quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Mais fazendário que a Fazenda...

Já tinha ouvido expressões assim, do tipo "mais realista que o Rei", ou "mais kelseniano que Kelsen". São  mais fáceis de entender com exemplos do que com definições, e o exemplo corporificado pela decisão abaixo é dos melhores para isso. É um típico caso de magistrado que não se contenta em ser fazendário, chegando a ser "mais fazendário que a Fazenda":


AG. REG. NO AG. REG. NO RE N. 204.107-SC
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
Agravo regimental no agravo regimental no recurso extraordinário. Liberação de depósito efetuado na origem, em face de decisão administrativa favorável ao contribuinte. Mérito da exação pendente de discussão nesta Corte. Indeferimento mantido. 1. A decisão proferida pelo Ministério da Fazenda anulando o crédito tributário faz coisa julgada apenas no âmbito administrativo, não irradiando efeitos preclusivos ao debate da questão de direito ainda pendente de apreciação neste Supremo Tribunal Federal. 2. Se o crédito é anulado, o depósito deve ser mantido a título de cautela, haja vista a necessidade de assegurar o resultado útil da pretensão da União em caso de eventual decisão favorável à Fazenda Pública. 3. Independência, no caso, entre as instâncias administrativa e judicial, a refutar a assertiva de que o resultado do agravo regimental seria indiferente no que concerne à obrigatoriedade de restituição do valor depositado. 4. Agravo regimental não provido.

Não se pode avaliar o julgado apenas pela ementa. Pode ser que existam particularidades que ela não revela. Mas, se tais particularidades não existirem, o julgado é um verdadeiro absurdo, com todo o respeito.  Sem falar na gigantesca supressão de instância, já tendo o STF adiantado seu posicionamento quanto a tema que a primeira instância sequer apreciou, quanto ao mérito desse posicionamento a heterodoxia consegue ser ainda maior. De fato, a Fazenda poderia, diante do questionamento judicial, ter arquivado o processo administrativo, nos termos do art. 38 da Lei 6.830/80. Mas, se não o fez, e extinguiu o crédito tributário, nos termos do art. 156, IX, do CTN, o depósito judicial vai continuar garantindo o quê?! O Judiciário por acaso vai "lançar" o tributo, que a própria Fazenda reconheceu não ser devido? É, realmente, algo mais fazendário que a Fazenda. Mesmo tendo autores como Sagan e Dawkins como os meus preferidos (subscrevendo suas ideias quase que integralmente), não posso deixar de reconhecer que os astros talvez estivessem alinhados em favor do Fisco nesse dia...