quinta-feira, 14 de abril de 2022

Cinco conselhos para redigir boas peças jurídicas

Depois de mais de duas décadas no exercício da advocacia, tenho observado as melhores maneiras de levar o argumento até o magistrado, de modo a que ele compreenda o que se pretende, e, se possível, concorde com a procedência do que se pede. Aqui vai um pouco de experiência própria, obtida no lento - e talvez aplicável a todo artefato ou obra humana - processo de tentativa e erro. Mas há também consequências da observação de peças feitas por colegas.

Especificamente para a advocacia no campo do Direito Tributário, meu "Processo Tributário" pode servir de aprofundamento para o que se diz aqui (clique aqui), no que tange a aspectos mais técnicos. O que referir, obrigatoriamente, nesta ou naquela peça, neste ou naquele tipo de procedimento, ação ou recurso, por exemplo.

 

 

Os conselhos abaixo são diferentes. Mais simples e gerais, aplicam-se a qualquer área do Direito, além de estarem mais relacionados à forma que se deve imprimir à peça. 


Vamos a eles.

 

1. Escreva pouco

Ouvi, em certa ocasião, de um professor da Faculdade de Direito, que também era Desembargador, que, para ele, se a petição inicial do mandado de segurança tivesse mais de 10 páginas, não haveria "direito líquido e certo".

Trata-se, claro, de um argumento equivocado. A liquidez e a certeza do direito postulado por meio de mandado de segurança decorre da ausência de controvérsia sobre os FATOS dos quais o direito subjetivo reclamado decorre. Nada a ver com a quantidade de páginas em que redigida a inicial. Mas, de qualquer modo, trata-se da opinião de um integrante de um Tribunal de Justiça, que de resto é compartilhada por muitos de seus colegas. Não propriamente quanto ao conceito de direito líquido e certo, mas quanto ao preconceito com peças muito longas. Acha-se logo que, se o advogado precisa de muitas páginas para se explicar, ou para convencer, seu pleito não é bom.

Só isso já seria suficiente para embasar este conselho: escreva pouco.

Mas não é só. O argumento pode, de fato, ficar muito mais consistente, se for enunciado com brevidade, tal como uma xícara de café se torna mais forte, quando se lhe adiciona menos água. Finalmente, os julgadores, cada vez com menos tempo, e com mais trabalho, simplesmente não lerão peças muito longas, tornando inútil todo o acréscimo que lhes aumenta as páginas. Melhor escrever cinco que serão lidas, do que cinquenta que serão ignoradas.

Como saber, contudo, o que cortar? Os próximos conselhos podem ajudar nisso.

 

2. Não perca tempo com o que não é controvertido

Não é raro encontrar peças em que o advogado escreve longamente sobre assuntos ou temas que a parte adversa não questiona. Se o Fisco afirma que a empresa teve um prejuízo, mas se recusa a permitir que este seja abatido de lucros experimentados em exercícios posteriores, o advogado da empresa, em sua peça, não precisa discorrer longamente sobre o tal prejuízo, que é incontroverso. Melhor dedicar-se às razões pelas quais seria indevido não permitir o abatimento.

 

3. Não alongue a peça com transcrições desnecessárias

Este conselho pode ser considerado uma variação do anterior, mas se refere especificamente a citações doutrinárias. Há advogados que, quando afirmam que um ato é ilegal, dissertam longamente sobre a legalidade, transcrevendo os mais variados doutrinadores que já trataram desse princípio. A questão é que nem a parte adversa, nem o juiz, colocam em dúvida a necessidade de se respeitar a lei. A controvérsia reside justamente em saber se o ato impugnado no processo é, ou não, ilegal, sendo esta a questão na qual a peça deveria centrar.

