domingo, 31 de agosto de 2008

De novo a coação

Certo dia, o professor de Teoria Geral do Direito explicava aos alunos o papel da coação no âmbito de uma ordem jurídica e as várias teorias construídas a respeito. Falava de como a força poderia ser usada para tornar eficaz uma norma jurídica, para em seguida discutir se toda ordem coativa seria, só por isso, Direito.
Foi então interrompido por uma aluna que levantou o braço e disse não haver entendido a explicação.
O professor tornou a explicar, a mesma coisa, por um outro ângulo.
Mas a aluna continuava: "- Não entendi."
Outra explicação. Novos ângulos. Exemplos. E ela nada: "- Continuo sem entender..."
O professor então disse: "- Tudo bem. Se você não entende a explicação, saia agora mesmo."
A aluna surpreendeu-se com tão inusitada ordem, que a deixou meio atônita. O professor, então, reiterou: "- Saia agora!!! Só vou continuar a aula quando você se retirar!"
"- Calma, professor! Por favor, não se irrite. Vou apanhar meu material."
Mas a coitada nem teve tempo de juntar os livros, o estojo e o caderno. O professor segurou-lhe o braço com força, conduziu-a para fora da sala, jogou-a no corredor da Faculdade e fechou a porta. Blam!
Silêncio absoluto.
Virou-se então para a turma, sorrindo. Aguardou alguns segundos e abriu a porta novamente. A aluna chorava copiosamente sentada no chão, quando ele lhe disse, amavelmente: "- Pronto! Agora você entendeu o que é coação? Acredito que sim. Era só uma forma de ilustrar a explicação. Recomponha-se e entre, por favor, para continuarmos a aula..."
Preciso dizer quem era o professor? Para quem estudou na UFC, não. Também não preciso dizer que isso deu a maior confusão. O pai e o marido da aluna foram tirar satisfações. Um deles era militar, inclusive, e a época não era propícia para muitas divergências com eles. Fosse em uma IES privada, em que o aluno, como cliente, tem sempre razão, a turma teria perdido excelente professor de Teoria e Filosofia do Direito. Na UFC, a aluna, salvo engano, apenas mudou-se para o turno da noite, no qual a mesma matéria era ministrada por outra pessoa.

Será essa uma boa maneira de ensinar TGD para quem acha a matéria "muito teórica" e só quer saber de "ensinamentos práticos"?! :-)

sábado, 30 de agosto de 2008

Direito coativo...

Há bastante tempo, no curso de graduação em Direito da UFC, o professor Arnaldo Vasconcelos perguntou a um aluno: - O que você pensa a respeito da afirmação de que o Direito é coativo?
Ao que o aluno respondeu: - Hum... Acho que é correta.
- Por quê? - Ficou curioso o professor.
- Ora... Porque, se as normas dizem o que proibido e o que é permitido, elas filtram as condutas humanas, separando-as entre as permitidas, as obrigatórias e as proibidas. Tal como um "coador" de café. Logo, o Direito é "coativo", vale dizer, tem a propriedade de "coar".
O professor - disse-me o próprio aluno, hoje meu professor - ficou a contemplá-lo, em silêncio, numa mistura de admiração e pena...

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Concurso público e "gordura corporal"

Estava agora escrevendo o segundo capítulo de minha tese quando o aviso sonoro de "novas mensagens" desviou minha atenção. Embora eu ache que preciso desligar o som do computador quando estiver redigindo, uma descontraída às vezes é bom, e uma das melhores formas de fazer isso é aqui no blog.
A mensagem relativa ao mencionado aviso sonoro era do Eduardo Fortunato Bim. Vinha com uma notícia do Consultor Jurídico, antecedida do seguinte comentário dele:
Índice de mapa corporal é brincadeira. É desfile de moda, com modelos magérrimas?


A notícia, a propósito, é a seguinte:
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"Condição física não elimina candidato de concurso
A condição física não deve ser critério para a eliminação de um candidato em concurso público, ainda que prevista em estatutos ou resoluções. A decisão é dos desembargadores da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que confirmaram a liminar concedida em primeira instância. A liminar garantiu a manutenção do candidato nos exames subseqüentes do concurso.
Para o relator do processo, desembargador Nepomuceno Silva, o critério contido no edital que trata do índice de massa corporal não advém de previsão legal, mas de resolução conjunta, “o que é questionável”. Ele afirmou que os requisitos admitidos constitucionalmente como condição de ingresso no serviço público são somente os pertinentes à natureza do cargo, aos quais devem se ater tanto o legislador quanto o administrador público.
De acordo com o desembargador, “o critério da razoabilidade não foi otimizado, já que o candidato foi considerado inapto por possuir índice de massa corporal de 32 kg/cm2, enquanto o máximo permitido era de 28,5 kg/cm2”. Assim, ele considerou ser indevida a restrição feita na resolução, por “absoluta ofensa aos princípios da legalidade e da razoabilidade”.
Por fim, a 5ª Turma entendeu que a previsão contida em edital extrapola os objetivos do Estatuto da Polícia Militar “quando disciplina sobre tema da capacidade física para o regular desempenho da função policial”.
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O caso
O candidato conseguiu na Justiça o direito de não ser eliminado de um concurso para o cargo de oficial do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais. Ele foi eliminado por apresentar massa corporal acima da permitida pelo Estatuto da Polícia Militar e pela Resolução 3.692/02. Na primeira instância, teve o pedido atendido.
O Estado de Minas Gerais recorreu. Alegou que o estatuto e a Resolução prevêem a condição física como requisito essencial para integrar a corporação, “sendo absolutamente legítimo o exame clínico e antropométrico”.
Votaram de acordo com o relator os desembargadores Mauro Soares de Freitas e Antônio Hélio Silva.
Processo: 1.0024.06.215632-8/001
Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2008"
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Parece que a mania das academias de ginástica - e de toda a estética que as cerca - chegou aos concursos públicos. Pensava que só tinha efeitos nas próprias academias: com breves interrupções ao longo dos últimos 15 anos, freqüento uma com certa regularidade, e ultimamente ouço cada vez mais os colegas conversando sobre concursos. A febre chegou até nas academias. Fico pensando se os desejos de todos fossem atendidos. Quem sustentaria o Estado, se todos fossem sustentados por ele? Bem, mas, voltando ao assunto, a conversa nas academias não é propriamente o conteúdo da prova de Direito Constitucional, ou de Direito Penal, mas a "prova física".
Há academias que já têm "cursinhos" para os que almejam certos cargos obterem a força, a resistência ou a velocidade exigidas nos respectivos concursos...
Agora, surpreendentemente, vemos, nos concursos, o inverso: a mania (própria das academias) por um índice de gordura corporal - IGC reduzido!!! Afinal, para ser servidor público é preciso ter barriga de tanquinho! E seria de indagar: o abdome avantajado que não raro se forma depois seria motivo para a demissão?
Essa foi demais.
Não que eu seja contra. Ao contrário. Como mandamento de otimização pessoal, a ser ponderado com outros (como o de obter satisfação com uma cerveja ou uma refeição mais alentada de vez em quando), a forma física é algo que também procuro aprimorar "dentro do factual e juridicamente possível". Mas, IGC em concurso...

Vejam que prova física é outra coisa. Se o sujeito, mesmo não muito "sarado", consegue correr tantos quilômetros, subir tantos obstáculos, fazer tantas flexões, levantar tantos quilos no "supino", e assim por diante, por que desqualificá-lo apenas pelo índice de gordura, já que o cargo não exige beleza física, ou definição abdominal, mas, quando muito, força, agilidade, resistência e destreza? Para perseguir criminosos o policial precisa ser rápido e resistente, ou apenas ter a musculatura definida?

