Como já escrevi em postagens anteriores, tenho alta consideração pela literatura. Inicialmente, por diversão. É como ver um filme. Depois, para ter maior familiaridade com a língua e com a linguagem escrita e, com isso, conseguir ler e escrever com menos dificuldade.
Imaginava, até pouco tempo, serem essas as principais virtudes de livros como Dom Quixote, Retrato de Dorian Gray, Oliver Twist, Todos os nomes, A mulher que escreveu a bíblia, A carta esférica, O fio da navalha etc. etc.
No doutorado, o Prof. Martônio Mont´Alverne me fez perceber que, além dos aspectos positivos já apontados, há outro, tão ou até mais importante: com esses livros é possível viver experiências que não estariam de outra forma ao nosso alcance, e, com isso, conhecer um pouco mais a realidade e a natureza humana.
Passei a ter menos remorso, a partir de então, de ler por toda a tarde de um sábado "Os cadernos de Don Rigoberto", em vez de estar debruçado sobre A virtude soberana, de Dworkin, ou, pior, sobre um artigo em torno da nova disciplina da execução do título extrajudicial.
Aliás, parece que, tal como o solo cultivado, nosso cérebro trabalha melhor se o explorarmos de forma "alternada". Uma leitura de direito positivo, outra de filosofia do direito, outra de história, outra de literatura, e tudo isso, evidentemente, com atividades outras de forma intercalada.Imaginava, até pouco tempo, serem essas as principais virtudes de livros como Dom Quixote, Retrato de Dorian Gray, Oliver Twist, Todos os nomes, A mulher que escreveu a bíblia, A carta esférica, O fio da navalha etc. etc.
No doutorado, o Prof. Martônio Mont´Alverne me fez perceber que, além dos aspectos positivos já apontados, há outro, tão ou até mais importante: com esses livros é possível viver experiências que não estariam de outra forma ao nosso alcance, e, com isso, conhecer um pouco mais a realidade e a natureza humana.
Passei a ter menos remorso, a partir de então, de ler por toda a tarde de um sábado "Os cadernos de Don Rigoberto", em vez de estar debruçado sobre A virtude soberana, de Dworkin, ou, pior, sobre um artigo em torno da nova disciplina da execução do título extrajudicial.
Tenho usado como tática, para consegui-lo em face de nosso tempo cada vez mais exíguo, andar sempre com um livro, ainda que sem o propósito imediato e obrigatório de ler. É incrível como 30 minutos na sala de espera do médico, 20 na do dentista, 25 no cabeleireiro (outro dia levei para a sala de aula um livro - O conceito de Direito, de H. Hart - cheio de cabelo dentro. Aproveitei enquanto cortava o cabelo para concluir sua leitura, e o resultado ficou entre suas páginas...), 15 esperando a sessão do Conselho da OAB começar, 10 esperando a Raquel terminar de se arrumar para sairmos à noite etc., quando somadas, permitem-nos ler livros inteiros em pouco tempo. E, o melhor, em um tempo que, de outra forma, seria inteira e completamente perdido. No período do caos aéreo, era uma excelente forma, menos imprópria que o conselho ministerial, de aguardar o embarque.
Mas não tem jeito. Toda vez que vou postar algo, saio escrevendo e termino numa divagação sem tamanho. O propósito desse post era falar de Dom Casmurro!
A Folha de São Paulo editou e está distribuindo, nas bancas, por apenas R$ 20,90, todas as semanas, obras de grandes escritores brasileiros. A edição é caprichada, de capa dura, encadernada com um papel muito bom. E os autores, então, dispensam comentários. Como a maior parte dos títulos eu ainda não tinha, ou tinha em volumes de "obras completas" (nova aguillar, papel bíblia, letrinha pequena...), resolvi fazer a coleção.
O primeiro número, para abrir a série com toda a classe, é Dom Casmurro, de Machado de Assis, romance que, agora, com essa nova edição, estou lendo pela terceira vez.
Dos romances de Machado de Assis, já havia lido Helena, Memorial de Aires, Esaú e Jacó e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Dos contos, que adoro, acho que li todos os que constam da coleção da Nova Aguillar (3 volumes. O de contos é o 2.°). Mas Dom Casmurro é realmente insuperável.
Estou experimentando a sensação de ler novamente um mesmo livro, e, no entanto, ver algo completamente diferente do que havia visto das outras vezes.
Na primeira leitura, ainda no colégio, impressionou-me apenas a questão do romance. Da ida de Bentinho ao seminário. Das suspeitas em torno de Capitu e Escobar... Na segunda leitura, feita nas férias durante a graduação em Direito, encantou-me o estilo, o uso das palavras... E, agora, além dos aspectos já percebidos, pude notar diversas características hoje atribuídas a escritores pós-modernos, além de todo o pano de fundo pertinente à sociedade de então: as remissões ao imperador e à faculdade de medicina, ao golpe da maioridade, as críticas de tio Cosme ao padre Feijó, a presença dos escravos e sua relação com os personagens principais... Excelente retrato - ou melhor, filme - da realidade de então, subjacente ao romance.
