terça-feira, 25 de março de 2008

Apropriação indébita previdenciária

Acabei de ver no informativo do STF:


Apropriação Indébita Previdenciária e Natureza


O Tribunal negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão do Min. Marco Aurélio, que determinara o arquivamento de inquérito, do qual relator, em que apurada a suposta prática do delito de apropriação indébita previdenciária (CP, art. 168-A: “Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:”). Salientando que a apropriação indébita previdenciária não consubstancia crime formal, mas omissivo material — no que indispensável a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva —, e tem por objeto jurídico protegido o patrimônio da previdência social, entendeu-se que, pendente recurso administrativo em que discutida a exigibilidade do tributo, seria inviável tanto a propositura da ação penal quanto a manutenção do inquérito, sob pena de preservar-se situação que degrada o contribuinte.
Inq 2537 AgR/GO, rel. Min. Marco Aurélio, 10.3.2008. (Inq- 2537)


Essa notícia me motivou a trazer o tema à discussão.

Trata-se do seguinte: é constitucional o tipo penal previsto no art. 168-A do CPB? Haveria, de fato, APROPRIAÇÃO, ou será que o empregador não teria duas dívidas, ou dois credores? 92% do salário deve ser pago do empregado, e 8% deve ser pago ao INSS (hoje, Receita Federal)?


Sobre o tema, escrevemos - a Raquel e eu - no livro do ICET relativo às sanções penais tributárias, o seguinte:
"18.1) O art. 2.º, II, da Lei 8.137/90 e o art. 168-A do CPB representam, ou podem representar, hipótese de prisão por dívida tributária? Há como interpretá-los sem fazê-los entrar em conflito com o art. 5.º, LXVII, da CF/88? Por que a pena prevista no primeiro é inferior à imposta pelo segundo?
Quanto à apropriação indébita tributária e previdenciária, os dispositivos penais a elas pertinentes têm a seguinte redação:
“Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de:
I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;
II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;
III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.
(...)