Só retifico o Eduardo em uma coisa. Não precisa ser magérrimo, de sorte que a comparação com o desfile de modelos não é a mais apropriada. O cara pode pesar muitos quilos. O que não pode é ter gordura corporal. Vale dizer, pode (e, para o cargo em questão, talvez deva) ser pesado e musculoso, só não adiposo... :-)

Tem cada uma....

Bom, mas, agora, deixem-me voltar para a tese, antes que apareça um prazo urgente - ou outro aviso sonoro de e-mail - que dela me afaste ou distraia.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Diretor pedagógico

Dispõe o art. 135, III, do CTN:
"Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
(...)
III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."
Para demonstrar o acerto de Perelman, quando diz que a clareza de um texto normativo decorre, no mais das vezes, da falta de imaginação do intérprete (para imaginar situações em que sua aplicação e seu sentido seriam controvertidos), trago aqui para o blog questão bem interessante, relacionada ao chamado "diretor de ensino".
Sem entrar, aqui, na questão de saber o que é uma infração de lei, contrato ou estatuto, a quem cabe provar sua ocorrência, se é exigível processo administrativo de apuração da responsabilidade, se essa responsabilidade pode ser apurada nos autos da execução, por prova produzida pelo fisco, se o mero inadimplemento configura infração de lei, se o ex-sócio pode ser responsabilizado, etc. etc., suscito apenas, agora, o seguinte: - se o sujeito era realmente diretor de pessoa jurídica em débito, mas diretor de ensino (e a pessoa jurídica executada é uma ESCOLA), deve ser responsabilizado?
Literalmente, dir-se-á, diretor é diretor, e onde a lei não distingue... O diretor responderia sim!
Mas, indo além da letra (que, se fosse suficiente, ensejaria a equiparação entre o Dr. do ABC, de seis anos, e o bacharel em Direito), será que o diretor pedagógico pode ser equiparado a um "presentante" da pessoa jurídica, que exercia o papel de órgão e que, nesse papel, usou de excesso de poder e provocou o inadimplemento do débito tributário? O diretor pedagógico não decide se e quando paga o tributo. Nem o que fazer ou deixar de fazer com os recursos da empresa. Decide se contrata um ou outro professor, se o livro de química será "A" ou "B", se o aluno fulano ficará ou não "de castigo"... Mas não tem poder de gerência, não sendo "órgão" da sociedade para o efeito de providenciar o pagamento, não podendo, pois, ser responsabilizado pelo que nas finanças da entidade acontece.
Nesse sentido, aliás, há decisão do TRF da 4.ª Região:
“EMBARGOS DO DEVEDOR. ILEGITIMIDADE PASSIVA NA EXECUÇÃO. DIRETOR PEDAGÓGICO DE UMA DAS ESCOLAS MANTIDAS PELA ENTIDADE.
1. Não sendo demonstrado que o embargado exercesse a direção administrativa da escola, com poderes para determinar a omissão no recolhimento dos tributos, não pode ser contra ele redirecionada a execução.
2. O estatuto registrado prevê expressamente que o responsável pela entidade é o presidente do Conselho Diretor.
3. Apelação e reexame oficial improvidos”.
(Ac un da 2ª T do TRF da 4ª R – rel. Des. Fed. JOÃO PEDRO GEBRAN NETO - AC 247694 - DJU 24/01/2001, p. 244)

Plágio parcial e nota proporcional - ou a difícil tarefa de julgar...

Hoje recebi uma ligação estranha, de uma pessoa revoltada, mas revoltada mesmo, porque atribuí um zero como nota ao trabalho que elaborou em disciplina da qual fui professor em um curso de pós-graduação.
Antes de dizer o que era, o que só fez depois de eu muito insistir, essa pessoa dizia apenas querer marcar "uma hora" para falar comigo. Quando indagada do assunto, respondia apenas "assunto pessoal".
Minha secretária ficou meio desconfiada, e pediu-me que falasse com a pessoa. Falei, e consegui, depois de algum diálogo, descobrir o que era, e resolver a questão por telefone mesmo.
Talvez, se tivesse marcado a hora sem saber o que era (pensando se tratar de possível cliente, quem sabe...), eu tivesse sido assassinado e nem estivesse aqui a escrever estas linhas, tamanha a inconformidade da pessoa que me falava do outro lado do fio. Não seria a primeira tentativa, embora eu seja, admito, um professor muitíssimo benevolente e arredondador de notas.
Mas a pessoa estava inconformada com o quê?
Bom, eu ministrei disciplina em uma pós-graduação em Direito Tributário. Como participo do corpo docente de pós-graduações na Unifor, na FA7, na FFB, na UVA, na ESMEC, na FESAC (todas em Fortaleza), e ainda na Escola Paulista de Direito, no LFG (São Paulo), no IEMP (Teresina), na Univali (Vale do Itajaí/SC), na FAL (Natal) etc., e como a pessoa não me ligava de Fortaleza, não lembrei do que se tratava. Mas, depois de alguma conversa, pesquisei nas pastas e sub-pastas do meu HD interno e lembrei. Foi uma pessoa que copiou o trabalho da internet.
Passei, nessa disciplina, como trabalho para atribuição de nota, a elaboração de um artigo. Às vezes dou questões para serem respondidas, às vezes passo trabalhos, e acho que o evento de hoje será definitivo para adotar de vez o uso das questões.
Ao anunciar o trabalho, ressaltei, de forma até repetitiva demais, que não copiassem da internet. Que, se pesquisassem algo na rede, citassem. Cheguei até a explicar como fazer a citação de trabalhos eletrônicos. Disse várias vezes que o trabalho poderia ter qualquer conteúdo, desde que original, que lograria a obtenção de um 7,0 (sete). Só o plágio levaria ao zero. Não havia limite de páginas: a pessoa poderia fazer um texto de uma página, tal como artigo para jornal, e com ele tirar um dez. Comecei a fazer isso - facultar o texto de uma página - quando percebi o quanto é difícil resumir uma idéia. E tenho visto o resultado na prática: poucos alunos conseguem fazer o trabalho em uma página. E geralmente são os melhores. Os demais têm uma quantidade enorme de enchimento de lingüiça.
Bom, mas a pessoa copiou o trabalho da internet, e tirou zero. Isso eu já tinha dito. Onde estava, então, a controvérsia?
É que a pessoa não copiou o trabalho inteiro. Das sete páginas que tinha o texto, incluídas introdução e conclusão, só umas quatro teriam sido plagiadas. As demais seriam originais.

Bom, pelo menos foi isso o que a pessoa disse ao telefone. Eu, quando corrigi, dei o zero assim que identifiquei diversas páginas literalmente copiadas sem aspas ou qualquer referência à fonte. Não fui pesquisar se todas as frases do trabalho tinham sido copiadas, até porque existem alunos que fazem o chamado "trabalho frankenstein", usando o CTRL+C, CTRL + V para juntar pedaços de vários textos distintos.

