quarta-feira, 22 de abril de 2009

Esgoto e CDC: Direito é via de mão-dupla!!!

Tenho escutado meu pai falar, já faz tempo, que o Direito é via de mão-dupla.
O que ele quer dizer com essa frase, em suma, é que uma tese que hoje beneficia alguém pode, futuramente, ter um desdobramento que lhe é desfavorável. E, nessa hora, a pessoa que defendeu a tese (quando lhe interessava) não pode adotar postura incoerente. Tem que arcar com as conseqüências. Afinal... O direito é via de mão-dupla.
Ou, sendo mais técnico: é instrumento de coordenação de condutas entre iguais, e não instrumento de subordinação de uns às vontades arbitrárias de outros.
O último informativo do STJ traz excelente exemplo disso. É conferir:

CDC. REPETIÇÃO. INDÉBITO.

Cuida-se de ação declaratória com pedido de restituição de tarifas relativas ao fornecimento de água e esgoto ajuizada pela recorrente, tendo em vista a cobrança equivocada, por parte da Companhia de Saneamento Básico, de tarifas no período de agosto de 1983 a dezembro de 1996, época em que vigia o Dec. estadual n. 21.123/1983. O Tribunal a quo reformou parcialmente a sentença para determinar a devolução do quantum pago indevidamente e afastou a repetição do indébito. A recorrente sustenta ofensa ao art. 42, parágrafo único, do CDC, almejando a revisão do julgado quanto à devolução dos valores cobrados erroneamente a maior, que lhe seriam devidos em dobro. Para o Min. Relator, assiste razão à recorrente, uma vez que, da norma citada, depreende-se que a repetição do indébito é devida ao consumidor que, em cobrança extrajudicial, é demandado em quantia imprópria, sendo-lhe cabível a restituição em dobro do valor pago a maior. Ressalva-se, no entanto, a hipótese de engano justificável, oportunidade em que cabe o ressarcimento simples do quantum. A questão cinge-se à configuração dessa hipótese e à aplicação da regra contida no art. 42 do CDC. Salientou o Min. Relator que este Superior Tribunal firmou entendimento inverso do Tribunal de origem, de que basta a configuração de culpa para o cabimento da devolução em dobro dos valores pagos indevidamente pelo consumidor. Destacou que tanto a má-fé como a culpa (imprudência, negligência e imperícia) dão ensejo à punição tratada no dispositivo em comento. Assim, concluiu que o engano é justificável quando não decorre de dolo ou culpa. In casu, a recorrida não se desincumbiu de demonstrar a ausência de dolo ou culpa na errônea cobrança da tarifa de água e esgoto. Portanto, vislumbrando-se que a cobrança indevida deu-se por culpa da Companhia, que incorreu em erro no cadastramento das unidades submetidas ao regime de economias, aplica-se a regra do art. 42, parágrafo único, do CDC, com a devolução em dobro dos valores pagos indevidamente após a vigência do citado diploma legal. REsp 1.079.064-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 2/4/2009.


Vejam só. Sempre achei um absurdo a jurisprudência do STF que, mudando entendimento consolidado no STJ, passou a considerar que o valor cobrado pela coleta de esgoto tem natureza de tarifa. Defendi, e ainda defendo, que se o uso do serviço é compulsório, ou se deve ser pago ainda que não seja utilizado (serviço potencial), a natureza da exação é tributária. Não há contrato que lhe justifique, nem se trata de multa, e nem de indenização: só pode ser tributo.
Em relação à água, tudo bem. Se é facultativa a ligação da água da companhia de fornecimento, se posso usar a de um poço, ou mineral, a natureza é contratual e, portanto, trata-se de tarifa. Mas se ligação do esgoto é compulsória, não sendo lícito ao cidadão recusá-la para fazer uso de fossas, é clara a natureza tributária da exação. É uma taxa.
Mas, como já disse, o STF entendeu de forma diversa, e afirmou tarifária a natureza da exação. Com isso, o ente público, ou a concessionária, tem a vantagem de não se submeter às "limitações constitucionais ao poder de tributar", das quais destaco a legalidade e a anterioridade. Mas, como se trata de uma via de mão dupla.... Tome-lhe restituição em dobro, nos termos do CDC!!! Nada mais coerente.

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