existe uma enorme contradição entre os fundamentos 1 e 2, da decisão noticiada. Ora, se a referência ao tal documento e à questão da inocorrência do repasse era importante, tanto que se considerou "não prequestionada", tendo sido o motivo de se haver denegado a restituição, houve clara omissão por parte do TJ, que deveria ter sido sanada no julgamento dos declaratórios. O REsp deveria ter sido provido por esse fundamento.
É de lascar. A empresa quebrando (agora, já quebrada), o imposto considerado inconstitucional há muito tempo pelo STF (ICMS sobre navegação aérea), a prova da não-repercussão fornecida por órgão oficial (DAC), e o recurso não é provido com uma fundamentação dotada de tamanhas contradições... Parece a história do lobo e do cordeiro: não importam os fundamentos, importa negar a pretensão (ou, no caso do lobo, devorar o cordeiro).



quinta-feira, 2 de julho de 2009

Direito líquido e certo...

Em São Paulo, ministrei aula sobre "Empréstimos Compulsórios e Contribuições de Melhoria", há pouco, com o Prof. Eduardo Sabbag, na pós-graduação do curso LFG. Depois jantamos - muito bem - no "Tordesilhas" e agora estou eu, aqui, no hotel, postando.
O que me trouxe ao computador foi a lembrança, que tive, de professor de Direito Administrativo que nos ensinou, na graduação na UFC, alguma coisa sobre mandado de segurança. Um bom professor, apesar de algumas características, digamos, pouco ortodoxas.
Amplificada por algumas taças de um excelente vinho, essa lembrança me fez rir bastante de sua definição de direito líquido e certo: "- É aquele sobre o qual não paira dúvida sobre sua liquidez e certeza..."
Putz, que profundidade! O típico exemplo da petição de princípios...
Bom, mas essa reflexão me fez escrever algumas linhas em torno da Súmula 625 do STF, a saber:

Súmula n.º 625/STF – “Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança.”

· Aprovada na sessão plenária de 24/9/2003

Comentários ———————————————————————————

A idéia errada, que muitas pessoas têm, de que o mandado de segurança presta-se apenas à tutela de direitos indiscutíveis, claros e evidentes leva a incompreensões em torno do que seja um direito líquido e certo e, por conseguinte, a juízos equivocados em torno do cabimento do mandado de segurança. Há julgadores que chegam ao cúmulo de pensar que, se a inicial do writ tem muitas páginas, não há liquidez e certeza no direito postulado.

Em verdade, direito líquido e certo não é aquele claro, incontroverso ou indiscutível. Se fosse, o simples fato de estar ele sendo questionado pela autoridade coatora, que não o reconhece ou não o respeita, seria suficiente para que não coubesse o writ. Na verdade, direito líquido e certo é o que decorre de fato incontroverso, certo, claro etc.

Deve-se ter em mente que o mandado de segurança, remédio derivado do habeas corpus, presta-se para a tutela de direitos subjetivos cuja cognição pelo juiz independe de dilação probatória. É ela, a dilação probatória, que torna demorado o trâmite do processo; daí a criação de um processo célere, expedito, destinado à tutela daqueles direitos que, violados pelo poder público, prescindem de tal dilação.

Todo direito subjetivo (right) decorre da incidência de uma norma (direito objetivo, law) sobre um fato. O que deve ser incontroverso, para que o direito subjetivo seja considerado líquido e certo, é o fato, sobre o qual a norma incide. A interpretação dessa norma pode ser polêmica, controversa, complicada, que isso em nada retirará a liquidez e certeza do direito subjetivo. Aliás, diz com acidez Pontes de Miranda, eventual complexidade na interpretação das normas aplicáveis representa “simples insuficiência do juiz.” (Comentários à Constituição de 1967, com a emenda n.º 1 de 1969. 2. ed. São Paulo: RT, 1971. t. V, p. 362).

Por isso mesmo, a súmula em questão esclarece, com inteiro acerto, que a complexidade da matéria “de direito” não é razão para o não cabimento do mandado de segurança.

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