quarta-feira, 28 de maio de 2008

Controvérsia na sucessão municipal

Foi noticiado até no site do STF:

"Segunda-feira, 26 de Maio de 2008

Controvérsia sobre sucessão da prefeita de Fortaleza (CE) chega ao STF

Chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a controvérsia envolvendo a sucessão para o cargo da prefeita de Fortaleza (CE), Luizianne Lins (PT). A ministra Ellen Gracie indeferiu na última sexta-feira (23) pedido de liminar em Reclamação (RCL 6083) ajuizada pela Prefeitura contra decisão judicial que empossou o juiz Martônio Vasconcelos, o mais antigo da Vara da Fazenda Pública, como substituto de Luizianne, que está em viagem aos Estados Unidos desde a última quarta-feira.
A reclamação é um instrumento jurídico cabível em três hipóteses: descumprimento de decisão do STF, usurpação de competência originária da Corte ou desobediência à súmula vinculante. Segundo Ellen Gracie, “nenhuma das circunstâncias autorizadoras da reclamação” se configura no caso.
A Prefeitura alegou que a decisão judicial que garantiu a posse do juiz Martônio Vasconcelos no cargo de Luizianne teria afrontado diversas decisões colegiadas do STF, além de incorrer em outras ilegalidades, como interferência na autonomia constitucional do município de Fortaleza e violação frontal à autonomia político-administrativa do município.
Ellen Gracie decidiu, também, não se manifestar sobre o pedido de extensão de efeito vinculante de decisões do STF ao caso da sucessão na Prefeitura de Fortaleza. Segundo ela, há um “evidente descompasso” entre o caso concreto e as decisões citadas pela Prefeitura na Reclamação.
O mérito do processo ainda será julgado pelo STF. Não há previsão de data.
Histórico
Luizianne Lins viajou na última quarta-feira para os Estados Unidos e, diante da negativa do vice-prefeito e do presidente da Câmara em assumir, ela empossou em seu lugar o procurador-geral do município, Martônio Mont´Alverne. O vice-prefeito e o presidente da Câmara disseram que, se assumissem o cargo, ficariam inelegíveis para as eleições municipais deste ano.
Diante da omissão da Lei Orgânica do Município (LOM) quanto à linha sucessória na chefia do Executivo, a Associação Cearense dos Magistrados (ACM) ingressou com um mandado de segurança pedindo a posse do juiz mais antigo da Vara da Fazenda Pública de Fortaleza, Martônio Vasconcelos.
A decisão favorável à posse de Vasconcelos como substituto da prefeita ocorreu com fundamento no princípio da simetria, em interpretação analógica dos artigos 80 da Constituição Federal e 86 da Constituição cearense. O artigo 80 da Constituição determina que, não assumindo o vice-presidente, o cargo fica, sucessivamente, para os presidentes da Câmara, do Senado e do STF."

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É, sem dúvida, uma lacuna importante da lei orgânica.
Não deixa de ser paradoxal, contudo, que a Prefeita possa continuar no cargo e disputar a reeleição, mas o vice-prefeito e o presidente da câmara fiquem inelegíveis para o pleito municipal de 2008 se assumirem o cargo por poucos dias.
Mas, em uma análise preliminar, não parece possível aplicar o princípio da simetria onde não há simetria, vale dizer, não se pode atribuir o exercício do cargo ao Judiciário se o Município não tem Judiciário... A saída de "equiparar" o juiz de primeira instância mais antigo (e por que de Vara da Fazenda Pública?) ao Presidente do STF e ao Presidente do TJ é um tanto inusitada, e soa meio "forçada". Talvez uma solução fosse atribuir o cargo ao vice-presidente da Câmara dos Vereadores, mas a saída de conferi-lo ao Procurador Geral do Município não é desarrazoada.
E os leitores do blog, o que pensam?


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Atualização:

O fato mencionado neste post é do conhecimento de todos os que vivem em Fortaleza, mas talvez os leitores vindos de outras localidades não saibam do que se trata.
O que houve foi o seguinte.
A Prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins, viajou para os EUA.
O vice-prefeito e o presidente da câmara dos vereadores, pessoas que nessa ordem devem assumir a prefeitura nas ausências da prefeita, recusaram-se a tanto. Viajaram também, para evitar possível inelegibilidade para o pleito municipal de 2008.
Com isso, estabeleceu-se o impasse, diante de lacuna da lei orgânica.
A Prefeita nomeou o Procurador Geral do Município, Martônio Mont´Alverne, como prefeito em exercício.
Os juízes estaduais, contudo, pretendiam, em face do princípio da simetria, que o cargo fosse entregue ao mais antigo juiz das Varas da Fazenda Pública, Martônio Vasconcelos.
Estabeleceu-se, então, o que a imprensa jocosamente apelidou de "briga entre Martônios".
Atualmente, em face de suspensão de liminar concedida pelo Presidente do TJ/CE, a prefeitura voltou a ser exercida pelo PGM, Martônio Mont´Alverne.
Talvez, como eu havia adiantado, e em comentário um leitor reiterou, o mais conveniente e adequado fosse empossar aquele que, na ausência do presidente da câmara dos vereadores, passasse a assumir essa função. Algo semelhante ao que ocorre, no plano federal, se, pelo impedimento de todos os demais na ordem sucessória (vice-presidente, presidente do congresso...), o Presidente do STF - último da ordem sucessória - tem de viajar, ou adoece. Algum outro Ministro assume a presidência do STF e, por conseguinte, a Presidência da República.
Seria o mais correto, até porque manteria o exercício do poder no âmbito dos órgãos do próprio Município, não tendo de entregá-lo a órgão do Estado-membro, em intervenção injustificável.
Bom, mas o propósito desta "atualização" não é só esclarecer leitores de outras cidades a respeito do problema, mas, sobretudo, fazer - nessa linha de conexão entre Direito e Literatura - referência a um poema de Patativa do Assaré que encontrei, no todo pertinente a respeito do assunto. Está no no Blog de Política do Jornal O POVO:



Prefeitura sem prefeito
Patativa do Assaré
.
Nessa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
.
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré
Prefeitura sem prefeito.
.
Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.
.
Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
Um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.
.
Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
Um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.
.
Foto: Banco de dados do O POVO"

2 comentários:

Vitor disse...

Hugo, concordo com os que pensam que a questao nao deve ser visto sob a ótica da pessoa, especificamente, mas sim de quem está ocupando o cargo. Quem ocupa o cargo de Presidente da Câmara quando da ausência deste? Independentemente de QUEM seja este substituto, é ele o Presidente da Câmara em exerício - seja quem for, repito - e, consequentemente, deveria ser nomeado Prefeito na ausência de Luizianne. Mas nao custa nada providenciar essa emenda à Lei Orgânica o mais rápido....

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

É verdade, Vitor.
Mas, no caso de Fortaleza, havia um problema na solução de entregar o exercício da prefeitura ao vice-presidente da Câmara dos Vereadores. É que NENHUM vereador queria assumir a prefeitura. Nem o presidente, nem o vice, tampouco os demais...
E a LO também não contém essa previsão.
Por outro lado, a PGM é órgão permanente da administração municipal (não pode ser "dissolvida" ou "extinta" como as secretarias), está hierarquicamente logo abaixo do prefeito, e cabe a ela representar o município judicial e extra-judicialmente...
Não faz sentido, nesse quadro, que o PGM assuma?