quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Eu, robô e a questão das regras e dos princípios




Lembro, ainda nas aulas do Mestrado em Direito da UFC, das lições do Prof. Marcelo Lima Guerra, na disciplina de Teoria Geral do Direito. Discutíamos a estrutura da norma jurídica, notadamente as características diferenciadoras de regras e princípios.

Depois de assentada a distinção entre regras e princípios, em face de um dos vários critérios para definir estes últimos, o Prof. Marcelo explicou que um mesmo dispositivo da Constituição (norma e texto não se confundem, como se sabe) pode conter uma regra, ou um princípio, a depender do caso concreto.

Aliás, uma norma pode ser construída a partir da junção de vários dispositivos, e de um dispositivo é possível extrair várias normas. Trata-se de uma confirmação da idéia de que é o intérprete, à luz do caso concreto, que, a partir do texto, constrói a norma.

Confesso que, em princípio, relutei um pouco em pensar que um dispositivo constitucional que, na minha visão, "claramente" contém uma regra, fosse "transformado" em um princípio, em determinado caso concreto, para com isso ser "relativizado". Em minha concepção da época, regra era regra, e princípio era princípio, e ponto final. Em alguns casos, em que a redação do dispositivo fosse dúbia, tudo bem que dele se tirasse uma coisa ou outra. Mas e quando a redação fosse clara?

É verdade, eu sei, que, como nos lembra Perelman, em trecho que a essa altura eu já conhecia, a clareza de um texto decorre, no mais das vezes, da falta de imaginação do intérprete. Mas eu não pensava muito nisso.

Eis que em um final de semana, curtindo uns filmes em casa, convenço-me inteiramente da afirmação do Prof. Marcelo. O filme era "Eu, robô", com Will Smith, inspirado no livro de mesmo nome de Isaac Asimov.

Foi em uma das primeiras cenas do filme, na qual se procura explicar a razão de Will Smith ter raiva dos robôs: em um acidente de carro, ele e a esposa estão feridos dentro de um carro que afunda em um lago. Os dois morrerão. Um robô vê a cena (o filme se passa no futuro, no qual existem robôs inteligentes) e salva apenas Smith, deixando sua mulher morrer.

A explicação de por que o robô fez isso foi que me convenceu inteiramente de que a norma é construída pelo intérprete no caso concreto, e de que de um dispositivo que aparentemente consagra uma regra se pode extrair, eventualmente, em vez de uma regra, um princípio.

É que os robôs, segundo Asimov, devem obediência a três "leis", conhecidas como as três leis da robótica. Seu enunciado é mais ou menos assim:

1 - um robô não pode ferir um ser humano ou, através da inação, permitir que um ser humano seja ferido;
2 - um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto se tais ordens entrarem em conflito com a Primeira Lei;
3 - um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.

Em um primeiro exame, claramente, três "regras". Não comportam ponderação, aplicando-se na base do tudo ou nada.

Mas eis que, na cena do acidente, no início do citado filme, o robô verifica que não terá tempo de salvar o personagem vivido por Will Smith e a sua esposa. Apenas um poderá ser salvo. Não haverá tempo, nem condições físicas (o carro está afundando muito rápido), de salvar os dois. O robô calcula isso, e verifica que a mulher está gravemente ferida. Mesmo salva do afogamento, poderá morrer, mesmo assim, dos ferimentos. Já o homem não. Está apenas desacordado. Calculando isso, o robô opta por salvar o homem, e deixar a mulher morrer. Viola - e observa - a primeira lei, que deixa de ser um "tudo ou nada" e passa a ser um princípio, em face das circunstâncias.
Fiquei sem palavras. Realmente, o que parecia uma regra (Lei 1), e na maior parte das vezes é mesmo uma regra (ou permite a construção de uma regra), mostrou-se, naquele caso, em face de suas peculiaridades, um princípio, passível de ponderação. Salvar o homem foi a maneira de "realizar da melhor maneira possível" o valor subjacente à primeira lei...

Eu já havia lido o livro, e gostado muitíssimo. O filme é um tanto diferente. Não é igual ao livro, reproduzindo a mesma história. É apenas inspirado. Mas ambos valem a pena.

O livro, escrito em 1950 (antes da Theorie der Grundrecht, de Alexy, que é de 1986...), contém passagem que relata primorosamente como metas antagônicas podem entrar em conflito mas podem ser conciliadas:

"Vrasayana perde a sua fábrica e consegue um novo emprego onde ele não pode mais causar nenhum dano... ele não foi muito prejudicado, não ficou incapacitado de ganhar a vida, porque a Máquina não pode prejudicar um ser humano mais do que minimamente e apenas para salvar um número maior..." (p. 316)

...

Já faz algum tempo que penso nisso: proporcionalidade, ponderação, fórmula do peso, são apenas tentativas de teorizar o bom senso que orienta inconscientemente nossas escolhas, a cada passo. Basta ver a "ponderação" que um médico faz antes de receitar um remédio, sopesando se com ele se alcançará a cura (adequação), se não há outro mais barato, ou com menos contra-indicações (necessidade), e se os efeitos colaterais, se inevitáveis, não são piores que a própria doença (proporcionalidade em sentido estrito). É algo tão lógico que eles, os médicos, ficam impressionados que tanto se teorize a respeito nos cursos - logo onde! - de Direito.

O Formalismo e a Instrumentalidade do Processo - Questões relativas à Instrução do Agravo de Instrumento - RDDP 2


Ainda em relação à postagem anterior, lembrei haver publicado, em maio de 2003 (como o tempo passa rápido!), artigo que escrevi com a Raquel sobre a questão do formalismo processual, e da importância da forma.
Nele não tratamos especificamente da questão da prova de que o procurador é procurador (a ser "procurada" pela parte adversa), mas o fundamento usado na abordagem de outros formalismos análogos lhe serve perfeitamente. Talvez depois "atualize" esse texto, alterando um pouco sua fundamentação e passando a tratar especificamente dos novos exemplos de excesso de rigor quanto à forma processual.
A publicação aconteceu na Revista Dialética de Direito Processual (RDDP) n.° 2, periódico que, por sinal, recomendo a todos os que desejam se manter atualizados em questões processuais. Aproveitando todo o know-how obtido com a Revista Dialétita de Direito Tributário, já consagrada no meio como o melhor periódico na área (por conta de sua: periodicidade, pontualidade, atualidade, praticidade sem prejuízo do fundamento teórico dos artigos, relevância da jurisprudência selecionada etc.), a editora Dialética lançou revista análoga no âmbito processual, que publica artigos, pareceres e jurisprudência versando Direito Processual Civil, Penal e Teoria do Processo. Só temas especificamente "processuais tributários" continuam sendo veiculados na RDDT.

Pois bem. Lendo novamente o texto, fico com a impressão de que não está ruim (tanto que o estou veiculando), mas acho que, hoje, o escreveríamos de maneira um pouco diferente. Não na conclusão final, que mantemos, mas na maneira de dizer. Afinal, passaram-se cinco anos desde sua inicial formulação, e nesse período continuamos a maturar o assunto dos direitos fundamentais, do direito processual etc. Mas, fazendo essa ressalva - de que o texto foi publicado em maio de 2003 - resolvi postá-lo aqui. Aí vai:
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O Formalismo e a Instrumentalidade do Processo - Questões relativas à Instrução do Agravo de Instrumento



Hugo de Brito Machado Segundo
Advogado em Fortaleza
Membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE
Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários


Raquel Cavalcanti Ramos Machado
Advogada em Fortaleza
Membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE
Membro do ICET – Instituto Cearense de Estudos Tributários



Introdução
Apesar de os princípios constitucionais processuais serem moderna e constantemente invocados pela doutrina, observa-se que a solução de muitos conflitos é prejudicada ou ignorada, no âmbito do Poder Judiciário, em favor de formalidades processuais estéreis. Argumenta-se, em defesa dessa postura, com o necessário cumprimento de dispositivos contidos na lei processual, nos quais referidas formalidades estariam previstas como necessárias ao exercício da jurisdição.
É certo que a observância das regras processuais, e das formalidades nelas exigidas, é muito importante. Basta examinar a história do Direito Processual e do princípio do devido processo legal, para demonstrá-lo. A forma é indispensável à contenção do arbítrio do julgador na condução do processo, e conseqüentemente, à efetividade de todas as garantias que daí decorrem para as partes. Além disso, a atribuição de uma forma adequada para cada tipo de pleito pode assegurar mais qualidade na prestação da tutela.
O formalismo, contudo, nem sempre atende às finalidades acima apontadas. Às vezes não leva a nada. E geralmente não é imposto pela regra processual, mas por seu intérprete, que a examina literal e isoladamente, sem a preocupação de buscar a finalidade da exigência, e de conciliar a norma que estabelece a formalidade com as demais normas do sistema, especialmente com as de cunho principiológico, consagradas na Constituição. Muitas vezes, ao mesmo tempo em que não se examina a finalidade da norma processual, não se consideram também as peculiaridades de cada caso concreto, para, então, verificar-se a adequação da norma hipoteticamente posta no Ordenamento, e a extensão dos seus efeitos, a esse mesmo caso.
O mais grave é que essa postura alheia ao caráter instrumental do processo, e aos princípios constitucionais que norteiam a sua disciplina, prejudica demasiadamente não apenas o jurisdicionado, mas o Poder Judiciário e o Ordenamento Jurídico como um todo. Combatê-la, por outro lado, é algo visto por muitos processualistas como uma afronta ao Direito Processual e à sua importância, o que não é verdade: trata-se de interpretar corretamente as normas de Direito Processual, as quais, assim como qualquer outra norma jurídica, têm uma finalidade, e estão inseridas em um sistema em cujo topo está a Constituição.
Com efeito, como qualquer norma jurídica, as regras processuais que impõem a observância de formalidades devem ser interpretadas de modo razoável e proporcional. É do que tratamos no presente trabalho, considerando, para tanto, alguns exemplos ocorridos na prática forense.

1. A Importância da forma
O que se espera do Poder Judiciário no desempenho da função jurisdicional é que entregue a tutela pleiteada pelo jurisdicionado do modo mais célere e simples possível. Essa tutela, porém, não há de ser qualquer uma, mas uma tutela efetiva, que resolva a lide de modo célere e eficaz, atendendo o pleito do autor se for seu o direito, ou negando-o em caso contrário[1]. E para prestar uma tutela efetiva é necessário que o juiz possa examinar com segurança as afirmações feitas em juízo pelas partes, afirmações essas que devem estar sujeitas à comprovação de sua veracidade. É necessário ainda que a parte possa conhecer as razões da decisão tomada pelo julgador, dela recorrendo, se for o caso.
Todos esses atos, para serem realizados de modo a conciliar a celeridade e a efetividade necessárias à tutela jurisdicional, precisam submeter-se a uma certa organização. Essa organização, por sua vez, pressupõe a atribuição de rito e forma aos atos e, assim, tem-se as formalidades processuais.
Essas formalidades impedem que cada julgador dê ao processo o curso e a forma que entender mais conveniente. A propósito, Chiovenda observa que a experiência...
“... tem demonstrado que as formas são necessárias no processo tanto ou mais que em qualquer relação jurídica; sua ausência carreia a desordem, a confusão e a incerteza.”[2]

José de Albuquerque Rocha, do mesmo modo, entende que:
“Hoje se conhece a necessidade das formas processuais, pois servem para controlar a legalidade da atuação das partes e, sobretudo, do órgão judicial. Assim, as formas procedimentais representam um relevante papel na atividade jurisdicional do Estado, servindo de garantia, sobretudo, para os direitos e liberdades dos usuários da justiça.”[3]

Mas não apenas. As formas, quando adequadas ao deferimento da tutela que se pleiteia ou ao ato qualquer que se pratica no processo, possibilitam que a atividade jurisdicional se desenvolva de modo mais eficaz. Nesse sentido é a lição de Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Tarufo:
"Com efeito, quando se diz, como acontece comumente, que o processo serve à atuação ou à tutela dos direitos, faz-se uma afirmação talvez não falsa, mas abstrata e um tanto genérica. O se e o como o processo desenvolve em concreto esta função são determinados pela qualidade e pela eficácia dos remédios processuais previstos pelo ordenamento em um dado momento histórico. Se esses instrumentos são poucos, dificilmente acessíveis e não adequados à natureza das situações substanciais carecedoras de tutela, a conseqüência é que a função de atuação e garantia dos direitos não se pode desenvolver completa e eficazmente. Se, ao contrário, o ordenamento processual conhece remédios diversificados, acessíveis de modo a poderem ser eficazmente empregados nas várias situações reais, então se pode dizer que o mesmo assegura a tutela jurisdicional dos direitos".[4].

Na verdade, porque estabelecida como meio de conciliar a segurança jurídica, a celeridade na prestação jurisdicional e a efetividade da tutela, a exigência de formalidades obedece a uma certa lógica, sempre decorrente de um desses fins, sendo certo que cada formalidade tem importância e finalidade próprias. Por exemplo, exige-se que o agravo de instrumento seja instruído com cópias das principais peças do processo, a fim de que o juízo ad quem tenha conhecimento de todos os aspectos da controvérsia apesar de não estar com os autos respectivos. Ainda no âmbito do agravo de instrumento, exige-se a cópia da certidão de intimação do agravante a fim de, também por não estar o juízo ad quem com os autos, verificar-se a tempestividade do recurso.
Como tudo que é estabelecido por conta de uma finalidade, não obstante a inegável importância das formas para os atos processuais, essa importância não pode ser considerada de modo absoluto, mas sempre condicionada à observância do fim a que se destina. A respeito, ensina José de Albuquerque Rocha que:
“O sistema da legalidade apresenta o risco de tornar-se rígido, gerando aquilo que costumamos chamar de formalismo. Foi para obviar esse inconveniente que surgiu a idéia de conceder ao juiz certos poderes de direção da atividade processual, entre os quais o de decidir, em cada caso concreto, quanto à adequação das formas, tendo em vista seu caráter instrumental em relação ao escopo objetivo do ato.”[5]

Realmente, exigir a observância da forma mesmo nas circunstâncias nas quais isso não atingirá o fim buscado (meio inapto); quando o fim puder ser atingido independente da formalidade (meio desnecessário), ou ainda quando os ônus oriundos da exigência da formalidade forem muito superiores aos bônus advindos de sua observância (desproporcional em sentido estrito), implica, em verdade, despreocupação com a importância prática das formalidades. Decorre ou de arbítrio ou de falta de razoabilidade, e, em todo caso, é inválida a exigência por falta de proporcionalidade.

