quarta-feira, 30 de julho de 2008

E se, de repente, eles parassem...

A Raquel acaba de publicar outro livro.


É o seu terceiro livro, considerados os jurídicos e não-jurídicos. De ficção, é o segundo, intitulado "E se, de repente, eles parassem".


Em vez de contos, como no "Foi naquele desencontro...", desta vez escreveu uma aventura. Tal como no "Intermitências da morte", de Saramago, em que se imagina situação em que a Morte faz uma greve, ela imaginou situação também improvável (embora nem tanto), a fim de extrair dela algumas conclusões. Trata-se de uma paralisação generalizada dos empresários.


No "intermitências da morte", as conseqüências da trégua dada pela Morte iniciam-se pelos aspectos mais evidentes, como a falência das funerárias, passando depois a aspectos mais pitorescos, que terminam por revelar a importância e a necessidade desta repelida figura. Em "E se, de repente, eles parassem", as coisas processam-se de forma parecida. E algumas autoridades, tão críticas dos empresários, terminam percebendo - dentre outras coisas - que deles vem o sustento do Estado. Mas o paralelo não foi proposital. Só depois de um tempo, respondendo a uma crítica minha, ela atentou-se para a coincidência.


Não vou ficar aqui adiantando aspectos da história, que é mais ampla e não se restringe a aspectos jurídicos, políticos ou econômicos, que são apenas o pano de fundo para aventura, romance, bom-humor...


No prefácio, o Professor Ives Gandra da Silva Martins escreveu:



"Conheço Raquel há muitos anos, tendo por ela, por seu marido e toda a família Brito Machado, afeto muito especial.
É uma família admirável e exemplar.
Raquel sempre me impressionou, como advogada e jurista.
Tanto ela quanto Hugo Segundo têm os ornamentos do bom jurista, que são a serenidade expositiva, a séria investigação, o respeito pelas opiniões contrárias e o talento necessário para conformar o bom direito. A primeira dessas qualidades talvez falte a mim e a seu sogro, que vimos de outros tempos de luta para a volta ao regime democrático, em que o estudo, a investigação e a dicção jurídica, necessariamente, era impregnada da emoção própria dos que batalhavam por novos tempos.
Raquel e Hugo II são os melhores exemplos dos juristas da modernidade, que Hugo, o pai, e eu, com alegria, vemos nos suceder.
O que não esperava, todavia, encontrar em Raquel, é a excelente ficcionista que se revelou, com a história de seu livro, em que a percepção da realidade própria do mundo em que vivemos é desenhada, em pinceladas de novelista, com tintas de poesia e análise da natureza humana na sua busca de auto-afirmação.
Erasmo de Roterdã, no seu 'Elogio da loucura', tece um panegírico às fraquezas humanas e o inevitável conflito na procura de espaços, em que a humanidade sempre se debaterá.
Raquel dá à sua história, de fantástica atualidade, todos os ingredientes próprios que tornam o talento dos ficcionistas, que sabem manter o interesse do leitor pela história que capta contornos da realidade. E, no caso de Raquel, os diálogos fazem também pressentir, na novelista, uma futura autora de teatro.
Vejo, portanto, seu ingresso no mundo das letras com muita alegria e profunda admiração, certo de que terá seu espaço, no tempo, assegurado. 'Bem haja', cara Raquel.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS,
Presidente da Academia Paulista de Letras (2005/2006);
Presidente do
Clube de Poesia (1995/1996)."





Na orelha do livro, o Professor Dimas Macedo salienta que “este romance de Raquel Machado constitui um passo decisivo na sua carreira de ficcionista, que transita, agora, da curta para a longa ficção, com a mesma segurança de que se fez advogada e professora universitária respeitada”. Para ele, “este livro também pode ser lido como um projeto de enredo ou de roteiro cinematográfico em que o lugar da esperança e as malhas do amor e da cidadania podem ser auscultados como a mensagem de fundo do romance.”



O lançamento do livro será no próximo dia 13 de agosto, quarta-feira. Estão os leitores do blog todos convidados. Será às 19h, na Sedan - concessionária Mercedes-Benz, na Avenida Senador Virgílio Távora, 554, Meireles, Fortaleza/CE.

Grandes Questões Atuais do Direito Tributário

No próximo mês de outubro, nos dias 2 e 3, a Dialética realizará o evento "Grandes Questões Atuais do Direito Tributário", em São Paulo, com a participação de diversos tributaristas, discutindo os temas mais relevantes da atualidade.

E, como se vê das questões, muitas nós vínhamos discutindo por aqui.

A programação do evento, que acabo de receber por e-mail, é a seguinte:


"SIMPÓSIO - GRANDES QUESTÕES ATUAIS DO DIREITO TRIBUTÁRIO - 2008

Data: 2 e 3 de outubro de 2008

Horário de Início: 8:00

Horário de Término: 17:30

Local: São Paulo - SP

Telefone para contato: (0xx11) 5084-4544



PROGRAMA DO 1º DIA - 2 DE OUTUBRO DE 2008


8:00 - Recepção, entrega de material de apoio e identificação dos participantes. Assinatura da lista de presença.


8:30 - 1º Bloco de Palestras*.


Declaração de inconstitucionalidade e modulação de efeitos temporais da decisão, em matéria tributária (prazos de decadência e prescrição de contribuições previdenciárias, Cofins das sociedades de serviços profissionais, crédito-prêmio do IPI etc.)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
Professor Emérito da Universidade Mackenzie e Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.

SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO
Professor Titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Doutor em Direito Público e Advogado.


10:15 - Coffee-break


10:35 - 2º Bloco de Palestras*.


As reorganizações societárias e o imposto de renda: incorporação de ações, incorporação e cisão de sociedades, subscrição de capital em bens

ALBERTO XAVIER
Professor Universitário e Advogado no Rio de Janeiro e em São Paulo.


Alterações na legislação societária promovidas pela Lei 11.638/07 e impactos tributários
MISABEL ABREU MACHADO DERZI
Professora dos Cursos de Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Professora Titular da Faculdade de Direito Milton Campos e Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário.


12:15 - Intervalo


14:00 - 3º Bloco de Palestras*.


Duração razoável do processo administrativo fiscal e prazo máximo para decisão - Lei 11.457

FERNANDO FACURY SCAFF
Doutor em Direito pela USP, Professor dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Federal do Pará, Professor Convidado do Mestrado e Doutorado da Universidade Federal de Pernambuco e Advogado.


As alterações do CPC promovidas pela Lei 11.382 e as execuções fiscais

JAMES MARINS
Professor Adjunto de Direito Tributário e Processual Tributário da PUC/PR, Pós-Doutor em Direito do Estado pela Universitat de Barcelona, Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP, Advogado e Consultor Jurídico.


15:40 - Coffee-break


16:00 - 4º Bloco de Palestras*.


Sobreposição de competências administrativa e tributária na concessão de incentivos fiscais: os casos de "drawback", incentivos culturais e regionais etc.

LUÍS EDUARDO SCHOUERI
Professor Titular de Legislação Tributária da Faculdade de Direito da USP e Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário.


A imunidade das receitas de exportação na apuração da Contribuição Social sobre o Lucro

ROBERTO FERRAZ
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná, Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de São Paulo, Professor Titular da PUC/PR, Advogado e Consultor em Curitiba.


17:30 - Encerramento do 1º dia de trabalhos do Simpósio


PROGRAMA DO 2º DIA - 3 DE OUTUBRO DE 2008


8:00 - Recepção dos participantes. Assinatura da lista de presença.


8:30 - 5º Bloco de Palestras*.


Contribuições de seguridade social e tributação majorada (alíquotas ou base de cálculo diferenciadas), em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão-de-obra - CF art. 195, § 9º: entidades financeiras e outros setores

ALCIDES JORGE COSTA
Professor Titular (aposentado) de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP e Ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

RICARDO LOBO TORRES
Professor Titular de Direito Financeiro na UERJ.


10:15 - Coffee-break


10:35 - 6º Bloco de Palestras*.


Tributação dos intangíveis

MARCO AURÉLIO GRECO
Doutor em Direito pela PUC/SP e Advogado.


Confissão cria tributo? (efeitos da vontade sobre a transação; declaração do contribuinte, lançamento e execução fiscal sem processo administrativo; pedidos de parcelamento etc.)

HUMBERTO ÁVILA
Livre-Docente em Direito Tributário pela USP, Visiting Scholar da Harvard Law School - EUA, Doutor em Direito pela Universidade de Munique - Alemanha, Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Advogado e Parecerista.


12:15 - Intervalo


14:00 - 7º Bloco de Palestras*.


O ICMS na importação em nome próprio, por encomenda e por conta de terceiros

JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO
Doutor e Livre-Docente em Direito, Professor Associado da PUC/SP, Visiting Scholar da Universidade da Califórnia (Berkeley) e Consultor.

HELENO TAVEIRA TÔRRES
Professor de Direito Tributário da Faculdade de Direito da USP, por onde é Livre-Docente, e Advogado.


15:40 - Coffee-break


16:00 - 8º Bloco de Palestras*.


Planejamento tributário: o legítimo direito de resistir ao pagamento de tributos

ROBERTO QUIROGA MOSQUERA
Professor de Direito Tributário da PUC/SP, por onde é Mestre e Doutor em Direito, Professor de Legislação Tributária da USP e da FGV/SP e Advogado.


Súmula vinculante; recurso extraordinário e repercussão geral; e recursos repetitivos perante o STJ, em matéria tributária

HUGO DE BRITO MACHADO
Professor Titular de Direito Tributário da UFC, Ex-Procurador da República, Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários e Desembargador Federal (aposentado) do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.


17:30 - Encerramento do Simpósio


* DEBATES: observadas as limitações de tempo, haverá debates, após cada bloco de palestras, entre os componentes das mesas de trabalho e serão respondidas as principais questões formuladas pelos participantes inscritos.


COORDENAÇÃO-GERAL: VALDIR DE OLIVEIRA ROCHA - Doutor e Livre-Docente em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP.


LOCAL

Hotel Caesar Business - Av. Paulista, nº 2.181 - São Paulo - SP

Telefone (11) 3066-6666

Observação: o Hotel concede desconto especial aos hóspedesque se identifiquem como participantes do Simpósio.


CERTIFICADOS

Serão concedidos, a todos que freqüentarem o Simpósio.


INSCRIÇÕES E OUTRAS INFORMAÇÕES

Dialética - Edições, Eventos e CursosRua Sena Madureira, 34 - São Paulo - SP - CEP 04021-000
Fone/fax (11) 5084-4544



IMPORTANTE

Serão concedidos descontos especiais para (a) inscrições com pagamentos antecipados e (b) grupos de pessoas inscritas conjuntamente."