E o que a pessoa queria? Queria dizer que eu fiz uma grande injustiça, pois se o trabalho não tinha limite de páginas, podendo ser até de uma página só, o plágio de 3 ou 4 das sete páginas não prejudicaria as 4 ou 3 "originais", que poderiam ter sido apartadas e corrigidas de forma autônoma. Eu poderia ter corrigido só a conclusão, que não foi plagiada, e dar 10. Ou, pelo menos, fazer uma regra de três: se metade ou um terço do trabalho contém plágio, deveria atribuir à outra metade nota 5, ou aos outros dois terços nota 6,6... Essa, pelo menos, era a pretensão de quem me ligou, que disse não estar protestando contra a nota, mas contra a injusta acusação de plágio.
Na ocasião, lembrei a quem reclamava que eu até imprimi o trabalho original, da internet, e anexei ao que recebeu zero, para que qualquer pessoa - a coordenação, e inclusive a própria - pudesse aferir o rigor, ou não, da minha nota e do meu critério, comparando o texto da internet com o feito na disciplina e nele "inspirado", defender-se etc.
Lembrei, ainda, que em um concurso, em uma prova ou em qualquer tipo de avaliação não pesquisada, a "cola" enseja a eliminação do candidato, com nota zero, não importando se o aluno estava tentando pescar só a resposta de uma questão e sabia responder as outras. O mesmo, acredito, se aplica ao plágio, pelo menos quando se trata de trabalho destinado a substituir uma prova, como forma de avaliação. A pessoa, ainda inconformada, argumentou que não, que não se tratava de prova, que não estava mais em fase escolar para ficar pescando... Argumentos que, acho, a afundavam ainda mais...Dei nova chance a quem reclamava, para que fizesse novo trabalho, dessa vez original. E, com isso, a pessoa se acalmou um pouco. Prometeu fazê-lo, e enviar-me em breve para correção, admitindo "transigir" em sua justíssima pretensão inicial de ter nota mais alta no próprio trabalho copiado. Mas o fato serviu de lição em relação a diversos aspectos. Primeiro, nunca mais passar trabalhos para alunos. Segundo, a parte interessada dificilmente reconhece o erro, por mais errada que esteja. Terceiro, nunca marcar horário com alguém sem saber, antes, do que se trata. Tem cada aluno revoltado...

domingo, 24 de agosto de 2008

Novas edições, livros didáticos e uma reflexão

Recebi da editora Atlas a solicitação para preparar uma quarta edição do "Direito Tributário e Financeiro", livro que escrevi para a coleção "Leitura Jurídicas" (e o número dele na coleção foi logo o 24!!!), da série "Provas e Concursos". A atual está perto do fim, e desejam desde logo preparar uma para o início do período letivo de 2009.1.
Surpreendeu-me a aceitação do livro, que, de longe, dos que escrevi, é o que tem mais exemplares vendidos. O Processo Tributário está em segundo lugar, em posição até próxima, tendo, contudo, sido lançado mais de dois anos antes. Tanto que o "Leituras", além de diversas tiragens nas quais não houve mudança de texto, já está tendo preparada sua quarta edição, enquanto o Processo acabou de ter lançada a sua terceira.
Devo admitir que relutei quando recebi o convite para escrevê-lo. Tinha um certo preconceito com livros destinados a concursos, sobretudo em relação aos "resumos", e, por ironia do destino, lá estava eu sendo convidado para escrever um. Sabia, também, que no meio acadêmico autores de livros assim são às vezes criticados. Pontes de Miranda, referindo-se aos manuais universitários, dizia-os "livros vulgares escritos à queima roupa". Nem quero imaginar o que diria, se vivo fosse, hoje, dos resumos. Mas a proposta da Atlas era fazer uma coleção de "resumos" com qualidade. Só me pediram duas coisas: que tratasse de toda a matéria respeitando determinado número de páginas (até razoável) e não defendesse pontos de vista pessoais que não encontrassem ressonância na jurisprudência sem avisar o leitor expressamente disso. Achei que, se recusasse, perderia toda a legitimidade para criticar alguns livros de resumo. Afinal, eu tinha tido a oportunidade de fazer um sem os defeitos que eventualmente me levavam a criticar outros. Aceitei. Não sei se consegui, mas tentei, pelo menos, fazer algo suscinto sem incorrer em superficialidade nem perder a clareza. Foi bem difícil. Bem mais que o processo tributário, e mais ainda que a dissertação de mestrado (Contribuições e federalismo),. É muito mais fácil expressar uma idéia, com clareza, alguma precisão e responsabilidade, em dez páginas do que em uma. Resumir é difícil. Lembrei, também, da lição de Angel Latorre, para quem "obras de iniciação exigem ainda, se possível, mais rigor intelectual do que as escritas para juristas já formados, a quem é fácil apreciar o valor do que lêem." (LATORRE, Angel. Introdução ao direito. Tradução de Manuel Alarcão. Coimbra: Almedina, 1974, p. 7)
Mas não estou com isso querendo fazer propaganda do livro. Para meus alunos mesmo, na graduação, sempre digo que não se limitem a ele, sendo impositivo que leiam manuais que tratam da matéria de forma mais profunda. Pode ser útil apenas para uma leitura de revisão, ou para se ter uma primeira noção da matéria. Postei apenas porque recebi o e-mail solicitando a nova edição, e estava a pesquisar uma coisa no LATORRE para a tese que estou escrevendo quando encontrei a citação acima. Uma coisa ligou-se à outra, e lembrei da (falsa) impressão que se têm de que para escrever para iniciantes não é necessário tanto esmero.
Ah!!!! E tem outra coisa. Aos leitores do blog, peço que, se leram o mencionado livro, e eventualmente encontraram imprecisões, omissões, lapsos, erros de digitação, de datas, de números de leis, ou qualquer outro aspecto que considerem relevante e demande correção, por favor, ficarei muito agradecido se me enviarem e-mail, ou postarem comentário aqui, indicando a edição, a página e a sugestão de correção.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Súmula 13 e o nepotismo

Grande serviço à moralização da Administração Pública, prestado pelo STF:

"13ª Súmula Vinculante veda nepotismo nos Três Poderes


O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de aprovar, por unanimidade, a 13ª Súmula Vinculante da Corte, que veda o nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. O dispositivo tem de ser seguido por todos os órgãos públicos e, na prática, proíbe a contratação de parentes de autoridades e de funcionários para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada no serviço público.
A súmula também veda o nepotismo cruzado, que ocorre quando dois agentes públicos empregam familiares um do outro como troca de favor. Ficam de fora do alcance da súmula os cargos de caráter político, exercido por agentes políticos.
Com a publicação da súmula, que deverá ocorrer em breve, será possível contestar, no próprio STF, por meio de reclamação, a contratação de parentes para cargos da administração pública direta e indireta no Judiciário, no Executivo e no Legislativo de todos os níveis da federação.
Confira o enunciado da Súmula Vinculante nº 13:


“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.”"


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Abrange, inclusive, o chamado "nepotismo cruzado", proibindo "o ajuste mediante designações recíprocas"... E talvez ajude a combater a mentalidade, ainda existente no país, que consiste em se procurar resolver apenas os próprios problemas, para só depois, se der tempo, houver disposição e paciência, pensar nos outros.
Tenho observado que muitos dos problemas que enfrentamos, do trânsito à política, decorrem da falta de respeito ao outro, enquanto pessoa. Parar em fila dupla para esperar o filho na escola... E o outro? O outro?! Azar o dele! Que me espere! (é o que devem pensar)
Só se respeita o outro se for "amigo", "conhecido" ou, o que é melhor ainda, "da família". Aí tudo muda. Lhaneza, cavalheirismo, educação de sobra, e até altruísmo.
Daí a idéia, que muitos têm, de que as coisas se resolvem todas na base da amizade, ou, como se diz aqui no Ceará, "na base da peixada..." Se o sujeito tiver direito, não é garantia conseguir nada, mas se tiver um amigo influente... Ah... É esse espírito, acredito, que alimenta o nepotismo, que é coisa diversa mas tem a mesma origem. Alimenta, ainda, a confusão, que muitas autoridades fazem, entre o público e o privado, bem como o esquecimento, que têm, da própria razão de ser de sua função e de sua remuneração, que é a de servir ao público, e não a de ser importante, receber prêmios, medalhas, honrarias e condecorações.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Use linguagem impessoal!

