quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Se o nível é baixo, a solução é tornar tudo cada vez mais fácil?

Um aspecto a respeito do qual tenho refletido, nos últimos tempos, diz respeito às soluções para o ensino (não só jurídico) quando o estudante tem, supostamente, pouco conhecimento prévio do assunto.
É evidente que o estudante não tem o total domínio da matéria. Aliás, total domínio ninguém tem, e quem diz tê-lo já está fornecendo atestado prévio de desconhecimento. Mas exigem-se conhecimentos preliminares, necessários ou pressupostos, para que novos sejam agregados.
Exemplificando, do aluno da segunda série do primário (é o novo!) exige-se que saiba ler e escrever, e fazer somas e subtrações elementares, pelo menos. Daí, poderá aprender análise morfológica e sintática, ampliar o vocabulário, aprender a fazer multiplicações e divisões etc.
Pois bem. Mas a questão é: e quando o aluno não sabe aquilo que já deveria saber? Quando um aluno de direito administrativo revela não saber coisa alguma de direito constitucional, ou de teoria do direito, por exemplo? Ou quando um aluno de teoria do direito revela não saber sequer língua portuguesa?
Além de uma profunda revisão no ensino dessas bases faltantes, para aqueles que já têm a deficiência duas soluções são possíveis.
Uma é rebaixar o ensino de todas as etapas posteriores ao nível do aluno, tornando as avaliações cada vez mais fáceis. Em vez de ensinar a pensar, ensinam-se os "bizus" para que respostas sejam memorizadas e depois vomitadas acriticamente em uma prova, sem o mínimo raciocínio ou senso crítico.
Outra é manter o nível do ensino, exigindo do aluno que se adapte a ele, fornecendo a ajuda possível para isso.
Por experiência própria - que ainda é pequena, reconheço - tenho visto que a segunda solução funciona. E ajuda o aluno. A primeira não: satisfaz em um primeiro momento, mas, posteriormente, o próprio estudante percebe que não progrediu.
Não é o caso de ser "malvado" para "pegar" o estudante. Muito pelo contrário. A discussão gira em torno precisamente dele, e consiste em saber como fazer para que progrida e evolua, superando-se.
Acredito que todo ser humano tem um potencial intrínseco, que pode ser desenvolvido de infinitas maneiras. Todos o têm. Mas apenas os que se esforçam para desenvolvê-lo obtêm melhores resultados. Outros se acomodam.
Tenho observado alunos do prouni. Alguns não estudaram nas melhores escolas, e não têm uma boa formação ou uma boa bagagem. Mas têm garra. Estudam e se esforçam como podem para aproveitar a oportunidade que receberam. E não raro são os melhores.
O aluno, portanto, só precisa disso: estímulo. Precisa saber, e se convencer, que tem que estudar, e muito. Se tiver a impressão que mesmo sem estudar tudo vai dar certo, na base do jeitinho, da pesca, do grito, da reclamação, a coisa não funciona.
Pensava nisso quando recebi e-mail da coordenação de um curso de Direito no qual ensino. O fato de ter sido a coordenação que enviou (não só a mim, mas a todos os professores) mostra a maneira como aquela instituição vê o problema: a idéia não é facilitar!

********

RELATO DE UMA PROFESSORA
  Pura verdade!!!!

  Semana passada comprei um produto que custou R$ 11,55. Dei à caixa R$ 20,00 e peguei na minha bolsa 55 centavos, para evitar receber ainda mais moedas. A caixa pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora, aparentemente sem saber o que fazer. Tentei explicar que ela tinha que me dar R$ 9,00 de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la. Continuou hesitante enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.
Por que estou contando isso?
Porque me dei conta da evolução do ensino de matemática desde 1950, que foi assim:

1. Ensino de matemática em 1950:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda .
Qual é o lucro?

2. Ensino de matemática em 1970:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda ou
R$ 80,00.
Qual é o lucro?

3. Ensino de matemática em 1980:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção desse carro de lenha é R$ 80,00.
Qual é o lucro?

4. Ensino de matemática em 1990:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção desse carro de lenha é R$ 80,00.
Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
( )R$ 20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

5. Ensino de matemática em 2000:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00.
O custo de produção desse carro de lenha é R$ 80,00.
O lucro é de R$ 20,00.
Está certo?
( )SIM ( ) NÃO

6. Ensino de matemática em 2008:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00.
O custo de produção é R$ 80,00.
Se você souber ler, coloque um X na opção que representa o lucro, que é de R$ 20,00.
( )R$ 20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00


********

É claro que se trata de uma brincadeira, mas que bem demonstra como um pouco de dificuldade, para obrigar as pessoas a raciocinarem, não faz mal a ninguém. Afinal, de nada adianta uma prova fácil, se a vida nos oferece desafios cada vez mais difíceis.

Um comentário:

materias jurídicas.wordpress.com disse...

Caro professor, sou advogado de empresa pública e fui aluno do seu pai, que já nos anos 80 também sentia que faltava incentivar o aluno a pensar e ele tinha razão. Hoje tenho no meu setor cerca de 20 estagiários das diversas faculdades de nossa capital e vejo como é difícil, para alguns, associar a teoria com a prática.
Falta o ensino básico como bem dito no seu artigo.