Comentários ———————————————————————————
Deve haver relação entre
a base de cálculo de um tributo e a sua hipótese de incidência. Pode-se dizer,
aliás, que a primeira nada mais é do que a representação econômica da segunda.
Base de cálculo deve sempre corresponder à quantificação, ou ao
dimensionamento, daquilo que realiza a hipótese de incidência da norma jurídica
tributária.
Daí por que o imposto
que tem por hipótese de incidência a propriedade de um imóvel urbano deve ter
por base de cálculo o valor desse
imóvel. Caso se colha outra grandeza para servir-lhe de base de cálculo (v.g., a renda do proprietário do
imóvel), ter-se-á imposto transfigurado (no caso, verdadeiro imposto de renda
disfarçado de IPTU). Confiram-se, a propósito, os comentários às Súmulas 133 e
332 do STF, e à Súmula 80 do STJ.
Nessa ordem de idéias,
se a hipótese de incidência da norma tributária relativa ao ICMS é a prática de
operação relativa à circulação de mercadorias, a base de cálculo do imposto não
pode ser algo diverso do valor dessa
operação. Se o comerciante concedeu desconto incondicional ao comprador, o
valor da operação foi determinado após a concessão do desconto, pelo que a base
de cálculo do imposto não poderá ser composta do tal desconto.
Exemplificando, se o produto seria vendido por R$ 100,00, mas em face de um desconto
concedido ao comprador antes da compra terminou sendo vendido por R$
90,00, esta última quantia é o valor da operação, e sobre ela deve ser
calculado o ICMS. O mesmo raciocínio, cumpre destacar, vale para o IPI.
Literalmente, pode parecer
que o ser “condicional” implica não ser concedido a todos, mas só a quem cumpra
determinada condição (v. g., compre a vista). Não é bem assim, porém,
até porque, nesse sentido, tudo pode ser considerado condicional (em última
análise, a concessão do desconto seria “condicionada” à efetivação da compra...).
Na verdade, a distinção essencial entre descontos condicionais e incondicionais
está no momento em que são efetivados: descontos concedidos sob condição
são aqueles que ficam a depender da ocorrência de um fato futuro e incerto, a
se realizar depois da ocorrência do fato gerador do tributo. É por isso
que não influem na base de cálculo do ICMS. É o caso, por exemplo, do
contribuinte que compra uma mercadoria por R$ 100,00, para efetuar o pagamento
em 60 dias, mas que poderá (ou não) efetuar esse mesmo pagamento em 30 dias e
obter desconto de 10%. Tal desconto será condicional, e não poderá ser
considerado para fins de reduzir a base de cálculo do ICMS, que deverá incidir
sobre os R$ 100,00. Já o desconto incondicional é aquele concedido à luz
de fatores que ocorrem antes da consumação do fato gerador, como na
hipótese de o comprador localizar pequeno defeito na mercadoria anunciada por
R$ 100,00 (p. ex., uma mancha em uma camisa), antes de comprá-la, e obter, por
conta do defeito, a concessão de um desconto de 10%. Quando a venda se consuma,
seu valor já está previamente reduzido pelo desconto, devendo o ICMS incidir
sobre os R$ 90,00 pelos quais a operação foi realizada.
A lição de Hugo de Brito
Machado, a esse respeito, é precisa: “A rigor, o desconto incondicional não
poderia mesmo integrar a base de cálculo, porque não faz parte do valor da
operação, que não é o preço proposto, mas o preço efetivo, ou preço contratado.
Quanto a mercadoria é posta à venda geralmente é fixado um preço, que é o preço
proposto, ou preço da oferta. O desconto incondicional é aquele concedido no
momento em que se faz a venda. No momento em que se efetiva o contrato. O
desconto incondicional é concedido ao comprador, para que se efetive a venda. É
a diferença entre o preço da oferta e o preço do contrato.” (Hugo de Brito
Machado, Aspectos Fundamentais do ICMS, 2. ed., São Paulo: Dialética,
1999, p. 78)
Vale destacar, a propósito,
que idêntico raciocínio deve ser aplicado no caso de bonificação em mercadorias, técnica que não passa de outra forma de conceder o desconto
incondicional. Com efeito, é indiferente
que o desconto concedido pelo vendedor tenha sido de 20%, ou por meio de
bonificação em mercadorias (compre 5 e leve 1 grátis). O seguinte acórdão é
esclarecedor a esse respeito:
“(...)
