segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Rescisória e segurança jurídica

O trânsito em julgado de sentenças que consagram orientação totalmente diferente da que depois se pacifica nos tribunais superiores é problema dos mais graves. Sua causa, muitas vezes, é o excesso de formalismos, que impede que recursos sejam conhecidos por conta de carimbos ilegíveis, falta de autenticação em cópias cuja autenticidade por ninguém é posta em dúvida, ou mesmo pela absurda compreensão de que um recurso interposto antes da publicação é intempestivo, porque antes do prazo é também, de certa forma, fora do prazo.
Em novembro, a convite do prof. Sabbag, darei mais uma aula na rede LFG sobre esse assunto: coisa julgada em matéria tributária.
Essa e diversas outras questões relevantes sobre o tema foram discutidas em livro 
Nesse livro, no artigo que escrevi com a Raquel, preconizei a necessária atenção a duas situações.
- Uma, a de sentença que resolve questão isolada no tempo. Nesse caso, a posterior mudança de jurisprudência não é motivo para que se rediscuta o teor da sentença. Salvo, é claro, se presentes uma das condições do art. 485 do CPC, o que é um outro problema.
- Outra situação é a da sentença que resolve relação jurídica continuativa. Nesse caso, como a sentença produz efeitos para o futuro (enquanto a situação de fato e de direito permanecer a mesma), a posterior mudança na orientação jurisprudencial pode ter efeitos relevantes. Se firmada em ADI ou ADC, a decisão passada em julgado deixa de produzir efeitos a partir da publicação do acórdão que julgar a ação de controle concentrado, que equivale, para esse efeito, a uma lei nova, que altera a relação jurídica declarada na sentença e, por isso, faz com que cessem os efeitos desta. Se a posterior orientação jurisprudencial não se dá em controle concentrado, mas em controle difuso, ou mesmo no plano infraconstitucional, a questão não é tão simples. Particularmente, acredito que a parte interessada poderia pedir a revisão da coisa julgada, o que pode ser feito a qualquer tempo, nos termos do art. 471, I, do CPC, com eficácia necessariamente "ex nunc".
Em nenhuma hipótese parece caber rescisória, pela simples mudança na jurisprudência, pois isso implicaria admitir que a mudança posterior na jurisprudência "transforma" uma decisão antes perfeita em algo teratológico, flagrantemente contrário à letra da lei... Além disso, se a rescisória fosse o instrumento cabível, criar-se-ia a possibilidade absurda de a mudança na jurisprudência ocorrer mais de dois anos depois do trânsito em julgado da decisão rescindenda, uma inusitada hipótese de ação cujo termo inicial do prazo para  a sua propositura seria anterior à implementação da condição que a torna cabível.
Foi o que decidiu, recentemente, o STJ. Só espero que o entendimento seja mantido em ações rescisórias promovidas pela Fazenda Pública, quando a coisa julgada é favorável ao contribuinte e a orientação jurisprudência posterior é alterada para dar razão à Fazenda. É preciso, acima de tudo, ser coerente, sobretudo em relação à coisa julgada, desdobramento do princípio da segurança jurídica (previsto aliás no mesmo inciso do art. 5.º), que, como todo direito fundamental, sobretudo os individuais, existe para proteger o indivíduo em face do poder público, e não o contrário, como aliás já declarou o STF ao editar a Súmula 654...


AR. SÚM. N. 343-STF. SEGURANÇA JURÍDICA.

Cuida-se de ação rescisória em que os autores manifestam seu inconformismo com o julgamento que proclamou a incidência do imposto de renda sobre as verbas recebidas a título de resgate das contribuições recolhidas à previdência privada no período de vigência da Lei n. 7.713/1988 (1º/1/1989 a 31/12/1995). No período, os contribuintes estavam autorizados a descontar do IR os valores pagos a título de contribuição à previdência privada, alterando-se a situação com a vigência da Lei n. 9.250/1995. Para a Min. Relatora, não houve a alegada violação à literal disposição de lei. A Primeira Seção deste Superior Tribunal, em uma única oportunidade (EREsp 946.771-DF, DJ 25/4/2008), entendeu pertinente afastar a aplicação da Súm. n. 343-STF. A posição adotada, entretanto, se por um lado privilegia o princípio da eqüidade, deixa sem segurança centenas de julgados, os quais podem ser atacados na via da ação rescisória, o que é de absoluta inconveniência. Adotar ação rescisória para alinhar a jurisprudência antiga à nova, mais recente, é inserir mais um inciso ao art. 485 do CPC, criando, assim, uma modalidade de impugnação à decisão transitada em julgado. Assim, em nome da segurança jurídica, entende a Min. Relatora que deve ser mantido o julgado. Diante disso, a Seção, ao prosseguir o julgamento, por maioria, inadmitiu a ação rescisória com base no enunciado da Súm. n. 343-STF, extinguindo o processo sem resolução de mérito. AR 3.525-DF, Rel. Min. Eliana Calmon, julgada em 8/10/2008.

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