sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A defesa da tese do meu pai na UFPE



Exatamente uma semana depois da minha, no dia 14 p.p., meu pai defendeu tese de doutorado perante banca examinadora na Universidade Federal de Pernambuco. Foi a primeira vez, depois de muitos anos de vigência da norma regimental (e, segundo soube, de oito indeferimentos), que a UFPE concedeu título de doutor a candidato mediante "defesa direta", vale dizer, elaboração e defesa de tese, perante banca examinadora, sem a necessidade de serem cursadas disciplinas ou preenchidos créditos. Considerou-se, para tanto, a produção acadêmica do candidato e outros dados de seu currículo.
A iniciativa foi do Prof. João Luis Nogueira Matias, coordenador da pós-graduação da UFC, que está desenvolvendo elogiável esforço para melhorar o programa. E ele a tomou porque, há muitos anos, a UFC concedeu ao meu pai um título de "notório saber", que tinha os mesmos efeitos legais do título de doutor. Tanto que, por conta desse título, ele havia dado aulas no Doutorado em Direito da UFPE, no início dos anos 90, e inclusive participado de banca examinadora de concurso para professor titular de alguns dos que hoje compõem o corpo docente daquela Universidade. Assim, se não havia feito um doutorado formal até então, não teve razões para entrar em um depois disso. Entretanto, de um ano para cá, mais ou menos, não sei bem por qual razão, a CAPES começou a criar restrições cada vez maiores ao título de "notório saber", restrições que nunca haviam sido cogitadas anteriormente. Assim, ele deveria obter o título de doutor, sob pena de o mestrado da UFC ter problemas, ou ele ter que dele se desligar. O Prof. João Luis disse considerar a situação problemática, pois a produção dele é das maiores entre os professores da casa, e muitos alunos da região - segundo o Prof. João Luis - procuram o mestrado da UFC apenas para serem seus alunos. Não tê-lo no corpo docente, por conta da exigência do título formal, seria muito ruim para o programa, e uma grande distorção entre o formal e o substancial. Daí a iniciativa do coordenador de pleitear a "defesa direta", que foi deferida pela UFPE.
Meu pai passou alguns meses bastante concentrado na tese. Aqui e ali parava para elaborar um parecer, mas quase que o tempo inteiro esteve dedicado a ela. Com o trabalho concluído, submeteu-a à defesa. Fui a Recife para presenciar. Meu pai ficou muito feliz porque, embora não tenha dado qualquer publicidade ao evento, alguns amigos descobriram por conta própria e foram assistir, como o Prof. Agérson Tabosa e a Profa. Maria Vital.
Foi divertido assistir. Eu já conhecia o texto da tese, e as idéias do meu pai em torno dela, de modo que pude acompanhar com maior compreensão cada questionamento e cada resposta.
A tese cuida, basicamente, da crônica baixa efetividade de alguns direitos fundamentais do contribuinte, e de como esse problema poderia ser corrigido ou minimizado com medidas destinadas a dar uma maior eficiência à jurisdição, sobretudo quando exercida em face do Poder Público. Apontam-se exemplos de violações reiteradas a direitos fundamentais do contribuinte (no âmbito, por exemplo, das sanções políticas), e em seguida possíveis soluções para o problema, que vão desde a responsabilidade pessoal do agente público por danos ao contribuinte até a modificação nos critérios de escolha dos Ministros das Cortes Superiores.
As ponderações dos professores da banca foram bem interessantes, e as respostas dele também. Particularmente, gostei muito das perguntas do Prof. Ricardo Lobo Torres, do Prof. Ivo Dantas e do Prof. Francisco Queiroz Cavalcanti. Este último, depois de uma longa introdução para afastar qualquer idéia em torno de eventual caráter pejorativo de seu comentário (disse gostar muito de cães, e que seu filho tem dois deles em sua lista das "10 pessoas mais queridas"), disse que em sua infância admirava um pastor alemão de um vizinho, que era muito bonito, e que se tornava ainda mais admirável quando enraivecido. Subiam no muro da casa desse vizinho, ele e um amigo, e ficavam raspando uma lata de queijo do reino na parte superior do muro, para deixar o cachorro com raiva. Os pulos que o cão dava eram lindos. Costumavam ficar nessa brincadeira por um bom tempo, até a senhora dona do animal aparecer e colocá-los para correr. Depois dessa recordação da infância, o apontado professor disse que iria passar o queijo do reino no muro com as perguntas que faria para o meu pai responder...
Talvez sem dar os esperados pulos - ele até que se comportou - meu pai respondeu aos interessantes questionamentos feitos em torno dos possíveis defeitos da sistemática que ele apontava para a escolha dos Ministros do STF (eleição de candidatos - magistrados que atendam os requisitos constitucionais e se habilitem à disputa - por eleitores formados por todos os magistrados, de todas as instâncias) e a respeito de algumas violações a direitos fundamentais que o Prof. Queiroz Cavalcanti considerava não serem violações.