Outra reflexão que tenho feito, nos últimos dias, diz respeito à recomendação, que às vezes é uma imposição incontornável mesmo, de que se use, nos trabalhos acadêmicos, "linguagem impessoal". Deve-se evitar ao máximo o uso da primeira pessoa, que, em último caso, é tolerada no plural. Assim, em vez de o autor do trabalho dizer: "Considero inaplicável o art. 739-A do CPC às execuções fiscais", ou "Entendo que as contribuições sociais foram usadas como forma de fraude à divisão constitucional de rendas", deve dizer "O art. 739-A do CPC é inaplicável às execuções fiscais" ou "as contribuições foram usadas..."
Quando se questiona algum especialista em metodologia em torno do motivo dessa imposição, a resposta varia do "é porque é" à "necessidade de se dar um tom impessoal ao trabalho, mais compatível com a seriedade do trabalho acadêmico", o que, com todo o respeito, é uma maneira mais prolixa de dizer o mesmo "é porque é".
Admito que, no Processo Tributário (cuja primeira edição é de 2004), não me preocupei muito com isso. Mas, naturalmente, de forma não previamente pensada, usei a primeira pessoa do plural. "Parece-nos...", "entendemos..." etc. No "Contribuições e Federalismo" (de 2005), como se tratava de minha dissertação de mestrado, usei o mesmo recurso, vale dizer, primeira pessoa do plural. Mas não foi nenhuma imposição do Prof. Paulo Bonavides, orientador, que corrigia até "galicismos", "anglicismos e "espanholismos", mas não fez qualquer recomendação particular em relação à "impessoalidade". Nos que se sucederam, a primeira pessoa do plural continou empregada, seja por imposição acadêmica (Por que dogmática..., feito no curso de doutorado), seja para dar unidade ao texto (no caso de co-autoria, como nos comentários ao estatuto, em que os demais autores também usaram essa linguagem).

Mas confesso que, quanto mais leio sobre epistemologia jurídica, filosofia do direito e, especialmente,"metodologia", convenço-me do equívoco, ou pelo menos da falta de sentido, dessa dogmática recomendação de impessoalidade. E tenho um palpite: TRATA-SE DE HERANÇA DO POSITIVISMO, que, na sua ânsia por OBJETIVIDADE e CERTEZA, pretende excluir qualquer traço que indique subjetivismo por parte de quem pesquisa e escreve.
Assim, dizer "Não considero possível interpretar a lei 'x' de sorte a..." soa "subjetivo" e "menos científico" do que que dizer "Não é possível interpretar a lei 'x' de sorte a ...."
Não seria, contudo, o uso da primeira pessoa do singular mais sincero, e, por isso, mais coerente com os propósitos da ciência? Afinal, se vou escrever texto sobre o art. 739-A do CPC, sou eu quem o considera inaplicável às execuções fiscais. Mas muitos pensam de forma diversa. E, salvo quando escrevo em co-autoria (muitas vezes com a Raquel ou com o meu pai), quem pensa da forma defendida no texto sou eu mesmo, e não toda a comunidade jurídica, de sorte a que também não parece correto usar o plural.

E isso não só no Direito. O mesmo vale para um texto de Medicina, no qual o pesquisador é recomendado a não escrever "embora o paciente tenha apresentado quadro 'x', não considero que isso tenha sido causado pelo trauma, mas sim pela...", mas sim "embora o paciente tenha apresentado quadro 'x', isso provavelmente não foi causado pelo trauma, mas sim pela..."

Por que isso?

Reparem nos textos de Dworkin. Ele usa a primeira pessoa do singular o tempo todo. Diz "considero", "penso", "defendo", "entendo". Devemos banir os livros dele dos nossos cursos de graduação e de pós-graduação, pela falta de "rigor acadêmico"?

E nem se diga que o Dworkin é o Dworkin, e tem licença para fazer coisas que nós, pobres mortais, que não podemos pretender nos comparar com ele, não devemos fazer. A premissa é verdadeira, mas não conduz à conclusão. Se a linguagem impessoal é necessária, e faz alguma diferença, deve ser usada por todos. E mais: será que ele só mudou de estilo depois de consagrado no mundo acadêmico?

Por outro lado, não é só o Dworkin que assim escreve. No Brasil, esse estilo está cada vez mais disseminado, especialmente em trabalhos de livre-docência, doutorado e pós-doutorado. Marco Aurélio Greco, por exemplo, escreve assim, e seria igualmente absurdo banir seus livros, excelentes, polêmicos e inovadores, por conta disso.

Parece mesmo uma contradição alguém criticar o positivismo, e, ao mesmo tempo, recomendar o uso da "linguagem impessoal", que suprime a figura do sujeito dos resultados da pesquisa científica, como se estes existissem independentemente daquele, de sua pré-compreensão, de seus valores e de seu horizonte hermenêutico...

Destaco, contudo, e em negrito(!), que isso que acabo de postar é apenas uma reflexão. Não estou recomendando a ninguém que, já no seu TCC de graduação, use a primeira pessoa do singular e enfrente as críticas do orientador e da banca calcado apenas neste post. Não me responsabilizo pelo que acontecer a quem fizer isso!!! Dependendo da banca, as conseqüências podem ser terríveis, sendo incrível o valor que se dá a certos detalhes irrelevantes na avaliação de um trabalho.
Em um trabalho de mestrado, ou de doutorado, caso o candidato tenha segurança em torno do tema, e da metodologia, e resolva enfrentar a banca para defender, além do mérito da pesquisa, também a "tese" de que esse tipo de linguagem deve ser usado, tudo bem. Atrevi-me a fazer isso em minha dissertação de mestrado em relação ao "op. cit.", que, como leitor, odeio, e, tendo eu explicado as razões pelas quais conheço, respeito mas não uso o "op. cit.", a banca não me criticou muito. Mas, na graduação, confesso, pode ser temerário.

Ah... E só para encerrar, e descontrair, encontrei, revendo meus arquivos à procura de uma foto de minha filha ainda bebê (para uma festa do dia dos pais em seu colégio), uma foto que tirei depois de defender minha dissertação de mestrado, em 11 de janeiro de 2005. Tinha acabado de ouvir, da professora Denise e do Prof. Agérson, a recomendação de que deveria ter usado o op. cit... Sou muito grato, a propósito, a todos da banca. Ao Prof. Paulo, pela orientação, muito atenciosa apesar de seus inúmeros compromissos. Ao Prof. Agérson, pelas observações, e pelo pronto atendimento do convite do Prof. Paulo para compor a banca. E, à Profa. Denise, pelos mesmos motivos do Prof. Agérson, e ainda pelo fato de haver atendido ao convite não obstante estivesse já no oitavo mês de gravidez (seu filho já está enorme - como o tempo passa rápido!).