2. Formalismo e Conflito de Direitos Fundamentais
Além do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, que pode ser prestigiado, ou amesquinhado, pelo emprego devido ou indevido da forma processual, está em discussão também o princípio do devido processo legal, positivado em nossa Constituição Federal no inciso LIV de seu artigo 5.º, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
É certo que, em seu aspecto formal, o princípio do devido processo legal apenas impõe a existência de um processo disciplinado por leis previamente estabelecidas. Autorizaria a adoção de qualquer rito, de qualquer procedimento, de qualquer forma, desde que previstos em lei. A evolução da ciência jurídica, contudo, revelou no todo insuficiente essa acepção meramente formal. Para que a garantia seja efetiva, faz-se mister limitar, positiva e negativamente, o conteúdo das normas jurídicas que disciplinam o processo, a fim de garantir a igualdade das partes envolvidas, o contraditório e a ampla defesa, a racionalidade e a instrumentalidade do processo, etc. Chegou-se, assim, ao princípio em sua expressão substancial, cuja abrangência e prestígio, atribuídos especialmente pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fazem dele matriz de vários outros princípios do ordenamento, inclusive do princípio da razoabilidade. Assim, o processo não deve apenas ser legal. Deve também ser devido, o que se entende por correto e adequado.
Por conta disso, a imposição de formalidades desnecessárias, ou inadequadas, pode aparentemente prestigiar o devido processo legal em seu aspecto formal. Entretanto, na medida em que “pode tornar-se um mal e até um veículo da injustiça”[6], malfere, com certeza, a mais nobre feição desse princípio, que é a substancial.
A propósito, como as formalidades processuais, e o processo como um todo, são meio através do qual é prestada a tutela jurisdicional, no todo pertinente, ainda, ao exame de sua validade, é a invocação do princípio da proporcionalidade[7], instrumento por excelência utilizado para o controle da adequação entre meios e fins. Esse controle é feito à luz de cada problema a ser resolvido, com a conciliação dos princípios e direitos fundamentais envolvidos[8]. É a metodologia hermenêutica do novo constitucionalismo e da moderna Teoria Geral do Direito, que se aplica com toda pertinência ao Direito Processual.
Pois bem. É sabido que o princípio da proporcionalidade se divide nos sub-princípios da aptidão, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Diz-se apto aquele meio cujo emprego realmente conduz à finalidade buscada. Necessário é o meio que além de apto é o menos oneroso. E, finalmente, uma vez apto e necessário, o ato será proporcional em sentido estrito quando sua realização, que ocorre em prestígio de um valor, não implicar um demasiado desprestígio de outros valores igualmente caros à ordem jurídica.
As formalidades a serem observadas no curso do processo, portanto, como todo meio utilizado à consecução de um fim legítimo, além de deverem obediência aos demais requisitos de validade exigidos pela ordem jurídica (v.g. previsão em lei), devem atender a esses três sub-princípios, sob pena de inconstitucionalidade por desproporcionalidade.
Como já tivemos a oportunidade de escrever[9], essa forma de “pensar” o Direito não é recente. Sempre existiram juristas que, embora respeitassem a forma jurídica, tinham suas preocupações voltadas também para os fins do Direito, considerando-o em seu conjunto e prestigiando-lhe as finalidades em face de cada caso concreto. Na verdade, o sopesamento de princípios, com a atenção ao problema concreto a ser resolvido, é inerente não apenas ao Direito, mas à conduta de uma maneira geral, frente à vida. Toda pessoa racional e de bom senso o realiza a cada passo, a cada escolha realizada. De todo modo, o mérito dos modernos estudiosos do Direito foi o de procurar teorizá-lo, explicando objetivamente como esse sopesamento deve ser feito, em inegável contribuição à hermenêutica e à metodologia jurídicas.
Para tornar mais clara a relação entre os princípios constitucionais e as formalidades processuais, o exame de algumas situações concretas pode ser útil. É do que cuida o item seguinte.

3. Exigências relativas ao traslado do agravo de instrumento
Como se sabe, o agravo de instrumento é recurso processado fora dos autos da causa na qual se deu a decisão impugnada[10], podendo ser interposto contra decisões interlocutórias do juízo de primeiro grau (CPC, art. 524) ou contra decisão do presidente do tribunal de apelação que inadmite recurso interposto aos Tribunais Superiores (CPC, art. 544).
Assim, como dito acima, para possibilitar ao julgador ad quem - que não possui os autos nos quais foi proferida a decisão agravada – avaliar o acerto ou não dessa decisão, o Código determina que o agravo seja instruído com cópia de algumas das peças contidas nesses autos.
No caso do agravo contra despacho proferido pelo juízo de primeiro grau, essas exigências estão contidas no art. 525 do CPC que determina:
“art. 525. A petição de agravo de instrumento será instruída:
I – obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravada;
II – facultativamente, com outras peças que o agravante entender úteis.”

Já no caso do agravo contra despacho do Presidente do Tribunal de Apelação que inadmite recurso aos Tribunais Superiores, estas exigências são um pouco mais rigorosas. De fato, em face das limitadas hipóteses de cabimento dos Recursos Especial e Extraordinário, a verificação do acerto ou não da decisão agravada depende da análise das razões de recurso especial ou extraordinário – o recurso, por exemplo, pode ter sido rejeitado porque tratava de questão diversa da contida no acórdão recorrido. Além disso, diante desse agravo, o Tribunal Superior poderá não apenas verificar a correção da decisão que inadmitiu a subida do recurso, mas poderá também julgar logo o próprio recurso, sendo também por isso compreensíveis as exigências do art. 544, § 1º do CPC que dispõe:
“Art. 544. (...)
§ 1º - O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar, obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópia do acórdão recorrido, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado”*.

Duas questões então podem ser colocadas, na interpretação de tais dispositivos. A primeira, de saber se tais cópias precisam, necessariamente, estar autenticadas. E, a segunda, de saber qual deve ser a postura do julgador do agravo, quando faltar ao instrumento cópia de uma dessas peças, ou de uma ou alguma página das mesmas.

3.1. A autenticação das cópias juntadas à petição de agravo
Há julgados que exigem a autenticação de todas cópias componentes do agravo, as quais são consideradas como “inexistentes” quando não atendida essa formalidade. Isso mesmo quando nem a parte contrária, nem o julgador, põem em dúvida a autenticidade das cópias. É o que se afere dos seguintes acórdãos:
“...não se conhece do Agravo de Instrumento se as peças que o instruem não se encontram autenticadas, posto que meras xerocópias não têm a mesma força probante dos originais. A responsabilidade na formação do instrumento é do agravante, nos termos da lei. (...)”[11]

“(...) As peças trasladadas ao instrumento do agravo devem ser autenticadas como assentado em precedente da Corte. 2. Com a vigência da Lei nº 9139/95 já não mais se admite a conversão do processo em diligência para o cumprimento do disposto no art. 525, I, do Código de Processo Civil, ou para a regularização das peças apresentadas sem autenticação, na linha de precedentes da Corte. (...)”[12]

Esse entendimento, todavia, é equivocado. É desprovido de qualquer sentido ou propósito que, sem se questionar a veracidade das cópias integrantes do traslado do agravo de instrumento, exija-se a sua autenticação. Trata-se de claro exemplo de formalidade inapta a se chegar a qualquer fim, já que a autenticidade das cópias não é sequer posta em dúvida concretamente; desnecessária, porque a parte adversa pode aferir sua autenticidade mediante exame dos autos principais, aos quais tem livre acesso, e que podem, finalmente, ser enviados ao tribunal ad quem caso este entenda relevante; e desproporcional em sentido estrito, porque mutila os princípios do devido processo legal substantivo e da razoabilidade, bem como o direito à tutela recursal, para com isso assegurar tênue e duvidoso prestígio ao devido processo legal formal e à segurança jurídica. Aliás, a rigor, a exigência sequer encontra amparo em dispositivos da Lei Processual Civil.
Tanto é assim que a mesma está sendo afastada. No plano legislativo, permitiu-se que o próprio advogado declarasse a autenticidade de tais cópias, sob sua responsabilidade, no que toca ao agravo previsto no art. 544 do CPC, o que diminuiu bastante o ônus que essa exigência, quando necessária, pode trazer às partes[13]. Trata-se de dispositivo meramente explicitante, pois é óbvio que o advogado, ao subscrever a petição de agravo, está por ela – e pela autenticidade de tudo que a acompanha – assumindo inteira responsabilidade. Não se pode deixar de louvar o seu mérito, contudo, de afastar o equívoco consubstanciado nos acórdãos acima transcritos, deixando claro que essa declaração do advogado é suficiente.
Entretanto, é de se observar que existem agravos contra despachos denegatórios de recursos às Cortes Superiores – nos quais não se autenticaram as cópias, nem o advogado declarou expressamente a autenticidade das mesmas (embora isso esteja sempre evidentemente implícito) – que foram interpostos antes do advento da Lei n.º 10.352/2001 e ainda estão pendentes de julgamento. Ademais, não foram alterados os dispositivos que cuidam do agravo de instrumento interposto em face de decisões interlocutórias do juízo de primeiro grau. Nesses casos, deve ser prestigiado o entendimento jurisprudencial que tem procurado modificar o desacerto no qual incorreram os acórdãos antes referidos, e que afasta o formalismo em face de uma interpretação inteligente dos dispositivos da lei processual.
Essa evolução jurisprudencial evita não apenas a violação ao princípio do devido processo legal substantivo, mas também à isonomia, na medida em que os órgãos públicos já não se sujeitavam à exigência por força de dispositivo de Medida Provisória[14]. Hoje o entendimento prevalente no Superior Tribunal de Justiça é o seguinte:PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. AUTENTICAÇÃO DE DOCUMENTOS. DESNECESSIDADE. AGRAVO PROVIDO. SUBIDA DO RECURSO ESPECIAL.I - Desnecessária a autenticação de documentos cujos originais encontram-se presentes nos autos onde foi proferida a decisão;II - As peças trasladadas presumem-se verdadeiras se a parte contrária silencia quanto à autenticidade.III - Agravo Regimental provido a fim de que subam os autos do Recurso Especial para melhor exame.”[15]
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUTENTICAÇÃO DE PEÇAS. DESNECESSIDADE. O artigo 525 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre o modo como o agravo de instrumento deve ser instruído, não exige a autenticação das respectivas peças. Recurso especial não conhecido”[16].

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DE DESPACHO DE JUIZ MONOCRÁTICO. FORMAÇÃO. PEÇAS NÃO AUTENTICADAS. RECURSO ESPECIAL. TEMA NÃO DEBATIDO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA.
I. Não impugnada a autenticidade dos documentos que instruem o agravo de instrumento e em sendo sempre possível, na instância ordinária, o suprimento dessa exigência, é de ser a mesma afastada, consoante orientação recentemente firmada no REsp n. 248.341/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 28.08.2000.
II. Recurso especial conhecido e provido”[17].

Julgando questão diversa, mas que cuida da mesma discussão de fundo, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou o seguinte precedente, que inclusive vem sendo invocado por algumas de suas Turmas para conhecer de agravos de instrumentos instruídos com cópias não autenticadas, nos termos das decisões já transcritas acima:
“PROCESSUAL - PETIÇÃO INICIAL - FOTOCÓPIAS NÃO AUTENTICADAS - INDEFERIMENTO LIMINAR.
I - Não é lícito ao juiz estabelecer, para as petições iniciais, requisitos não previstos nos artigos 282 e 283 do CPC. Por isso, não lhe é permitido indeferir liminarmente o pedido, ao fundamento de que as cópias que o instruem carecem de autenticação.
II - O documento ofertado pelo autor presume-se verdadeiro, se o demandado, na resposta, silencia quanto à autenticidade (CPC, Art. 372)”[18].

No âmbito do Supremo Tribunal Federal o problema vem recebendo o mesmo lúcido tratamento. Julgando embargos de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento, a Primeira Turma do STF examinou o inconformismo da Fazenda Nacional quanto a não estarem autenticadas peças componentes do traslado feito pela parte adversa. O acórdão porta a seguinte ementa:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO. AUTENTICAÇÃO DE PEÇAS. DESNECESSIDADE. CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. Na forma do § 1.º do artigo 544 do CPC, o instrumento que acompanha a petição do agravo é formado por cópias de peças extraídas dos autos principais, nada aduzindo a lei sobre a exigência de autenticação. Presunção de veracidade dos documentos comuns às partes, passível de ser afastada apenas mediante impugnação por vício de ordem material.
2. A disciplina do artigo 384 do CPC diz respeito às provas produzidas durante a instrução processual para embasar ou contraditar o direito material em litígio, sendo inaplicável à formação do agravo, cujos documentos têm clara função instrumental.
3. Não configuradas no acórdão recorrido as hipóteses previstas nos incisos do artigo 535 do Código de Processo Civil, restam inviabilizados os embargos declaratórios. Embargos de declaração rejeitados”[19].

