quinta-feira, 3 de julho de 2008

Desenvolvimento como liberdade


Ganhei do George Marmelstein, em meu aniversário, o livro "Desenvolvimento como Liberdade", de Amartya Sen (SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta, São Paulo: Companhia das Letras, 2000.)
Muito bom. Recomendo. Aliás, considerando quem o escolheu, não poderia ser diferente.
O livro merece ser lido por todos, especialmente por quem tem interesse em temas como: direitos fundamentais, multiculturalismo, direito e economia, igualdade x liberdade, liberalismo x regulação da economia etc.
O autor valoriza a liberdade como poucos, mas não o faz de forma contraditória e incoerente, como muitos dos que prestigiam demasiadamente a liberdade de iniciativa (que tem fortes repercussões sobre terceiros), mas, curiosamente, são radicalmente contrários a outras formas de liberdade que pouca ou mesmo nenhuma influência têm sobre terceiros (liberdade religiosa ou sexual, v.g.).
Abaixo, deixo algumas notas que fiz ao longo da leitura, com remissão às páginas correspondentes.

p. 17 - O autor destaca, aqui, que a liberdade é fim. Os demais bens ou valores são meio para realizá-la. Talvez se possa extrair algo semelhante de Dworkin, para quem a igualdade, por exemplo, só existe como forma de se assegurar maior liberdade para um maior número de pessoas.

p. 21 - não se pode simplesmente ser contra o mercado. Nas palavras do autor,

"Ser genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quando ser genericamente contra a conversa entre duas pessoas (ainda que certas conversas sejam claramente infames ou causem problemas a terceiros - ou até mesmo aos próprios interlocutores). A liberdade de trocar palavras, bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a seus efeitos favoráveis mas distantes; essas trocas fazem parte do modo como os seres humanos vivem e interagem em sociedade (a menos que sejam impedidos por regulamentação ou decreto)."

p. 23 - O desenvolvimento é "um processo integrado de expansão de liberdades substantivas interligadas."

p. 26 - Pode-se dizer - tal como Habermas, Hannah Arendt e, antes deles, Tobias Barreto - que as liberdades (públicas e privadas) se interligam, sendo interdependentes.

p. 26 - A idéia de um "estado democrático" impõe aos seus integrantes um dever de participar, e não a autorização - como alguns tributaristas pensam - para que o Governo tenha seus poderes hipertrofiados para interferir na vida dos cidadãos (idéia semelhante à do post sobre solidariedade e tributação).

p. 27 - Aqui o autor vai adiante no clássico debate entre o índio (que não entende por que o ocidental colonizador pretende acumular riqueza, se um dia vai morrer), e Bartolomeu de las Casas. Depois de o índio mostrar-se abismado com tamanho esforço desnecessário (eis que todos, ricos ou pobres, morrem do mesmo jeito), ele - o ocidental - responde: dinheiro não dá imortalidade, mas dá vida mais longa e confortável. Evidentemente com algumas ponderações - afinal, trata-se de um meio, e não de um fim em si mesmo - é verdade.

p. 28 - "Como observou Aristóteles logo no início da Ética a Nicômaco (em sintonia com a conversa que Maitreyee e Yajnavalkya tiveram a mil quilômetros dali), 'a riqueza evidentemente não é o bem que estamos buscando, sendo ela meramente útil e em proveito de alguma outra coisa.'"

p. 29 - crescimento é meio para a promoção das liberdades.

"(...) o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhoria da vida que levamos e da liberdade que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo."

p. 30 - a democracia é um importante método de prevenir fomes coletivas, pois nela o governante é forçado em agir pensando nos interesses do povo.

p. 46 - confirmando a associação que fiz na nota à p. 26, o autor escreve: "A liberdade individual é essencialmente um produto social, e existe uma relação de mão dupla entre (1) as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e (2) o uso de liberdades individuais não só para melhorar a vida de cada um, mas também para tornar as disposições sociais mais apropriadas e eficazes."

p. 47/48 - liberdade e multiculturalismo: "Havendo indícios de conflito real entre a preservação da tradição e as vantagens da modernidade, é necessário uma resolução participativa, e não uma rejeição unilateral da modernidade em favor da tradição imposta por dirigentes políticos, autoridades religiosas ou admiradores antropológicos do legado do passado. Não só a questão não é fechada, como também tem de ser amplamente aberta às pessoas da sociedade, para que elas a abordem e decidam em conjunto." Em suma, a solução para o dilema está na participação instruída de todos os interessados, vale dizer, na promoção dos direitos fundamentais de 4.ª dimensão (democracia, informação e pluralismo)...

p. 51 - Aqui o autor demonstra a falácia dos que defendem a necessidade de haver uma privação de liberdades para que o país possa crescer. Na verdade (p. 52/53), a expansão das liberdades é fim e é meio, de nada adiantando ser rico e não poder abrir a boca.

p. 54 - na verdade, liberdades políticas, oportunidades sociais e liberdades econômicas estão todas ligadas.

p. 57/58 - a promoção de direitos sociais incentiva - em longo prazo - o crescimento econômico. O Japão - diz o autor - cresceu graças a pesado investimento em educação.

p. 110 - pobreza é privação de liberdades, entendida essa palavra em seu sentido mais amplo possível (= capacidades), e não necessariamente a privação da "renda". A privação de renda é a causa, mas há outras, como o autor mostra na p. 111.

p. 119 - diferença entre as visões americana e européia a respeito do desemprego.

p. 148 - a democracia é importante pois permite a abertura do mercado na medida certa, sem excessos.

p. 154 - promover a educação é promover o bem de todos, e não só daqueles que são educados. Uma idéia importante mas que nem sempre é lembrada quando se cogita de investimento público em educação.

p. 155 - o assistencialismo exacerbado é maléfico, pois serve de desestímulo.

p. 178 - nesta página o autor desconstrói o sofisma de que o "desenvolvimento econômico" seria mais importante que a democracia.

p. 217 - o autor demonstra, com simplicidade e clareza, que a democracia é simples decorrência do respeito à igualdade.

p. 269 - excelente análise da questão do multiculturalismo, demonstrando o autor que o oriente não é tão distinto assim do ocidente assim quanto aos direitos fundamentais. Historicamente, aliás, árabes não são mais intolerantes que católicos (p. 274).

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