sábado, 23 de abril de 2022

Easy things are harder

 No campo da inteligência artificial, costuma-se dizer que as coisas fáceis (para nós humanos) são as mais difíceis para as máquinas.

Vencer do campeão mundial de xadrez, para os computadores, desde o final dos anos 1990, é fácil. E isso, para os humanos, é muito difícil, ou mesmo impossível.

Já interpretar frases simples, ou dirigir um veículo, para os humanos é fácil, mas, para as máquinas, muito difícil, ou mesmo impossível.

Colham-se as seguintes frases:

1 - A bola de aço bateu na mesa de vidro e ela quebrou.

 2 - A bola de vidro bateu na mesa de aço e ela quebrou.


O pronome "ela", nas duas frases, refere-se a qual objeto? À mesa, ou à bola?

Para uma máquina, é muito difícil dizer. Posto a elas o desafio, acertam em cerca de 50% das vezes, percentual proporcional ao mero palpite, ou ao "chute", como se diz na linguagem coloquial.

Para um humano que esteja prestando atenção, não há dúvida. Na frase 1, "ela" designa a mesa. Na frase "2", designa a bola. Porque se sabe, pelo "senso comum", que quando objetos de vidro batem em objetos de aço, são os primeiros que quebram, dada sua maior fragilidade. Trata-se de um conhecimento que está para além do significado das palavras usadas nas expressões, necessário a que se investigue o sentido que, em caso de dúvida, podem ter.

O mesmo vale para as seguintes frases:

1 - Coloque a caixa de pizza sobre a mesa e abra-a.

2 - Coloque a caixa de pizza sobre a mesa e coma-a.


O pronome "a", nas duas frases, designa a caixa, no primeiro caso, pois caixas se abrem (e não se comem). No segundo caso, designa a pizza, porque pizzas se comem, mas caixas não. E, nos dois casos, mesas geralmente não se comem nem se abrem (pelo menos não depois de se ter colocado algo sobre elas).

Veja-se agora esta frase:

3 - Procure uma mesa portátil na cozinha e abra-a.

Agora, o "a" se reporta à mesa, porque mesas portáteis, sobretudo antes de serem usadas, podem estar dobradas, ou recolhidas, demandando que sejam abertas para serem usadas.

É preciso conhecimento do "senso comum" para saber que mesas portáteis se abrem, caixas se abrem, pizzas se comem, para interpretar tais frases. Ou seja, é preciso conhecer a realidade, e não só o significado de cada palavra usada na frase, para definir qual sentido atribuir a elas no contexto em que usadas.

Seres humanos fazem isso intuitivamente. Máquinas, não.

Se usam indução, pretenderão dar às palavras, no futuro, sempre o significado que tiveram, no passado. Mas o futuro pode ocorrer de modo diferente. Será preciso usarem a abdução, outra forma de raciocínio, na qual se busca "a melhor resposta" para um problema. Mas como saber que uma resposta é "a melhor"? É preciso, de novo, recorrer ao senso comum. Tal como nos exemplos das frases acima.

Quando alguém diz: "- A grama está molhada, então é possível que tenha chovido.", há abdução. Não se dá certeza de ter chovido. Apenas uma probabilidade. Trata-se da melhor resposta, ou da melhor hipótese, para a questão de estar molhada a grama. Mas, se o céu está claro, não há qualquer nuvem, e outras partes da casa estão secas, incluindo a rua e a calçada do lado de fora, talvez essa hipótese já não seja a melhor. Talvez, então, alguém tenha regado a grama, ou as crianças tenham mais cedo brincado de mangueira, deixando tudo úmido.

O grande desafio, para que máquinas compreendam a realidade, e o que dizemos a respeito dela, é que sejam capazes de realizar abduções. Mas como conseguir isso? 

Se, por raciocínio dedutivo, forem programadas para dar uma resposta pronta para qualquer problema que se coloque, só serão capazes de resolver os problemas para os quais forem programadas (e sua inteligência será tão problemática como o domínio do chinês pela pessoa trancada na sala chinesa, no experimento mental de Searle). Se, por indução, forem programadas para inferir como proceder no futuro, com base no que aprendem sobre o passado e o presente, sofrerão porque o futuro pode ser diferente, e por que a amostra que têm do presente e do passado é limitada, sendo preciso que saibam, dos fatos que examinam, o que é relevante e o que não é... Daí a necessidade de abdução. E você, já conhecia essa forma de inferência?

Um livro que introduz com clareza e objetividade esses assuntos, e cuja leitura recomendo, é o seguinte:

 

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Cada vez mais, o estudo da IA revela mais sobre o humano, sobre como pensamentos, decidimos e julgamos. Não à toa, teóricos da computação estão a aprender com filósofos, teóricos da cognição e da epistemologia, e vice-versa.

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