E nem poderia mesmo ser diferente. Assim, é de se esperar que o entendimento consagrado nas decisões acima transcritas seja definitivamente acolhido por nossas Cortes Superiores, sendo adotado também pelas Turmas do Superior Tribunal de Justiça que ainda proferem acórdãos dele divergentes.
Seja como for, no que diz respeito aos agravos de instrumento a serem doravante interpostos, é recomendável que, por cautela, e em face do disposto no art. 544, § 1.º do CPC, com a redação dada pela Lei n.º 10.352/2001, o próprio advogado expressamente declare autenticas todas as peças constantes do instrumento, a fim de evitar eventuais questionamentos a respeito da questão. E, ao fazê-lo, é recomendável também que junte cópia não apenas das peças exigidas, mas, se possível, de todas as folhas dos autos, especialmente quando se tratar do agravo de instrumento referido no art. 544 do CPC, pois nesse último caso o Tribunal Superior poderá convertê-lo no respectivo recurso especial, ou extraordinário, e julgar desde logo o cerne da questão, com notável resultado para a economia e a celeridade processuais.

3.2. Ausência de peças obrigatórias ao traslado do agravo
Outro ponto assaz questionado, no que pertine à formação do traslado do agravo de instrumento, principalmente no que toca ao agravo previsto no art. 544 do CPC (interposto contra despacho do presidente do tribunal de apelação que nega seguimento ao recurso aos tribunais superiores), é o relativo à ausência de cópias de peças obrigatórias.
A exigência da cópia de algumas das peças dos autos principais, como dito acima, é válida, no plano hipotético, na medida em que tem por fim possibilitar que o juízo ad quem tenha conhecimento de todos os aspectos da controvérsia apesar de não estar com os autos respectivos. É por conta dessa finalidade que o CPC enumera tanto no art. 525, como no art. 544. § 1º as peças que, em regra, são essenciais para a compreensão da controvérsia. Interpretando essas normas a Súmula 288 do STF - elaborada quando sua competência abrangia a que hoje é do STJ - dispõe:
“Nega-se provimento a agravo para subida de recurso extraordinário, quando faltar no traslado o despacho agravado, a decisão recorrida, a petição de recurso extraordinário ou qualquer peça essencial à compreensão da controvérsia.” (grifou-se)

Essa exigência, contudo, tem sido desnaturada quando de sua aplicação concreta, pois é feita sem a preocupação de conciliar a finalidade buscada pela norma com as peculiaridades de cada caso concreto. Realmente, mesmo nos casos em que a presença do documento não é essencial para o exame da lide, ou sua ausência não pode ser imputada ao agravante, a cópia do seu inteiro teor é exigida como condição para o conhecimento do agravo. E não é permitida qualquer espécie de suprimento ou retificação posterior.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm feito interpretação bastante rigorosa do § 1º do art. 544 do CPC. Não conhecem de agravos de instrumento nos quais, por equívoco, falta apenas uma folha de uma das citadas peças, ou, pior, nos quais não consta uma das citadas peças porque a mesma não existe nos próprios autos do processo principal, e a parte agravante não junta certidão dando conta dessa ausência.
Confira-se, a propósito, as seguintes ementas:“PROCESSO CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – NÃO CONHECIMENTO – AG. REGIMENTAL – LOCAÇÃO COMERCIAL – TRASLADO OBRIGATÓRIO – AUSÊNCIA DE PEÇAS – ART. 544, § 1º, DO CPC – SÚMULA 223/STJ - FALTA DE AUTENTICAÇÃO - ARTS. 365, III E 384, AMBOS DO CPC.1 – As peças elencadas no art. 544, §. 1º, do Código de Processo Civil são de traslado obrigatório, sob pena de não conhecimento do Agravo de Instrumento. Assim, a cópia das contra-razões ao Recurso Especial, ou a certidão de sua não apresentação, tida como inserida neste rol, deve figurar na formação de tal recurso. Aplicação da Súmula 223/STJ (cf. AgRg AG nºs 253.935/SP e 246.014/DF). (...).[20]

“Se a peça de traslado obrigatório, como as contra-razões do recurso extraordinário ou a procuração outorgada ao advogado do agravado, não consta dos autos de que deveria ser extraída sua cópia, tem o agravante o dever de juntar aos autos do agravo certidão dessa ausência, sob pena de não conhecimento do agravo, como decorre da exigência do art. 544, §1.º, do CPC.”[21]

Por curioso, apesar de fazer interpretação literalista do artigo quando falta alguma das peças nele enumeradas, mesmo no caso em que a peça ou parte dela não existe, ou não é essencial para o exame da lide, a Jurisprudência faz interpretação ampliativa do §1.º do art. 544 do CPC, quando se trata de exigir outras peças além das enumeradas nessa norma. Para tanto, esses julgados invocam a finalidade da norma, tantas vezes ignorada. Em geral, tanto a consideração dessa finalidade, como seu desprezo, ocorrem quando destinados ao não conhecimento do recurso:
“É inadmissível agravo de instrumento tendente a viabilizar a subida de recurso especial, se não há prova nos autos da interposição de agravo de instrumento para o Colendo Supremo Tribunal Federal contra decisão que indeferiu o processamento do recurso extraordinário. O elenco de peças do art. 544, § 1.º, do CPC, é meramente exemplificativo, condizente com o entendimento de que outra peças - tal qual a certidão comprobatória de interposição de agravo para o STF - são absolutamente indispensáveis, porquanto rematada obscuridade jurídica constituiria a decisão provedora de agravo instrumentado, determinando a subida à instância derradeira de recurso especial, quando já vislumbrado o possível trânsito em julgado do fundamento constitucional suficiente.”[22]

Parece-nos, porém, que essa interpretação quanto às condições para o conhecimento do agravo deve ser repensada. Muitas vezes implica negar o direito do jurisdicionado à prestação da tutela recursal, mediante exigências excessivamente gravosas, desnecessárias e ainda desvinculadas do alcance e da finalidade da norma que as estabelece. E, pior, completamente irracional à luz de muitos casos concretos[23].
Quanto ao casos em que não existe, nos próprios autos da ação principal, a peça exigida na instrução do agravo, o não conhecimento desse recurso, porque a parte agravante não juntou certidão declarando essa ausência, deve ser decidido com muita cautela e cuidado com a “padronização” de julgados. Primeiro, porque essa ausência pode ser percebida, em alguns casos, mediante exame da própria seqüência da numeração das páginas dos autos principais. Segundo, porque pode haver, em alguma outra peça juntada ao agravo, referência a essa ausência, o que torna claramente desnecessária a exigência de certidão atestando o mesmo fato. Em casos assim, o Supremo Tribunal Federal tem considerado “superada a falta das contra-razões pela afirmação, pela decisão agravada, da inexistência das mesmas”[24].
Além disso, se a peça está ausente nos autos principais, por óbvio não é essencial para o exame da controvérsia, que seria feito normalmente sem a mesma, caso o Presidente do Tribunal a quo tivesse admitido o recurso especial ou extraordinário. Nada obsta, portanto, que o Tribunal adote a postura menos gravosa e igualmente útil de assegurar oportunidade para o agravante retificar o traslado e apresentar a certidão exigida, até porque, nesse caso, não se trata da inclusão de uma peça com conteúdo substancialmente novo nos autos do agravo, mas apenas de esclarecimento acerca da completude do traslado já devidamente formado.
A mesma razoabilidade deve orientar a postura do Tribunal quando a peça ausente do traslado é a certidão de intimação do agravante. Há casos, especial mas não exclusivamente no que tange ao agravo previsto no art. 524 do CPC, em que entre a data da assinatura do despacho agravado, e a data em que protocolizada a petição de agravo, transcorrem menos de 15 dias, mas, ainda assim, o agravo não é conhecido por falta da certidão de intimação, em face da qual seria “aferida” a sua tempestividade. Ora, se a tempestividade transparece evidente de outras peças do traslado, a exigência da certidão afigura-se estéril e inútil, inapta a se chegar a qualquer fim, e absolutamente desnecessária. Não encontra validade na ordem jurídica, além de implicar evidente e grave desprezo pela realidade posta em juízo. A situação é tão absurda quanto a de um aposentado que, tido como morto pelo INSS em face do falecimento de um homônimo seu, comparece à repartição respectiva munido de todos os seus documentos, mas não é considerado vivo até que apresente um “atestado de vida” firmado por médico do INSS.
Ainda no que pertine à certidão de intimação, mesmo quando essa tempestividade é certificada pelo Tribunal a quo, agravos interpostos com arrimo no art. 544 do CPC deixam freqüentemente de ser conhecidos por conta de estar ilegível o carimbo em face do qual poderia ser aferida a sua tempestividade, ou a tempestividade do recurso especial ou extraordinário, ou porque por qualquer outra razão não consta do traslado documento que ateste a data das respectivas intimações:
“Se o carimbo de protocolo do recebimento do recurso especial não permite a aferição da tempestividade na sua interposição, caberia à parte obter certidão sanando o vício ainda na instância ‘a quo’, antes da subida do recurso. Não o fazendo, então, torna-se impossível o conhecimento do agravo de instrumento”[25].

“A certidão da Secretaria do Tribunal ‘a quo’, declarando que o recurso extraordinário foi interposto dentro do prazo, não substitui, evidentemente, a certidão de publicação do acórdão recorrido, porquanto é por meio desta, e não daquela, que se pode verificar tempestividade ou intempestividade do recurso e, portanto, o acerto, ou não, da certidão da Secretaria”[26].

Nesses casos, não se considera suficiente que o Tribunal a quo afirme a tempestividade do recurso, por meio de seu Presidente, ou de seus servidores. Exige-se ainda que conste do instrumento também a certidão de intimação, a fim de que o Tribunal ad quem avalie a veracidade dessa afirmação, o que é completamente despropositado, data maxima venia. Primeiro, porque a indicação da tempestividade do recurso especial ou extraordinário, ou do agravo, em outras peças, atende à mesma finalidade da certidão de intimação, sendo claramente desproporcional não conhecer do agravo porque tal informação não consta de certidão ou de carimbo específico, este último de ilegibilidade nem sempre imputável ao agravante. Segundo, porque não é razoável presumir, ainda mais de ofício, a falsidade das declarações emanadas do Tribunal a quo.

3.3. Ausência de partes de peças obrigatórias ao traslado do agravo
No que diz respeito à ausência de parte de alguma peça essencial ao traslado, a questão não é de tão fácil deslinde, e demanda ainda maior atenção para cada caso concreto, o que os Tribunais, talvez pelo elevado volume de trabalho a que estão submetidos, não vêm fazendo. Em julgamentos padronizados, que malferem o próprio conceito de jurisdição, deixa-se de conhecer de todo e qualquer agravo ao qual falte uma folha sequer de um dos documentos mencionados no art. 525, I, ou, o que se dá com mais freqüência, no § 1.º do art. 544, ambos do CPC.
Suponha-se que a questão verse Direito Societário, e o despacho agravado, que negara seguimento a um recurso especial, afirme não haver sido prequestionado, sendo inteiramente alheio à controvérsia, determinado artigo da Lei n.º 6.404/76, cuja negativa de vigência é o fundamento do recurso obstaculizado. Parece claro, nesta hipótese, que só mediante cópia de todas as peças referidas no art. 544, § 1.º do CPC o cabimento do recurso especial poderá ser examinado. Se faltar ao instrumento precisamente a cópia da folha na qual o acórdão recorrido fazia referência aos dispositivos da lei federal tidos por violados, por exemplo, inegável será a impossibilidade de se conhecer do agravo.
Imagine-se, porém, que se trata de uma lide tributária, na qual um contribuinte, organizado sob a forma de sociedade por ações, discute a validade de lançamento do imposto de renda previsto no art. 35 da Lei 7.713/88, já proclamado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. O Tribunal de Apelação, no entanto, considera constitucional a citada exigência de imposto de renda, e nega seguimento ao Recurso Extraordinário do contribuinte por entender que a questão constitucional não está devidamente prequestionada, apesar de os dispositivos constitucionais pertinentes haverem sido discutidos à exaustão no acórdão, que afinal tratava da argüição de inconstitucionalidade de uma lei. Diante dessa situação, o contribuinte interpõe agravo de instrumento, e junta cópia não apenas de toda a documentação exigida pelo art. 544, § 1.º, do CPC, como de todas as demais folhas dos autos. Mas, por equívoco diante do volumoso número de documentos, folhas e autenticações, deixa de juntar cópia de uma folha de suas razões de recurso extraordinário, folha intermediária, na qual havia apenas citações de doutrina. Mediante simples leitura das razões de Recurso Extraordinário, pode-se concluir que a ausência da mesma não muda o conhecimento da lide. Citada folha é ainda juntada posteriormente, quando os autos do agravo já estão no Supremo Tribunal Federal, não com a finalidade de suprir a “falta”, mas apenas para demonstrar a sua irrelevância no deslinde da controvérsia. E, por cautela, para evitar embaraçar o seu evidente direito material por conta do formalismo, e ciente da irrelevância da solitária folha de seu recurso que não havia sido anteriormente juntada, a parte pede nessa ocasião que o seu recurso seja considerado como se não possuísse a citada folha quando de sua interposição.
Note-se que, nesse último exemplo, toda a controvérsia pode ser devidamente compreendida pelo Supremo Tribunal Federal. O despacho agravado pode ter o seu equívoco constatado pela leitura do próprio acórdão recorrido. As razões (embora sem uma de suas folhas) e as contra-razões de Recurso Extraordinário, do mesmo modo, possibilitam vislumbrar a questão posta no recurso, e o seu respectivo cabimento. Finalmente, a juntada posterior da folha ausente demonstrou a sua irrelevância, e, ainda que assim não fosse, teria suprido inteiramente a falta.
Não obstante tudo isso, em casos assim, o Pretório Excelso tem decidido que “para que se cumpra o disposto no art. 544, § 1.º, do CPC, faz-se necessária a juntada, ao traslado, do inteiro teor das razões de recurso extraordinário, sob pena de não conhecimento do agravo de instrumento”. Tudo isso mesmo quando a omissão é de uma insignificante folha, e “ainda que a matéria já se encontre pacificada nesta Corte”[27]. Isso porque, em regra, os Tribunais não examinam a relevância da folha ausente, nem se a falta causa qualquer prejuízo à compreensão da controvérsia. Interpretam literalmente a expressão “inteiro teor” constante do art. 544, § 1.º, do CPC, sem cogitar se a formalidade é realmente útil, necessária e proporcional.
Esse formalismo inútil vem sendo corrigido pela moderna processualística, que superou a chamada linha “técnico-científica” do Direito Processual, instaurando “onda renovatória que se preocupa com os aspectos sociais e políticos do processo”[28]. Alguns julgados, contudo, não acompanham esse entendimento e adotam posturas merecedoras da secular e autorizada crítica de Hegel:
“Com a sua divisão em atos sempre mais particulares e nos direitos correspondentes, segundo uma complicação que não tem limite em si mesma, o processo, que começara por ser um meio, passa a distinguir-se da sua finalidade como algo de extrínseco”[29].

