quarta-feira, 23 de abril de 2008

Importação de produtos oriundos do Mercosul e divergência na classificação alfandegária

Estou a concluir contra-razões de apelação que versam assunto que faz algum tempo tenho examinado não sem alguma perplexidade.
Trata-se da posição adotada pela Alfândega brasileira diante de eventuais vícios formais - no caso, divergência na classificação alfandegária do produto importado - em importações oriundas de países signatários do Mercosul.
Como se sabe, o comércio exterior entre os países signatários do Mercosul é ISENTO de impostos aduaneiros (v.g., imposto de importação). O Fisco brasileiro, contudo, quando fiscaliza uma importação oriunda, por exemplo, do Paraguai, e percebe que o contribuinte usou código errado ao preencher determinado campo de determinado formulário, resolve que toda a legislação relativa à isenção "não se aplica" e que por isso o imposto será cobrado.
Não sendo fácil, muitas vezes, saber onde cada produto se enquadra na extensa tabela de classificações (há um código para cada tipo de produto, com variações até mesmo para "manequim com cabeça" e "manequim sem cabeça"), não são raras as autuações de contribuintes que importam produtos de países do Mercosul sob esse fundamento.
Mas parece-me evidente que, sendo a isenção decorrente da ORIGEM do produto, pouco importa o código usado. A menos que a Fazenda demonstre que o produto de fato seria procedente de outro país, sendo fraudulenta a documentação que indica como origem o país signatário do Mercosul, não há como afastar o direito à isenção.
Essa realidade foi muito bem captada pelo juiz da causa, que escreveu, na sentença:
“(...)
Não entendo sustentável a tese da Fazenda Nacional no sentido de que o simples equívoco na indicação do NCM ensejaria motivo suficiente para colocar em dúvida a origem da mercadoria importada. Tal erro formal, embora, em tese, pudesse ensejar dúvida na alíquota aplicável à operação de importação, se não se cuidasse de produto oriundo de país signatário do Mercosul, não me parece viabilizar qualquer desconsideração material do certificado de origem. Tanto é verdade que, na petição de fls. 66., a ré expressamente afirma que a única irregularidade encontrada se refere à divergência entre o produto descrito no certificado de origem e aquele indicado na Declaração de Importação, não apontando qualquer razão que justifique dúvida quanto à origem do país do produto importado (Paraguai). O documento de importação e o certificado de origem não tiveram sua idoneidade infirmada pela Ré, sendo, por isso, ilógico suscitar dúvida quanto à origem do produto importado.”
No caso das contra-razões, a Fazenda sequer põe em dúvida a origem da importação. E nem há como, diante da documentação constante dos autos. Limita-se a dizer que o erro no preenchimento 'invalida' a isenção.
Bom, mas o propósito do post não é só o de suscitar essa discussão. A questão é que, escrevendo as contra-razões, lembrei de texto que eu havia escrito faz algum tempo, e publicado na RDDT. Esse mesmo texto foi publicado na Argentina, e integrou o livro de apoio de um Seminário realizado pela Universidad Austral, do qual participei como palestrante.
Na ocasião, depois que terminei de falar, no intervalo, fui procurado por alguns advogados do Paraguai, e da Argentina, que queriam me dizer que nos países deles ocorria exatamente a mesma coisa. Diante da importação de ternos brasileiros, o fisco paraguaio questionava o código usado, e dizia que, em face da composição do tecido, o código deveria ser outro. Tudo isso para, sem duvidar da procedência, exigir o imposto.
O advogado paraguaio disse, em tom de brincadeira, pensar que essas coisas só ocorriam no país dele, que tinha a fama (que ele não confirmava, pero...) de não ter as autoridades aduaneiras muito sérias... Mostrava-se surpreso de o mesmo ocorrer no Brasil, e creditava o fato à falta de vontade das autoridades que integram os países signatários de implementar o Mercosul.
Será?
Às vezes penso que isso ocorre por conta de uma visão meio "bitolada" que algumas autoridades têm. Não fazem por mal, mas porque acham que "a lei é a lei", e que essa história de razoabilidade e de interpretação é papo de advogado para desrespeitar a lei...
Quando falo de coisas assim, lembro de uma história que aconteceu comigo nos Estados Unidos.
Estava em Los Angeles com minha mulher, meu irmão e a mulher dele, e fomos a uma loja comprar uma garrafa de vinho californiano para bebermos no Hotel.
Fomos, meu irmão e eu, ao caixa, apresentamos a garrafa, e o dinheiro. A senhora que trabalhava na loja, contudo, pediu a identidade do meu irmão, que levava a garrafa. Embora ele já tivesse quase 40, era preciso se certificar de que era maior de 18. Ele apresentou uma cópia do passaporte, cujo original havia ficado no Hotel. Ela não aceitou. Era cópia...
Ele, então, apresentou a carteira de motorista, que continha os mesmos dados do passaporte, mas (a dele era ainda das velhas) não tinha foto. Ela não aceitou.
Ele precisava comprovar a maioridade, embora seja 16 anos mais velho do que eu, que na época já tinha mais de 23. Os cabelos grisalhos não adiantavam.
Mas, até aí, tudo bem.
Eu então me apresentei para comprar a garrafa. Estava com meu passaporte (original, e não cópia), e minha carteira de motorista já era "das novas", com foto. Mas a senhora não me vendia também. Embora eu tenha idade quase de ser filho do meu irmão, ela disse não poder vender para mim porque eu iria comprar só "para depois entregar para ele". Tendo nos visto juntos, não poderia vender nem a ele, que não tinha documentos, nem a mim.
Até aí, tudo bem. O problema foi quando perguntei: - Então estou proibido de comprar vinho?
E ela disse: - Não. Vocês todos saem da loja, e em seguida o senhor volta sozinho e compra o vinho.
Eu não contive o riso diante da hipócrita, formal e ridícula solução, e perguntei que diferença faria. Ela ficou um tanto raivosa, e disse (dessa vez não vou traduzir):
- If in your country things are different, I don’t know, but, here in the U.S., son, the law is the law...
Depois dessa, nem dava para continuar discutindo. O que queria eu, um latino desonesto acostumado a resolver tudo na base do jeitinho, argumentar com a corretíssima cumpridora de seus deveres? The law is the law!!!

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