A primeira questão que se coloca, então, é a de saber se não está prevista, nos artigos transcritos, hipótese específica de prisão por dívida tributária. A segunda, como já acenamos, consiste em indagar por qual razão a “apropriação” de contribuições previdenciárias enseja a aplicação de pena mais gravosa que a “apropriação” de outros tributos.
Quanto ao problema de saber se há, no caso, típico exemplo de prisão por dívida tributária, há quem afirme que não se trata de mera dívida, mas de apropriação, o que afastaria a incidência do dispositivo constitucional que veda a prisão por dívida. Não nos parece, contudo, que a questão possa ser resolvida de modo assim tão simplista.
Há apropriação quando o infrator, estando na posse de coisa alheia móvel em função do consentimento de seu dono, não lha devolve ou não a entrega a quem de direito animado pelo propósito de dela apoderar-se, ou seja, de dela tornar-se o proprietário. É necessário, portanto, que exista uma coisa móvel, e que essa “coisa” seja legitimamente posta sob a posse do infrator. Essa, aliás, é a grande distinção entre a apropriação e o furto, pois enquanto neste último o infrator subtrai indevidamente a coisa da esfera de disponibilidade de seu titular, na apropriação indébita a coisa é legitimamente entregue ao infrator, e a ilicitude está em sua não-devolução.
Naturalmente, deve estar presente, também, para que se caracterize a apropriação indébita, o propósito de tornar-se proprietário da coisa. Se esta não for entregue por razões diversas desse propósito do infrator de fazer-se proprietário, não há apropriação.
Antes de continuarmos examinando essa questão, entretanto, dois esclarecimentos se fazem necessários:
(i) a lei não é livre para batizar de apropriação o que apropriação não é, para, com mero jogo de palavras, tentar afastar a incidência de dispositivos constitucionais que vedam a prisão por dívida. Assim, não é porque o não pagamento do tributo está rotulado de “apropriação” que, só por isso, de apropriação realmente se tratará; e, o mais importante,
(ii) o fato de não se configurar a apropriação indébita não quer dizer que a conduta do infrator não seja ilícita, ou que a dívida não subsista e deva ter seu adimplemento obtido com o uso de todos os meios que a ordem jurídica oferece. Esse segundo esclarecimento é da maior relevância porque não são poucos os que, no debate dessa questão, confundem a configuração do crime com a idéia de que a dívida existe e deve ser paga. Age-se como se a conclusão pela inexistência de apropriação indébita fosse “absurda” porque liberaria o contribuinte para realmente para jamais pagar o que deve e tornar-se legitimamente o proprietário dos recursos que deveriam ser entregues ao Fisco. Uma coisa, porém, não tem nada a ver com a outra: o fato de não haver crime no mero não pagamento não quer dizer que o pagamento não deva acontecer.
Feitos esses esclarecimentos, examinemos se há, no caso, efetiva “apropriação”, no sentido técnico do termo.
De saída, contudo, deve ser reconhecida a inconstitucionalidade do § 1.º, II, do art. 168-A do CPB, acima transcrito, por configurar nítida e indiscutível hipótese de prisão por dívida. As contribuições previdenciárias das quais o sujeito seja contribuinte e responsável, quando não recolhidas sem qualquer fraude ou ocultação, representam pura e simplesmente uma dívida tributária. O argumento de que foram consideradas despesas ou custos contábeis que relativos à venda de mercadorias, e que por isso mesmo teriam sido “embutidas” nos preços e pagas pelos consumidores, não conduz à conclusão de que seu não recolhimento implique uma apropriação. Isso porque não apenas as contribuições previdenciárias, mas todos os custos e despesas de um empreendimento são – ou pelo menos se procura que sejam – repercutidos nos preços dos produtos e serviços oferecidos à sociedade.
Assim, ao se admitir que o § 1.º, II, do art. 168-A do CPB não trata de clara hipótese de prisão por dívida, também ter-se-ia de admitir que qualquer dívida não paga, no exercício de qualquer atividade profissional ou econômica, enseja “apropriação”, sendo o correspondente inadimplemento passível de tipificação penal. Ao admitir tal conclusão, o art. 5.º, LXVII, da CF/88, e nada, equivalerão precisa e exatamente à mesma coisa.
Exemplificando, o advogado deve cobrar honorários que o permitam pagar o IPTU da sede de seu escritório, o ISS incidente sobre seus serviços, o material de escritório adquirido, a remuneração de uma secretária, de um contínuo, a ajuda de custo de um estagiário, a conta de energia elétrica e assim por diante. Não se pode pretender, por isso, que o não pagamento da conta de energia, porque se trata de custo já embutido dos honorários cobrados do cliente, seja tipificado como “apropriação”. Do contrário, repita-se, o não pagamento de toda e qualquer dívida contraída no âmbito de uma atividade econômica, se inadimplida, configuraria “apropriação”.
Entretanto, quanto ao caput, que trata de contribuição retida pelo sujeito na condição de responsável tributário, ainda se poderia falar em apropriação, eis que o responsável “retém” valor que a rigor deveria ter sido pago ao empregado, obrigando-se a repassá-lo ao Fisco.
Ainda nesse caso, porém, como é necessária a existência de “algo” a ser apropriado, afasta-se de plano, por não preencher o tipo, a hipótese na qual o contribuinte tem recursos para pagar apenas o “líquido” de sua folha de salários, não havendo recursos disponíveis para o pagamento das contribuições. Imagine-se, por exemplo, que o contribuinte tem folha de salários no valor de R$ 1.000,00, e a contribuição que deveria ser “retida” sobre tais salários é de R$ 200,00[1]. Tendo os R$ 1.000,00 em caixa, caso entregue os R$ 800,00 diretamente aos seus empregados, mas não recolha os R$ 200,00 à previdência, poderia-se falar na configuração da “apropriação”. Entretanto, caso o contribuinte esteja em dificuldades e só possua R$ 800,00, que entrega diretamente aos seus empregados, qual “coisa” ou “objeto” terá sido objeto da apropriação? Coisa nenhuma, não havendo crime à míngua de algo a ser apropriado. É claro que existe a dívida, que tem de ser honrada pelo contribuinte, se for o caso com a execução de seu patrimônio, mas não existe crime. Como aponta Vicente Oscar Diaz, “para no caer en error se debe considerar que, en primer lugar, solo puede decirse que existe falta de ingreso de retenciones cuando las mismas se hubiesen practicado realmente existiendo fondos líquidos para ello, porque de lo contrario se estaría en una ficción jurídica o en una aplicación por analogía contraria a los postulados del derecho penal.”[2]