Em verdade, fazer exigências do gênero, a pretexto de preservar o princípio do devido processo legal em seu aspecto formal (finalidade para a qual já se viu que não é necessária), mutila-o, como dito, em seu sentido substancial, além de malferir os dispositivos que tratam do cabimento do recurso ao Supremo Tribunal Federal. Isso sem considerar que deixa incólume uma violação reconhecida à Constituição Federal, mantendo pessoas com o mesmo direito material em situação de desigualdade. Tudo em prol de interpretação de duvidosa procedência de um dispositivo contido em uma regra legal. Enfim, medida claramente desproporcional em sentido estrito, inteiramente divorciada da realidade posta à apreciação do Judiciário.
É de se ressaltar, porém, que a questão é outra caso, à luz de determinada lide, o Tribunal conclua pela indispensabilidade da cópia ausente no traslado – porque a falta realmente impossibilita o conhecimento completo da controvérsia – e ainda conclua pela impossibilidade de suprimento posterior dessa falta, fundamentando tais pontos à luz do caso concreto ao deixar de conhecer o agravo de instrumento. Diante de julgados desse teor, nada se lhes pode opor, porque a falta de parte da cópia malfere a norma em sua finalidade. Inaceitável, porém, é que a exigência seja feita de modo irracional e automático, por meio de decisões de igual conteúdo para os casos em que a formalidade realmente é indispensável, e para os casos em que é completamente desnecessária e inútil.
Os danos causados por esse tipo de compreensão não são poucos, e não se resumem aos princípios constitucionais processuais diretamente implicados. Basta ver a quantidade de ações rescisórias interpostas por conta, exclusivamente, do não conhecimento intransigente de recursos dirigidos às Cortes Superiores, e as inúmeras perplexidades sobre as quais a doutrina processualística se está deparando quanto ao cabimento dessas ações[30]. O formalismo cria, em situações assim, profunda desigualdade e injustiça.

Conclusão
Do exame dos acórdãos acima transcritos, elencados de modo meramente exemplificativo, percebe-se que o formalismo está sendo empregado como tentativa de afastar a apreciação do grande volume de lides submetidas ao Poder Judiciário. Esse emprego das formas processuais, todavia, representa solução desaconselhável para o problema, entre outras razões, porque:
a) implica amesquinhamento da função jurisdicional, uma vez que aumenta os julgados que examinam questão meramente processual e ignoram o pronunciamento sobre o direito material das partes.
b) enseja uma eliminação irracional de processos, o que faz com que demandas de alta relevância sejam “não conhecidas”, enquanto outras, protelatórias ou irrelevantes, sejam cuidadosamente deslindadas; e, ainda,
c) não implica uma diminuição no volume de processos submetidos à apreciação do Judiciário, mas sim um acréscimo, pois infindáveis recursos são manejados na tentativa de reverter a irracional exigência da forma, culminando, muitas vezes, na ulterior interposição de ação rescisória, quando tudo poderia ser resolvido de modo célere e eficaz mediante uma interpretação racional das normas processuais.

Por tudo isso, é assaz relevante o emprego, também no âmbito do Direito Processual, das modernas técnicas de hermenêutica, que, diante da reconhecida insuficiência de uma lógica dedutiva de subsunção da norma literalmente considerada ao fato nela previsto, preconiza a devida atenção às peculiaridades de cada caso concreto, prestigiando-se o sistema jurídico como um todo, especialmente os princípios constitucionais, que devem ser racionalmente conciliados.
NOTAS:

[1] A constitucionalização do princípio da efetividade da tutela jurisdicional tem efeitos muito mais abrangentes que a mera garantia formal de um pronunciamento do Judiciário (com qualquer conteúdo). Esse pronunciamento, entende-se atualmente, há de restabelecer o direito subjetivo eventualmente violado com a máxima coincidência possível à situação existente caso tivesse havido o seu adimplemento pontual e voluntário. Confira-se, a propósito, Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo Civile, 2.ª ed., Bologna: Il Mulino, 1998, pp. 56 e 57.
[2] Giuseppe Chiovenda, Instituições de Direito Processual Civil, tradução de Paolo Capitanio, Campinas: Bookseller, 1998, v. III, n.º 285, p. 6.
[3] José de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo, 3 ed, Malheiros, São Paulo, 1996, p. 262.
[4] No original: “In effetti quando si dice, come accade comunemente, che il processo serve all’attuazione o alla tutela dei diritti, si compie un’affermazione forse non falsa ma astratta e quanto mai generica. Il see il come il processo svolga in concreto questa funzione sono determinati dalla qualità e dall’efficacia dei rimedi processuali previsti dall’ordinamento in un dato momento storico. Se questi strumenti sono pochi, difficilmente accessibili e non adeguati alla natura delle situazioni sostanziali bisognose di tutela, la conseguenza è che la funzione di attuazione e garanzia dei diritti non può essere svolta in modo completo ed efficace. Se invece l’ordinamento processuale conosce rimedi diversificati, accessibili e tali da poter essere efficacemente impiegati nelle varie situazioni reali, allora si può dire che esse assicura la tutela giurisdizionale dei diritti” (Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul Processo Civile, 2.ª ed., Bologna: Il Mulino, 1998, pp. 29 e 30).
[5] José de Albuquerque Rocha, Teoria Geral do Processo, 3 ed, Malheiros, São Paulo, 1996, p. 262.
[6] G. W. F. Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, tradução de Orlando Vitorino, São Paulo: Martins Fontes, 1997, § 223, p. 197.
[7] Proporcionalidade e razoabilidade são princípios muitas vezes tidos por sinônimos, especialmente pela jurisprudência. Parece-nos, contudo, que tais princípios, embora tenham ambos por finalidade um controle do excesso na relação entre meios e fins, o que lhes confere conteúdo comum bastante grande, diferenciam-se na maneira como realizam esse controle. A proporcionalidade, de origem germânica, apela ao sopesamento dos princípios envolvidos, enquanto a razoabilidade, de procedência anglo-americana, invoca o senso comum, a legitimidade e a aprovação pela comunidade. Concebemo-los como dois instrumentos distintos, que não se excluem, mas se somam, no cada vez mais substancial controle da constitucionalidade dos atos do Poder Público.
[8] Como adverte Karl Larenz, “hay que encontrar una composición del conflicto que permita la subsistencia de cada uno de los derechos con el máximo contenido posible. Esto significa que ningún derecho tiene que retroceder más de lo que sea necesario para no recortar el del otro de un modo que sea no exigible.” (Derecho Justo – Fundamentos de Etica Juridica, tradução de Luis Díez-Picazo, Madrid: Civitas, 2001, p. 63).
[9] Hugo de Brito Machado Segundo e Raquel Cavalcanti Ramos Machado. “As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro”, artigo publicado no livro As Contribuições no Sistema Tributário Brasileiro, coord. Hugo de Brito Machado, São Paulo/Fortaleza: Dialética/ICET, 2003, p. 271.
[10] Cfr. Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, 26.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, v. 1, p. 575.
* Redação anterior à alteração veiculada pela Lei n.º 10.352/2001. A nova redação consta da nota de rodapé n.º 13, abaixo.
[11] Ac un da 5.ª T do STJ - AGA 383013/RJ – Rel. Min. Jorge Scartezzini – DJ de 11/11/2002, p. 253.
[12] Ac un da 3.ª T do STJ - RESP 130421/PR – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJ de 13/10/1998 p. 86.
[13] A nova redação do § 1.º do art. 544 do CPC, dada pela Lei n.º 10.352/2001, é a seguinte: “§ 1o O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.” (grifou-se).
[14] “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. AUTENTICAÇÃO DAS PEÇAS. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DESCABIDA. MP 1.699-40, DE 28/09/98.1 - A regra geral, sufragada, inclusive, pelo STF, é no sentido de se exigir a autenticação das peças que compõem o instrumento do agravo das instâncias ordinárias. Entretanto, excetuam-se dessa premissa as pessoas jurídicas de direito público que, ante a incidência do art. 24, da MP 1.699-40, de 28/09/98, estão isentas de autenticar as cópias reprográficas de quaisquer documentos que apresentem em juízo.2 - Recurso especial conhecido pela alínea "a", do permissivo constitucional.” (Ac un da 6.ª T do STJ – Rel. Min. Fernando Gonçalves – RESP 186.529/SP – DJ de 30/11/1998, p. 242).
[15] Ac un da 2.ª T do STJ -AGA 348353/RJ – Rel.Min. Laurita Vaz - DJ de 11/03/2002, p. 247.
[16] Ac un da 3.ª T do STJ - RESP 258379/AC – Rel. Min. Ari Pargendler - DJ de 22/10/2001, p. 318.
[17] Ac un da 4.ª T do STJ - RESP 273302/SP – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior - DJ de 08/10/2001, p. 219.
[18] Ac un da CE do STJ - ERESP 179147/SP – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – DJ de 30/10/2000, p. 118 - JBCC 185/630 - JSTJ 21/69 - RSTJ 141/17.
[19] Ac un da 2.ª T do STF – AI 318.343-RJ – Edcl – AgRg – Rel. Min. Maurício Corrêa - DJ de 21/06/2002.
[20] Ac un. da 5ª T do STJ – AGA 383013-RJ – Rel. Min. Jorge Scartezzini – DJ de 11/11/2002, p. 253.
[21] Ac un. da 1.ª T do STF - AI 189.685-2-SP - Rel. Min. Moreira Alves – DJ de 8/8/97, p. 35.645
[22] Ac. un. da 1.ª T do STJ - AI n.º 174.323-RS-AgRg - Rel. Min. Demócrito Reinaldo – DJ de 18/05/98, p. 58
[23] O Superior Tribunal de Justiça chegou a decidir que “a admissão do recurso especial da outra parte não tem a virtude de dispensar o cumprimento da norma cogente do art. 544, § 1.º do CPC, a respeito das peças que devem obrigatoriamente constar do agravo de instrumento” (Ac un da 3.ª T do STJ - AI 88.263-RS - AgRg - Rel. Min. Costa Leite, DJ de 05/08/1996, p. 26.535). Nesse caso, data maxima venia, como os autos principais já seriam remetidos mesmo ao STJ por conta da admissão do recurso da parte contrária, o rigorismo na formação do traslado é formalismo sem nenhuma razão de ser. Absolutamente desnecessário.
[24] Ac un da 1.ª T do STF - AI 201.456-7-Sp - AgRg - Rel. Min. Sepúlveda Pertence - DJ de 06/02/1998, p. 14, apud Theotônio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 32.ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, nota 16 ao art. 544, p. 626.
[25] Ac un da 2.ª T do STJ - AI 150.280-PB - AgRg - Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior - DJ de 22/03/1999, p. 165.
[26] Ac un da 1.ª T do STF - AI 227.234-RN - AgRg - Rel. Min. Moreira Alves - DJ de 05/03/1999, p. 12.
[27] Ac un da 1.ª T do STF – AI 284.527-CE – AgRg – Rel. Min. Ellen Gracie – DJ de 19/10/2001. Citação de trecho do voto da Ministra Relatora, fls. 146 dos autos, colhido na internet em www.stf.gov.br.
[28] Cfr. Ada Pellegrini Grinover, em apresentação do livro Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil, de Alfredo Buzaid, São Paulo: RT, 2002, p. 7.
[29] G. W. F. Hegel. Princípios da Filosofia do Direito, tradução de Orlando Vitorino, São Paulo: Martins Fontes, 1997, § 223, p. 197.
[30] Confira-se, a propósito: Ada Pellegrini Grinover, “Ação rescisória e divergência de interpretação em matéria constitucional”, em RDDT 8/9; Edmar de Oliveira Andrade Filho, “Colisão de Princípios e Coisa Julgada em Matéria Tributária nos Casos de Alteração de Texto sem Mudança da Norma”, em Problemas de Processo Judicial Tributário - 5.º vol, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo: Dialética, 2002, p. 83; Leonardo Greco, “Eficácia da Declaração Erga Omnes de Constitucionalidade ou Inconstitucionalidade em Relação à Coisa Julgada Anterior”, em Problemas de Processo Judicial Tributário - 5.º vol, coord. Valdir de Oliveira Rocha, São Paulo: Dialética, 2002, p. 193.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Prova de que o procurador é procurador...

Agora, falando de coisa séria (será mesmo?), resolvi tratar de um dos entendimentos que mais me deixou impressionado nos últimos tempos.
Trata-se do extremo do formalismo jurídico.
E depois dizem que o Judiciário é lento por conta do excesso de recursos, e dos advogados que os interpõem.
Indeferida tutela antecipada por juiz de direito de comarca do interior (questão relativa a ISS, conflito de competência etc.), a parte autora, o contribuinte, manejou agravo para o TJ. Pediu a liminar ao relator.
Este, contudo, apreciando o agravo, viu nele uma "omissão gravíssima": a falta da procuração das partes aos seus advogados, como exige o CPC.
- Mas, Excelência, a procuração da parte autora aos seus advogados está às fls. ____, e a procuração da parte demandada não existe, porque se trata de um Município, representado por um procurador. - Foi o que ponderei, para ouvir a inacreditável resposta:
- É... Mas e cadê a publicação, no Diário Oficial do Município, da nomeação do Dr. Fulano de Tal como procurador do Município agravado?
Diário Oficial? No Município agravado talvez nem saibam o que é isso. E colocar a viabilidade de um agravo no fornecimento ao agravante, pelo agravado, de um documento que só este tem, é o cúmulo.
Exigir a prova da nomeação do procurador quando a entidade pública é agravante já é absurdo. Sendo ela agravada, o descalabro dispensa qualquer comentário adicional.
Alguém então pode perguntar: e o mérito da questão?
Ah... O bambu? Ops, o mérito?... Ora o mérito... Isso é o que menos interessa. Pode ser apreciado depois. Afinal, o Judiciário existe para exigir o relevante cumprimento de tais formalidades, sendo o exame do mérito das questões um mero detalhe.

p.s. - Não estou aqui dizendo que a forma, no processo, não é importante. Não se trata disso, sendo sua importância inegável. A questão é que a forma é um meio para se atingir a um fim (conter o arbítrio do julgador, viabilizar a participação dos interessados e instrumentalizar o exercício da tutela jurisdicional), devendo, como todo meio, ser usada com proporcionalidade.