O Prof. Ricardo Lobo Torres, depois de mencionar o fato de que também outros professores passaram por procedimento semelhante de formalização de títulos, como o Prof. Luis Roberto Barroso, fez questionamentos precisos em torno, por exemplo, da validade de certas sanções políticas, quando destinadas a proteger a livre concorrência. Meu pai respondeu dizendo que no caso da livre concorrência, trata-se de princípio que, invocado assim de forma genérica, poderia legitimar a exigência de qualquer tributo, por mais indevido, sob o argumento de que "a concorrência também paga" e que, do contrário, caso se permita que um contribuinte específico não o faça, haveria "desequilíbrio". Argumentou, ainda, que tal princípio, sintomaticamente, é invocado por grandes contribuintes, que dominam quase 99% do mercado, e que se associam ao Fisco para fechar ou punir os detendores dos outros 1%, chamando-os de sonegadores e de responsáveis pelos tais "desequilíbrios". Ele invocou, nessa resposta, algo do que conhecia em torno do caso da empresa de cigarros cujo fechamento o STF considerou legítimo.
Bom, talvez não seja o caso de repetir, aqui, o que cada membro da banca disse, e o que foi respondido. Aliás, eu nem lembro com precisão. O livro será publicado em breve, pela Atlas, e a curiosidade do leitor poderá então ser suprida, pelo menos quanto aos temas nele versados. Pretendi, aqui, apenas fazer pequeno relato do ocorrido, mais dos aspectos pitorescos e menos dos detalhes técnicos.

4 comentários:

Anderson Pereira disse...

É engraçado como as coisas são!
Há uns 20 dias atrás, fizemos uma confraternização, aqui em Salvador, com alguns alunos da turma de Tributário. Dos presentes, a grande maioria era dos alunos da turma que começou anteriormente, cuja qual faço parte. Tivemos três aulas suas: uma de princípio da não-cumulatividade (se não me engano) e duas de processo tributário.
Vários colegas comentaram que, por não lhe conhecer, inicialmente esperavam alguém, digamos, "carregado pelo sucesso do pai". Confesso que pensei algo parecido, entretanto, não sou adepto a pré-julgamentos.
No entanto, não apenas se confirmou a possibilidade que imaginava, como todos se surpreenderam. Pode ser que seu conhecimento venha de bons conselhos do seu pai, todavia, a sua autonomia e pensamento jurídico são próprios, únicos e, da mesma forma, gigantescamente louváveis. A turma, inclusive, no dia, concluiu unanimemente que não obstante termos assistido aulas de grandes nomes do direito tributário, as melhores sempre foram as suas e do coordenador, Profº. Sabbag.
Hoje, a surpresa: você efetivamente obteve o grau de Doutor antes do seu pai (apesar de que os dois já demonstravam vasto conhecimento, servindo este título apenas a confirmar aos que já tiveram o prazer de ler seus livros ou assistir suas aulas já sabiam). Li aqui sobre a sua defesa. Li seus 42 twitters sobre a tese. Não pude postar antes e gostaria de parabenizá-lo neste momento.
Aproveitando, ainda, para parabenizar a seu pai, pois, os dois, independentemente, tem contribuído de forma insuperável para a ciência do direito, e é sempre um prazer fazer os votos de sucesso para quem merece.
Um forte abraço!

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro Anderson,
Muito obrigado por suas palavras.
As aulas foram realmente sobre não-cumulatividade (ICMS, IPI, PIS e COFINS), e duas de processo tributário (uma de noções gerais e outra sobre coisa julgada). É bom saber que a turma gostou, sobretudo porque lembro do excelente nível dos alunos e das perguntas que faziam.
Quanto ao fato de eu ter obtido o título de doutor antes do meu pai, isso não quer dizer nada. Diferentemente do que se deu comigo, a defesa dele foi mera formalidade, algo como um casal que depois de viver décadas em união e com filhos resolve "casar de papel passado". É claro que, do ponto de vista substancial, do conhecimento que o título simplesmente atesta, ele é "doutor" há muitíssimo mais tempo do que eu.
um abraço

Anderson Pereira disse...

Tens razão! O título de seu pai foi apenas a confirmação do que já era demonstrado há muito tempo: o alto nível de conhecimento que ele carrega e contempla os leitores.
Apenas comentei porque não havia imaginado que ele ainda não possuísse o título.
O seu também não foi uma surpresa. Quem assiste à sua aula consegue perceber o seu enorme preparo.
Estou agora na curiosidade de ler o livro que será lançado da sua tese. Creio que será uma ótima experiência, assim como tem sido ler o seu blog, vez ou outra.
Por falar nisso, também passei a ler o do George, que traz diversos temas interessantes, e dicas também.
Estou me preparando, agora, para a seleção do mestrado e ler textos de vocês apenas aumentam a vontade de me dedicar mais. É sempre bom ter uma idéia do que o conhecimento pode nos proporcionar!
Abraço!

materias jurídicas.wordpress.com disse...

Fiquei surpreso, o meu professor Dr. Hugo de Brito Pai, só agora recebeu o merecido título de Doutor...Confesso que antes mesmo de ler o post, só em ver a foto, pensei que ele é que estava na banca examinadora. Merecido título que seus ex alunos, como eu dos tempos da UNIFOR, nos orgulhamos e parabenizamos o ilustre e sempre dedicado Dr. Hugo de Brito, exemplo de dedicação e amor pelo direito.