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Como sempre, quando da realização de tais eventos é publicado um livro, com o mesmo nome, com textos feitos por palestrantes e por outros autores (que, quanto lá estão, atuam como debatedores), sobre os temas das palestras, a ser distribuído entre os participantes. Estou a concluir um texto que, quando pronto, terá suas idéias principais divulgadas aqui no blog.

terça-feira, 29 de julho de 2008

CUIL

Ainda sobre pesquisas na internet, acabo de descobrir a existência de um novo mecanismo de busca, elaborado por ex-engenheiros do Google. Trata-se do Cuil.
A interface é bem diferente, e a forma como os resultados são apresentados também.
O google, basicamente, apresenta todas as páginas que contêm as palavras digitadas no campo de pesquisa, e seu mérito em face dos antecessores reside apenas na forma como os resultados são ordenados, dando-se destaque aos mais relevantes. O Cuil não. Nele, resultados considerados "irrelevantes" sequer são exibidos. E os que são exibidos o são de forma organizada, ilustrada e dividida em inteligentes classificações. Experimentei pesquisar por "Lyotard", e surgiram divisões sobre o pós-modernismo, outras sobre filósofos franceses, outras sobre o livro "A condição pós-moderna", do citado autor, e da literatura construída em torno dele... Fantástico, embora os melhores resultados (talvez por essa pretensão de filtrar o conteúdo) sejam obtidos em pesquisas em inglês.
Mesmo assim, não acho que esse sistema consiga substituir o google. Eu, por exemplo, não deixarei de pesquisar no google para usar o cuil.
Quando queremos pesquisar alguma coisa sobre a qual há pouca coisa na internet, o google ainda é muito melhor. Pode ser usado para bisbilhotar a vida dos outros, a existência de novidades sobre pontos específicos etc. O cuil parece mais adequado quando se quer fazer pesquisa de conteúdo, em torno de assuntos cuja quantidade de páginas (e de porcaria) é grande. O cuil faz uma filtragem sem igual.
Vale, no mínimo, a experiência.
Quando se quer fuçar mesmo, o melhor é usar todos os search engines. Alltheweb, Google, Cuil, Yahoo, Altavista...

Excelente iniciativa, mas talvez tenha faltado sanção

Aqui no Ceará, foi recentemente publicada a seguinte lei estadual:


"LEI Nº14.150, de 01 de julho de 2008.
(Autoria: Deputado Heitor Férrer)
DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE AFIXAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS
DOS PERCENTUAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS INSERIDOS NOS PREÇOS DE VENDA AO
CONSUMIDOR.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ Faço saber que a Assembléia
Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art.1º Os
estabelecimentos comerciais do Estado do Ceará disponibilizarão aos seus
consumidores relatório dos produtos vendidos com os respectivos percentuais de
tributos estaduais incidentes.
Parágrafo único. O relatório de que trata o
caput deste artigo deverá ser de fácil leitura e compreensão e exposto em local
de fácil acesso ao público consumidor.
Art.2º Esta Lei entra em vigor após
sua publicação.
Art.3º Revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO
IRACEMA, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, 01 de julho de 2008.
Cid Ferreira Gomes
GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ"

Não sei o que os leitores do blog pensam do assunto.
Eu, particularmente, aplaudo a iniciativa, mas tenho dúvidas quanto à adequação da forma escolhida.
Para explicar melhor, talvez seja o caso de dividir a análise em duas partes.
Primeiro, a idéia de explicitar o percentual de tributo subjacente ao preço dos produtos.
Não se trata apenas de uma idéia elogiável, destinada a esclarecer o consumidor, conscientizá-lo de sua condição de contribuinte, da carga que efetivamente suporta etc. Trata-se do respeito devido a uma disposição constitucional de meridiana clareza, que dispõe:
"Art. 150. (...)
(...)
§ 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores
sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e
serviços"
A iniciativa, portanto, é elogiável sob todos os aspectos, sendo mais uma mostra do trabalho sério que tem sido desenvolvido pelo Deputado autor do projeto. É questionável, contudo, a forma como o dispositivo constitucional foi regulamentado. Por que um "relatório" exposto em local de fácil leitura? Uma planilha impressa ao lado de cada caixa de supermercado, junto com aquela última prateleira de pilhas, chicletes e lâminas de barbear? Quantas páginas terá de ter, para comportar o preço de cada produto vendido? Se não contiver o preço (e o tributo sobre ele incidente) de cada produto, conterá apenas uma fórmula geral para o cálculo do tributo sobre cada produto? Um pequeno manual prático de Direito Tributário? Será que algum consumidor terá iniciativa e paciência para ler isso?

Posso estar enganado, mas parece mais adequado determinar que cada produto tenha seu preço divulgado "com tributo" e "sem tributo". Muito simples, evidenciando que a diferença deve-se ao tributo.
No Japão, em todos os lugares, até nos cardápios dos restaurantes, os produtos, serviços e mercadorias tinham dois preços. Um, mais destacado e mais alto. Outro, entre parênteses, 5% mais baixo. E, ao lado de cada um, a explicação: com imposto e sem imposto. Ressalvadas as lojas "tax free", nas quais se podia comprar apresentando o passaporte pagando o preço "sem imposto", em todas as demais o preço "com imposto" era o que valia. O outro, mais baixo, destinava-se apenas ao esclarecimento do consumidor. É uma forma possível de esclarecer o consumidor.
Outra é destacar, entre parênteses, quanto do preço corresponde ao tributo.
E, em vez de tributos estaduais (IPVA? ITCD?), a Lei poderia ter desde logo feito referência ao ICMS ou àquele imposto que o viesse a substituir.

Mas essa era a primeira fase da análise. Mera questão de técnica, sendo o tal relatório, talvez, meio inócuo, mas de qualquer forma válido.
A questão mais grave, acho, é a falta de sanção.
Aprendemos, com Bobbio, e Arnaldo Vasconcelos, que uma das características de uma norma jurídica é a possibilidade de ser imposta uma "sanção organizada" pelo seu descumprimento. No caso, onde está a sanção? O que acontecerá ao comerciante que não disponibilizar o tal relatório?
Não parece, portanto, que estejamos diante de uma norma jurídica, mas de mera recomendação.
A menos - aí será de chorar, mas não será a primeira vez - que a sanção (mero detalhe... :-) ) venha prevista no regulamento...

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Reunião do ICET - julho

Amanhã, a última terça-feira do mês de julho, acontecerá mais uma reunião do Instituto Cearense de Estudos Tributários (ICET). Os debates serão iniciados por Ernandes Nepomuceno de Oliveira, em torno do tema: "Precatório Judicial. Devido Processo Legal e Direito Adquirido (Estudos de Casos Concretos)".
Estão os leitores do blog todos convidados.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Modulação e incentivo à edição de leis inconstitucionais

Desde a edição da súmula vinculante 8, ocasião na qual o STF modulou os efeitos de sua decisão a respeito da invalidade de uma lei tributária, motivado exclusivamente pelo "prejuízo" que o Tesouro teria em face da necessidade de devolver valores recebidos indevidamente, tenho pensado no assunto, e preocupado-me com a possível extensão desse entendimento.
Afinal, aplicado com coerência, esse pensamento determinaria a modulação de toda e qualquer decisão declaratória da inconstitucionalidade de lei tributária prejudicial ao contribuinte. Toda lei que criasse tributo inconstitucional, ou majorasse tributo de forma inconstitucional, ao ser assim declarada, o seria de forma "ex nunc". Inegável estímulo à edição de leis inconstitucionais, como, aliás, eu havia escrito em post anterior:
"... a prevalecer a idéia de que os cofres públicos sofrerão
"rombos" se leis absurdas tiverem sua inconstitucionalidade decretada, o STF
sempre modulará os efeitos de suas decisões. Se bem observarmos, os fundamentos
da decisão de que se cuida serviriam para modular os efeitos de QUALQUER decisão
favorável ao cidadão, em matéria de controle de constitucionalidade."
Qual não foi minha surpresa quando recebi, do Eduardo Bim, pelo e-mail, decisão do STF que diz exatamente isso, da lavra do Ministro Marco Aurélio:
"AI-AgR 607625 / RJ - RIO DE JANEIRO
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 20/05/2008
Órgão Julgador: Primeira Turma
Publicação DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008EMENT VOL-02325-11 PP-02061
Parte(s) AGTE.(S): MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIROADV.(A/S): GUSTAVO DA GAMA VITAL DE OLIVEIRAAGDO.(A/S): S. D. EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/AADV.(A/S): SERGIO SOLLE DE FIGUEIREDO E OUTRO(A/S)
Ementa
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Se, de um lado, é possível ter-se situação concreta em que transgredido o devido processo legal a ponto de se enquadrar o recurso extraordinário no permissivo que lhe é próprio, de outro, descabe confundir a ausência de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional com a entrega de forma contrária aos interesses do recorrente. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA LEGAL. O recurso extraordinário não é meio próprio a alcançar-se exame de controvérsia equacionada sob o ângulo estritamente legal.
TRIBUTO - DESARMONIA COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRONUNCIAMENTO JUDICIAL - EFICÁCIA PROSPECTIVA - INADEQUAÇÃO. A fixação de efeito prospectivo a decisão no sentido da glosa de tributo disciplinado em norma não compatível com a Constituição implica estímulo à edição de leis à margem da Carta da República, visando à feitura de caixa, com o enriquecimento ilícito por parte do Estado - gênero -, em detrimento dos contribuintes no que já arcam com grande carga tributária."
Irreparável a conclusão. É exatamente isso. A modulação há de ser usada, excepcionalmente, na hipótese inversa, vale dizer, na hipótese de a lei inconstitucional haver beneficiado alguns cidadãos e sua retirada do mundo jurídico gerar insegurança e "situações ainda mais inconstitucionais". Nunca diante do mero reconhecimento de que uma lei tributária criou exação indevida. Do contrário...

terça-feira, 22 de julho de 2008

"Lista negra"

O site da AMB (www.amb.com.br) publicou "lista negra" dos candidatos que concorrem nas próximas eleições, nela incluindo aqueles que respondem a ações penais, de improbidade etc.
Tentei acessar o site, mas não consegui. O tráfego é tamanho que a página está instável. Será de pessoas curiosas para ver em quem não votar, ou de possíveis candidatos - talvez quase todos - curiosos para ver se estão listados?
A publicação da lista é polêmica, especialmente por ser levada a efeito por associação de magistrados.
Não estou dizendo que sou contra. A rigor, não refleti ainda suficientemente sobre o assunto, de forma a emitir opinião responsável.
É sem dúvida necessário moralizar a política em nosso país. Indispensável ao desenvolvimento da democracia, ao funcionamento das instituições e à preservação do Estado de Direito. E se para os concursos públicos - às vezes de meros agentes administrativos - se exige a apresentação de certidões negativas, de antecedentes etc., por que não se exigir no mais importante dos "concursos", destinado ao provimento democrático dos cargos ocupados por agentes políticos do Executivo e do Legislativo? O chefe pode ser sujo, exigindo-se total higidez apenas do subordinado? Não faz muito sentido.
Mas, por outro lado, um dos cânones do Estado de Direito é a presunção de inocência, não sendo impossível que, às vésperas de uma eleição, adversário político consiga que um político honesto seja processado só para "queimá-lo" com a existência do processo. Haveria uma inversão da presunção de inocência, e o tempo decorrido até o final do processo - no qual o acusado teria de provar a improcedência da acusação e não o contrário - seria um longo período de privação ou restrição no exercício dos seus direitos políticos. Esse tipo de competição, assim tão acirrada entre candidatos, não existe antes da inscrição de candidatos em um concurso público, quando eles nem sequer se conhecem. Assim, um candidato a prefeito pode conseguir que se mova ação sem qualquer cabimento contra um adversário, só para prejudicá-lo, o que não ocorre entre os que disputam concursos, dos quais se exigem validamente certidões...