Considerando, ainda, a necessidade da presença do dolo para a configuração do crime, só o propósito do contribuinte de apropriar-se, tornar-se proprietário dos valores. Se o pagamento não ocorre por outras razões, também não há crime (confira-se, a propósito, a resposta à pergunta 18). Nesse contexto, se o contribuinte não paga o tributo “retido”, mas escritura e declara ao Fisco a retenção e o seu dever de recolher o valor correspondente, não há a intenção de apropriar-se dele. E se a retenção é feita, mas não é escriturada nem declarada, há crime, mas sua tipificação já se encontra prevista no art. 1.º da Lei 8.137/90.
Fora disso, não há apropriação, mas uma dívida, e criminalizá-la também implica desrespeito ao art. 5.º, LXVII, da CF/88.
Não se afirme que o responsável pela retenção está, no caso, se apropriando de algo, porque isso na verdade não ocorre. E alguns exemplos o esclarecerão muito facilmente.
Suponha-se que uma pessoa jurídica faça um pagamento para uma pessoa física. Do valor contratado deverá ser retido o IRFonte. Assim, por exemplo, se uma sociedade comercial remunera um professor de Direito para a elaboração de um parecer jurídico, e são contratados honorários no valor de R$ 10.000,00, a contratante deverá pagar ao contratado R$ 7.250,00, e recolher R$ 2.750,00 de IRFonte.[3] Se o IRFonte não for recolhido, dir-se-á, estará configurado o crime previsto no art. 2.o., II, da Lei 8.137/90, ainda que não tenha havido omissão, fraude, ocultação, falsificação ou adulteração de qualquer livro, documento ou declaração fiscal. Mas será que houve mesmo apropriação?
Vejamos.
Se a pessoa jurídica contratante não tivesse pago nada do que contratara com o parecerista, teria havido apropriação? Não. Apenas subsistiria a dívida relativa aos honorários contratados.
E se a pessoa jurídica contratasse o pagamento dos honorários em duas parcelas, e pagasse apenas a primeira, mantendo-se inadimplente com a segunda, teria havido apropriação? Não. Apenas subsistiria a dívida relativa à segunda parte dos honorários.
Então, por que o parcelamento desses honorários, com a entrega de 72,5% ao prestador do serviço, e 27,5% ao Fisco credor desse mesmo prestador, configura apropriação? Sinceramente, não vemos qualquer diferença entre essa divisão da dívida, e o enquadramento jurídico do inadimplemento de qualquer das duas parcelas, e as duas divisões e inadimplementos apontados nos parágrafos anteriores.
Convém insistir, mesmo correndo o risco de sermos enfadonhos, que não se está aqui defendendo a licitude desse não pagamento. Não se está defendendo que os valores podem validamente permanecer com o devedor. Não se está afirmando que o inadimplemento é louvável, digno, moral, nada disso! Apenas se está pondo em dúvida a caracterização de algo diverso e mais grave que uma simples dívida, o que é coisa diversa.
A não ser assim, e dado ao termo “apropriação” o sentido coloquial e amplo que parece ser o empregado pelos artigos em questão, o não pagamento de toda e qualquer dívida será uma apropriação, tornando letra morta o disposto no art. 5.º, LXVII, da CF/88, que dispõe: “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.
Nem discutiremos, aqui, o argumento fundado na literalidade do dispositivo, que se reporta apenas à prisão civil, pelo que a prisão penal estaria autorizada. Com a devida vênia aos que com ele se impressionam, o mesmo é completamente infundado, como demonstra Hugo de Brito Machado[4], em argumentos que poderiam ser assim sintetizados:
(i) os dispositivos constitucionais, notadamente os que tratam de direitos fundamentais, não podem ser interpretados literalmente;
(ii) a prisão civil é algo muito menos grave, e menos ofensivo à liberdade e à dignidade do preso, que a prisão penal. Se o inadimplemento de uma dívida não pode ensejar a primeira, com muito mais razão não pode, também, ensejar a segunda.[5]
Assim, e em suma, os artigos que cuidam da chamada “apropriação indébita previdenciária”, e do “não-pagamento de tributos retidos ou descontados”, podem em tese ser interpretados conforme a Constituição, caso se entenda que exigem, para a configuração do crime: (i) dolo específico, representado pelo propósito de apropriação dos valores, propósito este revelado pela prática de atos no sentido de ocultar a dívida correspondente, inviabilizando sua cobrança pelo Fisco; (ii) efetiva existência de valores com os quais o pagamento pudesse ocorrer.
Entendidos como a punição do mero inadimplemento, são inconstitucionais, como já decidiu, aliás, o Tribunal Regional Federal da 5.ª Região:
“Penal. Processual Penal. Habeas Corpus Preventivo. Trancamento de Ação Penal. Apropriação Indébita Previdenciária. Não Recolhimento de Contribuições Deduzidas. Ausência de Dolo Específico. Rejeição da Denúncia.
1. A lei penal não pode descrever como crime o mero não pagamento, posto que não é lícito ao legislador comum contornar proibição inserta na Lei Maior, que vedou a prisão por dívidas, ressalvadas as exceções que ela própria consagrou;
2. O crime de apropriação indébita previdenciária não se exaure com o mero deixar de pagar, exigindo dolo específico de se apropriar os valores, iludindo o Fisco, razão por que não comete o crime quem registra todos os débitos em sua contabilidade e não dispõe de ativos suficientes para a quitação dos tributos questionados;
3. A denúncia para ser apta deve conter a descrição de todos os elementos constitutivos do ilícito;
4. Ordem concedida para o trancamento da ação penal.”[6]

