Participava de uma banca examinadora de graduação, na UFC, e vi um colega criticar bastante uma aluna por ela haver usado, em sua monografia, a expressão "posto que". Como era minha orientanda, manifestei-me na defesa do uso da expressão, invocando, para tanto, o Soneto da Fidelidade, que celebrizou o "posto que":
Soneto de Fidelidade
Vinicius de Moraes
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.
9 comentários:
A diferença, Hugo, é que Vinícius de Moraes gozava de licença poética, algo não concedido aos acadêmicos hehe
Pode ser, Hélio. Mas prefiro acreditar que a língua, como a moral, a dança, a culinária, os costumes e tudo o mais que é produto da cultura, evolui. Muda. E isso só ocorre por meio de pequenas transgressões às regras técnicas, que aos poucos vão sendo moldadas e alteradas. Do contrário, ainda falaríamos latim (portuguës, francês, espanhol, italiano etc. são, no dizer de Monteiro Lobato, o "latim falado errado" pelo povo).
Sei que não devemos exagerar, e enfiar um "comprei um livro que chama 'a cabana' para mim ler", ou "nós vai", e assim por diante. Defendo o respeito ao vernáculo. Mas há casos e casos.
A propósito, merece leitura o seguinte texto:
http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/‘posto-que-e-chama’-vinicius-bebeu-antes-de-escrever-isso/
Hugo, e quanto ao "eis que" e "vez que" que critiquei em outra oportunidade, quando você também era orientador. Concordou ou não? Pergunto porque realmente não utilizo tais expressões por considerá-las equivocadas, mas vejo cotidianamente em textos jurídicos. Será que estou errado? Abs.
Bruno Weyne.
Caro Bruno,
Agradeço pelo comentário.
Confesso que não tenho posição formada quanto ao "vez que" e ao "eis que". Não acho que sejam tão graves, mas certamente são "mais errados" que o "posto que". Por isso não disse nada diante da sua observação, que, de qualquer modo, foi muito ponderada.
abraços,
Uma correção destas em plena banca de monografia de Direito tributário, citando Vinícius de Moraes, certamente deveria ser gravado em vídeo e disponibilizado a todos...rssss, por essas e por outras sou seu fã confesso Professor.
Saudações deste neófito colega baiano.
Obrigado, Milton. É generosidade sua.
Professor Hugo, o post traz uma questão interessante. Talvez o senhor tenha se esquecido de trazer uma parte da crítica que o membro da banca fez, ou ele mesmo fez uma crítica incompleta, pois não se falou do tipo de conjunção utilizado pela aluna (embora o texto sugerido nos comentários aborde isso). Eu considero inadequado o uso do "posto que" como conjunção causal. Não que eu seja um purista empedernido; a utilização do "posto que", se admitido este como conjunção causal ou concessiva, pode levar a graves confusões, pois, em certos contextos, fica muito difícil saber se o "posto que" inicia uma oração degradada (ou subordinada) de causa ou de concessão. Há pouco tempo, deparei-me com uma passagem de um livro em que era impossível saber que papel jogava a oração subordinada em relação à principal, por conta do uso vacilante do "posto que".
Não sou grande partidário dessa conjunção como causal ou como concessiva. Penso apenas que, para evitar confusões, deve-se estabelecer o seu uso em apenas um tipo, no caso, como concessiva, que é a forma consagrada há muito, embora ache isso estranho, porque no espanhol, por exemplo, o "puesto que" tem valor causal, não concessivo.
De fato, Assolan. E, a propósito, obrigado por sua participação aqui no blog.
A língua não deve ser cultivada por mero diletantismo, mas para permitir uma melhor comunicação, finalidade para a qual a precisão é fundamental. A confusão a que você faz alusão pode mesmo acontecer, e deve ser evitada.
Mas devemos lembrar, primeiro, que há várias outras situações semelhantes, de palavras, expressões e conjunções com mais de um sentido, fazendo-se necessário recorrer ao contexto para determiná-lo. Pode ser o caso, também aqui.
Por outro lado, os autores que usam a conjunção com um sentido dificilmente utilizam-na também com o outro, de formal alternada, no mesmo texto.
Seja como for, sua crítica recomenda ou que se evite por completo o uso conjunção com valor causal, ou que pelo menos se evite o seu uso, de forma simultânea em um mesmo texto, com os dois sentidos, para evitar possível confusão, mas não parece que, em face dela, se possa dizer que se trata de algo "errado", equiparável a um erro gramatical digno de duras crítica ou até mesmo de reprovação...
Quanto à sua observação final, o uso do "posto que" com valor causal, no Brasil, sobretudo em textos jurídicos, talvez decorra justamente da leitura de textos em espanhol. Afinal, é comum serem importadas ou "abrasileiradas" algumas expressões, que terminam se incorporando à nossa língua, não sendo impossível que isso também aconteça para dar outro sentido a expressões pré-existentes...
Jesus amado,como sou ignorante!!!
Em que estagio escolar eu aprenderia toda essa analise?
E' que fugi da escola em 1971...
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