terça-feira, 29 de julho de 2008

Excelente iniciativa, mas talvez tenha faltado sanção

Aqui no Ceará, foi recentemente publicada a seguinte lei estadual:


"LEI Nº14.150, de 01 de julho de 2008.
(Autoria: Deputado Heitor Férrer)
DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DE AFIXAÇÃO NOS ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS
DOS PERCENTUAIS DE TRIBUTOS ESTADUAIS INSERIDOS NOS PREÇOS DE VENDA AO
CONSUMIDOR.
O GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ Faço saber que a Assembléia
Legislativa decretou e eu sanciono a seguinte Lei:
Art.1º Os
estabelecimentos comerciais do Estado do Ceará disponibilizarão aos seus
consumidores relatório dos produtos vendidos com os respectivos percentuais de
tributos estaduais incidentes.
Parágrafo único. O relatório de que trata o
caput deste artigo deverá ser de fácil leitura e compreensão e exposto em local
de fácil acesso ao público consumidor.
Art.2º Esta Lei entra em vigor após
sua publicação.
Art.3º Revogam-se as disposições em contrário.
PALÁCIO
IRACEMA, DO GOVERNO DO ESTADO DO CEARÁ, em Fortaleza, 01 de julho de 2008.
Cid Ferreira Gomes
GOVERNADOR DO ESTADO DO CEARÁ"

Não sei o que os leitores do blog pensam do assunto.
Eu, particularmente, aplaudo a iniciativa, mas tenho dúvidas quanto à adequação da forma escolhida.
Para explicar melhor, talvez seja o caso de dividir a análise em duas partes.
Primeiro, a idéia de explicitar o percentual de tributo subjacente ao preço dos produtos.
Não se trata apenas de uma idéia elogiável, destinada a esclarecer o consumidor, conscientizá-lo de sua condição de contribuinte, da carga que efetivamente suporta etc. Trata-se do respeito devido a uma disposição constitucional de meridiana clareza, que dispõe:
"Art. 150. (...)
(...)
§ 5º - A lei determinará medidas para que os consumidores
sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e
serviços"
A iniciativa, portanto, é elogiável sob todos os aspectos, sendo mais uma mostra do trabalho sério que tem sido desenvolvido pelo Deputado autor do projeto. É questionável, contudo, a forma como o dispositivo constitucional foi regulamentado. Por que um "relatório" exposto em local de fácil leitura? Uma planilha impressa ao lado de cada caixa de supermercado, junto com aquela última prateleira de pilhas, chicletes e lâminas de barbear? Quantas páginas terá de ter, para comportar o preço de cada produto vendido? Se não contiver o preço (e o tributo sobre ele incidente) de cada produto, conterá apenas uma fórmula geral para o cálculo do tributo sobre cada produto? Um pequeno manual prático de Direito Tributário? Será que algum consumidor terá iniciativa e paciência para ler isso?

Posso estar enganado, mas parece mais adequado determinar que cada produto tenha seu preço divulgado "com tributo" e "sem tributo". Muito simples, evidenciando que a diferença deve-se ao tributo.
No Japão, em todos os lugares, até nos cardápios dos restaurantes, os produtos, serviços e mercadorias tinham dois preços. Um, mais destacado e mais alto. Outro, entre parênteses, 5% mais baixo. E, ao lado de cada um, a explicação: com imposto e sem imposto. Ressalvadas as lojas "tax free", nas quais se podia comprar apresentando o passaporte pagando o preço "sem imposto", em todas as demais o preço "com imposto" era o que valia. O outro, mais baixo, destinava-se apenas ao esclarecimento do consumidor. É uma forma possível de esclarecer o consumidor.
Outra é destacar, entre parênteses, quanto do preço corresponde ao tributo.
E, em vez de tributos estaduais (IPVA? ITCD?), a Lei poderia ter desde logo feito referência ao ICMS ou àquele imposto que o viesse a substituir.

Mas essa era a primeira fase da análise. Mera questão de técnica, sendo o tal relatório, talvez, meio inócuo, mas de qualquer forma válido.
A questão mais grave, acho, é a falta de sanção.
Aprendemos, com Bobbio, e Arnaldo Vasconcelos, que uma das características de uma norma jurídica é a possibilidade de ser imposta uma "sanção organizada" pelo seu descumprimento. No caso, onde está a sanção? O que acontecerá ao comerciante que não disponibilizar o tal relatório?
Não parece, portanto, que estejamos diante de uma norma jurídica, mas de mera recomendação.
A menos - aí será de chorar, mas não será a primeira vez - que a sanção (mero detalhe... :-) ) venha prevista no regulamento...

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