Regressando


Como dizem os estudiosos de epistemologia, um mesmo objeto pode ser visto por vários ângulos, parecendo até bem diverso, a depender do observador (e de seu "horizonte hermenêutico"). Pois bem. Outras pessoas até poderiam tirar impressões bem diversas de uma rápida passagem por Tóquio. Eu, além de outras que não teriam tanta pertinência aqui no blog, ligadas à culinária, à estética das japonesas, aos banheiros públicos, à música, ao modo como usam os celulares e outros gadgets eletrônicos etc., impressionei-me com alguns aspectos ligados ao Direito, que comento a seguir.
Primeiro, a alíquota do imposto sobre consumo. Apenas 5%.

Isso mesmo. Cinco por cento.

No Brasil, se considerarmos apenas o ICMS, temos alíquota média entre 17% e 18%. Em relação aos produtos "supérfluos", como energia, comunicação e combustíveis, essa alíquota chega, em alguns estados, a 30%.

E isso para não referir o PIS e a COFINS (9,25%) e, em relação aos industrializados, o IPI, que oscila de 0% a mais de 300%.
E o que tem isso?
Muita coisa.
A tributação sobre o consumo, embora gere elevada receita para o Estado, é a mais injusta, dado o seu caráter regressivo.
Para quem não sabe, a tributação pode ser progressiva ou regressiva.
Diz-se progressivo, em regra, o tributo cuja alíquota é tanto maior quanto maior for a base tributável, o que faz com o que o seu montante não seja apenas proporcionalmente maior, mas progressivamente maior. Quem tem mais paga sensivelmente mais, considerando-se a chamada "utilidade marginal da riqueza".
Exemplificando, se se tira 10% de um salário de R$ 500,00, tira-se quantia que fará muita falta ao empregado. O mesmo percentual de 10%, tirado de um salário de R$ 5.000,00 faria também falta ao empregado, mas, embora a proporção seja a mesma, a falta seria menor. Em se tratando de um salário de R$ 100.000,00, 10% já não fariam praticamente falta nenhuma.
É essa utilidade, cada vez menor, que a riqueza tem para quem a acumula que justifica, por imposição dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, uma tributação progressiva.
Pois bem. E o que a tributação sobre o consumo tem a ver com uma alegada regressividade?
Ora, se se tem uma tributação de 30% sobre o consumo, e um cidadão emprega toda a renda obtida no mês no consumo necessário à sua sobrevivência, toda essa renda será tributada, indiretamente, ainda que não tenha sido gravada pelo imposto de renda. Já o cidadão com rendimentos mais vultosos, que consegue poupar grande parte do que ganha, gastando só pequena parte no consumo, terá só essa pequena parte onerada pelos tributos incidentes sobre o consumo.
Dito de forma bem simples: o tributo incidente sobre o consumo tem peso muito maior sobre o cidadão de classe baixa que emprega toda a sua renda adquirindo mercadorias que sobre o milionário que aplica somente parte de suas rendas nesse fim. Daí a injustiça de uma tributação elevada sobre o consumo.
Mais justo, por isso, é proceder-se a uma tributação reduzida sobre o consumo, aliada a uma tributação mais pesada - além de pessoal e progressiva - sobre a renda. Exatamente o oposto do que se tem feito no Brasil.
Eu ia comentar também, aqui, outro fator que me impressionou, que foi o respeito que os japoneses têm pelo outro, pelas instituições e pela coletividade, o que nada tem a ver com uma hipertrofia do Estado ou com uma supressão das liberdades individuais (como geralmente se preconiza por aqui, como se fossem conceitos antagônicos). E ver como esse respeito faz com que as coisas funcionem, beneficiando a todos.
Cheguei lá em um 747, com uma quantidade enorme de passageiros. No mesmo momento chegaram outros aviões de igual porte. A fila para o controle de passaportes era imensa. Pensei que ficaria o dia inteiro ali, e, para minha surpresa, em menos de cinco minutos tudo se resolveu. Sem pressa, mas com eficiência, agilidade e respeito pela fila, tudo se resolveu. Qualquer semelhança com a mesma cena, vivida no aeroporto Pinto Martins, na volta, com 10% do número de pessoas... Uns passando na frente dos outros, a maior gritaria, empurra-empurra, e muito, mas muito tempo perdido.
Só lembrei de quando, no dia dos namorados, fui jantar com minha mulher em um restaurante. Na saída, várias pessoas aguardavam em uma fila (que nem estava tão grande assim), esperando que o manobrista fosse apanhar seus carros. Talvez houvesse uns 8 casais já esperando, quando chegou um sujeito, com típica "cara de quem quer levar vantagem sobre tudo e sobre todos", e chamou um dos manobristas "para conversar". Não quero parecer "Lombroso", mas o sujeito parecia ter o caráter escrito na cara. Parecia um daqueles estereótipos de bicheiro de novela. Vi quando ele ofereceu dinheiro ao manobrista para que fosse buscar seu carro passando na frente de todos os outros que há muito esperavam na fila. Ainda bem que o manobrista, muito constrangido em contrariar o "doutor", disse que infelizmente não poderia fazê-lo. Ah... Não aguentei. Olhei firme para ele e disse: - E viva o Brasil!!!
Ele me olhou meio com cara de desentendido, e eu completei: - É por atos assim que não vamos para frente. O que você achou do mensalão? Horrível? O que você está tentando fazer é exatamente a mesma coisa!
O cara ficou sem palavras. Gaguejou um pouco e disse que fazia isso "para não ter de se aborrecer com outros que também iriam furar a fila". Foi a resposta mais idiota e cara de pau que vi na vida, especialmente porque não era verdade. Todos a respeitavam, esperando calmamente, e se ele também o fizesse, logo logo cada um estaria indo para casa.
É impressionante como, respeitando as instituições, e o outro, tudo flui, anda mais rápido e melhor, com mais eficiência, para o proveito de todos.
Não estou aqui dizendo que japoneses sejam seres melhores que brasileiros, ou fazendo uma ode aos estrangeiros. Não é isso. Muito pelo contrário. Humanos somos todos, e há defeitos em qualquer lugar. Não falo aqui do machismo, do conservadorismo e de outras características mais de alguns - frise-se o "alguns" - japoneses por não ser o propósito do post. Dos lugares que já tive a oportunidade de conhecer, não troco o Brasil por nenhum. Acredito que a maior parte dos brasileiros queira mesmo fazer as coisas corretamente. O problema é a menor parte que quer resolver na base do "jeitinho", e a relativa acomodação de todos em mudar isso, em reclamar, protestar.
Para completar, li, na volta (que não foi curta) o "Triste Fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto, e as coisas todas se encaixaram. Mas isso é assunto para outra postagem...



P.S. - Juntando um assunto com o outro (o do imposto com o da fila), será que a alíquota do imposto sobre consumo japonês é mais baixa exatamente porque todos o pagam (nenhum contribuinte japonês "dá um jeitinho" para não pagar)? Ou será que no Brasil a alíquota é alta porque as autoridades - que têm os mesmos defeitos dos contribuintes, é bom lembrar - também "dão um jeitinho" e usam os recursos para fins diversos e talvez inconfessáveis, o que faz com que se diga que "não tem dinheiro que chegue"?

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Férias

Acho que vou ficar uns dias sem postar.
É que sigo hoje para a Alemanha, e, alguns dias depois, para o Japão.
Quando contei do roteiro da viagem a um amigo, ele me perguntou o que eu tinha contra a Itália. Na hora não entendi, mas depois percebi que falava das três potências "do eixo".
Na verdade, o roteiro não tem nada a ver com isso. Pelo contrário.
Foi mesmo mera coincidência, pois Frankfurt é conexão necessária para ir a Tóquio, e, para não ficar muitas horas direto dentro do avião, resolvi passar uns dias por lá no meio do caminho.
Como sempre faço, pesquisarei os costumes locais, as diferenças culturais etc., e procurarei também algo de interessante para ler. Levarei o laptop e, se for o caso, posto algo a respeito.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Por dentro ou por fora?

Muito se ouve falar que, entre as várias diferenças verificadas entre o IPI e o ICMS, existe a da forma como tais impostos são calculados. O IPI seria calculado "por fora", enquanto o ICMS o seria "por dentro".
Mas o que é isso?
Perguntaram-me uma dia desses, em uma aula na rede LFG, como calcular o ICMS "por dentro".Como é uma dúvida que outras pessoas podem ter, resolvi postar aqui uma explicação bem simples.
É o seguinte.
O IPI é calculado "por fora" porque a alíquota é aplicada sobre o valor da venda, sendo a ele acrescido de sorte a gerar o preço final.
Exemplificando, na venda de um produto por R$ 100,00, submetido ao IPI pela alíquota de 10%, o preço final será de R$ 110,00 (R$ 100,00 do produto + R$ 10,00 de IPI).
Daí o nome "por fora", pois os R$ 10,00 relativos ao IPI ficam "fora" do preço inicial, e o imposto corresponde exatamente ao percentual da alíquota, vale dizer, 10%.
E o ICMS? Bem, nele o cálculo - o tal "por dentro" - é um pouco mais complicado.
Usemos como exemplo também uma venda de mercadoria no valor de R$ 100,00. Como o ICMS é calculado "por dentro", ou seja, integra sua própria base de cálculo (é calculado "sobre si mesmo"), deve ser feito um cálculo um pouco mais complexo.
Se a alíquota do ICMS é 17%, os R$ 100,00 correspondem não à base de cálculo (sobre a qual seria aplicada a alíquota), mas a 83% dessa base (sem o ICMS, que corresponderá aos 17% remanescentes).
Faz-se, então, uma regra de 3.
***
R$ 100,00 está para 83% assim como "x" está para 17%.
R$ 100,00 --------- 83%
X ----------------- 17%
X = 1700/83
X = R$ 20,48
***
Assim, enquanto o IPI com alíquota de 10% incidente sobre venda a R$ 100,00 gera um preço final de R$ 110,00, o ICMS pela alíquota de 17%, incidente sobre uma venda que, sem o imposto, seria feita no valor de R$ 100,00, gera um preço final de R$ 120,48.
É por isso que se diz que o cálculo do tributo "por dentro" faz com que a alíquota real seja superior à aparente.No caso do exemplo que usei, o tributo termina por corresponder a mais de 20%, e não a 17%.
Uma das propostas dos Democratas, nas discussões em torno da reforma tributária, é exatamente a de acabar com essa fórmula "por dentro", no que, acho, eles têm toda razão.
 
