quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Conceito de receita e vendas inadimplidas

Noticiou-se o recente julgado do STF, nos seguintes termos:


Venda a prazo não quitada deve entrar na base de cálculo de PIS e Cofins, entende Supremo
Em sessão realizada na tarde desta quarta-feira (23), os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam, por maioria dos votos, que em caso de inadimplemento de vendas a prazo o Fisco deve arrecadar e tornar definitivo o recolhimento das contribuições de PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). O Plenário Virtual da Corte reconheceu repercussão geral da matéria constitucional em junho de 2008.
A discussão teve início com um mandado de segurança impetrado na instância de origem pela empresa WMS Supermercados do Brasil Ltda. Por meio dele, a empresa visava à declaração de seu direito líquido e certo de reaver os valores pagos a título de PIS e Cofins, tendo em vista ausência do abatimento da base de cálculo das receitas não recebidas devido à inadimplência de compradores de suas mercadorias ou serviços.
A matéria chegou ao Supremo com a interposição de Recurso Extraordinário (RE 586482) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. A empresa sustentava que o ato questionado contrariou os preceitos dos artigos 195, inciso I, alínea b; 234; 238; 239; 145, parágrafo 1º; 150, inciso I, II e IV e 153, inciso IV, todos da Constituição Federal.
Fazenda Nacional
Em sustentação oral ocorrida na tribuna da Corte na sessão plenária desta quarta (23), o procurador Luiz Carlos Martins Alves Júnior, ao representar a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, solicitou o desprovimento do RE. “O recorrente [supermercado] pretende que a Corte inove positivamente o ordenamento jurídico brasileiro ao criar uma nova hipótese de exclusão tributária, no caso, a figura da venda inadimplida”, disse o procurador da Fazenda Nacional. Ele afirmou que, segundo as leis, as vendas canceladas não devem constar na base de cálculo PIS/Cofins, no entanto, quanto às vendas inadimplidas, a lei não criou tal situação tributária.
Assim, a Fazenda Nacional considera que não se pode equiparar a venda inadimplida à venda cancelada, pois ambas têm efeitos fiscais diversos. Com base na jurisprudência do Supremo, o procurador ressaltou que o fato gerador do PIS e da Cofins é a receita ou o faturamento.
“Esse fato gerador não deixou de existir tendo em vista o inadimplemento da venda, apenas se fosse venda cancelada”, disse, ao explicar que “venda cancelada é não venda e venda inadimplida é venda perfeita, mas que pode se tornar venda cancelada e, em se tornando venda cancelada, cai o fato gerador”.
Desprovimento do RE
O ministro Dias Toffoli, relator do processo, negou provimento ao recurso extraordinário e foi acompanhado pela maioria da Corte. Em seu voto, ele ressaltou que o inadimplemento não descaracteriza o fato gerador da operação, ao contrário da venda cancelada que a lei expressamente, assim, dispõe.
O ministro Dias Toffoli frisou o fato de as vendas canceladas não poderem ser equiparadas às vendas inadimplidas. Segundo ele, isto ocorre porque diferentemente dos casos de cancelamento de vendas em que o negócio jurídico é desfeito, extinguindo-se as obrigações do credor e do devedor, “as vendas inadimplidas, a despeito de poderem resultar no cancelamento das vendas e na consequente devolução da mercadoria, enquanto não sejam efetivamente canceladas, importam em crédito para o vendedor, oponível ao comprador”.
Quanto à incidência de PIS e Cofins, o relator esclareceu que o fato gerador da obrigação ocorre com o aperfeiçoamento do contrato de compra e venda, isto é, com a entrega do produto e não com o recebimento do preço acordado, “ou seja, com a disponibilidade jurídica da receita que passa a compor o aspecto material da hipótese de incidência das contribuições em questão”.
De acordo com o ministro, se a lei não excluiu as vendas inadimplidas da base de cálculo da contribuição do PIS e da Cofins, não cabe ao intérprete fazê-lo sob alegação de isonomia, “equiparando-as às vendas canceladas, por implicar hipótese de exclusão de crédito tributário, cuja interpretação deve ser restritiva a teor do artigo 111 do Código Tributário Brasileiro”.
Ao examinar o caso, afirmou o relator, o faturamento/aquisição da receita é fato suficiente para constituir obrigação tributária perante o Fisco, independentemente de os clientes da recorrente terem efetuado ou não o pagamento que contrataram. Isto porque, conforme o ministro Dias Toffoli, os efeitos dos fatos efetivamente ocorridos após a configuração do fato gerador não se estendem à seara tributária.
“Por conseguinte, as vendas inadimplidas – que só se concretizarão em prejuízos sofridos pelo credor se, de fato, não forem recebidos os créditos – ao contrário do que pretende o recorrente, não podem ser excluídos da base de cálculo da Cofins e do PIS, uma vez que não há previsão para tanto na norma de regência da matéria”, ressaltou.  Para ele, os danos decorrentes do inadimplemento de clientes deverão ser reparados na via apropriada.
Divergência
Os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello votaram pelo provimento do RE e ficaram vencidos. “Ante o inadimplemento não se aufere coisa alguma”, disse o ministro Marco Aurélio, ao entender que receita auferida é “receita que teve ingresso na contabilidade em si da empresa, na contabilidade do sujeito passivo do tributo”.
No mesmo sentido, o ministro Celso de Mello salientou que valores não recebidos não podem configurar receita, “revelando-se inábeis a compor a própria base de cálculo”. Conforme ele, “a base de cálculo das exações tributárias em questão há que se apoiar no conceito de receita, cuja noção foi definida por esta Corte como sendo de receita efetivamente auferida”.