E explico, agora, por que não uso o op. cit. É por respeito ao leitor. Para mim, como autor, na verdade, tanto faz. O CTRL + C , CTRL + V torna indiferente repetir a citação ou usar o op. cit. É como leitor que não gosto do op. cit.

Em um livro no qual são feitas muitas citações em nota de rodapé, muitas na mesma página, de autores diferentes, de livros diferentes, de livros diferentes dos mesmos autores, e essas citações se repetem ao longo de 10, 20, 50 páginas, é horrível para descobrir, depois de páginas e páginas de leitura, quem o autor está citando. Caso, lá pelo meio do capítulo, o leitor se depare com citação que considera interessante, e pretenda conhecer a fonte (até para ler todo o livro citado, se for o caso), tem que parar tudo, voltar várias páginas e começar o trabalho de investigação, muito mais árduo do que o propiciado pelo sistema "autor data", e, de resto, totalmente desnecessário, que pode ser suprido com a simples e fácil repetição da referência. Afinal, a quem essa repetição prejudica?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O objeto da prova pericial

Um dos assuntos que anotei, na semana passada, para postar a respeito, relaciona-se ao objeto da prova pericial.
É algo tão óbvio que nem me parecia merecedor de comentário aqui. Mas o julgamento que vi, segunda-feira da semana passada, me fez mudar de idéia. Não quanto à obviedade, mas quanto à necessidade de comentário.
Um contribuinte do ICMS foi autuado pela Secretaria da Fazenda, que lavrou contra seu estabelecimento dois autos de infração. Defendeu-se. No julgamento do recurso voluntário, o Conselho de Recursos Tributários da SEFAZ/CE acolheu o pedido de realização de perícia contábil. Considerou-se que a perícia poderia esclarecer dado relevante para o deslinde da controvérsia.
O conselheiro relator elaborou os quesitos, com a colaboração das partes e dos demais conselheiros, na própria sessão que deliberou pela produção da prova.
Registre-se que essa prova deveria ter sido produzida pelo julgador de primeira instância, o que não ocorreu. E o Conselho, para suprir a nulidade, entendeu, dentro do formalismo moderado próprio do processo administrativo, que pode determinar que o julgamento "baixe em diligência" para a realização da prova em segunda instância mesmo. Colhida ou produzida a prova, o julgamento continua.
Pois bem. Mas o relevante vem agora.
O perito, recebendo os quesitos que deveria responder, e os autos com os documentos a serem examinados, resolveu deitar doutrina.
Fez um longo arrazoado, no qual iniciava pelo exame dos argumentos contidos na impugnação. Em seguida, examinou a legislação do ICMS, e os votos dos conselheiros, dizendo então que a perícia seria desnecessária. Mais: que o auto de infração estava correto, não podendo o Conselho julgá-lo improcedente. E, para arrematar: não respondeu nada do que lhe foi perguntado.
Pode?
No Judiciário eu já tinha visto "quesitos sentença", em alguns casos feitos pela PFN. Quando o juiz determina a realização da perícia, perguntam-se coisas como: "Diga o Sr. perito se a lei n.º tal permite procedimento x ou y", ou então "Diga o Sr. perito se a conduta adotada pelo contribuinte está de acordo com o art. x da Lei n.º y".... Muitas vezes, os peritos, mais conscientes de seu papel que os bacharéis em direito que subscrevem tais pedidos, afirmam não lhes caber o pronunciamento sobre questões de direito, que são da alçada do juiz, deixando de responder tais indagações. Dizem qual foi a conduta adotada pelo contribuinte, deixando o julgamento sobre sua adequação às disposições da lei x ou y ao magistrado. Mas em outras o perito se empolga e banca o juiz mesmo. E, o pior de tudo, já vi um caso em que o magistrado julgou a questão, chegando a referir na sentença que "A lei n.º x, como demonstrado na perícia, não foi revogada pela lei n.º y, logo...". É de chorar, mas, felizmente, muito raro. Os quesitos são comuns. As respostas, menos. E as sentenças que a eles se submetem, raríssimas.
Mas, voltando ao Conselho de Recursos Tributários da SEFAZ, na sessão de segunda-feira da semana passada aquele órgão apreciaria o que fazer diante da "recusa" da célula de perícias. Quando me foi passada a palavra, disse que ali seria julgado não o destino do auto de infração em exame, mas a própria titularidade do poder de autocontrole da administração tributária estadual. Ou, por outras palavras, seria apreciado quem é o julgador ali: o conselho ou o perito. Não tive muito trabalho, pois até o procurador do estado concordou com o absurdo, e o conselho determinou o retorno dos autos à célula de perícias, que deveria responder o que lhe foi perguntado. Se, diante desses esclarecimentos, quando da continuidade do julgamento, o auto será mantido ou não, é um outro problema, evidentemente, mas os fatos têm de ser esclarecidos, e o juízo em torno da necessidade desse esclarecimento é do órgão julgador.
Bem, mas o engraçado foi que os peritos foram todos à sessão de julgamento, que estava excepcionalmente lotada. Foram necessárias cadeiras trazidas de outras salas. Assistiram tudo, e a sessão deve ter servido de uma aula (ou de um sermão?), pois cada conselheiro que votava o fazia olhando para eles. Mas acho que não gostaram muito. Ao final, um deles (o que atuou como expert no caso, certamente) gritou, do corredor, depois de sair do recinto mas para que os que ainda nele estavam o ouvissem: "É... A perícia terá de ser refeita... MAS NÃO POR MIM!!!"
Na oportunidade, lembrei - mas é claro que não citei, para não parecer petulante -, do que escrevi no meu "Processo Tributário" (2.ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 498 e ss):

"Quanto à prova pericial, é importante ter em mente que o perito há de manifestar-se apenas sobre questões de fato que demandem o seu conhecimento específico. Seja ao conferir a escrituração contábil a fim de verificar a ocorrência de algumas despesas, seja ao avaliar os percentuais de perdas de matéria-prima em uma atividade industrial, seja ao examinar a existência de uma doença grave, o perito estará sempre aferindo a ocorrência de fatos, os quais – por exigirem conhecimento específico – não poderiam ser percebidos diretamente pelo julgador.[1] A perícia não versa, nem pode versar, sobre o significado jurídico de tais fatos. É a lição de Moacyr Amaral Santos:
'A perícia versa sobre fatos. Trate-se de examinar uma pessoa, animal ou coisa, de vistoriar um imóvel, de arbitrar quanto ao tempo ou à quantia a despender-se com um dado serviço, ou de avaliar coisas, direitos ou obrigações; peça-se ao perito a verificação da existência ou inexistência de um fato ou de elementos que o constituem, ou peça-se seu parecer por forma a que se possa interpretar um fato ou seus elementos; ou, ainda, solicite-se do perito instrução quanto às causas ou conseqüências de um fato; a perícia, qualquer que seja, versará sobre fatos.'[2]

Não cabe ao perito, portanto, afirmar existência, inexistência, validade, invalidade, eficácia ou ineficácia de relação jurídica. Ou seja, não cabe ao perito interpretar normas jurídicas, nem tampouco afirmar se os fatos em questão a elas se subsumem. Cabe apenas afirmar a existência e as características de fatos, sendo as conseqüências jurídicas desses fatos objeto da atividade do julgador.