 
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quinta-feira, 3 de julho de 2008

Desenvolvimento como liberdade


Ganhei do George Marmelstein, em meu aniversário, o livro "Desenvolvimento como Liberdade", de Amartya Sen (SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.)
Muito bom. Recomendo. Aliás, considerando quem o escolheu, não poderia ser diferente.
O livro merece ser lido por todos, especialmente por quem tem interesse em temas como: direitos fundamentais, multiculturalismo, direito e economia, igualdade x liberdade, liberalismo x regulação da economia etc.
O autor valoriza a liberdade como poucos, mas não o faz de forma contraditória e incoerente, como muitos dos que prestigiam demasiadamente a liberdade de iniciativa (que tem fortes repercussões sobre terceiros), mas, curiosamente, são radicalmente contrários a outras formas de liberdade que pouca ou mesmo nenhuma influência têm sobre terceiros (liberdade religiosa ou sexual, v.g.).
Abaixo, deixo algumas notas que fiz ao longo da leitura, com remissão às páginas correspondentes.

p. 17 - O autor destaca, aqui, que a liberdade é fim. Os demais bens ou valores são meio para realizá-la. Talvez se possa extrair algo semelhante de Dworkin, para quem a igualdade, por exemplo, só existe como forma de se assegurar maior liberdade para um maior número de pessoas.

p. 21 - não se pode simplesmente ser contra o mercado. Nas palavras do autor,

"Ser genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quando ser genericamente contra a conversa entre duas pessoas (ainda que certas conversas sejam claramente infames ou causem problemas a terceiros - ou até mesmo aos próprios interlocutores). A liberdade de trocar palavras, bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a seus efeitos favoráveis mas distantes; essas trocas fazem parte do modo como os seres humanos vivem e interagem em sociedade (a menos que sejam impedidos por regulamentação ou decreto)."

p. 23 - O desenvolvimento é "um processo integrado de expansão de liberdades substantivas interligadas."

p. 26 - Pode-se dizer - tal como Habermas, Hannah Arendt e, antes deles, Tobias Barreto - que as liberdades (públicas e privadas) se interligam, sendo interdependentes.

p. 26 - A idéia de um "estado democrático" impõe aos seus integrantes um dever de participar, e não a autorização - como alguns tributaristas pensam - para que o Governo tenha seus poderes hipertrofiados para interferir na vida dos cidadãos (idéia semelhante à do post sobre solidariedade e tributação).

p. 27 - Aqui o autor vai adiante no clássico debate entre o índio (que não entende por que o ocidental colonizador pretende acumular riqueza, se um dia vai morrer), e Bartolomeu de las Casas. Depois de o índio mostrar-se abismado com tamanho esforço desnecessário (eis que todos, ricos ou pobres, morrem do mesmo jeito), ele - o ocidental - responde: dinheiro não dá imortalidade, mas dá vida mais longa e confortável. Evidentemente com algumas ponderações - afinal, trata-se de um meio, e não de um fim em si mesmo - é verdade.

p. 28 - "Como observou Aristóteles logo no início da Ética a Nicômaco (em sintonia com a conversa que Maitreyee e Yajnavalkya tiveram a mil quilômetros dali), 'a riqueza evidentemente não é o bem que estamos buscando, sendo ela meramente útil e em proveito de alguma outra coisa.'"

p. 29 - crescimento é meio para a promoção das liberdades.

"(...) o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhoria da vida que levamos e da liberdade que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo."

p. 30 - a democracia é um importante método de prevenir fomes coletivas, pois nela o governante é forçado em agir pensando nos interesses do povo.

p. 46 - confirmando a associação que fiz na nota à p. 26, o autor escreve: "A liberdade individual é essencialmente um produto social, e existe uma relação de mão dupla entre (1) as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e (2) o uso de liberdades individuais não só para melhorar a vida de cada um, mas também para tornar as disposições sociais mais apropriadas e eficazes."

p. 47/48 - liberdade e multiculturalismo: "Havendo indícios de conflito real entre a preservação da tradição e as vantagens da modernidade, é necessário uma resolução participativa, e não uma rejeição unilateral da modernidade em favor da tradição imposta por dirigentes políticos, autoridades religiosas ou admiradores antropológicos do legado do passado. Não só a questão não é fechada, como também tem de ser amplamente aberta às pessoas da sociedade, para que elas a abordem e decidam em conjunto." Em suma, a solução para o dilema está na participação instruída de todos os interessados, vale dizer, na promoção dos direitos fundamentais de 4.ª dimensão (democracia, informação e pluralismo)...

p. 51 - Aqui o autor demonstra a falácia dos que defendem a necessidade de haver uma privação de liberdades para que o país possa crescer. Na verdade (p. 52/53), a expansão das liberdades é fim e é meio, de nada adiantando ser rico e não poder abrir a boca.

p. 54 - na verdade, liberdades políticas, oportunidades sociais e liberdades econômicas estão todas ligadas.

p. 57/58 - a promoção de direitos sociais incentiva - em longo prazo - o crescimento econômico. O Japão - diz o autor - cresceu graças a pesado investimento em educação.

p. 110 - pobreza é privação de liberdades, entendida essa palavra em seu sentido mais amplo possível (= capacidades), e não necessariamente a privação da "renda". A privação de renda é a causa, mas há outras, como o autor mostra na p. 111.

p. 119 - diferença entre as visões americana e européia a respeito do desemprego.

p. 148 - a democracia é importante pois permite a abertura do mercado na medida certa, sem excessos.

p. 154 - promover a educação é promover o bem de todos, e não só daqueles que são educados. Uma idéia importante mas que nem sempre é lembrada quando se cogita de investimento público em educação.

p. 155 - o assistencialismo exacerbado é maléfico, pois serve de desestímulo.

p. 178 - nesta página o autor desconstrói o sofisma de que o "desenvolvimento econômico" seria mais importante que a democracia.

p. 217 - o autor demonstra, com simplicidade e clareza, que a democracia é simples decorrência do respeito à igualdade.

p. 269 - excelente análise da questão do multiculturalismo, demonstrando o autor que o oriente não é tão distinto assim do ocidente assim quanto aos direitos fundamentais. Historicamente, aliás, árabes não são mais intolerantes que católicos (p. 274).

Carta aos advogados

Ainda a respeito da polêmica OAB x STJ, vale a pena transcrever a "carta aos advogados", escrita pelo Presidente do Conselho Federal, Cezar Britto:
"Carta aos Advogados

Prossegue o impasse criado pelo Superior Tribunal de Justiça em relação à lista sêxtupla da OAB para preenchimento de vaga da advocacia naquela Corte, referente ao Quinto Constitucional.
Ao rejeitar, nesta terça-feira (01.07.2008), no mérito, mandado de segurança impetrado pela OAB, para que, nos termos da Constituição Federal, vote e encaminhe a lista ao Presidente da República, o STJ optou por manter o impasse atual. Decidiu por não decidir.
Rejeitou o mandado de segurança, sem maiores explicações.
A lei só oferece duas alternativas ao Tribunal: a rejeição da lista, em face de descumprimento dos pré-requisitos por parte dos indicados, ou a votação, tantas vezes quantas necessárias, para que de sêxtupla a lista se transforme em tríplice e seja encaminhada ao Presidente da República, para a escolha do nome que integrará a vaga do Quinto Constitucional destinada à advocacia.
O STJ, no entanto, não faz nem uma coisa, nem outra. Nem vota a lista, nem a devolve. Reconhece que atende plenamente os requisitos da lei, mas, ao negar-se a votá-la, opta por descumpri-la.
A lista sêxtupla foi remetida pela OAB ao STJ em dezembro do ano passado, depois de cumprida rigorosamente toda a liturgia que a precede: sabatina aos candidatos, em audiência pública, homologação em sessão plenária do Conselho Federal - ambas transmitidas ao vivo pela Internet. Houve, pois, ampla transparência no processo.
Em fevereiro, o STJ acatou a lista, o que equivale a reconhecer sua lisura, mas não houve quorum para que fosse votada. Desde então, o impasse se mantém: falta quorum sistematicamente a todas as votações. O mandado de segurança da OAB teve este singelo objetivo: pleitear o cumprimento da lei, exigindo que a lista seja votada.
A decisão do STJ configura uma inconstitucionalidade, cujo sentido nos parece óbvio: forçar um novo marco regulatório para o Quinto Constitucional, impedindo que a vaga da advocacia nos tribunais seja preenchida por indicação da advocacia e passe a sê-lo pelos próprios tribunais.
Para tanto, será preciso mudar a Constituição. Mas esse papel cabe ao Congresso Nacional, ao qual os adversários do Quinto Constitucional podem encaminhar suas razões e propostas.
Não podem, no entanto, afrontar a Lei Maior em sua plena vigência. O gesto do STJ está em grave contradição com o papel institucional elementar de um tribunal, que é o de guardião das leis.
A advocacia está perplexa e preocupada com este impasse, que expõe e desgasta o ambiente judiciário.
Cezar Britto - Presidente do Conselho Federal da OAB"
É exatamente o que eu havia dito no post anterior sobre esse mesmo assunto. A postura do STJ força "um novo marco regulatório para o Quinto Constitucional, impedindo que a vaga da advocacia nos tribunais seja preenchida por indicação da advocacia e passe a sê-lo pelos próprios tribunais."
O tiro, inclusive, pode sair pela culatra, e ser pior para o próprio STJ. Vai que, diante da próxima lista tríplice destinada ao preenchimento de vagas destinadas aos TJs, o Presidente da República resolve devolvê-la sem escolher nenhum dos três nomes...? Isso seria possível? Se não, por que ao STJ o seria?
A questão, parece, será dirimida pelo STF, cujos precedentes não permitiriam - parece - decisão diversa da concessão da segurança. É esperar para ver.

