quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

É bom quando funciona...

Para o advogado, é gratificante quando um pedido que lhe parece correto, e procedente, é acolhido pelo Judiciário. Independentemente da questão profissional, dá aquela sensação de que as coisas, pelo menos às vezes, dão certo e funcionam. Acreditar nas instituições é importante, e quando elas funcionam essa crença se fortalece, num círculo virtuoso. Chegando hoje ao escritório, tive a grata surpresa de ver, sobre a minha mesa, uma decisão do STJ que, depois de muitas influências de Kafka em um processo, colocou as coisas nos eixos. O que ocorreu foi o seguinte:

Em um mandado de segurança, determinado contribuinte discutia a aplicação de uma Instrução Normativa pela Secretaria da Receita Federal. Isso porque, além de considerar que tal IN SRF exorbita os limites da lei por ela supostamente regulamentada, sua aplicação ocorria em função de fatos anteriores à sua vigência.

Pois bem. Mas não é o mérito da questão que discuto aqui.

Chegando ao TRF, em sede de Apelação em Mandado de Segurança (AMS), este proferiu acórdão COMPLETAMENTE DIFERENTE do esperado. Não porque tenha denegado a segurança que deveria ter sido concedida, ou vice-versa. Nada disso. Digo "diferente" a decisão porque realmente "metida" por engano no processo, mas referente a questão inteiramente diversa. Embora referisse, em seu cabeçalho, o número do processo correto, bem como o nome das partes, a ementa e os votos diziam respeito a outra parte, e a outra situação completamente diferente.

Enfim, os perigos do uso indiscriminado do CTRL + C , CTRL+V...

Mas o pior ainda estava por vir. Provocado por embargos declaratórios, diante do erro material evidentíssimo, o TRF os considerou "meramente protelatórios", movidos com o "exclusivo propósito de rediscutir a questão". Outra vez o copy and paste, com o aproveitamento de acórdão padrão usado para negar todo e qualquer declaratório.

O que fazer?... REsp, fundado no art. 105, III, "a", da CF/88. Violação ao art. 535 do CPC. Nem dava, no caso, para já discutir o mérito da questão, no próprio REsp, para dar maior celeridade ao processo, como tenho defendido em casos de mera falta de prequestionamento explícito. Afinal, o STJ diria, o TRF sequer apreciou o mérito! Onde estaria a negativa de vigência? É verdade... Melhor atacar apenas o malferimento, claro, do art. 535 do CPC.

Mas Kafka ainda não havia descansado desse processo. No STJ, ele voltou, e o relator do REsp a ele negou seguimento, pelo mesmo fundamento usado no TRF: os declaratórios seriam meramente protelatórios. O quê?! Sie sind verrückt?!

Fiquei pensando. Será que os processos são todos julgados assim de forma tão aleatória? Protocolei um regimental, mostrando que o acórdão simplesmente dizia respeito a outra lide. Kafka de novo: o regimental, que enviei pela internet para correspondente em Brasília, teria sido assinado por advogado sem procuração.

Sem procuração?! Mas eu mandei o substabelecimento no mesmo dia, por fax, e no dia seguinte, por sedex. Tinha o protocolo da petição, no STJ, de interposição do regimental e, dias depois, da juntada do substabelecimento... Como isso seria possível? Depois descobri que a petição "demorou" a ser levada, por servidores do próprio STJ, do protocolo para o gabinete do Ministro, o que o fez agir como se não tivesse sido juntada.

E vejam só. Até o momento, eu não lutava para ter o pedido julgado procedente. Lutava para tê-lo julgado, em qualquer sentido! Como é difícil, às vezes, ter um julgamento de mérito, seja em que sentido for!

Outra vez, declaratórios. Erro material. A petição de substabelecimento estava nos autos. Houve então a reconsideração do julgado, e a remessa do REsp para julgamento pela Turma. A Fazenda, ainda inconformada, manejou outro regimental, mas não foi provido:

"(2007/0031746-6)
R E L ATO R : MINISTRO JOSÉ DELGADO
A G R AVA N T E : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : OTÁVIO GUIMARÃES PAIVA NETO E OUTRO(S)
A G R AVA D O : DISTRIBUIDORA DE TRIGO CANUELLAS LTDA
ADVOGADO : ANTÔNIO POMPEO DE PINA NETO E OUTRO(S)
E M E N TA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ERRO MATERIAL. SUA CORREÇÃO. JUNTADA DE MANDATO. DE- MORA ENCARTADA À SECRETARIA DEVIDO AO EXCESSO DE PETIÇÕES E PROCESSOS QUE ADENTRAM NESTA CORTE. IMPOSSIBILIDADE DE SE CREDITAR À PARTE A CITADA DEMORA.
1. Agravo regimental contra decisão que acolheu embargos de declaração para, conferindo-lhes efeitos modificativos, revogar a embargada para fins de apreciar o agravo regimental da parte adversa.
2. Inicialmente, decidiu-se no sentido de que "é inexistente o recurso quando o advogado subscritor não tem procuração e/ou substabelecimento nos autos. Entendimento pacificado por este colendo Tribunal Superior no sentido de que é incabível, em grau de recurso especial, a providência de que trata o art. 13 do CPC. Aplicação da Súmula nº 115/STJ".
3. No agravo regimental a que se negou seguimento, requereu-se a posterior juntada do instrumento procuratório. Passados cincos dias do protocolo da petição recursal, a zelosa Coordenadoria da Primeira Turma informou que o advogado subscritor do aludido recurso não possuía instrumento de mandato nos autos, levando este Relator, que procura dar rapidez e agilidade aos processos que lhe são distribuídos, a decidir no sentido da ausência de procuração/substabelecimento nos autos, negando, com isso, seguimento ao agravo regimental. No en- tanto, seis dias depois de protocolada a petição recursal, a ora agra- vada deu entrada na petição requerendo a juntada do substabelecimento. Assim, a demora na juntada desta última petição, decorrente unicamente do excesso de processos e petições que adentram nesta Corte Superior, não pode ser imputada unicamente à recorrente.
4. Agravo regimental não-provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Mi- nistros Francisco Falcão, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 11 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento)"


Em face disso, a Turma julgou o AgRg interposto em face do não-provimento, em sede monocrática, do REsp:

"(5088) AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 925.663 - CE (2007/0031746- 6)
R E L ATO R : MINISTRO JOSÉ DELGADO
A G R AVA N T E : DISTRIBUIDORA DE TRIGO CANUELLAS LT D A
ADVOGADO : HUGO DE BRITO MACHADO SEGUNDO E OUTRO(S)
A G R AVA D O : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : OTÁVIO GUIMARÃES PAIVA NETO E OUTRO(S)

E M E N TA

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ERRO MATERIAL. SUA CORREÇÃO. APRECIAÇÃO, PELO TRIBU- NAL A QUO, DE MATÉRIA ESTRANHA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. NECESSIDADE DE EXAME DAS QUESTÕES PLEITEADAS PELA PARTE.
1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a recurso especial, em face de não ocorrer ofensa ao art. 535 do CPC.
2. Existência de erro material que resultou no afastamento equivocado do art. 535 do CPC. Correção que se realiza para apreciar a matéria dos autos nos seus exatos termos.
3. O acórdão a quo não se pronunciou sobre a questão posta nos aclaratórios, a qual é de vital relevância para a lide, id est, sobre a verdadeira matéria dos autos, mas sim manteve a omissão no que atine a ter analisado tema totalmente diversos do pedido exordial.
4. In casu, não se trata de apelação em mandado de segurança impetrado por "Casa Freitas Comércio Ltda." (como constou no acórdão recorrido), a qual nem sequer é parte deste processo, assim como não se discute o "método de valoração aduaneira". A impetrante no presente feito é "Distribuidora de Trigo Canuellas Ltda." e debate questão inteiramente diversa: a apreensão de mercadorias motivada pela aplicação retroativa de uma instrução normativa que diz ser ilegal e inaplicável ao caso.
5. A prestação jurisdicional há que ser entregue em sua plenitude. É dever do magistrado apreciar as questões que lhe são impostas nos autos, assim como à parte ter analisado os fatos postos ao exame do Poder Judiciário. Há que se ter por nulo o acórdão que julgou os embargos de declaração, por caracterizada a omissão quanto à questão posta. 6. Agravo regimental provido, a fim de que os autos retornem ao egrégio Tribunal a quo para que, desta feita, manifeste-se sobre o que foi aduzido na petição dos embargos de declaração, apreciando, em conseqüência, a matéria real dos autos.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Mi- nistros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki (Presidente) e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Brasília (DF), 18 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento)"

Agora, finalmente, depois de tantas idas e vindas, o TRF vai apreciar a apelação. Se vai negar provimento, mantendo a sentença denegatória da segurança, ou se vai dar provimento, é uma outra questão. Afinal, quem tem competência para dizer o direito no caso concreto e em última instância são os seus integrantes, e não eu. Minha intenção era apenas a de que eles exercessem esse mister, o que não tinham feito ao julgarem o caso como se fosse outro.

Um comentário:

George Marmelstein disse...

"Agravo regimental contra decisão que acolheu embargos de declaração para, conferindo-lhes efeitos modificativos, revogar a embargada para fins de apreciar o agravo regimental da parte adversa".

Fiquei tonto só de ler.

:-)