É o que doutrina Hugo de Brito Machado:
“Em outras palavras, o objeto da prova pericial é o fato natural. São as relações de causalidade. Não o fato jurídico, nem as relações de imputação normativa. Embora o conhecimento do fato jurídico dependa de conhecimento especial científico, o especialista nesta área é o Juiz. Não o perito. As questões a esse respeito são questões jurídicas, sobre as quais o Juiz deve ter domínio completo, não lhe sendo necessária a manifestação do perito. Pode até a parte, tentando influenciar no julgamento, formular quesitos cuja resposta seja um verdadeiro parecer jurídico, mas o Juiz há de considerar tal resposta em termos. Ela não consubstancia prova. O conhecimento que veicula é jurídico, tal como acontece com um parecer de autoridade de jurista, que a parte pode oferecer. Se o Juiz não o acolhe, nem por isto estará julgando contra a prova existente nos autos.'[3]

Vicente Greco Filho, no mesmo sentido, leciona:
“O perito pode e deve concluir, quando for o caso, de fato constatado para fato que as leis técnicas afirmam decorrer do primeiro, mas não pode ele extrair as conseqüências jurídicas dos fatos, missão que compete exclusivamente ao juiz. Não pode, portanto, por exemplo, o perito concluir que, à vista dos fatos, A agiu com culpa. Culpa é qualificação jurídica dos fatos que ao juiz compete formular. Ao perito compete descrever que os fatos ocorreram, desta ou daquela maneira. Perguntas que levem a conclusões jurídicas devem ser indeferidas pelo juiz e, se por acaso deferidas, não devem ser respondidas pelo perito. Se respondidas, não devem ser consideradas pelo magistrado.'[4]

Tais lições podem parecer óbvias e elementares. Realmente o são, mas reiterá-las é sempre importante, pois não são pouco freqüentes as hipóteses nas quais as partes formulam quesitos indagando ao perito contábil a respeito da validade de uma lei, ou da legalidade de um determinado ato, indagações que o perito não deve responder, limitando-se a afirmar sua impertinência ali. Também não são raras as ocasiões nas quais tais quesitos são respondidos através da emissão de verdadeiro 'parecer', no qual o perito bisonhamente disserta a respeito da constitucionalidade da lei ou da legalidade dos atos questionados no processo. Mas isso tudo não teria maior relevo se não acontecesse, como lastimavelmente acontece, de tais conclusões serem acolhidas de modo irrefletido por magistrados, que consideram estar assim simplesmente respeitando as conclusões do expert a respeito de assunto que não dominam."

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. Notas
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[1] Tanto é assim que, nos termos do art. 420, parágrafo único, I, do CPC, o julgador poderá indeferir a perícia quando “a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico”.

[2] Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, v. 2, p. 479.

[3] Hugo de Brito Machado, “O objeto da prova pericial”, em RT 690/276.

[4] Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 219.
Ah, só mais um esclarecimento... Citei a segunda edição porque não tenho volume da terceira (2008) aqui comigo, e o trecho é o mesmo desde a primeira, de 2004. Casa de ferreiro... :-)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Lançamento do "E se, de repente, eles parassem..."

Como se pode perceber, fiquei uns dias sem postar. Escritório, aulas em uma "pós" em Santa Catarina e o início da elaboração da tese de doutorado, juntos, deixaram-me um pouco afastado do blog. Mas idéias para posts não paravam de surgir. Eu ia anotando, para não esquecer. Ao longo desta semana as postarei.

Por ora, aproveito para colocar, aqui, algumas fotos do lançamento do "E se, de repente, eles parassem...", romance escrito por Raquel Machado. Como disse em post anterior, foi na última quarta-feira, na Sedan. Bastante divertido, com DJ e um ambiente diferente dos lançamentos de livro em geral. Foi divertido encontrar vários amigos por lá, aos quais agradecemos a presença.

O Prof. Ednilo Soares, Presidente da Academia Fortalezense de Letras e Diretor da Faculdade Sete de Setembro, fazendo a apresentação do livro.




Não sei se eu havia mencionado anteriormente, mas o livro tem algumas ilustrações. A Raquel seguiu a idéia de Alice (no País das maravilhas) a respeito dos livros sem figuras... as quais, no caso, foram feitas por artistas locais (Mano Alencar, Vando Figueiredo, Côca Torquato, dentre outros), e por "não-artistas" que foram convidados a colaborar, como, por exemplo, eu (não riam!!). A idéia era fazer algo divertido e diversificado. O resultado foi ótimo, e as ilustrações foram reproduzidas, colocadas em molduras e expostas na parede ao fundo de onde estavam os livros. Na foto acima, o Vando observa o seu trabalho.

Quadros com as gravuras do livro.

O Prof. Paulo Bonavides e o Des. Fernando Ximenes com a autora.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

"Blindagem" a escritórios de advocacia?

Muito se está discutindo, nos últimos tempos, sobre invasões em escritórios de advocacia.
Li, e gostei, carta aberta escrita por Roberto Podval, divulgada no Migalhas de ontem.
Como a carta é aberta, tomei a liberdade de divulgá-la aqui também:

Carta Aberta
"Meu querido presidente - garantias não são regalias!"
Começo explicando que o título não significa intimidade. E que não procuro através dele demonstrar um prestígio que não tenho. É que tanto torci, defendi e briguei em defesa desse governo que me sinto íntimo do Presidente que mal conheço. Mas agora, presidente, não posso deixar de criticá-lo. Talvez o faça tarde, mas, como diz o ditado popular, antes tarde do que nunca. Há anos, Presidente, numa aula na Universidade de Coimbra, gabava-me de o nosso pais ser mais liberal que Portugal. Afinal, tínhamos a possibilidade de impetrarmos os chamados habeas corpus preventivos - uma espécie de jabuticaba jurídica brasileira. Explico, senhor Presidente: caso estejamos prestes a sofrer uma coação ilegal (ainda futura), temos a oportunidade de ir ao Judiciário brecar o mal. Um mal que está por vir. Poucos são os países a possuir esse instrumento. Pois bem, senhor Presidente, o professor me olhou espantado e perguntou: por que razão alguém pode supor que uma autoridade venha a cometer uma coação ilegal? Minha ficha caiu naquela ocasião: o fato de termos a figura do HC preventivo não demonstra um avanço jurídico, mas sim a tristeza de termos de lidar com tamanha insegurança e arbítrio. Tenha em mente, senhor presidente, que não somos mais desonestos ou cruéis que os portugueses, ou qualquer outro povo - talvez à exceção dos indígenas, os bem-bem distantes, justamente aqueles citados pelo juiz Fausto De Sanctis em artigo recente que consagrou o conceito idílico do selvagem. Presidente, agora nos deparamos com uma manifestação ainda mais grave desse arbítrio: a discussão sobre a busca policial em escritórios de advocacia. Mais uma vez, infelizmente, me vejo na triste situação de afirmar o óbvio: uma Lei para defender os advogados do abuso, do arbítrio, das buscas e apreensões nos seus escritórios. Triste a sociedade que precisa de Lei para afirmar o óbvio! E nesse tema, presidente, não é possível tergiversar. Alguns atos marcam nossos governantes. A forma como o senhor conduziu a economia em um momento de dificuldades; a rede de proteção e de incentivos que o senhor criou para os menos favorecidos; o seu empenho na garantia de uma PF independente. Enfim, senhor Presidente, poderia ficar horas escrevendo sobre a importância de seu governo. O senhor é um vencedor e merece os aplausos populares. Mas um homem de esquerda não pode achar que invasão de escritório de advocacia é algo normal, permitido e tolerável numa sociedade democrática. Não se trata aqui de favorecimento de uma classe, mais sim do favorecimento à democracia. Ao proteger o escritório de advocacia, protege-se a sociedade. Não é por outra razão que a fonte dos jornalistas também é protegida - assim como os segredos do confessionário. Não se está, com isso, defendendo os religiosos ou os jornalistas, mas a sociedade como um todo. Há que se ter cuidado, Presidente. Vivemos um período nebuloso. Estamos flertando com um estado policialesco. Há pouco houve um pedido de prisão a uma jornalista séria, que tudo o que fez foi divulgar informações. O procurador da República, mais cauteloso, foi desfavorável à prisão, mas pretendia uma busca e apreensão na casa da jornalista para descobrir sua fonte! Veja como caminhamos, Presidente. E o mais incrível: tudo isso ocorre no seu governo, no governo de um homem liberal, de esquerda (se é que essa denominação ainda pode ser usada). A justificativa de que 'se podem entrar na casa do presidente podem também entrar um escritório de advocacia!' tampouco não pode ser admitida como válida. Em uma sociedade livre, presidente, advogados defendem seus clientes e deles recebem honorários. Já o presidente trabalha para os contribuintes - da sociedade, à qual presta contas, recebe seus vencimentos. A proteção aos escritórios de advocacia existe em todos os Estados democráticos. Esta proteção não é para os advogados, e sim para a sociedade. Espero que o senhor não fique rotulado como o presidente que aviltou a advocacia. Nem se diga que este projeto protege os criminosos. Ao contrário, aquele que se utilizar do escritório para guardar objeto de crime participa do próprio crime. E a lei já prevê essa hipótese, permitindo, nesse caso, a busca e apreensão. Portanto, tudo o que o projeto faz é restabelecer as garantias pessoais, que, infelizmente, têm sido costumeiramente aviltadas nos últimos tempos. Enfim, meu querido Presidente, garantias não são regalias, são direitos adquiridos a duras penas. O senhor certamente sabe bem o custo das conquistas. Oxalá sua sapiência possa levá-lo a uma decisão cidadã. Um abraço de seu amigo (se é que tenho o direito de assim me titular).