Não-cumulatividade e IPI

Quando fiz post tratando do próximo livro a ser editado pela Dialética e pelo ICET, a respeito da não-cumulatividade tributária, leitor fez comentário mostrando-se curioso a respeito da resposta às questões ligadas ao IPI.
O prazo concecido aos autores, para que enviem seus textos, já se esgotou, e os arquivos eletrônicos que comporão o livro já estão sendo editados. O livro deve ser lançado no início do próximo semestre (2008.2). De qualquer modo, adianto, aqui, para atender a curiosidade do referido leitor (que pode ser a mesma de outros), as respostas que dei no artigo que escrevi para a coletânea, relativamente a esse imposto federal:
***
4.1. Na hipótese de o contribuinte do IPI adquirir produtos isentos, não-tributados ou tributados com alíquota zero, e vender produto tributado, é possível aproveitar o crédito relativo às entradas? Caso afirmativo, como será ele calculado?
A resposta a essa pergunta pode ser afirmativa ou negativa, a depender da circunstância de a isenção, a alíquota zero ou a não-tributação decorrerem de aspectos pontuais (v.g., isenção regional ou subjetiva), ou, ao revés, de se referirem, indistintamente, a determinado insumo, considerado de forma universal e indistinta.
Um exemplo pode deixar mais claro o propósito dessa distinção.
Recorramos a uma primeira situação hipotética, aqui batizada de “situação A”. Nela, uma fábrica, estabelecida em São Paulo, adquire insumo usado na fabricação de um determinado produto, submetido ao IPI. Esse insumo, quando importado, ou quando fornecido por contribuinte estabelecido em qualquer outra parte do território brasileiro, é tributado pela alíquota de 30%, gerando o crédito correspondente à sua aquisição. Entretanto, esse mesmo insumo, quando fornecido por contribuinte estabelecido na Zona Franca de Manaus, é isento do IPI.
Agora, vejamos uma segunda situação hipotética, aqui chamada “situação B”. Nela, um insumo é submetido à alíquota zero de forma indistinta, independentemente do contribuinte que o produz e do local onde é produzido. Pode, outrossim, ser usado na fabricação de produtos essenciais, ou de produtos supérfluos, submetidos às mais diversas alíquotas de IPI.
Na “situação A”, o crédito deve ser mantido, sob pena de anular-se a isenção, que se transformaria em mero diferimento de incidência. Empresas situadas na Zona Franca de Manaus, quando fornecessem componentes para indústrias situadas em outras partes do Território Nacional, não dariam a estas o direito ao crédito respectivo, o que equivaleria a transferir-lhes o ônus pelo pagamento do imposto. Comprar de empresas situadas na Zona Franca seria um péssimo negócio, pois terminar-se-ia pagando pelo imposto do qual elas são isentas. A menos que as empresas vendessem seus produtos por preço bem mais baixo, para compensar o IPI mais elevado que seria pago pelos seus compradores. Em qualquer caso, neutralizar-se-ia a isenção, seus efeitos e sua finalidade. Com base nisso, o STF decidiu pelo direito ao crédito, no julgamento do RE 212.484/RS[1]. Em seu voto, o Min. Jobim, depois de recordar os precedentes relativos ao ICM, anteriores à emenda passos porto (EC 23/83, que inseriu, ainda na Constituição de 1969, as restrições hoje contidas no art. 155, § 2.º, II, da CF/88), consignou que “a isenção, na Zona Franca de Manaus, tem como objetivo a implantação de fábricas que irão comercializar seus produtos fora da própria zona. Se não fora assim o incentivo seria inútil. Aquele que produz na Zona Franca não o faz para consumo próprio. Visa a enda em outros mercados”. A maioria dos Ministros que acompanhou o Min. Jobim, a propósito, fundou-se precisamente nos precedentes do STF, relativos ao ICM, na emenda “Passos Porto”, e na aplicação das restrições apenas ao hoje ICMS.
Na “situação B”, a questão já não é de resolução tão simples, principalmente em se tratando de aquisição de insumos, matéria prima ou material de embalagem não tributado em virtude da aplicação de “alíquota zero”. Nesse caso, qual seria a alíquota a ser utilizada para dar ao adquirente do direito ao crédito? Esse problema não surge quando se trata de isenção subjetiva ou regional. Para resolvê-lo, o Judiciário atuaria como “legislador positivo”, estabelecendo uma alíquota? Dir-se-á, em oposição, que a alíquota aplicável seria a mesma incidente nas saídas, mas essa solução só agrava o problema. Primeiro, porque o Judiciário continuaria agindo como legislador positivo. Segundo, porque haveria uma inversão completa do princípio da seletividade. Supondo, só para exemplificar (as alíquotas a seguir usadas no exemplo são imaginárias), que o álcool etílico da cana de açúcar seja beneficiado com alíquota zero, o fabricante de um remédio que utilize álcool como insumo para fabricar remédio tributado pela alíquota de 10% terá crédito de 10%, enquanto o fabricante de cachaça, tributada por alíquota de 70%, que adquirir o mesmíssimo álcool, terá crédito de 70%... E, para confirmar a distorção, se um insumo usado na fabricação da cachaça for tributado pela alíquota de 0,001%, gerará crédito de 0,001%, mas se sua alíquota for zero, o crédito por ele gerado salta para 70%...
Talvez o STF não tenha atentado para a distinção importante que existe entre as duas situações antes apontadas, pelo que, no julgamento do RE 350.446/PR[2], entendeu que, não havendo distinção essencial entre a isenção e a alíquota zero, o direito ao crédito, já reconhecido para as entradas isentas (RE 212.484/RS), deveria ser reconhecido, também, para as entradas submetidas à alíquota zero. Em longo voto, de 51 páginas, o Min. Jobim faz apanhado histórico da não-cumulatividade no ICM e no IPI, da origem e dos fundamentos do número zero, da doutrina e da jurisprudência a respeito da isenção, e ao final conclui que se “o contribuinte do IPI pode creditar o valor dos insumos adquiridos sob o regime de isenção, inexiste razão para deixar de reconhecer-lhe o mesmo direito na aquisição de insumos favorecidos pela alíquota zero, pois nada extrema, na prática, as referidas figuras desonerativas, notadamente quando se trata de aplicar o princípio da não-cumulatividade. A isenção e a alíquota zero em um dos elos da cadeia produtiva desapareceriam quando da operação subseqüente, se não admitido o crédito.”
Entretanto, como se sabe, julgando o RE 353.657/PR, o Plenário do Supremo Tribunal Federal modificou o citado posicionamento, ao proferir acórdão que porta a seguinte ementa:

“IPI - INSUMO - ALÍQUOTA ZERO - AUSÊNCIA DE DIREITO AO CREDITAMENTO. Conforme
disposto no inciso II do § 3º do artigo 153 da Constituição Federal, observa-se
o princípio da não-cumulatividade compensando-se o que for devido em cada
operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que não se pode cogitar
de direito a crédito quando o insumo entra na indústria considerada a alíquota
zero.
IPI - INSUMO - ALÍQUOTA ZERO - CREDITAMENTO - INEXISTÊNCIA DO DIREITO -
EFICÁCIA. Descabe, em face do texto constitucional regedor do Imposto sobre
Produtos Industrializados e do sistema jurisdicional brasileiro, a modulação de
efeitos do pronunciamento do Supremo, com isso sendo emprestada à Carta da
República a maior eficácia possível, consagrando-se o princípio da segurança
jurídica.”

O que se espera, agora, é que o STF atente para a diferença entre as situações “A” (que deram azo às suas primeiras decisões) e as situações “B” (às quais seu entendimento foi indevidamente estendido, e depois revisto), para que não se negue o direito ao crédito a todas elas, indistintamente.
4.2. Faz alguma diferença, para a resposta da questão anterior, tratar-se de insumo submetido a isenção regional? Não assegurar o direito ao crédito, nessa hipótese, neutralizaria completamente a isenção?
Sim, é essencial, para a resposta à questão anterior, saber se a isenção ou a concessão de alíquota zero decorrem de situação específica preenchida pelo contribuinte (v.g., benefício subjetivo ou regional), ou se se trata de benefício universal e objetivamente concedido ao insumo, conforme explicado na resposta à questão anterior.

4.3. Caso se dê resposta afirmativa à questão 4.1, mesmo para o caso de insumos submetidos em todo o território nacional à alíquota zero, não haverá violação ao princípio da seletividade de acordo com a essencialidade? Um mesmo insumo, usado na fabricação de bebidas ou na fabricação de remédios, dará direito a um elevado crédito no primeiro caso, e a um diminuto - ou inexistente - crédito no segundo caso?

Sim, com certeza, e é exatamente por isso que a resposta à questão 4.1. demanda a distinção das situações nas quais a desoneração é regional ou subjetiva, daquelas em que a não-tributação ocorre de maneira uniforme em todo o território nacional.
No caso de um produto ser submetido ao IPI pela alíquota zero, indistintamente, e ser usado como insumo na fabricação de um outro, tributado, a ausência do direito ao crédito decorre de uma série de fatores.
Primeiro, do fato de o IPI ser um tributo não-cumulativo (imposto sobre imposto), e não um tributo “sobre o valor agregado” (base sobre base), conforme explicado na resposta à pergunta 2.3, supra. Segundo, o fato de que a manutenção do crédito, no caso, implicaria violação ao princípio da seletividade de acordo com a essencialidade do produto, esvaziaria por completo as alíquotas fixadas para insumos e produtos intermediários (que, por coerência, deveriam sempre ser substituídas pelas incidentes sobre os produtos finais em cujo fabrico fossem empregadas), além de representar a atuação do Judiciário como legislador positivo. Imagine-se, por exemplo, um insumo submetido à alíquota zero, que pudesse ser usado tanto na fabricação de um remédio como na fabricação de um perfume. No primeiro caso, o crédito seria diminuto, senão inexistente, em face da tributação reduzida do produto final. E, no segundo caso, o crédito seria expressivo, diretamente proporcional à natureza supérflua do item fabricado.


4.4. Na hipótese inversa, de saída de produtos isentos, não-tributados ou tributados com alíquota zero, subsiste o direito ao aproveitamento dos créditos relativos às entradas tributadas? O art. 11 da Lei 9.779/99 veicula norma de direito material, constitutiva do crédito, ou meramente procedimental, relativa à forma de sua utilização, podendo ser aplicada em relação a créditos decorrentes de entradas anteriores à sua vigência?

Sim, o direito ao creditamento subsiste. Se o contribuinte industrial adquire matéria prima, material de embalagem ou produto intermediário submetido à tributação pelo IPI, empregando-os na fabricação de produto isento ou tributado com alíquota zero, tem direito de manter o crédito correspondente, em face do princípio constitucional da não-cumulatividade, e da ausência de regra restritiva análoga a que existe em relação ao ICMS (CF/88, art. 155, § 2.º, II).
O art. 11 da Lei 9.779/99 não foi editado para “fazer nascer” o direito a esse crédito, que, como dito, decorre da sistemática da não-cumulatividade. Sua finalidade, em verdade, é a de viabilizar a utilização desse crédito por parte do contribuinte que não realiza quaisquer outras saídas tributadas pelo imposto, permitindo sua compensação com qualquer tributo administrado pela Secretaria da Receita Federal, nos termos do art. 74 da Lei 9.430/96. Trata-se, aliás, de norma excepcional que rompe a lógica de utilização desses créditos, transformando o que seria meramente escritural (apenas um ingrediente a ser usado no cálculo do imposto devido) em verdadeiro crédito patrimonial (oponível à SRF e compensável com outros tributos).
Esse instrumento foi buscado para prestigiar, além do princípio da não-cumulatividade, também o da seletividade conforme a essencialidade do produto tributado. Com efeito, não fosse essa solução, o fabricante de produto essencial (e por isso mesmo não onerado) não teria como aproveitar o IPI que eventualmente houvesse incidido sobre insumos ou outros itens usados em sua fabricação, fazendo com que esse ônus terminasse por onerar o produto essencial. O pão, por exemplo, não obstante submetido a alíquota zero, em face de sua essencialidade, seria gravado, indiretamente, pelo IPI incidente sobre o material usado em sua embalagem, e, com isso, não seria “verdadeira” a indicação de que o IPI sobre ele incidente seria “zero”.
Seja como for, como o mencionado art. 11 da Lei 9.779/99 cuida de mero instrumento para utilização de créditos que são gerados independentemente dele, é evidente que pode ser aplicado em face de entradas anteriores a 1999, e a créditos que nessa data já estavam acumulados na escrita fiscal dos contribuintes.
Esse, aliás, foi o entendimento acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao afastar a pretensão da União – materializada na IN SRF 33/99 – de que o art. 11 da Lei 9.779/99 somente poderia ser aplicado em relação a entradas havidas a partir de janeiro de 1999, vale dizer, somente a partir do início da vigência da lei surgiriam créditos passíveis de compensação. Rejeitando essa pretensão, o Superior Tribunal de Justiça considerou, corretamente, que o direito ao crédito decorre diretamente da Constituição Federal, e que a lei apenas veiculou uma nova forma de aproveitá-lo, vale dizer, “a Lei nº. 9.779, por força do assento constitucional do princípio da não-cumulatividade, tem o caráter meramente elucidativo e explicitador.”[3]
Em face do art. 17 da Lei 11.033/2004[4] e do art. 16 da Lei 11.116/2005[5], o mesmo entendimento parece aplicável às contribuintes PIS e COFINS não-cumulativas.
Notas:

[1] Rel. Min. Ilmar Galvão, Rel. p. o acórdão Min. Nelson Jobim, j. em 5/3/1998, m.v., DJ de 27/11/1998, p. 22, RTJ 167-2/698.
[2] Pleno, Rel. Min. Nelson Jobim, j. em 18/12/2002, m.v., DJ de 6/6/2003, p. 32
[3] STJ, 2.ª T, RESP 435.783/AL, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 3/5/2004. No mesmo sentido: STJ, 1.ª T, RESP 514940/SC, DJ de 23/8/2004, p. 124; 1.ª T, RESP 639868/SC, DJ de 28/2/2005, p. 228; 1.ª T, RESP 654472/PR, DJ de 28/2/2005, p. 238; 1.ª T, AgRg no RESP 612034/PR, DJ de 30/8/2004, p. 221; 1.ª T, REsp 415.796/RS, DJ de 10/5/2004
[4] Art. 17. As vendas efetuadas com suspensão, isenção, alíquota 0 (zero) ou não incidência da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não impedem a manutenção, pelo vendedor, dos créditos vinculados a essas operações.
[5] Art. 16. O saldo credor da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins apurado na forma do art. 3o das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, e do art. 15 da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, acumulado ao final de cada trimestre do ano-calendário em virtude do disposto no art. 17 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, poderá ser objeto de:
I - compensação com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, observada a legislação específica aplicável à matéria; ou
II - pedido de ressarcimento em dinheiro, observada a legislação específica aplicável à matéria.
Parágrafo único. Relativamente ao saldo credor acumulado a partir de 9 de agosto de 2004 até o último trimestre-calendário anterior ao de publicação desta Lei, a compensação ou pedido de ressarcimento poderá ser efetuado a partir da promulgação desta Lei."