3. Infere-se do texto constitucional que este, implicitamente,
delimitou a base de cálculo possível do ICMS nas operações mercantis, como
sendo o valor da operação mercantil efetivamente realizada ou, como consta do
art. 13, inciso I, da LC n.º 87/96, ‘o valor de que decorrer a saída da
mercadoria’. Neste sentido, a doutrina especializada: ‘Realmente a base de
cálculo do ICMS não é o preço anunciado ou constante de tabelas. É o valor da
operação, e este se define no momento em que a operação se concretiza. Assim,
os valores concernentes aos descontos ditos promocionais, assim como os
descontos para pagamento à vista, ou de quaisquer outros descontos cuja
efetivação não fique a depender de evento futuro e incerto, não integram a base
de cálculo do ICMS, porque não fazem parte da do valor da operação da qual
decorre a saída da mercadoria. [...]’ (MACHADO, Hugo de Brito. ‘Direito
Tributário – II’, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1994, p. 237)
4. Consectariamente, tendo em vista que a Lei Complementar n.º
87/96 indica, por delegação constitucional, a base de cálculo possível do ICMS,
fica o legislador ordinário incumbido de explicitar-lhe o conteúdo, devendo,
todavia, adstringir-se à definição fornecida pela Lei Complementar.
5. Desta sorte, afigura-se inconteste que o ICMS descaracteriza-se
acaso integrarem sua base de cálculo elementos estranhos à operação mercantil
realizada, como, por exemplo, o valor intrínseco dos bens entregues por
fabricante à empresa atacadista, a título de bonificação, ou seja, sem a
efetiva cobrança de um preço sobre os mesmos.
6. Deveras, revela contraditio in terminis ostentar a Lei
Complementar que a base de cálculo do imposto é o valor da operação da qual
decorre a saída da mercadoria e a um só tempo fazer integrar ao preço os
descontos incondicionais ou bonificações (Precedentes: REsp 721.243/PR, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, DJ de 7/11/2005; REsp 725.983/PR, Rel. Min.
José Delgado, DJ de 23/5/2005; REsp 477.525/GO, deste Relator, DJ
de 23/6/2003; e REsp 63.838/BA, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de
5/6/2000)
7. As assertivas ora expostas infirmam a pretensão do fisco de
recolhimento do ICMS, incidente sobre as mercadorias dadas em bonificação, em
regime de substituição tributária. Isto porque, a despeito dos propósitos de
facilitação arrecadatória que fundam a substituição tributária, é evidente que
a mesma não pode ensejar a alteração dos elementos estruturais do ICMS,
especialmente no que atine a composição de sua base de cálculo. Esta é justamente
a lição de Roque Antonio Carraza: ‘De qualquer forma, mesmo sem perdermos de
vista os propósitos arrecadatórios da substituição tributária, é óbvio que ela
não pode servir de instrumento para alterar os elementos estruturais do ICMS,
sobretudo os que dizem respeito à composição de sua base de cálculo. Vai daí
que, se – como estamos plenamente convencidos – as vendas bonificadas têm como
única base de cálculo o preço efetivamente praticado, esta realidade, imposta
pela própria Constituição (que, conforme vimos, traça todos os elementos da
regra-matriz do ICMS), em nada é afetada pela circunstância de a operação
mercantil desencadear o mecanismo da substituição tributária. Não temos
dúvidas, pois, em afirmar que nos casos em que o contribuinte emite nota fiscal
(seja de venda, seja de outras saídas) destinada a Estados onde se adota o
mecanismo da substituição tributária de ICMS o valor a ser deduzido como forma
de crédito há de ser o efetivamente praticado na operação de venda com
bonificação, vale dizer, zero. Nossa convicção lastreia-se na circunstância de
que a bonificação é realidade acessória da operação de compra e venda
mercantil, estando, destarte, submetida à regra acessorium sequitur suum
principale. Esta realidade acessória em nada é abalada pelo mecanismo da
substituição tributária, que não tem, de per si, o condão de desnaturar os
efeitos tributários da operação mercantil, tal como expostos neste estudo.’ (in
‘ICMS’, 10. ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p. 117/118).
8. Outrossim, o fato gerador do imposto (a circulação) decorre da
saída da mercadoria do estabelecimento do vendedor, pouco importando a
legislação local do adquirente, aplicável aos produtos dessa origem. É que
nessa Unidade, nas operações posteriores observar-se-á a transferência eventual
das mercadorias fruto de bonificação à luz da não cumulatividade.
9. Recurso especial provido” (STJ, 1.ª T., REsp 715.255/MG, Rel.
Min. Luiz Fux, j. em 28/3/2006, DJ de 10/4/2006, p. 140)
3 comentários:
OBRIGADO, foi muito esclarecedor
Obrigado pelo comentário!
http://direitoedemocracia.blogspot.com.br
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