terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Amartya Sen e Lee Kuan Yew

Como disse no post anterior, uma questão que pensava em inserir na seleção para o Mestrado em Direito da UFC, feita agora no final de 2011, relacionava-se a Amartya Sen e a Lee Kuan Yew.

A questão era a seguinte:
Quais são nossas prioridades? Primeiro, o bem estar social, a sobrevivência do nosso povo. Depois, normas e processos democráticos que de tempos em tempos temos de suspender.” (Lee Kuan Yew)

Com raras exceções, a democracia não trouxe bons governos aos novos países em desenvolvimento... O que os asiáticos valorizam não necessariamente é o que os americanos ou os europeus valorizam. Os ocidentais valorizam as liberdades do indivíduo. Como um asiático com herança cultural chinesa, valorizo um governo que seja honesto, efetivo e eficiente.” (Lee Kuan Yew)
No pensamento de Amartya Sen é possível encontrar referência às mesmas questões versadas nesses dois trechos de discursos do então primeiro ministro de Cingapura? Destaque convergências e possíveis divergências, analisando-as à luz do pensamento de Sen.



Como resposta, esperar-se-ia algo mais ou menos assim:

           Sim, é possível encontrar referência a tais idéias, que perpassam grande parte da obra de Amartya Sen. É praticamente nenhuma, porém, a convergência entre o pensamento de Sen e o de Lee Kuan Yew, pelo menos no que diz respeito às idéias contidas nas transcrições feitas na prova.

            Sen discrepa de autores que elegem a maximização da felicidade ou do prazer como critério para orientar as decisões coletivas (utilitaristas), e mesmo dos que substituem tais critérios por recursos, bens materiais ou renda (v.g., Rawls e Dworkin), apontando defeitos em cada uma dessas abordagens cuja análise não se comportaria aqui. Para ele, a criatura humana se caracteriza pela liberdade, sendo o exercício desta o seu maior bem e sua maior aspiração. Bens materiais, renda, riqueza etc. só têm relevância porque conferem maior liberdade a quem os acumula. A idéia básica de Sen, neste ponto, é a de que não é possível a alguém definir, de forma geral e para todos, a melhor forma de se viver, mas é possível assegurar às pessoas condições para que vivam como lhes parecer melhor.

            Nessa ordem de idéias, é um contrassenso suprimir a liberdade, por meio do sacrifício à democracia e a tudo o que lhe subjaz (v.g., liberdades de imprensa e de pensamento) em favor de uma suposta melhoria das condições sociais ou de um alegado desenvolvimento econômico, pois isso equivale a abrir mão do fim em favor do meio. Por outro lado, não há relação necessária entre sacrifício à democracia e crescimento econômico.

           Quanto a uma possível oposição entre o que seriam os “valores asiáticos” e os “valores ocidentais”, Sen considera ser inerente à criatura humana valorizar a liberdade. Não se trata de algo comum aos ocidentais, entre os quais, aliás, houve, e ainda há, experiências totalitárias, sendo certo que é possível apontar na tradição oriental, seja ela árabe, indiana ou chinesa, a existência de pensadores que defendem ideais democráticos. Tanto que tais “valores asiáticos” são curiosamente defendidos principalmente por ditadores. Não são defendidos pelos que sofrem repressão de seus regimes, presos, perseguidos políticos, censurados etc., que, também asiáticos, certamente não consideram que o seu governo é honesto, efetivo e eficiente.


***



Conhecer Cingapura e parte da Indonésia permitiu-me, digamos, vivenciar na prática o debate de idéias acima mencionado. Afinal, como disse a Melissa Guará no comentário ao post anterior, Cingapura é um "oásis de segurança, mas com restrições a direitos fundamentais muito severas". Oportunamente tratarei dessas restrições - e de outras experiências vividas por lá. Estou, a propósito, lendo com muito interesse a biografia de Kuan Yew, para tentar entender como (na versão dele) foi possível transformar uma minúscula cidade "enjeitada" pela Malásia em um dos lugares mais ricos do mundo (5.º do mundo em renda per capita). Aliás, não apenas ricos, mas com praticamente "pleno emprego" (mesmo em uma fase de tanta dificuldade na economia), e IDH superior ao de lugares como o Reino Unido, Grécia e Portugal.

2 comentários:

melissaguara disse...

É isso mesmo Hugo! Deu vontade também de ler a biografia.

Alisson disse...

Professor, seguem dois vídeos sobre o problema da liberdade... embora não tratem de aspectos políticos, no sentido em que usamos com democracia, é interessante avaliar as linhas de pensamento.

http://www.ted.com/talks/malcolm_gladwell_on_spaghetti_sauce.html

http://www.ted.com/talks/lang/en/barry_schwartz_on_the_paradox_of_choice.html