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Ainda a confusão entre STJ e OAB

Ainda a polêmica causada pela rejeição, por parte do STJ, da lista sêxtupla elaborada pela OAB, para ocupar a vaga deixada pela aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro, destinada ao "quinto" constitucional.
O STJ, julgando MS impetrado pela OAB, denegou a segurança.
Foi divulgada, agora, a íntegra do voto do Min. Galloti:

"Íntegra do voto do ministro Paulo Gallotti
Veja aqui a íntegra do relatório e voto do ministro Paulo Gallotti, relator do mandado de segurança impetrado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados e julgado hoje (1º/07) na sessão da Corte Especial do STJ. Por maioria de votos, a Corte Especial negou o mandado de segurança.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.532 - DF (2008/0094283-7)
RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil impetra mandado de segurança, com pedido de liminar, desafiando decisões administrativas do Superior Tribunal de Justiça.
Narra a inicial que dois são os atos objeto do mandamus. "Por um lado, investe o autor contra a rejeição de sua lista sêxtupla para o cargo de Ministro na vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro. Por outro lado, insurge-se o demandante contra o prosseguimento de formação de outras listas, para outras classes de origem, tendentes a preencher vagas de Ministro do Superior Tribunal de Justiça surgidas após a vaga dos advogados" (fl. 5).
Afirma o impetrante, quanto ao primeiro, que o Superior Tribunal de Justiça não poderia ter devolvido a lista sêxtupla ao fundamento de que nenhum dos candidatos alcançou os votos necessários para compor a lista tríplice, nos termos do art. 26, § 5º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
Sustenta que "a rejeição das listas sêxtuplas da OAB e do MP só pode ocorrer se a Corte entender que algum, alguns ou todos os seus integrantes não preenchem os requisitos constitucionais, devendo constar da decisão as razões objetivas desse entendimento" (fl. 11).
Conclui que "a recusa do STJ em reduzir a lista sêxtupla para tríplice, sem motivo constitucional válido, é inconstitucional e fere direito líquido e certo do impetrante, sua prerrogativa constitucional de formar a lista sêxtupla que culminará com a escolha, dentre seus nomes, de um para o cargo de Ministro da Corte" (fl. 12).
Quanto ao segundo ato, acentua o impetrante que um terço das vagas destinadas ao Superior Tribunal de Justiça deve ser preenchido com integrantes da classe dos advogados e do parquet, alternadamente, para preservar a composição paritária de ambas as classes.
Sendo assim, alega que esta Corte não pode formar e encaminhar lista tríplice dos membros do Ministério Público para preenchimento de vaga que surgiu após aquela destinada à Ordem dos Advogados do Brasil.
Argumenta que "a não observância da ordem constitucional, além de desrespeitar a paridade que deve ser observada entre as duas classes, acabará, ainda, por privilegiar, indevidamente, o integrante da classe do Ministério Público, que restará mais antigo no cargo, com sua nomeação e posse antes do integrante da OAB, alcançando, por tal razão, os postos de direção desse colegiado antes do Ministro oriundo da classe dos advogados, cuja vaga a ser provida, entretanto, surgiu anteriormente. (..) A bem da verdade, para que não seja desrespeitada a composição determinada constitucionalmente, nenhuma outra lista tríplice, seja qual for a origem da vaga, poderá ser formada e encaminhada ao Senhor Presidente da República, enquanto não for reduzida a lista sêxtupla, enviada pelo Conselho Federal da OAB, ante a vaga derivada da aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro, a uma lista tríplice. (..) Há, portanto, direito líquido e certo do impetrante a ser defendido por meio do writ, consistente na preservação da composição constitucionalmente estabelecida, segundo as classes de origem, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, bem como direito líquido e certo de ver preservada a antigüidade de sua vaga sobre as demais abertas após" (fls. 14/15).
Requer o impetrante, tanto liminarmente quanto no mérito, "seja determinado, ao Superior Tribunal de Justiça, que não componha listas tendentes ao preenchimento de vagas surgidas no STJ após a abertura da vaga destinada à classe dos advogados pela aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro", bem como "seja determinado, ao Superior Tribunal de Justiça, que promova a redução da lista sêxtupla, encaminhada pelo ofício COP/134/2007, da lavra do Presidente do Conselho Federal da OAB, a uma lista tríplice destinada ao preenchimento da vaga da classe dos advogados no Superior Tribunal de Justiça, em decorrência da aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro" (fl. 16).
Prestadas as informações, nessas o Presidente do Superior Tribunal de Justiça dá conta de que, em sessão plenária de 12 de fevereiro último, foram realizados três escrutínios para a escolha da lista tríplice dos advogados indicados para a vaga de Ministro decorrente da aposentadoria do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Como nenhum dos candidatos alcançou o número de votos exigidos pelo art. 26, § 5º, do Regimento Interno do STJ, o Plenário da Corte decidiu comunicar o fato à Ordem dos Advogados do Brasil.
Em 11 de março último, acrescenta o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o Conselho Federal da OAB solicitou, por meio do Ofício nº 295/2008-GPR, a suspensão de qualquer procedimento tendente a prover vagas surgidas após aquela destinada aos advogados. Contudo, o Plenário deste Tribunal, em 16 de abril, declarou encerrado o processo de escolha dos candidatos à vaga decorrente da aposentadoria do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, assim como deliberou que, em 7 de maio, voltará a se reunir para escolher os nomes que figurarão nas listas destinadas ao preenchimento das vagas resultantes das aposentadorias dos Ministros Francisco Peçanha Martins e Raphael de Barros Monteiro Filho e do falecimento do Ministro Hélio Quaglia Barbosa.
O pedido de liminar foi apreciado pela Corte Especial, sendo, por maioria de votos, indeferido.
O parecer do Ministério Público Federal, do Subprocurador-Geral da República Aurélio Virgílio Veiga Rios, tem a seguinte ementa:
"MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO ADMINISTRATIVO DA PRESIDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). IMPUGNAÇÃO DE DOIS ATOS COATORES: A) DEVOLUÇÃO DE LISTA SÊXTUPLA ENCAMINHADA PELO CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL PARA FINS DE PREENCHIMENTO DE VAGA DO QUINTO CONSTITUCIONAL A SER OCUPADA PELA CLASSE DOS ADVOGADOS; E B) INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO DE SUSTAÇÃO DA PRÁTICA DE QUALQUER ATO QUE TENHA POR FIM A FORMAÇÃO DE LISTAS DESTINADAS AO PREENCHIMENTO DE VAGAS ORIGINADAS APÓS A APOSENTADORIA DO MINISTRO PÁDUA RIBEIRO. PRELIMINAR DE PERDA DE OBJETO.
I. Diante do encaminhamento pelo STJ da lista tríplice destinada ao provimento de vaga proveniente do Ministério Público para a escolha do Presidente da República, a matéria sob apreciação do presente mandamus, no que se refere a ’suspensão de todo e qualquer procedimento tendente a prover vagas abertas nesse Tribunal posteriormente àquela surgida em face da aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro, até que seja formada e encaminhada, ao Senhor Presidente da República’, não pode mais ser conhecida pelo STJ em razão da perda superveniente do objeto da impetração. II . O ato de aprovação/rejeição de lista sêxtupla encaminhada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil está sujeita a controle judicial.
III. Necessidade de motivação dos atos administrativos. IV. Limite jurídico ao exercício da discricionariedade administrativa do Superior Tribunal de Justiça. Necessidade de indicação expressa dos motivos que ensejaram a rejeição (Precedente do STF). V. Parecer pelo não conhecimento do mandado de segurança quanto ao pedido de suspensão da formação de lista após a aposentadoria do Min. Pádua Ribeiro e, na parte conhecida, pelo deferimento parcial do mandado de segurança para que seja designada nova sessão administrativa para elaboração da lista tríplice ou para que o STJ, em caso de rejeição da lista, justifique a razão pela qual um ou alguns dos advogados indicados na lista sêxtupla não preencheriam os requisitos constitucionais exigidos para o exercício do cargo." É o relatório. MANDADO DE SEGURANÇA Nº 13.532 - DF (2008/0094283-7) VOTO O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI (RELATOR): De registrar, desde logo, que está prejudicado o pedido para que o Superior Tribunal de Justiça não componha as listas relativas às vagas surgidas após a abertura daquela destinada aos advogados pela aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro, uma vez que, após o indeferimento, por maioria de votos, dos pedidos liminares, em 7 de maio último, este Tribunal elaborou as listas para o preenchimento das vagas destinadas a Desembargadores Estaduais e ao Ministério Público.
Encaminhadas ao Presidente da República, foram indicados os Desembargadores Luís Felipe Salomão e Geraldo Og Niceas Marques e o Procurador de Justiça Mauro Luiz Campbell, que, inclusive, já foram empossados no último dia 17. Nesse contexto, impõe-se, no ponto, reconhecer a perda superveniente do objeto do mandamus.
Há que se enfrentar, então, o pedido para que se determine ao Superior Tribunal de Justiça que elabore a lista tríplice destinada ao preenchimento da vaga de advogado decorrente da aposentadoria do Ministro Pádua Ribeiro.
O Plenário deste Tribunal, em 12 de fevereiro deste ano, se reuniu em sessão destinada à eleição de candidatos à referida vaga, constando da respectiva ata que a sessão foi "transformada em Conselho para apreciação dos aspectos gerais referentes à escolha dos candidatos, seus currículos, vida pregressa e se satisfazem os requisitos constitucionais".
Retomados os trabalhos, após a votação, foram computados, em primeiro escrutínio, 84 votos, 44 em branco e 40 válidos. Não tendo sido obtida a maioria absoluta dos votos por nenhum dos candidatos, nos termos do art. 26, § 5º, do Regimento Interno do STJ, a sessão foi mais uma vez transformada em Conselho, seguindo-se um segundo escrutínio, vindo a ser computados 84 votos, sendo 48 em branco e 36 válidos.
Não alcançada, ainda, a maioria absoluta dos votos por nenhum dos candidatos, a sessão foi novamente transformada em Conselho. Antes da terceira votação, o Plenário deliberou, por maioria, que se nenhum candidato obtivesse a maioria absoluta, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil seria comunicado, sendo computados, então, 84 votos, 59 em branco e 25 válidos.
O Presidente do Superior Tribunal de Justiça, na ocasião, proclamou: "Não tendo sido alcançada a maioria absoluta dos votos dos membros da Corte, o Tribunal deliberou, por votação majoritária, comunicar o fato ao Conselho da OAB, determinando a imediata expedição de ofício".
É contra esse ofício (nº 143/GP, de 12/2/2008) que se insurge a impetração, afirmando que a aludida deliberação não encontra amparo nos arts. 104, II, e 94, parágrafo único, da Constituição Federal, e 27, § 3º, do Regimento Interno do STJ.