Em seu voto, o ilustre relator consignou:
“O ilícito da apropriação indébita previdenciária (seja na definição dada antigamente pela Lei n.º 8.212/91, seja na dada pelo novo art. 168-A do Código Penal) não pode ser havido como omissivo próprio, exaurindo-se com o inadimplemento. Se o não pagar constituísse o crime em questão, este seria inconstitucional. Se a Constituição interditou a prisão por dívida, entendendo que a liberdade é valor superior ao patrimônio, não poderia o legislador infraconstitucional superar a proibição e lograr o intento interditado pela Carta Política erigindo à condição de crime o não pagar. Com este expediente o legislador contornaria a vontade constitucional inserindo a proteção patrimonial acima da liberdade na medida em que o inadimplemento, não podendo ser combatido com a prisão civil, o seria com a prisão penal.
Para a configuração do crime não basta o não pagamento. Exige-se a existência do valor e, ou a intenção de apropriar-se dele, ou de iludir o Fisco, inibindo o lançamento. No caso dos autos, o Ministério Público não se preocupou em descrever tais elementos que são essenciais à existência do ilícito em foco. Ou dito de outra forma, a conduta descrita na denúncia não configura ilícito penal.”[7]

Em outro aresto, o mesmo TRF da 5.ª Região deixou claro que a fraude, a ocultação de fato, ou adulteração de documentos, são elementos indispensáveis para caracterizar a “apropriação”. Entendeu, a nosso ver com inteiro acerto, que “o procedimento adotado pelo acusado de registrar na contabilidade da empresa, todos os seus débitos, revela-se incompatível com a intenção de se apropriar dos valores das contribuições.”[8]
Essa interpretação conforme a Constituição, porém, pode gerar incongruências relativamente às penas fixadas, notadamente entre o art. 1.º, e o art. 2.º da Lei 8.137/90, o que pode recomendar efetivamente a declaração de inconstitucionalidade do inciso II do art. 2.º referido.
Realmente, e aqui passamos a responder a segunda parte da pergunta, o art. 2.º, II, da Lei 8.137/90 impõe pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa para a retenção e o não-pagamento de tributos e contribuições de uma maneira geral, enquanto o art. 168-A do CPB impõe pena de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa, para a retenção e o não-pagamento de contribuições previdenciárias, distinção para a qual não parece haver justificativa plausível.
Poder-se-ia dizer que existe um “valor social” mais forte subjacente às contribuições previdenciárias, mas isso não é justificativa para a diferenciação. Com efeito, os impostos em geral também são utilizados para finalidades de grande importância social. E, além disso, o art. 2.º, II, da Lei 8.137/90 abrange também outras contribuições, como a COFINS, a CSLL e a CPMF, que têm finalidade social tão ou mais importante que as contribuições especificamente previdenciárias.[9]
Há, então, tratamento penal desigual para situações equivalentes.
Duas soluções, aqui, são possíveis.
Uma é entender que o art. 168-A do CPB é inconstitucional, por violação ao princípio da isonomia, o que faria a “apropriação indébita previdenciária” subsumir-se ao tipo – e submeter-se à pena – do art. 2.º, II, da Lei 8.137/90. Essa solução parece-nos correta caso se entenda a “apropriação” com a amplitude que foi combatida na resposta à primeira parte desta pergunta, ou seja, abrangente realmente do mero inadimplemento, desacompanhado de fraude, equivocadamente considerado como uma “apropriação”.
Entretanto, como essa maior abrangência ao conceito de “apropriação” nos parece inconstitucional, sendo indispensável para a configuração do tipo que os tributos “retidos” não sejam pagos em virtude de fraude, omissão ou adulteração de documentos, lançamentos contábeis ou declarações etc., propomos solução diversa para o citado conflito de normas.
Não é possível impor à apropriação, considerado o tipo em interpretação conforme a Constituição, como delito menos grave que o previsto no art. 1.º da Lei 8.137/90. Ou o crime é o mesmo, ou a apropriação é mais grave. Não menos. Não há, portanto, como interpretar o art. 2.º, II, da Lei 8.137/90 conforme a Constituição, pois não faria sentido nele estar tipificada conduta igual ou mais grave que a do art. 1.º, com a imputação de pena menor, o que não ocorre caso o mesmo seja simplesmente suprimido da ordem jurídica por vício de invalidade, hipótese na qual a conduta nele tipificada passaria a estar abrangida pelo art. 1.º. da mesma lei. Essa solução faz inclusive desaparecer o conflito decorrente da diversidade das penas para ilícito da mesma natureza, pois tanto o art. 1.º da Lei 8.137/90 como o art. 168-A do CPB impõem a pena de reclusão de 2 a 5 anos, e multa.[10]
NOTAS

