terça-feira, 25 de novembro de 2008

Pseudo-profundidade

Freqüento com alguma habitualidade o Le Diner, restaurante aqui de Fortaleza que funciona de forma interligada com uma livraria Siciliano. Jantando por lá um dia desses, na saída, vi um "Guia Ilustrado Zahar de Filosofia" (clique aqui), de Stephen Law, e comprei, atraído pela aparência: o livro parece muito - no formato e nas ilustrações - com guias turísticos publicados pela Folha. Dimensões pequenas, volumoso, papel couché, colorido...
Quando o começei a ler, tive uma agradável surpresa. É claro, direto, e usa linguagem simples, sem prejuízo da completude das informações.
Evidentemente, é apenas um guia. Um ponto de partida para uma pesquisa mais profunda. Mas é ótimo para tirar dúvidas de forma rápida sobre dados biográficos de filósofos, ou sobre características dessa ou daquela escola ou corrente filosófica. Trata desde os pré-socráticos (sem esquecer também nomes da filosofia oriental), até Rawls, Habermas, Nagel e outros pensadores contemporâneos.
Bom, mas este post eu faço por conta do que acabo de ver, nesse livro, sobre a "pseudo-profundidade". Inspirado no post anterior, sobre a rapadura, achei que a seguinte transcrição teria toda pertinência:

"A arte de soar profundo pode ser dominada com facilidade. Você também pode fazer declarações aparentemente profundas e significativas, caso se disponha a seguir algumas regras simples. Primeiro, tente afirmar o incrivelmente óbvio. Mas faça-o m-u-i-t-o  d-e-v-a-g-a-r, com um meneio sábio de cabeça. Isso funciona especialmente bem se sua observação tratar dos grandes temas da vida: amor, morte e dinheiro. Eis alguns exemplos: “A morte chega para todos”; “Todos queremos ser amados”; “O dinheiro serve para comprar coisas”. Se você declarar o óbvio com bastante solenidade e pausas significativas, logo poderá descobrir que outros começam a concordar com você, talvez murmurando “Como isso é verdade!”. Agora que está aquecido, passe para uma técnica diferente: uso de jargão. Algumas palavras longas e complicadas podem aumentar a ilusão de profundidade. Basta um pouco de imaginação. Para começar, tente construir expressões com significado similar ao de certas palavras comuns, mas que diferem delas de uma maneira sutil e nunca inteiramente explicada. P.ex., não fale de pessoas felizes ou tristes, mas de pessoas com “orientações atitudinais positivas ou negativas”, causa muito mais impressão.

            Agora tente traduzir algum truísmo tolo para sua língua recém-inventada. P.ex., o fato óbvio de que pessoas felizes tendem a tornar os outros mais felizes pode ser expresso como “orientações atitudinais positivas são altamente transferíveis”. Também ajuda, seja você um guru empresarial, um líder cult ou místico, falar de “energias” e “equilíbrios”. Isso dá a impressão de que você descobriu um mecanismo ou poder profundo, que poderia ser aproveitado por outros. Assim, será muito mais fácil convencer as pessoas de que se não comprarem seu conselho ficarão incompletas.

            Infelizmente, alguns líderes cult, gurus empresariais e místicos fazem um uso cínico dessas técnicas, para gerar a ilusão de que têm insights profundos. Agora que você viu como é fácil gerar suas próprias pseudoprofundidades, certamente ficará menos impressionado da próxima vez que se vir frente a frente com elas." (p. 214-215)


6 comentários:

Sandra Valéria disse...

OLÁ PROFESSOR, FOI UMA HONRA ASSISTIR PESSOALMENTE SUA AULA HOJE.

ENTREI NO SEU BLOG, E O ACIONEI PARA RECEBER AS ATUALIZAÇÕES CONSTANTES DESTA PÁGINA.

EM MACEIÓ, ESTAREI SEMPRE A SUA DISPOSIÇÃO, É SÓ ENTRAR EM CONTATO.

QUE SUA VIDA SEJA ILUMINADA DE MAIS E MAIS CONHECIMENTO. PARA QUE POSSA ESTAR NA EVIDÊNCIA JURÍDICA CONSTANTE, NOS APRIMORANDO COM SUAS TEORIAS E INTERPRETAÇÕES LEGAIS.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Obrigado, Sandra.
Também gostei muito de participar hoje da aula na rede LFG.
Fique à vontade para usar este espaço para discutir temas tributários.

George Marmelstein disse...

Muito legal essa passagem, Hugo,

Acho que quanto mais o nível da discussão sobe, aqui no doutorado, sinto que tudo continua no básico - só muda as palavras, cada vez mais complicadas....


George

Anônimo disse...

Pior que tentar ser profundo é usar de estratagemas para convencer a platéia (ou os alunos) com teses falaciosas. Mais do que um ar de mistério-intelectual, esse tipo não apresenta qualquer argumentação contrária (e nem poderia, já que não possui conteúdo), mas trabalha na tentativa de desprestigiar as alegações do adversário.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Não sei o que é pior, Gustavo, pois quem age como você descreve, se usar linguagem compreensível, pelo menos pode ser refutado... Quando não se entende o que o sujeito está a dizer, até a crítica fica difícil, e faz parecer que o sujeito não é criticado porque é bom demais.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

George,
Será mesmo que nas discussões em seu doutorado só se mudam as palavras, das simples para as rebuscadas?
Prepare um post para nos explicar melhor isso!
um abraço,