Diz o impetrante que a rejeição da lista sêxtupla só pode ocorrer, de forma motivada, se a Corte entender que algum ou alguns dos candidatos não preenchem os requisitos constitucionais, invocando o voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do MS nº 25.624/SP, no Supremo Tribunal Federal.
Argumenta que "na espécie, a devolução da lista não teve por causa o entendimento de que os requisitos constitucionais não restavam cumpridos. Ao contrário, o Superior Tribunal de Justiça entendeu-os presentes, tanto que, tendo se reunido em conselho para aferir a existência desses requisitos, como manda seu regimento interno (art. 27, caput), dessa fase procedimental passou à subseqüente (art. 27, § 1º), tornando pública a sessão e designando Comissão Escrutinadora. O fundamento único da devolução da lista à Ordem foi simplesmente a não obtenção do quorum estabelecido no § 5º do artigo 26 do RISTJ".
Assevera que a devolução da lista contraria o disposto na Constituição Federal, constituindo dever do Superior Tribunal de Justiça formar a lista tríplice, prevendo seu regimento interno a realização de tantos escrutínios quantos forem necessários.
Desde logo, impõe-se assentado, sem eufemismo, que o Superior Tribunal de Justiça não devolveu a lista para a Ordem dos Advogados do Brasil, dando-lhe ciência, como lhe cumpria fazer, que nenhum dos candidatos logrou obter o número de votos mínimo exigido para inclusão de seu nome na lista tríplice.
O precedente citado pelo impetrante, qual seja, o MS nº 25.624/SP, relator o Ministro Sepúlveda Pertence, segundo penso, não serve como paradigma por cuidar de hipótese fática diversa.
Com efeito, lá asseverou o Supremo Tribunal Federal que o tribunal a quem compete a elaboração da lista tríplice não pode substituir a lista sêxtupla encaminhada pela respectiva entidade de classe por outra composta pelo próprio órgão judicial, ainda que se valendo de nomes indicados para outras vagas, isso porque a prerrogativa de apresentar a relação dos candidatos é do órgão da classe.
Destaca o acórdão, ainda, que caso a Corte entenda que um ou mais dos componentes da lista sêxtupla não preenchem os requisitos constitucionais para a investidura, pode devolvê-la, desde que o faça motivadamente. Não é a hipótese dos autos.
Aqui, como apontado pelo próprio impetrante, a questão relativa ao preenchimento dos requisitos constitucionais restou superada, tendo este Superior Tribunal de Justiça os considerado satisfeitos (art. 27, caput, do RISTJ), pois passou à fase subseqüente do procedimento de escolha, tornando pública a sessão e designando comissão escrutinadora (art. 27, §1º).
Assim, a questão a ser resolvida é se a circunstância de ter o Superior Tribunal de Justiça comunicado ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil que nenhum dos nomes indicados obteve o quorum mínimo para figurar na lista tríplice, como exige o nosso Regimento Interno, no art. 26, § 5º, fere direito líquido e certo do impetrante. Penso que não.
O Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça tão-só disciplina a forma de aplicação do disposto nos arts. 104, II, e 94, parágrafo único, da Constituição Federal, dispondo que é secreta a votação e que serão realizados tantos escrutínios quantos forem necessários.
A votação secreta é garantia da livre manifestação da vontade de cada um dos Ministros no processo de escolha dos nomes indicados, evitando-se qualquer tipo de influência externa e de constrangimento.
De tal relevância é essa garantia que a própria Ordem dos Advogados do Brasil, no seu processo interno de definição dos nomes para compor a lista sêxtupla, prevê no § 7º do art. 9º do Provimento nº 102/2004, verbis: "Na sessão, após o julgamento de eventuais recursos e argüidos os candidatos, serão distribuídas aos Conselheiros e Membros Honorários Vitalícios com direito a voto cédulas contendo os nomes dos candidatos em ordem alfabética, para a votação secreta, assinalando-se até seis nomes, sendo que, no Conselho Federal, os votos serão computados por delegação". Além disso, a Constituição Federal, ao dispor sobre a competência do Senado Federal para aprovar a escolha de autoridades, estabelece que a votação é secreta (art. 52, inciso III), determinação repetida no art. 383, inciso VI, de seu Regimento Interno.
Trata-se, portanto, de legal sistema de escolha, externando cada um dos votantes livremente sua convicção pessoal, sem que isso importe em violação do salutar princípio da transparência que deve presidir as decisões administrativas de órgãos públicos.
Estabelecida a legalidade do sistema de votação secreta, não se mostra possível pretender que a decisão daí decorrente seja motivada.
Respeitando o entendimento contrário, não houve descumprimento de dispositivo constitucional e nem se deu maior relevância à regra regimental.
As normas internas, repita-se, apenas disciplinam a forma de cumprimento do comando da Constituição Federal (arts. 104, II, e 94, parágrafo único), constituindo o quorum mínimo de aprovação regra de nítido caráter democrático, reveladora do respeito a ser devotado à vontade da maioria.
No particular, confira-se também o dispositivo de regência do mencionado ato da Ordem dos Advogados do Brasil que regulamenta a elaboração da lista sêxtupla, vale dizer, o § 8º do art. 9º do Provimento nº 102/2004, verbis: § 8º Serão incluídos na lista os seis candidatos que obtiverem maioria simples de votos, repetindo-se a votação caso um ou mais candidatos não obtenham a votação mínima. Da mesma forma, no Senado Federal, a aprovação do nome do indicado pelo Presidente da República só ocorrerá se o escolhido obtiver a maioria dos votos, conforme se extrai dos artigos 47 e 104, parágrafo único, da Constituição Federal, e 288 do Regimento Interno do Senado Federal.
Vejam-se: "Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros." "Art. 104. O Superior Tribunal de Justiça compoe-se de, no mínimo, trinta e três Ministros. Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo: ..." "Art. 288. As deliberações do Senado serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta dos seus membros (Const., art. 47), salvo nos seguintes casos, em que serão: ..." Não se trata, portanto, a exigência de quorum mínimo, do estabelecimento de requisito que afronte o texto constitucional, mas, sim, de regra de absoluto cunho democrático, encadeada, como as demais, no processo soberano de escolha dos nomes dos candidatos por cada um dos órgãos previstos na Constituição Federal para a prática desse ato de caráter complexo.
Assentada essa premissa, a próxima indagação diz com a possibilidade de se votar em branco. Em outras palavras, superada a primeira fase do procedimento de escolha, prevista no art. 27 de nosso Regimento Interno, obrigatoriamente, os Ministros devem assinalar três dos nomes da lista sêxtupla ou podem votar só em dois, só em um ou em branco.
Na linha de compreensão que se esposa, a da ampla liberdade da manifestação da vontade do eleitor nessa fase, não vejo como deixar de reconhecer que não é impositiva a escolha de três nomes, revelando-se admissível a ocorrência das demais hipóteses, inclusive daquela em que nenhum nome é sufragado.
Essa, aliás, tem sido a nossa compreensão sobre a matéria, registrando várias das atas de sessões do plenário, em processos de elaboração de listas para preenchimento de vagas de Ministros, a existência de votos em branco, isto é, votos que não assinalaram o número total de candidatos em que era possível votar.
Tal circunstância, no entanto, nunca teve qualquer relevância, pois os votos em branco jamais impediram a formação das listas, exatamente porque seu número não era expressivo, alcançando os candidatos a maioria absoluta a que se refere o § 5º do art. 26 do Regimento Interno.
Contudo, jamais, também se ouviu manifestação contrária a esses votos em branco, principalmente impugnando sua validade.
Na hipótese que estamos a enfrentar, como esse número impediu que qualquer candidato alcançasse a maioria absoluta, seria possível afirmar que os votos em branco computados não devessem ser considerados como válidos?
Não vejo como chegar a essa conclusão, remarcando mais uma vez que cada um dos votos dados, seja escolhendo nomes ou não, refletiu a manifestação soberana da convicção individual dos Ministros eleitores.
Por fim, resta avaliar a questão relativa a não terem sido realizados, na sessão plenária do dia 12 de fevereiro deste ano, outros escrutínios além dos três referidos.
Como já ressaltado, diante de dois escrutínios em que o número de votos em branco, 44 e 48, respectivamente, não permitiu que nenhum dos candidatos obtivesse os 17 votos necessários para integrar a lista (maioria absoluta do número de membros do Superior Tribunal de Justiça), deliberou-se, então, por maioria, realizar mais um escrutínio, decidindo-se também, se não fosse alcançado o quorum regimental por nenhum dos candidatos, comunicar o ocorrido ao impetrante. Apurados os votos, 59 em branco e 25 válidos, proclamou o Presidente o resultado, sendo determinada a expedição de ofício ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
A pergunta a ser feita agora, da mesma forma objeto da irresignação posta, é se deveria o Tribunal prosseguir na realização de outros escrutínios.
Com a devida vênia dos que pensam diversamente, não parece razoável que se continuasse, naquela oportunidade, a votar indefinidamente, quando já era evidente, desde a primeira votação, que nenhum dos candidatos atingiria o número mínimo de votos.
Importante observar que o número de votos em branco aumentou de um escrutínio para outro, registrando de forma inequívoca a vontade da ampla maioria dos eleitores, não se justificando o prolongamento do processo de escolha diante de uma evidência fática irrecusável.
Em arremate, considero de absoluta legalidade o ato praticado por este Superior Tribunal de Justiça, que de nenhuma forma se afastou da Constituição Federal ou de qualquer outra regra de regência, sendo fruto da vontade democrática e soberana da maioria expressiva de seus membros.
Ante o exposto, dando por prejudicado em parte o pedido, no mais, denego o mandado de segurança.
É como voto. "

Observações de meu amigo Eduardo Fortunato Bim, no e-mail que mandou com o voto:

"Huum.. o problema é que votação secreta não significa que
ela não deva ser aprovada. Aprovação é dever consdtitucional, a votação
secreta, nesse caso, não. OU eles votam até ser acertado os três nomes ou eles
mudam o RI-STJ para resolver a questão de outro modo. Ficar se escondendo
atrás de uma exegese capenga do RI ou da CF é que não é admissível"
Concordo plenamente.
Uma coisa é saber se a votação pode ser secreta, e se os Ministros têm liberdade para votar em branco. Outra é saber se podem usar isso para fazer com que a Corte rejeite nomes sem justificativa, e, pior, subverta o processo de escolha determinado constitucionalmente. Se a idéia é a OAB escolher 6, dos quais o STJ deve escolher 3, para o Presidente escolher 1, o STJ não pode recusar - imotivadamente - os 6 escolhidos pela OAB, sob pena de indiretamente arvorar-se na condição de escolher não 3 de 6, mas 3 dentre todos os advogados inscritos nos quadros da OAB. O mesmo ocorre com o Presidente, que não pode rejeitar os 3 indicados pelo STJ (nesse caso, e em qualquer outro, de vaga destinada a TRF, a TJ ou ao MP)...