[1] Os valores são fictícios, apenas para facilitar o exemplo, e não necessariamente guardam relação com as alíquotas atualmente em vigor.
[2] Vicente Oscar Diaz, “Criminalizacion de las infracciones tributarias”, artigo publicado no volume de apoio das XIX Jornadas Latino-Americanas de Direito Tributário, Lisboa: ILADT, 1998, livro 4, p. 92.
[3] Não consideramos, no exemplo, para facilitar o cálculo, as deduções relativas ao limite de isenção, e ao intervalo submetido à alíquota de 15%.
[4] Hugo de Brito Machado, Estudos de Direito Penal Tributário, São Paulo: Atlas, 2003, p. 21 e ss.
[5] Parece-nos completamente sem razão, data maxima venia, o argumento segundo o qual a criminalização da mera dívida tributária seria juridicamente possível porque “a garantia constitucional excludente da prisão por dívida decorre do inadimplemento da relação obrigacional situada no campo do Direito Privado. Já a sonegação situa-se no campo do Direito Público, alcançando seu objeto a própria política econômica, afetando o patrimônio público, repercutindo na arrecadação, com reflexo nas atividades do Estado...” (Ac un da 3ª T do TRF da 1ª R - ACr 96.01.04926-6 - Rel Juiz Fernando Gonçalves - DJU II de 19.08.1996, p.58561). Ora, a vedação constitucional não diferencia credores “privados” de credores “públicos”. Além disso, em um Estado que se pretende Democrático de Direito não se concebe que ser devedor de um empregado, de um fornecedor, ou de um prestador de serviços não possa ser considerado crime, mas ser devedor do Poder Público o seja. Não bastasse a flagrante violação ao princípio da isonomia, a própria ordem jurídica coloca créditos de natureza “privada” em posição privilegiada relativamente ao crédito tributário, no caso de insolvência da empresa.
[6] Ac un da 2.ª T do TRF da 5.ª Região – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – HC 1.549-CE – Impetrante: Schubert de Farias Machado – Impetrado: Juízo Federal da 12.ª Vara, Fortaleza/CE – Paciente: (...) – DJU II de 20.05.2003, p. 649.
[7] Fls. 298 dos autos do HC 1.549-CE – Processo n.º 2002.05.00.026441-5 – Ementa publicada no DJU II de 20.05.2003, p. 649.
[8] Ac un da 1.ª T do TRF da 5ª R - Rel.: Juiz Ubaldo Ataíde Cavalcante - Apelação Criminal n° 1.745/AL (97.05.19560-9) - j. 02.12.00 - DJU 2 de 12.5.2000, p.510 – Revista Dialética de Direito Tributário n.° 58, p.196.
[9] Confira-se, a propósito, Heloisa Estellita: “O Princípio Constitucional da Isonomia e o Crime de Omissão no Recolhimento de Contribuições Previdenciárias (Art. 168-A, § 1.º, I, Código Penal)”, em Direito Penal Empresarial, coord. Heloisa Estellita, São Paulo: Dialética, 2001, p. 93 e ss.
[10] Subsistiria, é certo, a inconstitucionalidade do tratamento diferenciado dado às hipóteses de extinção da punibilidade, como aponta Heloisa Estellita no trabalho antes referido "




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