quinta-feira, 19 de junho de 2008

Incentivos fiscais e receita municipal



Um problema que alguns Municípios têm enfrentado, em matéria de Direito Tributário/Financeiro, é o dos incentivos fiscais concedidos pelos Estados, relativamente ao ICMS, que comprometem sua receita oriunda da partilha do produto da arrecadação desse imposto.
Um dos pareceres constantes do livro "Direito Tributário Aplicado", aqui já referido, versa exatamente esse assunto. Foi uma consulta que nos fez uma Associação de Prefeitos.

A ementa do parecer:

"ICMS. INCENTIVOS FISCAIS. REFLEXOS NA RECEITA DOS MUNICÍPIOS. INCONSTITUCIONALIDADE.

A partilha das receitas tributárias é tema tratado na Constituição Federal e constitui elemento essencial do conceito de Federação, de sorte que não pode ser alterada por qualquer norma de hierarquia inferior.

Se a alteração na partilha das receitas tiver o efeito de eliminar a autonomia dos Estados, ou dos Municípios, nem mesmo por Emenda constitucional poderá ser feita.

São desprovidos de validade jurídica os dispositivos de lei estadual que restringem significativamente a participação dos Municípios na receita do ICMS, posto que implicam indevida intervenção dos Estados nos Municípios, que só é cabível nos casos expressa e exaustivamente autorizados pela Constituição Federal.

A prorrogação dos prazos para os pagamentos do ICMS, como forma de incentivo concedido pelo Estado XXXX através do XXXX, com a exclusão destes do valor da receita para fins de cálculo da participação dos Municípios, configura violação flagrante dos artigos 158, IV, e 167, IV, da Constituição Federal, além de violação indireta de seu art. 35, que limita os casos de intervenção nos municípios, consubstanciando por tudo isto inadmissível agressão à autonomia municipal.

O direito dos Municípios ao recebimento de suas participações na receita do ICMS pode ser defendido mediante mandado de segurança contra o ato, já consumado ou iminente, de aplicação de normas da legislação estadual em referência, que pode ser impetrado pela XXXX na defesa dos interesses dos Municípios, ou por cada um deles individualmente.

É cabível, ainda, perante o Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação estadual que restringem a participação dos Municípios na receita do ICMS, promovida por partido político com representação no Congresso Nacional ou por entidade de classe de âmbito nacional."


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Tive a grata surpresa de ver, entre as mais recentes decisões do STF, uma que versou precisamente esse assunto. Foi noticiado pelo site da corte:

"STF garante aos municípios catarinenses parcela da arrecadação do ICMS

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJ-SC), segundo a qual a concessão de incentivos fiscais pelo estado não pode diminuir o repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) constitucionalmente assegurado aos municípios. A matéria foi discutida no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 572762, que teve provimento negado.

A decisão vale para outros sete recursos que tratam do mesmo tema e, por isso, foram julgados em conjunto. São eles: Recursos Extraordinários 482067, 485541, 485553, 499656, 509517, 526831 e 550518.

O caso

O RE 572762 foi interposto pelo estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça local. Favorável à apelação do município de Timbó, o TJ-SC entendeu correto o fundamento de que viola a Constituição Federal a retenção de parcela do ICMS pertencente ao estado catarinense em razão da concessão de incentivos fiscais.

O estado alegava violação aos artigos 158, inciso V e artigo 160, ambos da Constituição Federal. Sustentava que o Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (Prodec) é um mecanismo de desenvolvimento sócio-econômico do estado, o qual permite que empresas instaladas em Santa Catarina sejam beneficiadas com uma das formas de incentivo, isto é, financiamento por meio de uma instituição financeira oficial ou a postergação do recolhimento do ICMS. No caso, está em questão esta última forma de incentivo.

No recurso, o estado argumentava que como o momento do recolhimento do imposto é diferido, não seria possível falar em arrecadação da tributação e muito menos do direito dos municípios à repartição da receita dele decorrente. Segundo o estado, “o fato de os municípios terem direito a parcela da arrecadação de determinado tributo, não lhes confere qualquer competência sobre este, o que somente ocorre quando deixa de existir como tributo e passar a existir como receita pública, ou seja, quando for arrecadado”.

Segundo o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR), “o estado de Santa Catarina vem utilizando a cota relativa ao repasse da arrecadação do ICMS pertencente ao município com o intuito de financiar empreendimentos comerciais e industriais”.

Autonomia financeira

O ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso, negou provimento ao recurso. O ministro falou da necessidade de haver autonomia financeira do município “porquanto não pode agir com independência aquele que não possui recursos próprios”.

“Percebe-se, pois, da conclusão do tribunal a quo (TJ-SC), que o tributo em tela já havia sido efetivamente arrecadado, sendo forçoso reconhecer que o estado, ao reter a parcela pertencente aos municípios, interferiu indevidamente no sistema constitucional de repartição de rendas”, afirmou o relator.

Lewandowski entendeu que a lei catarinense ofende também outro preceito constitucional. O ministro explicou que na medida em que o Prodec se qualifica como Programa de Incentivo Fiscal Estadual instituído por lei ordinária local viola o artigo 155, parágrafo 2º, alínea “g”, da Constituição. De acordo com esse dispositivo, cabe a lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão revogados.

O relator ressaltou que a jurisprudência da Corte é pacífica no sentido de que benefícios tributários concedidos unilateralmente por estados membros afrontam o princípio federativo “por incentivarem a deletéria guerra fiscal”. Assim, citou as ADIs 1179, 2076 e 2377.

Ao final, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, registrou a importância da matéria. “Trata-se de um pronunciamento que o tribunal faz, uma matéria técnica de distribuição de receita, mas que enfatiza a importância da autonomia municipal naquilo que ela tem de substancial, que é a autonomia financeira a partir dessa rede, dessa tessitura, concebida pelo texto constitucional”, disse Mendes, ao acompanhar o voto do relator, que foi seguido pela unanimidades dos ministros."

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