Roberto Podval
presidente do Conselho do MDA - Movimento de Defesa de Advocacia
sócio do escritório Podval, Rizzo, Mandel, Antun, Indalecio e Advogados "
O projeto de lei de cuja sanção ou veto se cogita, a propósito, é o seguinte:

"PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 36, DE 2006
(Nº 5.245/2005, na Casa de origem)
Altera o art. 7º da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, para dispor sobre o direito à inviolabilidade do local e instrumentos de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º .......................................................................
...................................................................................
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia:
..................................................................................
§ 5º São instrumentos de trabalho do advogado todo e qualquer bem imóvel ou intelectual utilizado no exercício da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos, objetos e mídias de som ou imagem, recebidos de clientes ou de terceiros.
§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e de apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.
§ 8º A quebra da inviolabilidade referida no § 6º deste artigo, quando decretada contra advogado empregado ou membro de sociedade de advogados, será restrita ao local e aos instrumentos de trabalho privativos do advogado averiguado, não se estendendo aos locais e instrumentos de trabalho compartilhados com os demais advogados.
§ 9º No caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou de cargo ou função de órgão dessa entidade, o conselho competente promoverá o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorrer o infrator. (NR)”
Art. 2º Esta lei entra eu vigor na data de sua publicação."

PL 5.245/2005 (original)
PROJETO DE LEI ORIGINAL Nº 5.245, DE 2005
Altera a Lei Federal nº 8.906, de 4 de julho de 1994, “dispondo sobre o direito à inviolabilidade do local de trabalho do advogado. institui hipóteses de quebra desse direito e dá outras previdências
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O artigo 7º da Lei nº 8.908. de 4 de julho de 1994. passa a vigorar com as seguintes Alterações:
Art 7º ............................................................................
......................................................................................
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativa exercício da advocacia.
(...)
§ 5º São instrumento de trabalho do advogado todo e qualquer bem móvel ou intelectual no exercido da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos objetos e mídias de som ou imagem recebido de clientes ou de terceiros
§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado. a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da Inviolabilidade de que trata p inciso II deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, especifico pormenorizado a ser cumprido na presença de da OAB, sendo, em que hipótese, resguardados os documentos, as mídias e os objetos pertencentes a dentes do advogado averiguado, bem como os demais instrumentos do trabalho que contenham informações sobre clientes.
§ 7ºA Ressalva do § 6ºnão se estende a clientes averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus participes ou co-autores pela pratica do mesmo crime que deu causa á quebra da inviolabilidade
§ 8º A quebra da Inviolabilidade referida no § 6º, quando decretada, contra advogado empregado ou membro da sociedade dê advogados.
será restrita. ao local e – instituído de trabalho privativos do advogado averiguado, não se entendendo aos locais e Instrumentos de trabalho compartilhados com os demais advogados com os demais advogados § 9º No caso de ofensa a inscrito,na OAB no exercício de cargo ou função nessa Instituição, o conselho competente promoverá o desagravo público do ofendido sem prejuízo da responsabilidade em que decorrer o Infrator.
(NR)
Art 2º Este lei entra em vigor na data de sua publicação."

Justificação
A Constituição Federal brasileira garante o acesso ao Poder Jurídico e o direito à ampla defesa, com todos os recursos a ela Inerentes, bem como proclama a função do advogado para a realização da Justiça.
Tais mandamentos constitucionais basilares são decorrência do próprio Estado Democrático do Direito. Para a plena realização desses mandamentos constitucionais é inafastável o sigilo da relação cliente advogado, bem como especial proteção aos dados e informações confiadas pelos cidadãos aos seus advogados.
Anote-se que a Constituição Federal alude é inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e de dados e das comunicações telefônicas má podendo ser violada por ordem judicial.
Esta última, na forma em que a lei estabelecer’ (Art 5º, XII CF). Em outra passagem, verifica-se a autorização para o preso permanecer calado até que saia assistido por um advogado (Art.5º, LXIII, CF.). Tudo indicando a relação de sigilo que, no caso do detido, se estabelece entre ele e o seu advogado. A Constituição Federal, portanto, é plena de preceitos indicadores da preservação do sigilo da relação advogado cliente.
A atual ordem legal não realiza plenamente a proteção da inviolabilidade do local de trabalho do advogado, bom como de seus instrumentos de trabalho e de suas comunicações no exercício profissional e, consequentemente, as informações sigilosas dos
próprios jurisdicionados No entanto, em vista do interesse público na repressão à criminalidade, há necessidade de se evitar que profissionais da advocacia invoquem o sigilo profissional, assim como a inviolabilidade dele decorrente, como escudo protetor para impedir a investigação sobre condutas criminosas por si praticadas.
Este projeto, compatível com a Constituição, visa a impedir a conduta delituosa do profissional do direito mas, ao mesmo tempo, a preservação da inviolabilidade do local de trabalho com o que se preserva o sigilo que preside as relações entre o cliente e o seu advogado.
Sala das Sessões, 17 de maio de 2005"
Atualização:
Acabo de saber que o projeto acima foi sancionado, com alguns vetos, pelo Presidente da República, tendo a Lei 11.767/2008, dele decorrente, sido publicada no DOU de hoje, 8/8/8:
"LEI No- 11.767, DE 7 DE AGOSTO DE 2008
Altera o art. 7o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, para dispor sobre o direito à inviolabilidade do local e instrumentos de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência.
O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1.º O art. 7o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 7.º .....................................................................................
..........................................................................................................
II - a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
..........................................................................................................
5.º ( VETADO)
6.º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
7.º A ressalva constante do 6o deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.
8.º ( VETADO)
9.º ( VETADO)
Art. 2.º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 7 de agosto de 2008; 187o da Independência e 120º da República.
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA
Tarso Genro
José Antonio Dias Toffoli"
..
Cuidado, quando forem procurar no google o texto oficial da lei, para não se depararem com a utilidade pública de uma casa de sopa, em lei do Estado de Goiás com o mesmo número... :-)
...
Quanto ao título, tenho horror a essa palavra. "Blindagem". Não se trata de blindar coisa alguma. O escritório pode ser, como se vê do texto da lei, objeto de investigação sim, mas nos devidos termos. Acho que a imprensa em geral tem usado o termo para dar um ar pejorativo à iniciativa. Ou não?

