domingo, 20 de janeiro de 2008

A fonte



Na postagem anterior, referi uma obra de Dworkin, e esqueci de mencionar detalhes sobre ela, que permitissem eventual consulta à fonte.

O livro, cuja capa reproduzo ao lado, intitula-se "Is Democracy Possible Here? - Principles for a new political debate" (Princeton: Princeton University Press, 2006). Até onde sei, não foi traduzido. Encontrei-o por acaso, em dezembro de 2006, na livraria que fica ao lado da NYU. Está disponível também na Amazon.

Confesso que foi um dos melhores que já li. Além de excelentes lições para a Teoria dos Direitos Fundamentais, e para a Teoria do Direito em geral, o livro ainda permite melhor compreensão da realidade americana (que tem problemas muito semelhantes aos nossos, não sendo o "paraíso" que muitos imaginam), sendo a prova concreta de que nem todos os americanos são e pensam como seu atual presidente.

Numa época em que, nos meios intelectuais, existem diversos focos de "anti-americanismo", a sua leitura nos mostra que esse sentimento é tão equivocado quanto o de imaginar que todo alemão é nazista, todo carioca é malandro, que todo baiano é preguiçoso, que muitos gaúchos... Bom, deixa para lá.

Brincadeiras à parte, o livro relata com detalhes absurdos em matéria de direito eleitoral (na eleição de Bush), de direito penal (Guantánamo), de direito internacional (Iraque), e conta com a crítica dura e autorizada de seu autor, que ainda incursiona em temas como a separação entre Igreja e Estado (e a supressão de Darwin do currículo de algumas escolas públicas), as uniões de pessoas do mesmo sexo, a tributação e os direitos sociais, liberdade de iniciativa e meio ambiente etc.

Em relação à liberdade, ele faz interessante observação a respeito dos conservadores americanos. Defendem a liberdade quando cuidam do direito ambiental e do direito do trabalho, mas são inteiramente contrários à liberdade, sendo a favor de forte intervenção estatal, quando o assunto é a preferência sexual. Esquecem, porém, que, no primeiro caso, o exercício da liberdade pode trazer sérias repercussões sobre terceiros, enquanto que no último não. Ser livre para derrubar árvores não é o mesmo que ser livre para acreditar em Deus ou para ter essa ou aquela preferência sexual... Como, então, defender a primeira forma de liberdade, e ser radicalmente contrário à segunda?

Encontrei algo semelhante na biografia de Bill Clinton (também muito boa, sobretudo para compreendermos melhor a história recente, a política e o direito americanos, devendo-se dar um desconto apenas nas referências pessoais, naturalmente, por se tratar de uma autobiografia), quando ele se reporta à excessiva proteção que os conservadores dão à família enquanto instituição. À deles - complementa Clinton, com ironia - pois a de seus empregados pouco lhes importa, o que revelam quando são contrários a licença para tratamento de saúde de familiares e outros direitos sociais destinados à manutenção da unidade familiar do trabalhador.

Bom, mas já estou divagando demais. O trecho que referi, na postagem, está na página 11, e diz o seguinte:

“These two principles – that every human life is of intrinsic potential value and that everyone has a responsability for realizing that value in his own life – together define the basis and conditions of human dignity, and I shall therefore refer to them as principles or dimensions of dignity.”

Foi nesse livro que encontrei, também, uma das melhores indicações sobre como se deve solucionar, em uma democracia, o (aparente) conflito entre liberdade e igualdade, tendo até feito referência a isso no artigo que publiquei, em PDF, algumas postagens atrás, que tive de elaborar como tarefa de uma das disciplinas de meu doutorado.

Ah... Parece até conversa de bar, depois de algumas doses, quando um assunto começa a puxar outro: quem também tem excelente livro sobre o tema é Pontes de Miranda (Democracia, Liberdade, Igualdade, os três caminhos), também citado no tal artigo, que postei em 7/9/2007.

Um comentário:

George Marmelstein disse...

Hugo,
tem plena razão quanto a essa incoerência dos conservadores norte-americanos (e do resto do mundo também).
É curioso como eles consideram, por exemplo, que a defesa do nazismo e do racismo está protegida pela liberdade de expressão, mas a pornografia não.
Ou então defendem a autonomia da vontade até mesmo quando a vida está em jogo, mas condenam, inclusive criminalmente, o homossexualismo...
Idolatram o "pacta sunt servanda", mas quando o mercado começa a enlouquecer ou a dar prejuízo correm para o Estado para aprovarem leis que beneficiem seus interesses, mudando completamente as regras do jogo (ver caso das empresas aéreas ou de energia elétrica).
Enfim, a liberdade conservadora é meio "de fachada" ou "de mão única". Se servir aos interesses "do mercado" é bem-vinda. Do contrário, é libertinagem.