Nada a ver

Essa é seguramente a postagem mais nonsense deste blog.

Não tem nada com o direito, ou com a democracia. Mas achei muito engraçado.

Perigos de fazer as coisas ao vivo.

Tenho muita curiosidade em saber o que ele murmurou ao ouvido da menina, ao final. Deve ter sido um sermão. Algo como "não diga essas coisas no ar!".

Atualização: A graça não está na pergunta que a menina faz ao Sílvio Santos, nem muito menos na resposta que ela dá diante da inocência dele. A graça é a cara de tacho que ele faz, diante da resposta. E os segundos que passa parado, sem saber o que fazer, desconcertado diante das risadas das crianças que estão ao seu redor... Mas acho que ele teve muito jogo de cintura, e saiu-se muito bem da enrascada.

O que será que essa desbocada menina ouviu da mãe, quando chegou em casa?

sábado, 26 de janeiro de 2008

Contribuições e federalismo


No início de 2005, publiquei minha dissertação de mestrado pela Editora Dialética, sob o título "Contribuições e Federalismo".

Ao "transformar" a dissertação em livro, porém, além de mudar seu título, que era mais analítico ("As “Contribuições” e a Discriminação de Rendas Tributárias na Federação Brasileira"), e de fazer alguns reparos sugeridos pela banca, tive de suprimir os resumos em línguas estrangeiras.

Não sei bem por qual razão - vai que algum alemão procura o tema no google - fiquei com pena de simplesmente esquecer tais traduções, pelo que resolvi postá-las aqui. Aí vai:


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O presente trabalho tem o propósito de determinar as relações entre o princípio federativo e a competência tributária da União Federal para instituir contribuições. Tendo como parâmetro o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente a Constituição Federal promulgada em 1988, faz-se um exame do modelo de federação adotado no Brasil, e da importância da divisão de rendas tributárias (atribuição de competências e repartição de receitas) entre os diversos entes federados para a efetiva existência dessa forma de Estado. A partir desse exame, analisa-se a competência da União Federal para criar contribuições, tributos que, em princípio, não têm o produto de sua arrecadação partilhado com Estados-membros e Municípios, nem se submetem a um âmbito de incidência previamente delimitado, tal como acontece com os impostos.
Considerando que o principal limite ao poder tributário, no âmbito das contribuições, é positivo, consistindo na necessária aplicação dos recursos arrecadados em certas finalidades, socialmente relevantes, com o propósito de efetivar direitos fundamentais de segunda e terceira dimensões, avalia-se até que ponto a otimização desses valores sociais pode embaçar o princípio federativo; examina-se ainda se tais valores, ou metas sociais, estão realmente sendo otimizados com a instituição de contribuições, ou se essa espécie tributária não vem sendo utilizada apenas como forma de burlar a divisão de rendas tributárias traçada na Constituição, especialmente em face da “Desvinculação de Receitas da União – DRU”, inserida no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a autorizar que os valores arrecadados com as contribuições sejam aplicados em finalidades diversas das que lhes determinaram a instituição e a cobrança.
Finalmente, procede-se a uma análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pertinente ao tema. O propósito do estudo, em suma, é o de provocar um reexame do assunto, especialmente porque a realidade fático-normativa à luz da qual a doutrina e a jurisprudência se manifestaram sobre o mesmo alterou-se sensivelmente nos últimos três lustros.

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El presente trabajo tiene el propósito de determinar las relaciones entre el principio federativo y la competencia tributaria de la Unión Federal para establecer las contribuciones. Teniendo como parámetro el ordenamiento jurídico brasileño - principalmente la Constitución Federal promulgada en 1988 - se hace un examen del modelo de federación adoptado en Brasil, y de la importancia de la división de rentas tributarias (atribución de competencias y repartición de recetas) entre los diversos entes federados para la existencia efectiva de esa forma de Estado. A partir de ese examen, se analiza la competencia que la Unión Federal posee para crear contribuciones, tributos que - en principio - no tienen el producto de su recaudación compartido con los Estados- Miembros y los Municipios, ni se someten a un ámbito de incidencia previamente delimitado, tal cual ocurre con los impuestos.
Considerando que el principal límite al poder tributario, en el ámbito de las contribuciones, es de carácter positivo; consistiendo en la necesaria aplicación de los recursos recaudados en ciertas finalidades, socialmente relevantes, con el propósito de tornar efectivos los derechos fundamentales de segunda y tercera dimensión, se valúa hasta qué punto el aprovechamiento de esos valores sociales puede empañar el principio federativo; incluso se examina si tales valores o metas sociales, están realmente siendo aprovechados con la institución de contribuciones, o si esa especie tributaria no está siendo usada apenas como manera de burlar la división de rentas tributarias trazada en la Constitución, especialmente en fase al hecho de la “Desvinculación de Recetas de la Unión – DRU”, inserida en el Acto de las Disposiciones Constitucionales Transitorias, autorizar que los valores recaudados con las contribuciones sean aplicados en finalidades diferentes de las que les determinaron la institución y la cobranza.
Finalmente, se procede a un análisis crítico de la jurisprudencia del Supremo Tribunal Federal pertinente al tema. El propósito del estudio, en suma, es el de incitar a que se haga un nuevo examen del asunto, sobre todo, si se tiene en cuenta que la realidad fáctico-normativa a la luz de la cual la doctrina y la jurisprudencia se manifestaron sobre el mismo se alteró sensiblemente en los últimos lustros.


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Die anwesende Arbeit hat die Absicht, die Relationen zwischen dem Bundesprinzip und der Steuerfähigkeit des Bundesunion festzustellen, um Beiträge einzuführen. Sie hat als Parameter die brasilianische Rechtswissenschaft, besonders die verkündete Bundesverfassung 1988. Ein Modell der Föderation wird angenommen in Brasilien und vom Wert der Abteilung der steuerpflichtigen Einkommen (Zuerkennung von Fähigkeiten und von Verordnungverteilung) zwischen den verschiedenen Bundesintegranten gebildet, für das wirkungsvolle Bestehen dieses Staatforms. Ab dieser Forschung, wird die Fähigkeit des Bundesunion analysiert, um Beiträge, Tribute zu verursachen, die allgemain keinen Produkt seines verteilten Ansammlung mit Bundesländer und Städten haben und keinem Bereich der vorher abgegrenzten Ausdehnung einreichen, wie es mit Steuern geschieht. Es betrachtet, daß die Hauptbegrenzung auf der Steurmacht positiv ist und aus der notwendigen Anwendung der Betriebsmittel besteht, die in einigen ausgezeichneten Sozialzwecken gesammelt werden. Mit der Absicht, die Grundrechte der zweiten und dritten Maße zu vollenden, wird es ausgewertet, wie die Optimization dieser Sozialwerte die Bundesgrundregel schädigen kann. Es wird auch überprüft, ob diese Sozialwerte oder Ziele wirklich mit der Anstalt von Beiträgen optimiziert werden oder diese Steuer nicht nur verwendet werden, als Weise die Abteilung der steuerpflichtigen Einkommen zu betrügen, die in der Verfassung gebildet sind. Besonders wegen der ,,Unverordnung des Bundeseinkommen - DRU ", die in den vorübergehenden konstitutionellen Beseitigungen eingesetzt ist und autorisiert, daß die Werten, die mit den Beiträgen gesammelt werden und die Ansammlungsverfassung festgestellt haben, in den unterschiedlichen Zwecken angewendet werden. Schließlich wird eine kritische Analyse der Rechtswissenschaft des Obersten Bundesgerichtshofs in Beziehung zu dem Thema. Die Absicht der Studie, kurz gesagt, ist, eine Wiederforschung des themas besonders weil die faktik-normative Wirklichkeit erheblich in den letzten Lustrums änderte, auf denen die Lehre und die Rechtswissenschaft aufgedeckt wurden.


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The purpose of this paper is to define the relationship between federal principles and the contributory jurisdiction of the Federal Union for establishing contributions. With Brazilian legal regulations as the parameter, especially the Federal Constitution established in 1988, the federation model adopted in Brazil is examined, as well as the importance of the division of tributary income (attribution of jurisdiction and sharing of receipts) between the various federal entities for the effective presence of this form of State. From this examination, an analysis is made of the jurisdiction of the Federal Union to impose contributions, levies that, in principle, do not have the product of their collection shared among the member states and municipalities, and also are not subject to a previously delimited scope of incidence, such as that which occurs with taxes.

Considering that the main limit to tributary power within the scope of contributions is positive, consisting of the necessary application of levied resources to certain socially relevant ends, with the purpose of accomplishing fundamental rights of second and third degrees, an evaluation is made to determine up to what point the optimization of these social values can cloud federal principles. Also examined is whether these values, or social objectives, are really being optimized with the contributions institution or whether this kind of contribution is only being used as a way of cheating the distibution of tributary income outlined in the Constitution, especially in view of the “Desvinculação de Receitas da União – DRU” (Revenue Disentailment of the Union) included in the Transitory Constitutional Provisions Act, to authorize that the amount collected with the contributions be applied to various ends that the institution and levying determine.
Finally, a critical analysis is presented of the jurisprudence of the Federal Supreme Tribunal pertinent to the theme. In summary, the objective of the study is to provoke a re-examination of the subject, especially because the legal standard reality, in the light of which the doctrine and jurisprudence appear concerning it, has changed appreciably in the last three lustrums.

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Il presente lavoro ha il proposito di determinare le relazioni tra il principio federativo e la competenza tributaria dell' Unione Federale per istituire contributi. Avendo come parámetro l' ordinamento giuridico brasiliano, specialmente la Costituzione Federale promulgata nel 1988, si fá un esame del modello di federazione adottato in Brasile, e dell' importanza della divisione dei redditi tributari ( attribuire le competenze e reparti dell'ufficio imposte) tra i diversi enti federali per l'effettiva esistenza di questa forma di Stato. A partire da questo esame, si analizza la competenza dell'Unione Federale per creare contributi, tributi che, inizialmente, non há il prodotto del suo introito una compartizione con Stati-membri e Municipi e nemmeno si sottomettono in un ambito di incidenza previamente delimitato, cosí come accade con le imposte.
Considerando che il limite principale al potere tributario, nell'ambito dei contributi, é positivo, consistendo la necessaria applicazione dei valori riscossi in certe finalitá, socialmente rilevanti, con il proposito di rendere effettivi diritti fondamentali di seconda e terza dimensione si valuta sino a che punto l'ottimizzazione di questi valori sociali puó offuscare il principio federativo; si esamina ancora se tali valori o mete sociali, sono realmente ottimizzati con la istituzione dei contributi, o se questa specie di tributazione non viene utilizzata appena come forma di burlare la divisione dei redditi tributari tracciati nella Costituzione specialmente in virtú della "Svincolazione degli incassi dell'Unione - DRU" inserita negli Atti delle Disposizioni Costituzionali Transitorie, che autorizza che i valori riscossi attraverso i contributi siano applicati per scopi diversi da quelli determinati all'istituzione e alla richiesta.
Finalmente si procede ad una analisi critica della Giurisprudenza del Supremo Tribunale Federale pertinente al tema. Il proposito dello studio, in fine, é quello di provocare un riesame dell' argomento, specialmente perché la reltá fatto-normativa alla cui luce la dottrina e la giurisprudenza si sono manifestate sul medesimo, si é alterata sensibilmente negli ultimi tre lustri.

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Ce travail à l’intention de déterminer les relations entre le principe fédératif et la compétence de l’Union Fédérale pour instituer des contributions. Ayant comme paramètre l’ordonnance juridique brésilienne, spécialement la Constitution Fédérale promulguée en 1988, on fait un examen du modèle de fédération adoptée au Brésil, et de l’importance de la division de rentes tributaires (attribution de compétences et partage de recettes) entre les diverses entités fédérées pour l’existence effective de cette forme d’État. Á partir de cet examen, on analyse la compétence qu´a l’Union Fédérale pour créer des contributions, des tributs qui en principe, n’ont pas le produit de sa perception partagé avec des États-membres et des Communes, ni se soumettent à un plan d’incidence préalablement délimité, à l’exemple de ce qui se passe avec les impôts.
En estimant que la limite principale pour le pouvoir tributaire dans le plan des contributions est positive, ce qui consiste en l´application nécessaire des ressources perçues dans certaines finalités socialement considérables, avec le but d’effectuer des droits fondamentaux de deuxième et de troisième dimensions, on évalue jusqu’à quel point l’optimisation de ces valeurs sociales peut voiler le principe fédératif ; on examine encore si de telles valeurs ou des mesures sociales sont vraiment en train d’être optimisées avec l’institution de contributions, ou bien si cette espèce tributaire n’est pas en train d’être utilisée seulement comme une façon de frauder le partage de rentes tributaires tracée par la Constitution, spécialement face à la « Desvinculação de Receitas da União[1] – DRU », insérée dans l’Acte des Dispositions Constitutionnelles Transitoires, en autorisant que les valeurs perçues avec les contributions soient appliquées dans de différentes finalités de celles qui lui ont déterminé l’institution et la perception.
Finalement, on met en pratique une analyse critique de la jurisprudence du Suprême Tribunal Fédéral concernant le thème. Le but de cette étude est, en somme, celui de provoquer un réexamen du sujet, spécialement parce que la réalité facto-normative à la lumière de laquelle la doctrine et la jurisprudence se sont manifestées à propos du thème a subi une sensible altération au cours des trois derniers lustres.
[1] Détachement de Recettes de l’Union.

