quarta-feira, 6 de abril de 2022

Poder Público e Litigiosidade

 O mais recente livro que escrevi e publiquei, "Poder Público e Litigiosidade", pretende debater temas sensíveis ligados à solução de conflitos que envolvem o Poder Público, não só no âmbito da tutela jurisdicional, mas também no processo administrativo e em relação a outros métodos ou formas de solução de conflitos.

Para que tenham uma amostra do que nele é tratado, segue um pequeno trecho da "Nota ao Leitor", que consta de suas primeiras páginas:

 

Nota ao leitor

 

A ideia de escrever este livro surgiu em Viena, Áustria. Realizei pesquisa em torno da tributação indireta, em 2012, e, analisando seus resultados, foi possível perceber o que poderia ser uma questão de princípio, talvez extensível a situações diversas: a tensão, no âmbito do direito da União Europeia, entre autonomia e efetividade, e a importância do devido processo legal a conectar o direito processual ao direito material. Isso levou a uma nova pesquisa, também no Institut für Österreichisches und Internationales Steuerrecht da Wirtschaftsuniversität, desta vez sobre os precedentes da Corte de Justiça Europeia em torno da apontada tensão, em outras questões envolvendo o Direito Público. Em síntese, pelo princípio da autonomia considera-se que cada Estado membro da União Europeia é livre para disciplinar a forma como o Direito da União será implementado (enforcement) em seu território. A definição das atribuições das autoridades administrativas, dos procedimentos a serem seguidos, da forma como a legalidade de seus atos será controlada etc., tudo isso é matéria a ser livremente disciplinada por cada Estado. Daí a existência, nos distintos Países da União Europeia, de estruturas bem diversas, sejam elas judiciárias ou administrativas, além de processos, ritos, prazos etc. também diferentes. A questão é que, embora tenham liberdade nesse quesito, os Estados membros têm, por igual, de dar efetividade ao Direito da União Europeia. Podem escolher apenas como. Isso levou à formação de uma jurisprudência, na Corte de Justiça Europeia (que conhece apenas de questões relacionadas à interpretação do Direito da União), sobre disposições processuais domésticas de diversos países da Europa. Ou seja, embora, em tese, não conheça de questões processuais, pois elas são internas a cada país, a Corte, que apenas trata de aspectos relacionados ao Direito da União, passou excepcionalmente a tratar das tais questões processuais internas aos países, quando elas inviabilizam a efetividade do Direito da União.

Percebeu-se, assim, a existência de toda uma jurisprudência que dá sinais, a contrario, a respeito do conteúdo do princípio do devido processo legal. Confirmou-se, ainda, algo que já havia sido constatado na pesquisa sobre a tributação indireta: os Tribunais internos, ou domésticos, são geralmente mais flexíveis às exigências do Estado que integram, curvando-se a elas, do que a Corte Europeia de Justiça, talvez dotada de mais independência e imparcialidade. E isso ocorre, muitas vezes, de maneira disfarçada, ou sub-reptícia: em vez de a Corte nacional simplesmente dar razão ao Poder Público, em casos nos quais ele não a tem, o julgador resvala por questões processuais para deixar de dar razão ao cidadão contribuinte. Preservam-se as aparências, e a ideia de que se vive em um Estado de Direito.

Algum tempo depois, em 2017, iniciei, no Curso de Mestrado do Centro Universitário Christus, a condução de uma disciplina dedicada a pesquisar a difícil tarefa de fazer efetiva a jurisdição contra quem é encarregado de prestá-la, intitulada Poder Público e Litigiosidade. Nesse ambiente, alimentada pelas ricas discussões com discentes e colegas de docência, a pesquisa foi expandida ao contexto brasileiro, indagando por causas e propondo soluções. A discussão do tema de forma específica na pós-graduação permitiu a problematização de tópicos que, de algum modo, já eram discutidos com os alunos da graduação, no Curso de Direito do Centro Universitário Christus e na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, nas disciplinas de Direito Tributário I e II e de Processo Tributário.

Essa, em suma, foi a origem deste livro, produzido para discutir temas ligados ao chamado Processo Tributário. Entretanto, em vez de se escrever um manual ou um compêndio, com o exame pormenorizado e panorâmico de todos os assuntos a ele relacionados, optou-se pela verticalização de alguns de seus aspectos mais sensíveis. Embora sejam questões que aparecem em outros ramos do processo, mesmo quando no mérito não se discute o Direito Público e não se tem o Estado como parte, pareceu-nos que nas questões tributárias, que tocam mais diretamente no financiamento da máquina pública, elas emergem de forma mais visível. Daí seu enfrentamento aqui, calcado em considerações filosóficas, históricas e de direito comparado, destinadas a permitir um olhar crítico sobre o direito positivo brasileiro e, principalmente, sobre a forma como os Tribunais brasileiros o interpretam e aplicam.

Não se teve, é claro, a pretensão de examinar todos os desdobramentos do tema, ou as várias questões que ele suscita. As limitações humanas tornam qualquer tentativa de conhecer a realidade limitada e precária e, nessa condição, provisória. Com este livro não poderia ser diferente. O importante, porém, é que se identifiquem as principais questões, se levantem os problemas, e se lhes apontem soluções. Ainda que estas não sejam consideradas boas, a provocação terá valido a pena se motivar outras pessoas a seguirem adiante procurando alternativas melhores, ou indicando os erros cometidos, pois só isso permite sua correção. Toda crítica, portanto, será muito bem-vinda.

Fortaleza, junho de 2019,

Hugo de Brito Machado Segundo

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