domingo, 3 de abril de 2022

Súmula Vinculante 24/STF - Algumas notas

 

            O Supremo Tribunal Federal considera que a existência de tributo devido é um elemento objetivo do tipo de supressão ou redução de tributo. Assim como o crime de matar alguém somente se verifica quando a vítima da ação do agente perde a vida, o crime de suprimir ou reduzir tributo somente se verifica quando a conduta fraudulenta do agente tem como resultado o não pagamento de um tributo devido. Assim, como só a autoridade administrativa tributária tem competência para efetuar o lançamento tributário, afirmando a existência ou a inexistência de tributo devido pelo sujeito passivo da relação tributária, só depois de ultimado o lançamento pode se considerar ocorrido o crime em questão.

            Esse entendimento já se encontrava consolidado na jurisprudência do STF. O que motivou a edição da Súmula Vinculante de que se cuida foi a intenção de explicitar uma redução na abrangência da tese. Afirmando-a aplicável ao crime material previsto no art. 1.º da Lei 8.137/90, o STF pretendeu explicitar, a contrario, ser desnecessário o prévio lançamento e o exaurimento da via administrativa em relação aos crimes formais, ou de mera conduta, previstos no art. 2.º da mesma lei.

Nos crimes materiais, ou de resultado, não se tipifica o crime enquanto não verificada a existência de tributo devido. Daí a necessidade do lançamento, e da conclusão do processo administrativo de controle interno de sua legalidade. Entretanto, segundo o STF, nos crimes formais, ou de mera conduta, como o de fazer declaração falsa, o resultado não é necessário, pelo que a verificação da efetiva existência de tributo devido, por meio do lançamento, também não o seria.

O art. 2.º da Lei 8.137/90, a propósito, dispõe:

“Constitui crime da mesma natureza:

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.”

 

            É preciso cuidado, porém, quando se procede a uma interpretação a contrario da Súmula, que apenas faz referência aos crimes do art. 1.º da Lei em questão. Isso porque existem crimes materiais, ou de resultado, muito semelhantes ao mencionado na Súmula, como é o caso daquele previsto no art. 337-A do Código Penal, que cuida da supressão de contribuições previdenciárias. Com exceção da modalidade de tributo, que é especificada no art. 337-A do Código Penal, a ação criminosa hipoteticamente descrita é praticamente a mesma. Tanto que, se não existisse o art. 337-A do Código Penal, a mesma conduta seria punível nos termos do art. 1.º da Lei 8.2137/90. Parece evidente que aos crimes do art. 337-A do Código Penal a necessidade de prévio exaurimento da via administrativa igualmente se aplica.

             Esse entendimento foi recentemente reiterado, e de certa forma ampliado, pelo STF, no julgamento da ADI 4.980, oportunidade na qual a Corte reputou constitucional o art. 83 da Lei 9.430/96, cuja redação se transcreve:

 

Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.                              (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)

 

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