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

STF e algemas

Noticiou o site do STF:

"STF decide editar súmula vinculante sobre o uso de algemas

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quinta-feira (07), por unanimidade, editar uma súmula vinculante para deixar claro que o uso de algemas somente deve ocorrer em casos excepcionalíssimos, conforme já está previsto no artigo 274 da Lei 11.689/08, que entrou em vigor em 9 de junho deste ano, e por violar os princípios da dignidade humana inscritos no artigo 5º da Constituição Federal.
O artigo 474 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.689/08 dispõe, em seu parágrafo 3º: “Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.
Pedreiro algemado
A decisão foi tomada pela Corte no julgamento do Habeas Corpus (HC) 91952, a partir do caso concreto do pedreiro Antonio Sérgio da Silva, mantido algemado durante todo o seu julgamento pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP), que o condenou por homicídio qualificado.
Houve entendimento unânime dos ministros de que a juíza-presidente do Júri não fundamentou devidamente a decisão de manter o réu algemado. Por isso, a Corte anulou aquele julgamento e determinou a realização de um novo. Mas decidiu, também, deixar mais explicitado o seu entendimento sobre o uso generalizado de algemas, diante do que considerou uso abusivo neste campo, nos últimos tempos.
Posição explícita
A decisão de editar uma Súmula Vinculante foi tomada a partir de uma sugestão do ministro Cezar Peluso, segundo o qual “fatos que se vêm sucedendo atualmente reclamam uma decisão mais explícita e ampla” da Corte a respeito da matéria. O ministro Marco Aurélio lembrou, nesse contexto, imagens de ex-autoridades e pessoas de destaque na sociedade serem conduzidas algemadas por policiais federais, em episódios recentes, expostas aos flashes da mídia. Por outro lado, lembrou que o ex-banqueiro Salvatore Cacciola, extraditado para o Brasil por decisão da justiça do Principado de Mônaco, obteve o direito de voltar ao país sem algemas e sem ser exposto à mídia.
Também o ministro Eros Grau disse considerar importante que a Corte explicitasse bem a sua posição sobre o assunto. Segundo ele, o uso de algemas é uma prática aviltante que pode chegar a equivaler à tortura, por violar a integridade física e psíquica do réu.
Recentemente eleito presidente de uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) incumbida de propor a reforma de regras sobre tratamento de presos, o ministro Cezar Peluso concordou com o relator do HC em julgamento, ministro Marco Aurélio, de que a justificativa da juíza do Tribunal do Júri de Laranjal Paulista (SP) foi insuficiente para manter o réu algemado.
Assim como ele, diversos ministros condenaram o fato de a juíza considerar normal o fato de o réu ter comparecido algemado a juízo em todas as fases da instrução do processo e, em segundo lugar, alegar que ele deveria ser mantido algemado porque, na data do seu julgamento pelo Tribunal do Júri, havia apenas dois policiais civis para fazer a segurança. Os ministros foram unânimes ao considerar que este fato não foi provocado pelo réu e que a segurança do julgamento é responsabilidade do juízo.
Houve unanimidade, também, no sentido de que a visão de um réu algemado impressiona os presentes a um tribunal e exerce forte influência sobre os jurados. Segundo eles, o fato de um réu estar submetido a algemas induz o jurado a pensar que a decisão do juiz de mantê-lo assim foi tomada porque ele apresenta periculosidade.
O ministro Menezes Direito disse, ao proferir seu voto, que “o uso de algemas, no Tribunal do Júri, pode induzir ao julgamento de periculosidade do réu”. Por isso, segundo ele, “é absolutamente indispensável a evidência dessa periculosidade para manter as algemas”. E essa prova, segundo ele, não existiu."
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A decisão é expressiva. Primeiro, pela unanimidade. Segundo, por haver tornado vinculante o entendimento, o que mostra a difusão que a Corte está dando a esse novo instrumento de processo constitucional. É aguardar para ver os efeitos e as conseqüências disso, especialmente diante de eventuais descumprimentos. E, last but not least, por se tratar o réu de um pedreiro, para que se afaste o argumento - ideológico e preconceituoso - de que o STF só aplica os direitos e garantias fundamentais "a favor dos ricos", da "zelite" etc. Fosse a decisão proferida em favor de um réu de melhor condição financeira, todos "cairiam em cima" do STF, como se essa melhor condição financeira fosse motivo para se suprimirem direitos individuais, numa estranha forma de ação afirmativa...

Atualização:

O blog do Josias noticiou que a decisão de manter o réu algemado durante o juri, duramente criticada pelo STF, é de juíza que é filha do Ministro Peluso. Ele próprio, sem saber, teria feito severas críticas ao procedimento da filha.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Protesto de CDA

Sempre considerei o protesto de CDA um exemplo de "sanção política" sem igual.
Afinal, se a finalidade do protesto é fazer prova do inadimplemento e da inocorrência de qualquer tipo de dilação de prazo por parte do credor, seu uso em matéria tributária é inteiramente desnecessário. De fato, a obrigação tributária é ex lege, seu prazo não pode ser alterado pela mera inércia do credor, e a eventual responsabilidade de terceiros independe da prova do inadimplemento por parte do devedor principal (diversamente do que ocorre com uma promissória, em relação aos "co-obrigados de regresso", por exemplo).
Usar o protesto, então, é mera forma de execução indireta, oblíqua, à margem do devido processo legal, à revelia do art. 5.º, XXXV, da CF/88. Nítido exemplo de desvio de finalidade, de uso de meio inadequado e desnecessário à finalidade para a qual, em tese, se destina.

Foi o que, parece, decidiu o STJ, no acórdão abaixo ementado:

"TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROTESTO PRÉVIO. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ.
1. Agravo regimental interposto em face de decisão que negou provimento a agravo de instrumento. Nas razões do agravo, sustenta-se, em síntese, que embora a certidão de dívida ativa seja reconhecida como um título executivo extrajudicial, a cobrança dadívida tributária tem natureza diferente dos outros títulos de caráter civil, não tendo a Lei 9.492/97 a abrangência pretendida pelo agravado.
2. Não há necessidade de protesto prévio do título emitido pela Fazenda Pública. Se a CDA tem presunção relativa de certeza e liquidez, servindo inclusive como prova pré-constituída, o inadimplemento é caracterizado como elemento probante. Logo, falta interesse ao Ente Público que justifique o protesto prévio da CDA para satisfação do crédito tributário que este título representa.
3. Agravo regimental não-provido."
(STJ, 1 T., v.u., AR no AI 936.606/PR, rel. Min. JOSÉ DELGADO, j. 06.05.2008, DJ 04.06.2008 p. 1)