segunda-feira, 9 de novembro de 2009

What is the right thing to do?

Por meio do blog do George Marmelstein, tive acesso a um dos mais interessantes materiais didáticos que já vi na internet (e olha que, procurando bem, a concorrência é grande): o curso de Filosofia ministrado pelo Professor Michael Sandel, de Harvard.
As 12 aulas do curso estão disponíveis no Youtube, e no site da Universidade, juntamente com material de apoio (v.g., textos sobre os temas tratados nas aulas), tudo de graça. E mais: pessoas de todo o mundo podem, pela internet, interagir nos fóruns de discussão on-line sobre os assuntos discutidos.
O propósito deste post é não só o de divulgar (ainda mais) a existência do referido material (que muitos ainda desconhecem), mas também o de comentar um pouco alguns aspectos das aulas. A primeira aula está disponível abaixo. Todas as outras podem ser encontradas no youtube:





O primeiro aspecto que impressiona é a superprodução da filmagem. Não se trata de uma câmera fixa em frente a um professor que trava um monólogo chatíssimo, mas diversas câmeras que, por diversos ângulos, captam toda a dinâmica da sala de aula. Isso para não mencionar os gráficos com as questões, as ilustrações (gravuras de jornal que retratam casos examinados) etc.
O segundo, não menos impressionante, é a enorme quantidade de alunos assistindo (e participando ativamente!) de uma aula de Filosofia do Direito.
Também é digno de nota o método adotado pelo professor, que de resto é comum em muitas universidades americanas: o estudo do caso. Vai-se do fato à norma, da realidade ao conceito jurídico, como diz o Curso de Direito Tributário coordenado pelo Prof. Eurico Diniz de Santi. Primeiro o professor fornece o problema (que é o que interessa no final das contas resolver, sendo para isso que se constroem as teorias), depois ouve os alunos, e em seguida fornece o conhecimento teórico que pode ser empregado em sua solução. Ao final, indica livros nos quais aqueles assuntos poderão ser aprofundados: os alunos recorrerão a eles com muito mais interesse, tendo já em mente um objetivo prático do que pretendem fazer com as informações às quais terão acesso.
A turma, por igual, é eclética e heterogênea, como as nossas no Brasil. Há alunos que fornecem respostas bem interessantes. A maioria, porém, o faz de forma bastante limitada, sendo comum as respostas que incorrem em paralogismos ou petições de princípios: é assim porque é o certo a fazer... a pessoa tem que fazer o que tem que fazer... não pode porque não pode... A Universidade pode estar entre as melhores do mundo, mas seus alunos - presumindo-se que são de graduação - não diferem tanto assim dos demais. Não que sejam ruins, ou que eu os esteja criticando: os nossos - devemos deixar o preconceito colonial de achar que tudo aqui, com exceção do samba e do futebol - não presta - é que não estão distantes deles.
Quanto ao mérito, ligado ao debate entre matar um ou matar cinco trabalhadores nos trilhos de um carrinho sem freios, ou jogar um gordão para barrar o seu curso, ou tirar os órgãos de um rapaz saudável que tira uma soneca na sala ao lado para salvar diversos doentes que necessitam de transplantes de órgãos, trata-se da velha questão ligada ao utilitarismo. Acredito que as críticas de Dworkin e de Amartya Sen (que não são debatidas nessa primeira aula) são bem incisivas contra o utilitarismo, mas os exemplos, em escala "micro", revelam que o utilitarismo nem sempre - nem sempre - conduz a resultados assim tão equivocados.
Por que, afinal, todos levantam a mão quando se trata de desviar o curso do vagão (e matar um operário em vez de matar cinco), mas ninguém levanta quando se trata de matar um homem saudável para salvar cinco pessoas que necessitam de transplante? Fiz a pergunta para minha filha, sempre impressionada em saber "como saber o que é o certo", e ela deu uma explicação até razoável. Parecida, aliás, com a de um dos alunos, embora ela não tenha assistido ao filme (e nem domine ainda o inglês de forma a compreendê-lo satisfatoriamente sem o auxílio das legendas, que ele evidentemente não tem). Para ela, os trabalhadores já estavam todos correndo o risco de trabalhar nos trilhos, e o vagão já iria de qualquer modo matar algum(ns) deles. A ação voluntária do piloto seria mínima (o vagão e o defeito decorrente da falta de freios, que não são imputáveis a quem é chamado a decidir a questão, fariam o resto). No caso do doente (e também, embora em menor caso, do gordão), o grau de participação do agente para a morte de um (ainda que para salvar os outros) é maior. É um argumento razoável, embora a questão seja bem mais complexa do que isso.
Aliás, já está com algum tempo que estou com uma postagem guardada sobre a filosofia e a lógica nas crianças. Fiz quando concluí a leitura de um livro sobre "A Filosofia e a Criança", de Gareth B. Matthews (Martins Fontes, 2001), e estou ainda à procura de um tempinho para corrigir umas coisas e postá-lo. Mas isso fica para outra vez.

2 comentários:

George Marmelstein disse...

Hugo,

tenho a impressão que os alunos do curso não são necessariamente alunos de Harvard. Me pareceu ser um cuso aberto, daí a diversidade. Digo isso porque vi um curso de Yale (há vários cursos de Yale gratuitos pela internet semelhantes) e os alunos me pareceram bem mais qualificados.

Quanto ao utilitarismo, o próprio Mill jamais concordaria em jogar o gordinho no trilho, nem matar uma pessoa saudável para salvar cinco pessoas que precisam de um transplante. Nas aulas seguintes, Sandels, que, até onde sei, é sucessor de Rawls em Harvard, esclarece isso, embora ele próprio não seja utilitarista, até onde sei.
Grande abraço,

George

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

George,
Se ele é discípulo de Rawls, não deve ser utilitarista. Rawls, até onde entendi sua obra, não o era. Ele, e, mais que ele, Amartya Sen (seguindo suas pegadas) fazem críticas bem interessantes ao utilitarismo.
Mesmo assim, tirando o caso do gordinho (eufemismo, pois ele disse "very fat man", pelo que eu traduzi por "gordão"), e do transplante, alguns exemplos fazem pensar que o utilitarismo, embora tenha muitos defeitos, às vezes pode ser útil. Acredito, contudo, que há uma maneira melhor de justificar as mesmas escolhas. Quando tiver mais claras as idéias em torno delas, farei outro post.