Mas o que continua encantando, demais, é o estilo. A beleza, a leveza e a precisão no uso das palavras. É impressionante. Ainda tenho muito o que ler para dizer que um ou outro autor é o "melhor"; e isso para não mencionar o fato de que para los gustos están los colores. Mas, de qualquer forma, não foi à toa que o livro foi elegido como o primeiro da coleção.
A maneira simples, porém genial, de narrar certos fatos, é notável. Como, por exemplo, ao citar o espanto de José Dias diante do pedido que lhe fizera Bentinho para que o ajudasse a não ir para o seminário, quando o autor escreve: "Os olhos do agregado escancararam-se, as sobrancelhas arquearam-se, e o prazer que eu contava dar-lhe com a escolha da proteção não se mostrou em nenhum dos músculos. Toda a cara dela era pouca para a estupefação."
Ou então - essa é muito engraçada - quando narra a subida de tio Cosme na besta: "Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caia em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo."
Também primorosamente escrita é a parte em que se narra o motivo pelo qual a casa em que vive o Dom Casmurro em sua maturidade é uma tentativa de reproduzir aquela em que vivera enquanto jovem: "O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta."
Os capítulos curtos, cheios de remissões às dúvidas do próprio autor ao escrever o livro, são tipicamente "pós-modernos", como alguns trechos - que referi em outro post - de D. Quixote.
É... Parece que a história não é mesmo linear, e as classificações que fazemos, algo arbitrárias, existem muito mais nas nossas cabeças.
Mas não tem jeito. Toda vez que vou postar algo, saio escrevendo e termino numa divagação sem tamanho. O propósito desse post era falar de Dom Casmurro!
A Folha de São Paulo editou e está distribuindo, nas bancas, por apenas R$ 20,90, todas as semanas, obras de grandes escritores brasileiros. A edição é caprichada, de capa dura, encadernada com um papel muito bom. E os autores, então, dispensam comentários. Como a maior parte dos títulos eu ainda não tinha, ou tinha em volumes de "obras completas" (nova aguillar, papel bíblia, letrinha pequena...), resolvi fazer a coleção.
O primeiro número, para abrir a série com toda a classe, é Dom Casmurro, de Machado de Assis, romance que, agora, com essa nova edição, estou lendo pela terceira vez.
Dos romances de Machado de Assis, já havia lido Helena, Memorial de Aires, Esaú e Jacó e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Dos contos, que adoro, acho que li todos os que constam da coleção da Nova Aguillar (3 volumes. O de contos é o 2.°). Mas Dom Casmurro é realmente insuperável.
Estou experimentando a sensação de ler novamente um mesmo livro, e, no entanto, ver algo completamente diferente do que havia visto das outras vezes.
Na primeira leitura, ainda no colégio, impressionou-me apenas a questão do romance. Da ida de Bentinho ao seminário. Das suspeitas em torno de Capitu e Escobar... Na segunda leitura, feita nas férias durante a graduação em Direito, encantou-me o estilo, o uso das palavras... E, agora, além dos aspectos já percebidos, pude notar diversas características hoje atribuídas a escritores pós-modernos, além de todo o pano de fundo pertinente à sociedade de então: as remissões ao imperador e à faculdade de medicina, ao golpe da maioridade, as críticas de tio Cosme ao padre Feijó, a presença dos escravos e sua relação com os personagens principais... Excelente retrato - ou melhor, filme - da realidade de então, subjacente ao romance.
Mas o que continua encantando, demais, é o estilo. A beleza, a leveza e a precisão no uso das palavras. É impressionante. Ainda tenho muito o que ler para dizer que um ou outro autor é o "melhor"; e isso para não mencionar o fato de que para los gustos están los colores. Mas, de qualquer forma, não foi à toa que o livro foi elegido como o primeiro da coleção.
A maneira simples, porém genial, de narrar certos fatos, é notável. Como, por exemplo, ao citar o espanto de José Dias diante do pedido que lhe fizera Bentinho para que o ajudasse a não ir para o seminário, quando o autor escreve: "Os olhos do agregado escancararam-se, as sobrancelhas arquearam-se, e o prazer que eu contava dar-lhe com a escolha da proteção não se mostrou em nenhum dos músculos. Toda a cara dela era pouca para a estupefação."
Ou então - essa é muito engraçada - quando narra a subida de tio Cosme na besta: "Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que o levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, o corpo ameaçava subir, mas não subia; segundo impulso, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caia em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo."
Também primorosamente escrita é a parte em que se narra o motivo pelo qual a casa em que vive o Dom Casmurro em sua maturidade é uma tentativa de reproduzir aquela em que vivera enquanto jovem: "O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não agüenta tinta."
Os capítulos curtos, cheios de remissões às dúvidas do próprio autor ao escrever o livro, são tipicamente "pós-modernos", como alguns trechos - que referi em outro post - de D. Quixote.
É... Parece que a história não é mesmo linear, e as classificações que fazemos, algo arbitrárias, existem muito mais nas nossas cabeças.
Um comentário:
Pois é, Hugo. O saudável vício da leitura é implacável. Nos faz ler até mesmo em situações inusitadas, como durante um sinal vermelho.
Mas a leitura em avião/aeroporto, na minha ótica, ainda é a mais produtiva.
George Marmelstein
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