Pérolas em sites de venda de monografias

Como examinador em bancas de defesa de monografias (graduação e especialização em Direito), vejo verdadeiras pérolas. E vejam só: em trabalhos de conclusão de curso de nível superior, e, ainda por cima, em área ligada às chamadas ciências humanas, setor no qual se presume pelo menos algum conhecimento da língua.
Já havia feito postagem a respeito do interesse pela literatura, e da importância desta para o estudante de Direito (http://direitoedemocracia.blogspot.com/2007/12/literatura.html)
Recentemente, porém, deparei-me com problema muito maior. A venda de trabalhos. Os que são "clonados" da internet, pegamos inserindo algumas de suas frases no google. Mas os que são comprados em sites de "encomenda" de monografia, que prometem "trabalhos inéditos", são mais difíceis de desmascarar.
Comecei a me impressionar com defesas de monografias até razoáveis de alunos que, até onde os conhecia, não teriam condições de escrever aquilo. E, na defesa, se atrapalhavam, revelando não conhecer bem o que ali estava escrito. Foi quando descobri os tais sites de venda de monografias, e, o que é pior, são todos eles REPLETOS DE ERROS DE PORTUGUÊS!!Dêem uma conferida em http://www.estudopronto.com/express_service.htm , onde se acha "A Estudo Pronto, sempre atenta com as necessidades de seus clientes, ESTÃO TRAZENDO até você mais uma solução Universitária", ou então - essa é de matar - "O EXPRESS SERVICE é oferecido somente para o que necessitão de um trabalho com extrema urgência"...NECESSITÃO??? Putz, nem minha filha, que há pouco saiu da alfabetização, escreve uma barbaridade destas. E isso, note-se, num site que se oferece para fazer trabalhos escolares, até de nível de pós-graduação, para pessoas "modernas" que "não têm tempo"....
E o site ainda tem como "lema" a frase "O futuro começa aqui". Fico, então, a divagar: que futuro será esse? Qual o futuro de alguém que se vale de tais "serviços"?
Como todo objeto pode ser visto pelos mais diversos prismas, esse fato, visto sob o ângulo da Teoria do Direito, mostra o acerto da afirmação de que a norma nem sempre pode para com a "força dos fatos".
Sempre me impressionou a relação - ou o diálogo, para usar as palavras do Professor Martônio Mont'Alverne - entre norma e fato, ou entre faticidade e validade (Habermas). Se a "força normativa dos fatos" sempre prevalecesse sobre as normas, não adiantaria normatizar nada. Se, por outro lado, a norma pudesse tudo alterar em face da realidade factual, seria muito fácil modificar a realidade, o que não parece ser verdade, sobretudo quando se analisa o texto da Constituição brasileira de 1988.
Mas, voltando aos sites de monografias, eles mostram uma coisa em relação à "força dos fatos": a norma passou a exigir a feitura de uma monografia de fim de curso como forma de melhorar o nível destes e a qualidade de seus alunos, mas a parte "torta" da realidade sempre arranja uma maneira de continuar torta, entortando mais ainda as coisas. Mais ou menos como a lei seca no início do Século XX, nos EUA, que em vez de acabar com os alcoólatras criou os gangsters.
Em suma: se o sujeito é N.Q.O ("não quer ovo"), não tem jeito.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Notas sobre Democracia, Igualdade e Liberdade

O link para o texto que referi na postagem anterior, em formato PDF, está com um problema que ainda não consegui resolver. Diante disso, e como o texto não é longo, resolvi postá-lo diretamente no blog:

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Notas sobre democracia, liberdade e igualdade

Introdução


Não é rara a utilização de idéias geralmente aceitas em uma comunidade para a obtenção de resultados que delas não necessariamente decorrem. O uso desse recurso presta-se para, diante de eventual oposição, afirmar-se simplesmente que o opositor está a questionar as premissas (que a maioria aceita), para com isso desacreditá-lo sem que se tenha de entrar no debate – que é essencial – relativo ao (inexistente) fio condutor entre premissas e conclusões.
É o que ainda se verifica, na atualidade,[1] com alguns aspectos da idéia de democracia, notadamente em sua relações com liberdade e igualdade.
Afirma-se que os direitos ligados à liberdade, conquistados modernamente[2] no âmbito das revoluções burguesas, seriam fruto de uma visão ultrapassada do Estado. O Estado atual não seria mais apenas “de Direito”, mas também “Social” ou “Democrático de Direito”, a teor do que dispõe o art. 1.º da Constituição Federal de 1988, e por isso mesmo os direitos inerentes à liberdade deveriam ser relativizados ou ponderados. Aqueles que se insurgem contra uma “relativização” de sua liberdade, nesse contexto, são rapidamente acusados de partidários de um liberalismo ultrapassado, situados ainda no Século XIX e cegos à realidade social.[3]
Mas, do mesmo modo, também há quem afirme que a promoção de direitos ligados à igualdade, através da atuação do Poder Público, relaciona-se com um perfil de Estado que a História mostrou ser terrivelmente supressor de liberdades, e que também está ultrapassado, sobretudo depois da queda do muro de Berlim. A Constituição de 1988, neste ponto, por conter inúmeros resíduos dessa visão de Estado, estaria defasada e pesada, atravancando o desenvolvimento econômico do País.
É curioso, nesse contexto, como um mesmo documento – no caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988 – tenha partes de seu texto defendidas e atacadas, reciprocamente, por pessoas que se dizem suas defensoras. Em ambos os lados, algumas agem sinceramente, acreditando no que defendem. Outras não: seus propósitos são inconfessáveis. Mas todas afirmam agir em nome da democracia. Revela-se, com isso, o acerto de Neil MacCormick quando afirma que, no debate jurídico, “a insinceridade é ainda mais reveladora que a sinceridade”[4], pois o simples fato de alguém tentar inventar uma justificativa plausível (e apenas aparente) revela que o próprio defensor do ato em discussão considera que seus verdadeiros motivos são inaceitáveis. Mas não só. Mostra-se, também, a retidão do que afirma Giovanni Sartori, segundo o qual “a democracia se transformou numa palavra universalmente honorífica”,[5] sendo certo que, para os inimigos da democracia, “a melhor forma de evitá-la é fazê-lo em seu nome e com seu próprio nome”.[6]
Neste pequeno artigo, faz-se análise de alguns aspectos da relação entre democracia, liberdade e igualdade. Parte-se, de início, do modelo grego de democracia, adotado por volta do Século IV a.C. Não como mera ilustração histórica, tão freqüente quanto desnecessária em muitos trabalhos acadêmicos, tampouco porque se pense que tal modelo de democracia é isento de defeitos, mas precisamente pelo contrário: buscar-se-á, à luz de seus defeitos, das críticas que lhe foram feitas e das experiências posteriores, a indicação de caminhos sobre como não resolver os problemas que eventualmente se apresentam à democracia no mundo contemporâneo.

1. Democracia na Grécia antiga
1.1. Preliminarmente
Não é o caso, aqui, de se aprofundar o exame em torno das origens da democracia, dos aspectos geográficos, sociais e políticos que levaram ao seu surgimento na Grécia do Século IV a.C.[7] Será suficiente, para os propósitos desde texto, relembrar, em linhas gerais, suas características centrais. Sobretudo suas deficiências, e suas qualidades. Isso é importante, principalmente, porque – como observa Del Vecchio – o estudo da história fornece material, reflexões e experiências que “a um homem só, no decurso da vida, seria impossível ocorrer.”[8] Desprezá-la, continua Del Vecchio, conduz à mesma situação que a do “artífice actual que, agora, seria incapaz de ser o inventor de todos os instrumentos da sua arte.”[9]

1.2. Premissas fundamentais
A democracia na Grécia do Século IV a.C, notadamente em Atenas, orientava-se basicamente por três premissas: a igualdade, a liberdade e o respeito pela lei. A todos do povo – conceito assaz restrito, como adiante será visto – era lícito participar dos assuntos de interesse da coletividade. Aliás, não apenas lícito, mas verdadeiramente necessário.
É importante destacar, contudo, que à época ainda não havia uma idéia de “indivíduo”, oponível ao “Estado”, o que só surgiu na idade moderna. O cidadão ateniense tinha direitos e obrigações; mas estes direitos não eram atributos de indivíduos privados e estas obrigações não eram forçadas por um estado dedicado à manutenção de uma estrutura que visava a proteger os fins privados de certos indivíduos.[10] As idéias de “indivíduo” e “sociedade” em face do “estado” só surgiram na idade moderna, com teóricos como Maquiavel e Hobbes.[11] Tais noções não existiam na Grécia do Século IV a.C, até porque o que havia, na época, era um “autogoverno”. As decisões eram tomadas e as leis feitas com a participação de todos, à luz do melhor argumento, e não em face de costumes ou da força bruta. O ateniense não se via livre de qualquer restrição, mas traçava a distinção entre a restrição que é decorrente de sua sujeição à arbitrariedade de outro homem, e a que decorre da lei, em cuja feitura ele participou, e cuja necessidade de respeito ele reconhece, podendo se considerar, nesse sentido, auto-imposta.[12]
Questões difíceis, em face das quais seria difícil obter consenso, eram resolvidas à luz da opinião da maioria, no âmbito de processo no qual todos os interessados tinham oportunidade de participar.[13] Pode-se dizer, pois, que o Estado de Direito e o devido processo legal teriam seus germes aqui.
Havia dois critérios ou formas de manifestação da liberdade: i) viver como escolher; ii) governar e ser governado.[14] O exercício da segunda forma de liberdade, em tese, pode mitigar a primeira, mas se todos participam igualmente das decisões do governo (governar e ser governado), essa mitigação não ocorre de forma significativa, pois ter-se-ia o “ser governado como se escolheu”. Liberdade e igualdade, portanto, estavam umbilicalmente ligadas, somente sendo possível o exercício de uma porque se assegurava, também, a outra. Iss porque realmente não há como “governar e ser governado” se não houver igualdade na participação das deliberações relativas aos assuntos da polis.[15]
Quanto à sua forma de funcionamento (nomenclatura de órgãos, sua composição, funcionamento etc.), trata-se de aspecto cujo aprofundamento não seria pertinente neste texto. Entretanto, cabe registrar que os cidadãos atenienses reuniam-se em Assembléia 40 vezes ao ano. O quorum para instalação era de 6 mil cidadãos. Essa Assembléia decidia assuntos como a declaração de guerra, a tributação, o ostracismo etc.
Buscava-se a unanimidade, que, evidentemente, nem sempre era obtida. Em relação às questões mais difíceis, nas quais havia profunda divergência entre os atenienses, a Assembléia era uma forma de dar uma solução ao problema, pois a decisão tomada encontrava legitimidade tanto por haver sido acolhida pela maioria como por permitir a participação (por meio da argumentação) de todos os interessados.
Mas a Assembléia, composta de um número tão grande de pessoas, não tinha condições de administrar seu próprio funcionamento, decidir quando e como os assuntos seriam a ela submetidos, esboçar a legislação que depois seria submetida à sua aprovação, elaborar sua agenda etc. Para isso, existia um “Conselho de 500”, que era auxiliado nesse mister por um “Comitê de 50”, que tinha um presidente como líder. Tal presidente, contudo, só poderia ocupar o cargo por um dia.
É importante observar que quase todos os servidores eram eleitos para um período não renovável de um ano. Para evitar os vícios e os problemas decorrentes da eleição direta (v.g., clientelismos), existiam mecanismos para preservar a responsabilidade de prestação de contas dos administradores, e os servidores eram designados para o desempenho de tarefas por meio de sorteio,[16] havendo rotatividade no exercício das mesmas.
De tudo isso, se pode extrair, em suma, os seguintes aspectos fundamentais: a) responsabilidade de quem age em nome da coletividade; b) rotatividade no exercício da função pública; c) sorteio para o preenchimento de cargos.
1.3. Críticas à sua estrutura
A primeira crítica que se pode dirigir à democracia grega – e a mais usualmente verificada – é a de que eram cidadãos os atenienses homens, livres e maiores de vinte anos.[17] Descendentes de imigrantes, mulheres, crianças, escravos etc. não tinham direito a voto nem à participação nos assuntos da polis. Por essa razão, David Held chega mesmo a questionar se, a rigor, pode-se efetivamente referir a estrutura ateniense da época como sendo uma democracia.[18] Talvez esse exclusivismo, com as tensões e os conflitos dele decorrentes, tenha sido uma das razões pelas quais a democracia grega não persistiu por muito tempo.
Outra crítica – feita especialmente por seus contemporâneos, como Platão – é a de que a democracia trata todos os homens como iguais, sejam eles iguais ou não. Na verdade, para os críticos, assim como um barco deve ser liderado por seu comandante, e não pelo que decidir a maioria dos marinheiros ignorantes, a Polis deve ser governada por sábios.
Objetivamente, para Platão, os principais problemas da democracia são: i) os governantes, preocupados em obter e manter popularidade, não tomam as decisões nem adotam as posturas corretas, em situações difíceis, quando isso é necessário; ii) a maioria pode tomar decisões precipitadas, movida pela paixão, ou influenciadas por uma retórica falaciosa, em relação às quais ela própria pode arrepender-se depois; iii) a maioria pode vir a adotar decisões ou posturas contrárias à lei, e, portanto, arbitrárias.[19]
Na visão dos críticos, a melhor forma de governo seria aquela em que os filósofos tivessem o poder e decidissem a respeito dos assuntos de interesse coletivo. Essa visão está muito claramente delineada em A República, embora, em obras de sua maturidade (O Político e As Leis), Platão tenha admitido a necessidade de alguma forma de consenso e participação populares para manter o governo.