O mesmo ocorre quando se pede uma tutela provisória. O advogado deve evidenciar a presença dos requisitos legais, da fumaça do bom direito e do perigo da demora, e não ficar transcrevendo longas páginas de doutrina sobre "o que é tutela provisória" ou sobre "o que é perigo da demora", em tese. Isso faz com que o leitor seja estimulado a pular para o final da peça, impaciente para saber o que será pedido, e nisso pode deixar de ler algo realmente relevante, que faria alguma diferença se fosse visto.

 

4. Evite adjetivos exagerados e agressões. Prefira a objetividade.

 Sabe aquele ditado, de que "Quando João fala mal de Pedro, isso nos revela mais sobre João do que sobre Pedro"? Pois é, a ideia aqui é mais ou menos essa. Adjetivar a parte adversa, o seu advogado, o perito, ou o prolator da decisão recorrida, não leva a nada, e pode atrair a antipatia - ou algo pior - do leitor. Melhor indicar, com objetividade e respeito, os motivos pelos quais se considera que algum ato praticado pela parte adversa, seu advogado, o perito ou o prolator da decisão recorrida é equivocado.

Em vez de afirmar que "O réu, em total má-fé, vomita mentiras ao sugerir que o responsável pelo dano teria sido o autor. Esse desatino pode ser desfeito a partir das provas constantes das fls...", pode-se simplesmente afirmar "A afirmação do réu de que o responsável pelo dano seria o autor não é verdadeira. Conforme se depreende das provas constantes das fls..."."

Também não é preciso adjetivar com elogios os autores citados, doutrinadores ou julgadores, com palavras que o advogado às vezes nem sabe bem o que significam. Pranteado, saudoso, festejado, incensado... Pode-se simplesmente citar o pensamento de Fulano, que se está sendo citado é porque é considerado como alguém relevante. Menos é mais. 

Sobriedade e elegância tornam a peça mais convincente, inclusive. Além de ser mais educado, e conferir maior urbanidade ao processo.


5. Seja claro, especialmente na narração dos fatos, e no pedido

 O Direito, as normas jurídicas, a doutrina e a jurisprudência, em regra, o juiz conhece. Pelo menos em tese. Se não conhece, pode ter acesso e conhecer, por meio de livros, da internet, de uma conversa com colegas ou com sua assessoria. Mas os fatos, e o que a parte deseja, o juiz não tem como saber, em princípio, a menos que isso seja comunicado a ele, trabalho que primordialmente cabe ao advogado. O juiz não tem como saber, ou adivinhar, como a situação conflituosa ocorreu, quem vendeu o que para quem, ou quem contratou com quem, quem empregou ou demitiu quem. Tampouco tem como saber o que a parte pretende. É preciso, portanto, dedicar maior atenção a essa parte, não à transcrição de julgados e mais julgados, ou de páginas de doutrina. Cabe ao advogado narrar os fatos, enunciar de modo sintético a tese jurídica que a partir deles conduz ao que se pede ao final, e pedir, sem floreios ou rodeios.

Deve-se usar um português claro, sem a necessidade de um termo mais rebuscado, se há um mais fácil. Sem a necessidade de uma palavra em língua estrangeira, ou mesmo em latim, se há equivalente adequado em nosso idioma. Finalmente, palavras e períodos curtos. Como dizia Churchill, das palavras, as mais simples. Das mais simples, a menor.

Nessa mesma ordem de ideias, convém não poluir a peça com excesso de negritos, itálicos, fontes em tamanho muito maior, em cores diversas e muito chamativas, e sublinhados. Aqui também, menos muitas vezes é mais.

 

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Tudo isso aumentará as chances de seu argumento ser lido, e, talvez, lido com boa vontade, o que é muito importante. Afinal, ele foi escrito para isso, não foi?

E você, teria algum conselho adicional para dar? Fique a vontade de compartilhar com a gente nos comentários! 

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom as dicas, professor. Muitas delas eu já as utilizo. Sigo um instagram de um servidor que dá dicas interessantes de tipografia, o nome é @tipografiajuridica. Fica aqui minha sugestão.