Como se percebe, com o crescimento exponencial das "contribuições", que vêm ocupando o lugar de destaque no financiamento do Estado (que antes era dos impostos), tem assumido relevo a discussão em torno do conceito de "receita". A doutrina, que debate há décadas o significado de termos como "mercadoria", "serviço" e "renda", por exemplo, tem se ocupado, mais recentemente, cada vez mais, do significado de "receita", que, de resto, tem figurado entre as principais questões submetidas à análise do STF.

As palavras são plurissignificativas e, certamente, vários podem ser os sentidos de "receita". Desde aqueles mais obviamente não relacionados com a tributação pela COFINS e pelo PIS (como "receita de codorna ao vinho do porto, recheada com figos e foie gras"), àqueles com pertinência mais evidente (receita do supermercado com a venda de mercadorias).

Pois bem. Diante dessa riqueza de significados, certamente não se pode dizer, de forma apriorística, que esse ou aquele sentido é "o certo". Mas é preciso ter coerência. A Constituição foi emendada, para que fosse acrescentado "receita" ao lado de faturamento, para abranger todo tipo de ingresso, pouco importando a motivação jurídica (venda de mercadorias, venda de imóveis, aluguel, serviço etc.). Isso porque, entendeu-se, o que importa é que está havendo um ingresso... Ora, no caso de vendas inadimplidas, não há ingresso algum, logo, não há receita (até pode haver faturamento, mas não receita, no sentido amplo e econômico que o Fisco sempre pretendeu dar à palavra).

Não se pode dar um sentido econômico à palavra (qualquer ingresso, a qualquer título), quando isso amplia a base, para, depois, dar-se sentido jurídico (o contribuinte tem um crédito, ainda que nenhum numerário tenha "entrado" no caixa...). A receita há de significar a mesma coisa, não podendo ter sentido mutante, conforme os interesses arrecadatórios da Fazenda.

Parecem ter razão, com todo o respeito, os Ministros vencidos, sobretudo o Ministro Celso de Mello. De fato, não se trata de discussão a respeito de isenção, sendo impertinente a invocação do art. 111 do CTN. Trata-se de discussão a respeito da abrangência da própria hipótese de incidência, sendo certo que não se pode exigir disposição de lei expressa para prever todas as hipóteses de "não-incidência". Isso, aliás, faz-me lembrar a história do fiscal que teria sido obrigado a cheirar um colchão...

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