2. O que se extrai da crítica aos “defeitos” da democracia grega
2.1. A questão da igualdade e da inaptidão do povo. Governo de sábios
A história é rica de exemplos de formas de governo que não consagram a igualdade entre governantes e governados, e que atribuem a um governante supostamente “iluminado” o comando do Estado. Numa demonstração de que não há linearidade na história, e para não alongar muito o texto, podemos nos contentar com a remissão às monarquias absolutistas da Europa do final da Idade Média e aos regimes totalitaristas da primeira metade do Século XX.
Tais exemplos mostram a magnitude do problema, e o acerto da célebre frase proferida por Winston Churchill em discurso na Casa dos Comuns, em 11 de novembro de 1947, de que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.[20]
É verdade que as pessoas não são iguais, que umas são mais preparadas que outras, e que não seria adequado deixar-se que a opinião das despreparadas, que talvez seja maioria, determine os destinos da coletividade. Tais premissas são corretas, e realmente seria muito bom um governo de sábios, filósofos preparadíssimos. A questão, contudo, está em saber: i) quem determinaria quem são os sábios? ii) quem imporia limites aos sábios?
A imprestabilidade da afirmação de que um governo de sábios seria melhor que uma democracia é análoga à da afirmação de que justiça é o ideal de “dar a cada um o que é seu”, eis que o ponto questionado é justamente “o que é de cada um”.
Para que a idéia de um governo de sábios fosse boa, ou pelo menos factível, seria necessário que tais sábios fossem infalíveis, que fosse possível diferenciá-los em meio à coletividade, e que a pessoa incumbida de os escolher e indicar fosse ainda mais sábia e também infalível, o que, já se vê, conduz a um regresso ao infinito.
A questão é muito bem colocada por Pontes de Miranda, que escreveu:
“Certamente, em matéria de ciência ou de técnica, a opinião de um só indivíduo pode valer mais e ter mais razão contra a de muitos. Em assuntos de interesse imediato de muitos, a de muitos, ou de todos, tem de valer mais. Pelo menos, evita que o interesse de poucos prevaleça sobre o de muitos. (...) O que é preciso é que seja o povo que decida dos seus destinos, desde os menores círculos políticos. A inserção de alguém que adote soluções sem ter sido escolhido pelo povo, ou por alguém a que o povo atribuiu escolher, cria o núcleo monocrático, que, se irresponsável, se torna, aos escorregos, autocracia.”[21]

A crítica de que a democracia é ruim, por permitir que despreparados sejam tratados de forma igual aos sábios, portanto, não procede. Não porque o defeito não seja verdadeiro, mas porque para ele não há remédio. Ou, talvez, até existam remédios, mas todos de efeitos colaterais muito, mas muito piores que a doença.
Assegurando-se a igualdade na participação no processo democrático, será o tempo, e a própria democracia, que selecionará as propostas e os representantes, fazendo com que permaneçam no poder os sábios – pelo menos os que assim são considerados pela maioria – e não os ineptos.

2.2. A questão do eventual açodamento da maioria. Rigidez constitucional
Outro defeito apontado na democracia grega, como visto, é o de permitir que a maioria tome decisões apressadas, das quais depois se arrepende, e que não obedecem a limites preestabelecidos. Em outras palavras, a maioria, na Grécia, não conhecia limites jurídicos, podendo tomar decisões arbitrárias.
Talvez esse seja um dos pontos (juntamente com o federalismo e a tripartição de poderes) em que se pode afirmar que os teóricos modernos e contemporâneos criaram ou inovaram em relação aos gregos, e não apenas repetiram o que já teria sido por eles descoberto ou anunciado. Com efeito, o mencionado defeito mostra a necessidade de instituições rígidas, pré-estabelecidas, as quais nem a maioria deve poder modificar, o que se obtém precisamente através de uma Constituição rígida.
Por conta disso, Pontes de Miranda, depois de apontar a importância do surgimento das Constituições rígidas para o aperfeiçoamento da democracia,[22] observa que elas
“protegem a liberdade, a democracia e a maior igualdade contra o impulso puxante para o remoto, contra o impulso de descida à horda, que se produz na multidão-povo, que é a multidão passageira, acidental, e na multidão-religião, ou, ainda, na multidão-exército.”[23]

No mesmo sentido, Ronald Dworkin destaca que
“We may better protect equal concern by embedding certain individual rights in a constitution that is to be interpreted by judges rather than by elected representatives, an then providing that the constitution can be amended only by supermajorities.”[24]

É preciso muito cuidado, portanto, quando se fala, hoje, em “nova constituinte”, e quando se critica a carta constitucional vigente com suposto amparo no que seriam os “interesses do povo”. Mesmo que as premissas fossem verdadeiras – muitas vezes não são – por elas não se poderia abdicar da rigidez constitucional, sob pena de se incorrer nos mesmos vícios da democracia grega, de cujas conseqüências a História dá seu testemunho.

2.3. Liberdade e igualdade. Conciliação no prestígio à dignidade da pessoa humana
Não basta, contudo, para aperfeiçoar a democracia em face dos defeitos que seus próprios críticos apontaram, que se atenda a exigência formal relativa ao estabelecimento de uma Constituição rígida. Algo mais há de ser assegurado, sobretudo em relação ao conteúdo dessa Constituição.
Nesse ponto, até hoje, as divergências são intermináveis, sobretudo no que toca à liberdade, e à igualdade. Seja como for, o que importa é que, atualmente, considera-se de forma pacífica que o poder da maioria não é absoluto, devendo respeito à dignidade da pessoa humana, e aos direitos que dela decorrem. Com essa exigência, somada à rigidez constitucional, se corrige o defeito apontado à democracia grega, de que a maioria eventualmente tomava decisões arbitrárias, contra as quais nada se podia fazer.[25] Atualmente, entende-se que o princípio democrático encontra alguns limites, devendo a vontade da maioria submeter-se aos direitos humanos, não podendo, por exemplo, tomar decisões ou formular prescrições de caráter retroativo (em face da segurança jurídica), ou supressoras da liberdade, da igualdade, do direito ao meio ambiente saudável etc.
Nesse ponto, convém notar que o excessivo prestígio dado a uma das dimensões de direitos inerentes ao prestígio da dignidade da pessoa humana pode levar à supressão não só de direitos de outras dimensões, mas daquele mesmo de cujo excessivo prestígio se cuida. Liberdade excessiva, que permita a uma pessoa exercer suas faculdades sem limites, certamente faz com que se acentue a desigualdade, e outras pessoas não possam exercer sequer seu direito à liberdade. Da mesma forma, assegurar a igualdade, de forma a suprimir a liberdade das pessoas de serem diferentes, suprimirá o direito à liberdade, que é traço diferenciador do homem,[26] e a própria igualdade, pois as pessoas às quais se delegar o papel de “igualar forçadamente” as demais seguramente terão privilégios que as tornarão diferentes.
Fábio Konder Comparato observa, a propósito da mais eloqüente tentativa – pelo menos em tese - de implantar a igualdade entre os membros de uma comunidade, o socialismo – que a
“hipotética ‘ditadura do proletariado’ cedo transformou-se na real e crudelíssima ditadura do secretário-geral do Partido Comunista. E o pretendido e anunciado desaparecimento do Estado cedeu lugar à montagem do mais formidável aparelho estatal de todos os tempos.”[27]

Notável, a esse respeito, é a observação de Mario Vargas Llosa. Para ele, hoje
“sabemos que a centralização da economia suprime a liberdade e multiplica cancerosamente a burocracia, e que, com essa, ressurge uma classe privilegiada ainda mais inepta do que a que Orwell crucificou em seu ensaio, igualmente ávida e perversa na defesa desses privilégios, fazendas, permissões especiais, monopólios, níveis de vida, que acarreta o exercício do poder vertical numa sociedade que, devido à falta de liberdade, aquilo é intocável e onímodo. ... Agora sabemos que o Estado é a representação real e concreta de um povo somente como ficção jurídica, mesmo nas democracias, onde essa ficção está muito menos alienada da sociedade do que sob os regimes de força. No mundo real, o Estado é patrimônio de uma determinada coletividade que, se acumula um pode desmedido que lhe assegura o controle de toda a economia, termina usufruindo-o em seu proveito contra os interesses daquela economia à qual, em teoria, representa. (...) Isso traz como conseqüência piores formas de privilégio e de injustiça que as permitidas por uma economia privada, nas mãos da sociedade civil que, se estiver bem regulada por um regime legal e submetida à vigilância de um Estado independente e democrático, pode ir abrindo oportunidades e diminuindo essas diferenças sociais e econômicas que Orwell, o socialista libertário, nunca deixou de combater.”[28]

Ronald Dworkin, a esse respeito, escreve que, embora seja relativo o sentido e o alcance que cada comunidade – e, por conseguinte, cada ordenamento jurídico – atribui à dignidade da pessoa humana, e especialmente aos seus desdobramentos, pode-se sempre partir de duas premissas fundamentais, a saber: i) todo ser humano tem direito de desenvolver plenamente os seus potenciais; ii) todo ser humano tem a responsabilidade pelo desenvolvimento pleno de seus potenciais.[29]
Tais premissas são, em outras palavras, representações dos princípios da igualdade e da liberdade. As pessoas têm de ter – todas elas – condições para desenvolver seus potenciais, assegurando-se-lhes saúde, educação etc. Mas também têm responsabilidade sobre como desenvolver esses potenciais, não sendo compatível com sua liberdade – e, por conseguinte, com sua dignidade – que outrem lhe diga, ou pior, lhe imponha como fazê-lo.
Lapidar sua definição de igualdade, pois corrige o que em seu nome se quis fazer nos regimes socialistas, e que implica (a história o mostra) insuportável supressão da liberdade. Como a igualdade – decorrência da dignidade humana – impõe como conseqüência permitir a todo ser humano que desenvolva ao máximo suas potencialidades, tem-se que a igualdade reclama igualdade de oportunidades, mas não de resultados.
Houvesse igualdade de resultados, suprimir-se-ia a liberdade, e a conseqüente responsabilidade pelas escolhas, que dela decorre. Foi exatamente o que se assistiu nas economias socialistas, com o agravante da ditadura que nelas se instaurou de forma definitiva,[30] em mera substituição de uma classe dominante por outra. Em ilustrativa comparação com o jogo Monopoly, no Brasil conhecido sob o nome de Banco Imobiliário, Dworkin escreve:
“Suppose, for example, a radically egalitarian economic policy that collects all the community´s resources once a year and redistributes them equally so as to cancel out all the transactions of the past year and leave people free to start all over again on equal terms. That would be like sweeping up all the Monopoly money and property every quarter of an hour and beginning again, which would of course ruin the game because then no choice would have any consequences for anyone. It would not matter what anyone did. The radical egalitarian economic policy would have the same result at least financially: people would be insulated from the economic consequences of their acts therefore unable to take any responsibility for the economic dimension of their own lives. In such a world I could not stay in school longer in order to hold a higher-paying job later or economize now in order to educate my children better or make a screwd investment in hopes of realizing a profit. None of these choices would make any sense because I would end in the same economic position whatever I did; I could take no financial responsibility for my own choices because my own choices would have no financial consequences at all.”[31]

E, para Dworkin, entre liberdade e igualdade, nesses termos, não há conflito. Em suas palavras, “political communities must find un understanding of each of these virtues that shows them as compatible, indeed that shows each as an aspect of the other.”[32]
A partir dessas duas premissas, que ele batiza de common ground, em torno das quais praticamente não há dissenso, pode-se argumentar – sincera e racionalmente – em torno de quais medidas são necessárias e adequadas para atingir tais finalidades. Isso, aliás, conduz à última parte deste texto.

2.4. Transparência e sinceridade nas discussões. Publicidade
Outro defeito apontado na democracia grega diz respeito ao uso de falácias e sofismas para convencer o povo a tomar (ou aceitar) certas decisões. Trata-se, mais uma vez, de defeito talvez menos ruim que o das demais formas de governo experimentadas pela humanidade ao longo da História. Seria o caso de tentar corrigi-lo, ou minimiza-lo, em vez de utiliza-lo para atacar a idéia de democracia como um todo.
Esse problema, aliás, também foi colocado por Ronald Dworkin, na obra já referida neste texto,[33] preocupado com a pobreza do debate político nos Estados Unidos atualmente, que tem sido conduzido muito mais com amparo no marketing, no uso abusivo dos meios de comunicação de massa, na manipulação de questões religiosas, na feitura de associações descabidas que polarizam de modo irracional a sociedade americana.[34]
Para ele, é necessário restabelecer o debate racional, aberto e sincero de idéias, para que se possa implementar verdadeiramente a democracia e resolver – em um sentido ou em outro, não importa – as questões relevantes à coletividade,[35] a partir das premissas apontadas no item anterior deste texto.
Isso mostra a importância dos direitos fundamentais de quarta dimensão, ligados à democracia, à informação e ao pluralismo. A democracia presta-se a que o direito tenha por conteúdo aquele desejado pela maioria dos que a ele se submetem, sendo complementada pelo direito à informação, que a viabiliza (permitindo ao povo fazer escolhas e conhecer o que se faz em seu nome), e ao pluralismo (impondo o respeito, pela maioria, às minorias).
Deve-se ter muito cuidado, também, com a invocação vazia e genérica do “interesse da coletividade”, ou do “interesse público”, como fundamento para hipertrofiar os poderes do Estado. Para que haja sinceridade e transparência nas deliberações e nas decisões em torno dos valores consagrados em determinada sociedade, esses valores devem ser sopesados diretamente, e não com um ideal e vazio “interesse público”.[36]
Assim como na Grécia, ao longo de toda a história os tiranos – à cata da necessária legitimidade – “têm sempre um comportamento demagógico: apóiam-se no povo contra os aristocratas ou os oligarcas, mas raramente buscam realizar o bem comum de todos.”[37] Observa-se, com efeito, mesmo modernamente, que o burocrata tem instinto infalível para a conservação do seu poder, o que o leva “sempre a procurar mais e mais atribuições, como condição de eficiência administrativa, e a tudo recobrir com o manto do segredo, por razões de alegado ‘interesse público’.” [38]
Não se deve aceitar que alguém, em nome do povo, pratique atos fundamentados apenas no que supostamente seria o interesse do povo, sem observância a outros limites, porque “jamais interesse algum estará protegido se a parte interessada não pode decidir por si e defender seu interesse”.[39] É preciso que o governante se submeta a limites – os Direitos Fundamentais. Do contrário, corre-se sério risco. Primeiro porque não existe um interesse do povo, sobretudo em sociedades pluralistas como as pós-modernas. Segundo – escreve Sartori – porque é muito difícil que alguém que não o próprio povo saiba qual é o seu interesse. E, finalmente, porque ter-se-ia, nesse caso, uma demofilia, e não uma democracia, em face da qual se tem sorte se o déspota for benevolente. Mas – conclui Sartori –
“e se não o for? Por que deixar ao acaso o que pode ter salvaguardas? É claro que se pode dizer que o sol não se levante amanhã. Talvez, mas é extremamente improvável (com referência a amanhã). É possível que um macaco sentado diante de uma máquina de escrever produza um romance; mas a probabilidade é desoladoramente pequena. Da mesma forma, é possível que, num regime de Estado despótico e declaradamente antiliberal, os súditos sejam mimados por um déspota benevolente, inteiramente dedicado ao altruísmo. No entanto, a ligação entre ditadura e filantropia é um ‘possível extremamente improvável’, ao passo que a ligação entre o poder do povo e benefícios para o povo é uma possibilidade intrínseca e extremamente provável.”[40]

