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"Ordem pública justifica invasão domicilar na madrugada
por Priscyla Costa
Não há direito de caráter absoluto, mesmo os direitos fundamentais, quando o que está em jogo é outra garantia legal: a da ordem pública. Com este entendimento o ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, sustentou que a colocação de escutas telefônicas durante a madrugada no escritório do advogado Virgílio Medina não desrespeitou a inviolabilidade domiciliar prevista no artigo 5º, XI, da Constituição Federal.
Virgílio Medina é parte do Inquérito 2.424 instaurado contra ele, contra seu irmão, o ministro afastado do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina e mais três acusados de participar de um esquema de venda de sentenças judiciais para favorecer o jogo ilegal. Os ministros julgam nesta quinta-feira (20/11) se aceitam a denúncia contra os investigados.
Foram juntadas aos autos provas conseguidas por meio de escutas instaladas no escritório de Virgílio Medina. A Constituição Federal só permite a invasão domiciliar com ordem judicial durante o dia. A defesa do advogado argumentou que a invasão do escritório de Virgílio Medina correspondeu a uma invasão ilegal de domicílio. Por isso, as provas resultantes desse procedimento deveriam ser consideradas inválidas.
A preliminar foi rejeitada. Prevê o artigo 5º, XI, da CF: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Peluso afirmou que essa inviolabilidade perde seu caráter absoluto quando o conceito de casa, ou domicílio, deixa de servir como moradia e trabalho, para atingir fins de ilegalidade.
Outra questão que foi levantada é a exceção à regra. Segundo Peluso, não havia outro meio de instalar as escutas telefônicas no escritório de Virgílio Medina que não fosse durante a madrugada. “Os aparelhos não poderiam ser colocados na frente de todas as pessoas. É preciso observar, nesse caso, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade”, disse o relator.
O ministro Cezar Peluso ressaltou que o horário do procedimento policial não foi omitido nos autos do inquérito, pelo contrário consta em todos os relatórios “A intenção da autoridade policial foi garantir a eficácia da medida, daí se legitima sua legalidade”, considerou.
Votos vencidos
Ficaram vencidos, nesta preliminar, os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Eros Grau, que consideraram transgredida a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar. Marco Aurélio foi quem abriu divergência. “O subjetivismo não pode agraciar esses autos. Vivemos em um Estado de Direito no qual as regras são expressas, O fato de alguém ser suspeito e investigado não permite flexibilizar qualquer garantia constitucional”, observou o ministro.
Marco Aurélio alertou para o fato de que a questão levantada no inquérito como vem sido enfrentada pelo STF, tem admitido permitir a presunção da culpa, quando o que a Constituição Federal preceitua é a presunção da inocência. Isso é feito quando é permitida a invasão do ambiente de trabalho, que para o ministro está comparado à residência e domicílio, durante a madrugada, quando a Constituição deixa claro que só pode ser feita durante o dia, mesmo com autorização judicial.
“Desvio de conduta não permite fechar a Constituição Federal, nem relativizar os direitos ali expressos e assegurados”, ressaltou Marco Aurélio. Segundo ele, não foi observada a proporcionalidade, porque há outros meios de investigação que não colocam em risco preceito da Constituição Federal. “Houve invasão ao escritório, como se não bastassem as interceptações. Não tenho como entender legítimo esse procedimento, nem o argumento de que era o único meio de se conseguir formular provas. Fico até atônito com o que este tribunal está se permitindo construir”, finalizou.
O ministro Celso de Mello acompanhou Marco Aurélio. Ele considerou que ficou clara a invasão de domicílio e disse que a proporcionalidade conta a favor do réu e não da pretensão punitiva do Estado. “O processo penal deve ser concebido como instrumento de salvaguarda do réu e não de perseguição do Estado”, disse.
De acordo com o decano da Corte, a cláusula constitucional da inviolabilidade atinge qualquer aposento e espaço privado conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal. “Desrespeitado esse preceito, fica infringida a Constituição”, asseverou. Para Celso de Mello, o direito à intimidade e à privacidade limitam constitucionalmente os poderes do Estado, que deve observar essas garantias. “No processo penal, prática ilegal atinge resultado ilegal. A Constituição protege os bons homens e os maus homens”, destacou Celso de Mello.
Eros Grau tinha votado pela rejeição da preliminar, mas mudou sua posição depois de ouvir as considerações de Marco Aurélio e Celso de Mello. O ministro Gilmar Mendes declarou voto com a maioria, mas se mostrou inclinado à tese dos colegas vencidos. “Estamos diante de um belo caso”, ressaltou.
Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2008"
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O caso é muito delicado, e merece exame bastante cuidadoso.
Não sei - honestamente - se concordo com a conclusão do julgado. Talvez concorde, mas preciso pensar mais a respeito.
Escrevo logo este post, mesmo antes de "pensar mais a respeito" da conclusão, por discordar, totalmente, do fundamento.
Dizer que a garantia não se aplica ou "perde seu caráter absoluto quando o conceito de casa, ou domicílio, deixa de servir como moradia e trabalho, para atingir fins de ilegalidade" é perigosíssimo! Sempre o policial, quando invade a casa de alguém, o faz por considerar que ali existe, ou pode existir, alguém que pode estar usando o domicílio para a prática de ilegalidades. Aliás, se se admitisse, como chegou a se admitir nos EUA, que a homossexualidade é crime, um policial poderia invadir a casa de um cidadão no meio da noite, só para ver se ele não estaria por acaso usando seu domicílio para encobrir a prática de crimes.
O fundamento - insisto em dizer que ainda não sei se concordo com a conclusão, acho que sim - deveria ter sido outro!
Por exemplo: o escritório é considerado domicílio (e sou suspeito aqui para concordar com isso, pois o
leading case em que isso foi firmado cita o meu "Processo Tributário" -
clique aqui e vá até a página 33) porque nele, na parte não aberta ao público, as pessoas têm o direito de trabalhar sem serem molestadas em sua intimidade. Mas isso acontece em um escritório em horário de expediente, no qual a autoridade só pode entrar munida de ordem judicial, e não acontece em um escritório fechado de madrugada, onde não tem ninguém trabalhando. É o inverso, aqui, do que acontece na casa, onde a inviolabilidade é absoluta à noite para preservar o sujeito de ser arrancado de sua cama ainda de pijamas, da forma mais indigna possível, como não raro acontecia há não muito tempo. O motivo do caráter absoluto da inviolabilidade, no caso do escritório vazio na madrugada, não está presente.
Em suma: em um escritório à noite, vazio, não há intimidade a ser preservada. Pelo menos não uma que não pudesse ser devassada durante o dia. Daí a possibilidade de invasão.
Agora... Mudando de assunto, mas ainda no mesmo tema: dá para alimentar bastante as mentes dos que têm mania de conspiração e de perseguição. Ainda bem que não tenho nada a esconder, pois de vez em quando chego no escritório de manhã e acho que algumas coisas não estão exatamente no lugar em que eu as havia deixado... Se fosse esotérico (o que não sou em absoluto), diria que foram os duendes. Mas, agora, dá até para pensar que foi a PF!