sábado, 11 de agosto de 2007

CPMF e DRU

O Governo Federal tem insistido na prorrogação da CPMF e da DRU, associando-as ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para com isso tentar convencer deputados e senadores a - mais uma vez - modificar a Constituição e permitir a "continuidade" daquelas duas siglas.
A contradição dos argumentos, contudo, é evidente.
Primeiro, é preciso que se esclareça o que é a CPMF, a DRU e o PAC.

CPMF é sigla que significa "contribuição provisória sobre a movimentação financeira". Trata-se de um tributo cobrado em face de operações financeiras (saques, depósitos, resgates etc.), destinado, em tese, ao financiamento de gastos com saúde pública.

DRU significa "desvinculação de receitas da união". É a permissão - que foi colocada na Constituição - para que o Governo Federal gaste os recursos arrecadados com coisas diferentes daquelas que, pela Constituição, seria obrigado. Por exemplo, em face da DRU, o Governo pode utilizar a arrecadação da CPMF para despesas outras que não com a saúde.

PAC, por sua vez, designa "programa de aceleração do crescimento", programa este que envolve uma série de investimentos federais em setores e áreas essenciais para o desenvolvimento da economia.

Pois bem. Já se viu, dessa explicação do sentido das siglas, que o "p" de CPMF significa que a contribuição é provisória. Frisamos a expressão "provisória" não como forma de ironizar a "p"erenização ou a "p"ermanência desse tributo, mas sim para mostrar que, quando foi criada, a CPMF foi prevista como provisória.
Daí, em face do Direito vigente até agora (se não for aprovada a prorrogação), NINGUÉM poderia contar com a CPMF para além da data em que ela deveria ser extinta. Muito menos o Governo, na feitura de seu orçamento.

Contar com a CPMF no orçamento federal, para além da data em que a sua arrecadação seria permitida, seria mais ou menos como alguém vender seu carro, combinando com o comprador o pagamento do preço em 3 parcelas mensais de R$ 5.000,00, e incluir no orçamento familiar, de forma indefinida, essa receita mensal de R$ 5.000,00, para além dos três meses em que isso havia sido combinado. Passados os três meses, essa pessoa diria ao comprador que ele deveria continuar pagando as parcelas de R$ 5.000,00, para não gerar um "rombo" no orçamento, no qual já haviam sido incluídas despesas para cujo atendimento aquele dinheiro seria necessário.

Ora, ora, ora... Se o Governo, ao fazer o orçamento, só podia contar com a CPMF até certa data, porque considerou a receita correspondente para além dela? Se o fez, incorreu em ato ilícito na feitura do orçamento. E, se não o fez, como não poderia mesmo ter feito, está, agora, faltando para com a verdade para forçar a prorrogação da cobrança de um tributo com o qual não poderia mais contar.

Isso para não mencionar a grossa contradição de pleitear a prorrogação de um tributo que só foi aceito pela sociedade em face do forte apelo social, eis que seria destinado à saúde, e, ao mesmo tempo, afirmar que as receitas são importantes para o PAC (que, embora também importante, não tem nada a ver com a saúde), e, pior, combinar tudo com a prorrogação da tal DRU, que o autorizaria a gastar os recursos com coisas ainda diferentes...

Em uma democracia, é preciso que haja transparência e sinceridade por parte do Governo. Para que, afinal, são necessários os recursos? Para a saúde? Para o PAC? Para o pagamento dos juros da dívida? A idéia é favorecer Estados-membros e Municípios, massacrados com o uso abusivo de contribuições por parte do Governo Federal (cf. meu "Contribuições e Federalismo", São Paulo: Dialética, 2005, passim)? Então porque não deixar de cobrar e de aumentar contribuições (CPMF, COFINS, CIDE etc. etc.), que não são com eles divididos (e nem servem para finalidades sociais coisa nenhuma, em face de desvios e da própria DRU), e de forma sincera aumentar impostos, que são divididos com os demais membros da federação e podem ser gastos de forma desvinculada?

Não emito aqui nenhum juízo de valor, para dizer se seria mais importante atender essa ou aquela finalidade, dessa ou daquela forma, mas apenas destaco a contradição, e a insinceridade. Que se diga a verdade, a fim de que a sociedade possa tomar um posicionamento, seja ele qual for.

Sobre o livro acima referido, a propósito, outras informações podem ser obtidas em http://www.hugosegundo.adv.br/conteudo.asp?idpublicacao=14

2 comentários:

Fernando Favacho disse...

Dr. Machado Segundo, sou aluno de mestrado da PUC-SP e hoje em sala (da prof. Beth Carrazza) debateremos exatamente o Princípio Republicano, que segundo o prof. Roque impede que a tributação atropele o direito dos contribuintes para manter a sobrevivência do Estado.
Sobre isso, gostaria de saber exatamente: qual o crime (tributário ou administrativo) que o governo comete ao aprovar um orçamento já contando com a prorrogação da CPMF? Agradeço a atenção.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Fernando,
Se você usou a palavra "crime" no sentido técnico, acho que nenhum. Afinal, a lei não é elaborada por uma pessoa, sendo difícil se imputar aos parlamentares uma conduta delituosa pelo fato de a haverem aprovado.
Mas se você usou a palavra "crime" em sentido coloquial, amplo e figurado, o "crime" consistiu total violação dos princípios da moralidade e da razoabilidade, para não citar muitos outros, além de desrespeito às próprias regras - que ainda estão em vigor - que cuidam de prazo determinado para a duração da CPMF. Elaborar orçamento, enquanto ainda vigente o art. 90 do ADCT, contando com a receita para além do prazo nele previsto desrespeita-o abertamente.