3. Conclusões
Em razão do que foi visto ao longo deste pequeno ensaio, podemos concluir, em síntese, o seguinte:
a) a democracia grega tinha como principais defeitos o fato de permitir a participação de despreparados na condução dos assuntos de interesse da coletividade; a ausência de limites aos poderes da maioria; a possibilidade de a maioria ser levada ao erro por oradores falaciosos e o seu elevado exclusivismo;
b) quanto à participação de despreparados, trata-se de defeito que só mesmo a própria democracia, e o seu efetivo exercício pelo povo, pode corrigir. Todos os regimes alternativos, nesse ponto, são piores, pois a questão, se se trata de escolher um “iluminado” para governar, em saber quem será esse iluminado, quem o limitará e quem terá poderes para o escolher;
c) quanto à possibilidade de a maioria chegar a conclusões açodadas, das quais depois se arrepende, e que podem ser arbitrárias, a solução, encontrada modernamente, está no estabelecimento de constituições rígidas, nas quais se prestigiem direitos inerentes à preservação da dignidade da pessoa humana (direitos fundamentais);
d) tais lições são importantes para que se saiba, hoje, à luz da história, o que pode ocorrer quando se abre mão da supremacia constitucional, e dos direitos fundamentais, em face do que seria a “vontade de maioria”, ou, o que é ainda pior, do que seria supostamente do “interesse público”, conceito altamente indeterminado em torno do qual os déspotas de vários lugares e tempos ocultaram suas mais inconfessáveis pretensões.


Referências

COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito, 5.ed., tradução de Antonio José Brandão, Coimbra: Armênio Amado Editor Sucessor, 1979.
DESWARTE, Marie-Pauline. “L’intérêt général dans la jurisprudence du Conseil Constitutionnel”, em Revue Française de Droit Constitutionnel et de la Science Politique em France et a létranger, nº 13. Paris : Presses Universitaires de France – PUF. 1993.
DWORKIN, Ronald. Is Democracy Possible Here? (Principles for a new political debate), Princeton University Press: Princeton, 2006.
GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? A genealogia filosófica de uma grande aventura humana, tradução de Cláudia Berlinger, São Paulo: Martins Fontes, 2003.
HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia.
LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras, tradução de Cordélia Magalhães, São Paulo: Arx, 2004.
MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito, tradução de Waldéa Barcellos, São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Interesse público e direitos do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007.
MIRANDA, Pontes de. Democracia, Liberdade e Igualdade – Os três caminhos, Campinas: Bookseller, 2001.
_________. Comentários à Constituição de 1967, v.1, São Paulo: RT, 1967.
SARTORI, Giovanni. A Teoria da democracia revisitada – vs. 1 e 2 – O debate contemporâneo, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Ática.
VILLEY, Michel. Filosofia do Direito – definições e fins do direito. Os meios do direito, tradução de Márcia Valéria Martinez Aguiar, São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Notas

[1] Não se tem a pretensão de dar alcance “global” a esse modesto trabalho. Assim, embora o fenômeno tratado no texto possa ocorrer em outros lugares do globo, e em outras áreas, quando se refere o que “acontece atualmente”, tem-se em mente a realidade brasileira, sobretudo no que pertine ao debate em torno do Direito Constitucional e dos demais subconjuntos a ele mais diretamente ligados, como é o caso do Direito Eleitoral, do Direito Tributário e do Direito Administrativo.
[2] A expressão modernamente, aqui, não se refere a algo contemporâneo, mas como designação de acontecimento havido no período histórico imediatamente posterior à Idade Média. As divisões na História, como as classificações em geral, têm algo de arbitrário, não sendo possível estabelecer um marco preciso e exato a partir do qual uma idade teria começado e outra terminado, sobretudo porque a história não é linear. De qualquer modo, o texto se reporta, nesse particular, ao período imediatamente posterior às revoluções havidas na Europa e na América entre os Séculos XVII e XIX, através das quais governos monárquicos foram substituídos por democracias representativas.
[3] Essa argumentação é frequentemente invocada pelos que representam o Estado, em especial em processos judiciais, no âmbito de suas relações com o cidadão-contribuinte. Preconiza-se que os direitos deste último sejam relativizados, ou mitigados, porque oriundos de uma visão liberal ultrapassada, cega para uma realidade social que, pelo menos em tese, seria corrigida pelo Estado com a arrecadação do valor em disputa.
[4] MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito, tradução de Waldéa Barcellos, São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 19. A natureza “reveladora” a que se refere MacCormick diz respeito à cientificidade do estudo do direito. Com efeito, por mais que não se tenha a “objetividade” das ciências exatas, não se pode falar que a resolução de problemas jurídicos seja completamente subjetiva, a tornar inviável o debate racional. Tanto que o defensor de uma postura arbitrária não poder dizer, simplesmente, que “para ele” aquilo é justo, e assim encerrar a questão. Tem de valer-se da insinceridade na exposição de seus motivos, cabendo aos seus opositores, então, demonstrar a improcedência dos motivos (aparentes) invocados.
E a experiência mostra que isso realmente ocorre, não só no debate jurídico, mas em todos aqueles em que se questionam valores e, por isso mesmo, se aplica a lógica dialética, e não a lógica formal. Dificilmente alguém adota uma postura arbitrária sem procurar, de alguma forma, dar a ela uma justificativa aparente, para tentar torná-la legítima. É preciso obter a aceitação do grupo, nem que seja com o uso de um pretexto. Ao proibir a mulher de trabalhar, o marido machista e ciumento alega, de forma muito gentil, que assim é melhor para as crianças, que ficarão próximas da mãe, e quem sabe para ela própria, que viverá mais descansada. Em tom grave, diz aceitar o sacrifício de sustentar a família, por ser muito bom e generoso. Não admite, naturalmente, que terá ciúmes de eventuais colegas de trabalho. Tampouco confessa que se sentirá diminuído diante o sucesso profissional de sua companheira, e que entrará em crise se a remuneração dela tornar-se maior que a sua. Da mesma forma, ao promover a invasão de um país no oriente médio, representante de superpotência ocidental não afirma estar disposto a sacrificar vidas, a soberania do país e todo o Direito Internacional apenas para se apropriar do petróleo ali situado. Não. Em tom bondoso e até de sacrifício, alega estar protegendo o povo do local, estabelecendo a democracia e afastando um ditador malvado.
[5] SARTORI, Giovanni. A Teoria da democracia revisitada – v. 1 – O debate contemporâneo, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Ática, p. 18.
[6] SARTORI, Giovanni. A Teoria da democracia revisitada – v. 1 – O debate contemporâneo, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Ática, p. 19.
[7] Confira-se, a propósito, HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 13 e ss. E ainda GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? A genealogia filosófica de uma grande aventura humana, tradução de Cláudia Berlinger, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 9 e ss.
[8] DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de Filosofia do Direito, 5.ed., tradução de Antonio José Brandão, Coimbra: Armênio Amado Editor Sucessor, 1979.p. 31.
[9] Idem, ibidem.
[10] HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 17. No mesmo sentido: GOYARD-FABRE, Simone. O que é democracia? A genealogia filosófica de uma grande aventura humana, tradução de Cláudia Berlinger, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 56.
[11] Para Michel Villey (Filosofia do Direito – Definições e Fins do Direito. Os meios do direito. tradução de Márcia Valéria Martinez de Aguiar, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 127), o individualismo teria seu germe em Santo Tomás de Aquino. No mesmo sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, passim.
[12] HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 17.
[13] Em certo sentido, não é isso o que preconizam os contemporâneos teóricos do pós-positivismo, relativamente ao conceito de verdade pós-moderno, à legitimação pelo procedimento etc.?
[14] HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 19.
[15] Nesse sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 473.
[16] Como explica Fábio Konder Comparato, a designação de cidadãos pelo sorteio, e não por eleição, “procedimento que hoje nos causa o maior espanto – a razão política era, evidentemente, impedir a ascensão, acima do povo, de personalidades individuais muito marcadas; procurava-se impedir no nascedouro o estabelecimento de tiranias.” (Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 569)
[17] Simone Goyard-Fabre reporta-se, no texto já referido em nota anterior neste artigo, à idade de dezoito anos (e não vinte) como necessária à aquisição do status de cidadão. Tal divergência (David Held, no texto também anteriormente mencionado, faz alusão a vinte anos, posição adotada neste artigo), contudo, não tem qualquer relevância para a análise da democracia grega, e muito menos para as lições que dela se pretende extrair neste artigo.
[18] HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 23.
[19] Cf. HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 29.
[20] “Democracy is the worst form of government except from all those other forms that have been tried from time to time.” Citação obtida na enciclopédia Wikipedia, em
[21] MIRANDA, F.C Pontes de. Democracia, Liberdade, Igualdade, Os Três Caminhos, Campinas: Bookseller, 2001, p. 141.
[22] Op. cit., p. 43.
[23] Op. cit., p. 43.
[24] DWORKIN, Ronald. Is Democracy Possible Here? (Principles for a new political debate), Princeton University Press: Princeton, 2006, p. 144.
[25] Cf. HELD, David. Modelos de Democracia, tradução de Alexandre Sobreira Martins, Belo Horizonte: Paidéia, p. 29.
[26] COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 409.
[27] Op. Cit., p. 383. Pontes de Miranda, no mesmo sentido, observa que, a propósito de instituir sociedade sem Direito e sem Estado, o socialismo fez surgir um Estado totalitário e um Direito extremamente injusto. (Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, v.1, São Paulo: RT, 1967, p. 49.

[28] LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras, tradução de Cordélia Magalhães, São Paulo: Arx, 2004, 214.
[29] “These two principles – that every human life is of intrinsic potential value and that everyone has a responsibility for realizing that value in his own life – together define the basis and conditions of humanity dignity.” (DWORKIN, Ronald. Is Democracy Possible Here? (Principles for a new political debate), Princeton University Press: Princeton, 2006, p. 10).
[30] Ainda a propósito da ditadura do proletariado, Giovani Sartori observa que não existe ditadura provisória. Isso porque “como obrigar uma ditadura a cumprir uma promessa? Em particular, como obrigá-la a cumprir a promessa de se destruir a si mesma? A resposta é absolutamente simples: não há como. Uma ditadura é, por definição, um Estado sem controle; controla as pessoas que lhe são submetidas sem ser controlado por elas. Portanto, é evidente que no que diz respeito à ditadura, não há possibilidade de se cumprirem promessas; toda promessa é vazia ex hypothesi. (...) Prometer uma liberdade que deve passar primeiro pelo túnel de uma ditadura é como queimar o dinheiro necessário para o pagamento a ser feito amanhã.” (A teoria da democracia revisitada, v.2, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Atica, p. 279)
[31] Op cit, p. 102/103.
[32] Is Democracy Possible Here? (Principles for a new political debate), Princeton University Press: Princeton, 2006, p 11. No mesmo sentido: COMPARATO, Fábio Konder. Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 555.
[33] Is Democracy Possible Here? (Principles for a new political debate), Princeton University Press: Princeton, 2006, pp. 22, 133 e passim.
[34] Por exemplo: se o cidadão acredita em Deus e é contrário ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, deve ser contrário também às ações afirmativas, às garantias processuais dos suspeitos de ligação com o terrorismo etc.
[35] Em suas palavras “If we aim to be a partnership democracy, on the other hand, the degraded state of our political argument does count as a serious defect in our democracy because mutual attention and respect are the essence of partnership. We do not treat someone with whom we disagree as a partner – we treat him as an enemy or at best as an obstacle – when we make no effort either to understand the force of his contrary views or to develop our own opinions in a way that makes them responsive to his. The partnership model so described (Dworkin fala aqui do modelo por ele proposto) seems unattainable now because it is difficult to see how Americans on rival sides of the supposed culture wars could come to treat each other with mutual respect and attention.” (op. Cit., p. 133)
[36] Nesse sentido: MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Interesse público e direitos do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007, passim.
[37] COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit., p. 638.
[38] COMPARATO, Fábio Konder. Op. Cit., p. 640.
[39] SARTORI, Giovani. A teoria da democracia revisitada, v.2, tradução de Dinah de Abreu Azevedo, São Paulo: Atica, p. 281.
[40] Op. Cit., p. 282/283.
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