Análise de jurisprudência, com a devida vênia - ICMS e seletividade

Tema que sempre me deixou inconformado: o ICMS e a seletividade.
Diz a Constituição que o ICMS poderá ser seletivo (ter alíquotas diferentes para mercadorias ou serviços diferentes). E que, se o for, o critério da diferenciação deverá ser a essencialidade dos bens tributados.
Com base nisso, tributam-se itens essenciais com alíquotas baixas, e itens supérfluos, como fumo e bebidas, com alíquotas maiores. Tal como no IPI.
Até aí, tudo bem.
A questão é que são considerados "supérfluos" pelos Estados, que lhes aplicam as maiores alíquotas (entre 25% e 30%), os serviços de comunicação e de fornecimento de energia elétrica e os combustíveis.
O quê? Sie sind verückt? Energia elétrica é supérflua?!
E como a jurisprudência a considera serviço público essencial, quando cuida dos requisitos para o corte no fornecimento?
Parece-me tão evidente a inconstitucionalidade de tais alíquotas do ICMS que nem é preciso demonstrar mais nada aqui. Mas, se alguém discordar, terei prazer, nos comentários a este post, ou em outro post, em explicar mais detalhadamente a essencialidade da energia no mundo contemporâneo, bem como a impossibilidade de os Estados adotarem critério OPOSTO ao determinado constitucionalmente.
Mas o propósito deste post é outro.
A questão que suscito aqui é a das "barreiras processuais" que a jurisprudência às vezes inventa para não ter que decidir uma questão contra o Poder Público.
O acórdão abaixo ementado parece exemplo disso:
TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – ALÍQUOTAS – SELETIVIDADE – ILEGITIMIDADE ATIVA – ART. 166 DO CTN – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ASSUNÇÃO DO ENCARGO FINANCEIRO OU AUTORIZAÇÃO DE QUEM O SUPORTOU.1. O recurso ordinário em mandado de segurança possui devolutividade ampla semelhante à existente na apelação, incidindo na espécie o art. 515, § 1º, do CPC. Nesse sentido, Bernardo Pimentel, Introdução aos Recursos e à Ação Rescisória, ed. Saraiva, 4. edição, p. 345.Assim, apesar de não argüida nas razões do recurso, é possível, ex officio, o exame da ilegitimidade das partes no recurso ordinário em mandado de segurança.2. O ICMS é um tributo indireto em que a carga tributária, a rigor, é suportada pelo contribuinte de fato. Assim, somente está o contribuinte legitimado a pleitear a restituição do tributo indevidamente pago, caso tenha assumido o seu ônus ou esteja autorizado pelo terceiro, a quem transferiu tal encargo, nos termos da inteligência do art. 166 do CTN.3. No caso particular, o contribuinte que postula a declaração de inconstitucionalidade da alíquota de ICMS incidente sobre fornecimento de energia elétrica e pretende, conseqüentemente, sua restituição, provavelmente repassou a terceiros o respectivo ônus financeiro, recaindo na regra do art. 166 do CTN. Dessa forma, tal contribuinte somente possui legitimidade para questionar o tributo alegado como inconstitucional, caso demonstre cabalmente que suportou a sua carga financeira, ou que está autorizado por quem a suportou.4. In casu, observa-se que não há a prova da não-repercussão do tributo, nem muito menos a autorização dada por quem a suportou, de maneira que inexiste legitimidade para o contribuinte questionar a constitucionalidade da alíquota de ICMS incidente sobre energia elétrica e postular, conseqüentemente, a declaração do seu direito à compensação.5. Acolhimento da preliminar de ilegitimidade ativa ad causam do impetrante.Recurso ordinário improvido para extinguir o Mandado de Segurança, sem resolução do mérito.(RMS 18.864/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22.04.2008, DJ 13.05.2008 p. 1)
***
Com todo o respeito, a decisão acima está equivocada por diversos ângulos.
Primeiro, porque o contribuinte que discute a questão é o consumidor de energia, e não a concessionária. Jamais poderia ser invocado, portanto, o art. 166 do CTN para negar-lhe o direito pleiteado.
O fato de esse consumidor ser um hospital - e por isso, supostamente, "embutir" o ICMS no preço cobrado dos pacientes pelo serviço hospitalar - é fato havido no âmbito financeiro/econômico, irrelevante para o direito. Algo muito diferente, por exemplo, do ICMS incidente sobre a própria mercadoria revendida ao consumidor final. No caso, o ICMS suportado pelo hospital, nas contas de energia, equipara-se ao IPTU, ao IR, à CSL, e a qualquer outro tributo por ela pago, não se lhe aplicando o art. 166 do CTN.
Segundo, porque não se trata, no caso, de "restituição do indébito", mas de irresignação contra uma cobrança absurda. Assim, ainda que aplicável fosse o art. 166 do CTN - não é - seria o caso de negar o direito à compensação do indébito eventualmente pleiteada, mas deferir, porque independente, o pedido de que CESSE a cobrança, a partir de agora, do ICMS por tão desparatadas alíquotas, aplicando-se, na pior das hipóteses, a alíquota geral incidente sobre a maior parte das mercadorias.
Digo isso, destaque-se, com amparo na jurisprudência do próprio STJ, que parece ter sido inteiramente ignorada no caso. De fato, apreciando questão na qual um usuário do serviço de telefonia pretendia eximir-se do ICMS incidente sobre a habilitação de seu celular, aquela Corte entendeu que “o consumidor, como contribuinte de fato, tem legitimidade para mover ação objetivando afastar a exigência da exação.” (STJ, 2.ª T, REsp 694.429/SP, Rel. Min. Castro Meira, j. em 15/8/2006, DJ de 25/8/2006, p. 322) É precisamente o caso, na ementa aqui examinada, em que o MS foi impetrado por consumidor de energia elétrica.
E não só. Em outras ocasiões, o STJ tem firmado precedentes que permitem afirmar, com certeza, que no caso em exame o Hospital impetrante deveria ter sido considerado "consumidor" da energia, e nunca alguém que ainda iria "repassar" o ICMS correspondente aos usuários de seus serviços. É conferir: “‘A distribuidora de bebidas, ao adquirir o produto industrializado da fabricante para posterior revenda ao consumidor final, suporta o encargo financeiro do IPI, cujo valor vem, inclusive, destacado na nota fiscal da operação. A fabricante, portanto, ostenta a condição de contribuinte de direito (responsável tributário) e a distribuidora a de contribuinte de fato’ (REsp 817.323/CE, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 24.4.2006). 2. Essa conclusão decorre do fato de que entre a saída do produto do estabelecimento do fabricante e a aquisição pelo consumidor final ocorrem ao menos duas operações (1ª: aquisição da mercadoria pelo revendedor com o fabricante; 2ª: venda da mercadoria ao consumidor final), sendo que apenas na primeira ocorre a incidência do imposto. Assim, na hipótese, encerrando-se o ciclo na primeira operação, conclui-se que o revendedor figura como contribuinte (de fato) do IPI (REsp 435.575/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 4.4.2005). 3. Desse modo, ainda que se admita a transferência do encargo ao consumidor final, tal repercussão é meramente econômica, decorrente das circunstâncias de mercado, e não jurídica, razão pela qual a restituição não se condiciona às regras previstas no art. 166 do CTN. 4. Conforme leciona Hugo de Brito Machado, os tributos que comportam, por sua natureza, ‘transferência do respectivo encargo financeiro são somente aqueles tributos em relação aos quais a própria lei estabeleça dita transferência. Somente em casos assim aplica-se a regra do art. 166 do Código Tributário Nacional, pois a natureza a que se reporta tal dispositivo legal só pode ser a natureza jurídica, que é determinada pela lei correspondente, e não por meras circunstâncias econômicas que podem estar, ou não, presentes, sem que se disponha de um critério seguro para saber quando se deu, e quando não se deu, tal transferência. (...) Admitir que o contribuinte sempre transfere o ônus do tributo ao consumidor dos bens ou serviços é uma idéia tão equivocada quanto difundida’ (‘Curso de Direito Tributário’, 27ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, págs. 217/218). Ressalte-se que a Primeira Seção/STJ adotou essa orientação no julgamento dos EREsp 168.469/SP (Rel. Min. Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Min. José Delgado, DJ de 17.12.1999). 5. Assim, reconhecida a legitimidade ativa da impetrante (ora recorrente), impõe-se a devolução dos autos às instâncias ordinárias, afastando-se, desse modo, a decisão que extinguiu o processo sem exame do mérito. (...)” (STJ, 1.ª T, REsp 702.325/AL, Rel. Min. Denise Arruda, j. em 26.6.2007, DJ de 2.8.2007, p. 345)
Finalmente, é também firme a jurisprudência do STJ no sentido de que o art. 166 do CTN só se aplica à restituição do indébito, e não às ações nas quais o contribuinte se insurge contra a cobrança de tributo ainda não pago. “O art. 166 do CTN se aplica unicamente nos casos de repetição de indébito, não podendo ser invocado quando a discussão em torno da legalidade do crédito tributário se dá nos embargos à execução fiscal, em que o objetivo do embargante cinge-se ao não pagamento ou à redução da quantia executada. Nesse caso, é totalmente descabida a exigência da prova do não repasse do encargo financeiro, pois não houve, ainda, pagamento do tributo executado.” (STJ, 2.ª T, REsp 698.611/SP, Rel. Min. Eliana Camon, j. em 3/5/2005, DJ de 6/6/2005, p. 288). Esse entendimento foi, posteriormente, ratificado pela Primeira Seção do STJ: EREsp 651.224/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, j. em 10/5/2006, DJ de 19/6/2006, p. 90).
São os precedentes da própria Corte, portanto, e com o máximo de respeito, que indicam, no caso examinado neste post, que houve, talvez, mero uso do art. 166 do CTN para AFASTAR O INAFASTÁVEL.
Até quando, afinal, será permitida a abusiva cobrança do ICMS por alíquotas escandalosas sobre produtos e serviços da mais alta essencialidade, subvertendo, inteira e completamente, a determinação constitucional?

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E nem venham dizer, por favor, que a seletividade, no caso do ICMS, é facultativa, em oposição ao que ocorre no IPI, que a faz obrigatória.
Isso é verdade, mas só em parte.
A seletividade é facultativa, no sentido de que os Estados podem adotar tributação meramente proporcional (uma só alíquota para todos os produtos), ou seletiva (alíquotas diferentes para produtos diferentes). Isso é que é facultativo. Agora, adotada a seletividade, como os Estados adotaram, o CRITÉRIO não pode ser outro que o da essencialidade. Ou até poderia ser outro, com ele conjugado e compatível, mas nunca um outro critério OPOSTO ao da essencialidade.
E mais.
A Emenda Constitucional 31 inseriu, no ADCT, as seguintes disposições:
"Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre os produtos e serviços supérfluos, não se aplicando, sobre este adicional, o disposto no art. 158, inciso IV, da Constituição.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 31, de 2000)
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)"
Eu grifei a expressão "adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre os produtos e serviços supérfluos."
A Constituição não poderia ser mais clara.
E quais os produtos sofreram a tal majoração de ICMS???
Quem ainda estiver em dúvida, basta lembrar que, no Ceará, por exemplo, o ICMS incidente sobre energia era de 25%, e hoje é de 27%...
É, energia é produto supérfluo...
E viva a aplicação ampla e irrestrita do art. 166 do CTN, uma dádiva para as mais toscas arbitrariedades do fisco brasileiro!