Entro no taxi. Spin branco, cheiro de borracha cansada e suor antigo grudado no estofado. Calor insuportável.
- Bom dia. O Sr. poderia ligar o ar-condicionado, por favor?
O taxista atende o pedido, fecha os vidros e se justifica:
- A coisa tá difícil. A gente tem que economizar onde dá. Ar condicionado gasta uma gasolina danada, o Sr. sabia? E agora ainda tem esse pessoal que faz corrida por aplicativo... uma multidão, trabalhando por quase nada.
Fico na minha, para ver se ele se cala; mas parece que estava decidido a puxar assunto:
- Esfriou? Quer que aumente a potência?
- Não,
está bem assim, obrigado. Vamos ao aeroporto, por favor
.
Senti um certo remorso, talvez estivesse sendo antipático, e emendei:
- Que jogo aquele do Ceará, hein?
Agora foi ele quem se calou. Não sei se é torcedor do Fortaleza, que anda mal na tabela, ou se nem gosta de futebol. Seguem-se alguns minutos de silêncio, até que passamos ao lado de um carro com a foto e o nome de um vereador adesivados na porta. “Elder Sobreira – o Vereador de Verdade”, era o que estava escrito em letras azuis, embaixo da foto de um senhor de olhos claros e barba grisalha.
- Esse daí é um safado! – Bradou o taxista – Político é tudo igual! Esse me apunhalou pelas costas! Voto nele mais é nunca.
- O que houve? – Perguntei, agora com autêntica curiosidade.
- Fez uma corrida uma vez comigo. Disse que pretendia candidatar-se a vereador. Fazer diferente. Moralizar essa roubalheira. Trabalhar pelo povo, em vez de se arrumar na política, como tantos.
- É o que praticamente todos dizem, não?
- Sim, mas ele parecia mesmo honesto. Gente simples. Lá do nosso bairro. Professor de uma escola da prefeitura.
- E aí?
- E aí que eu acreditei no pilantra, e comecei a pedir voto para ele. Peguei logo vários santinhos no comitê que ele abriu lá no meu bairro, e distribuía com meus passageiros. E olhe que ando com muita gente! Ainda convenci meus colegas do ponto de táxi a fazerem o mesmo.
- Você então conseguiu muitos votos?
- Não queira saber quantos! Até minha sogra convenci a votar nele. Cada passageiro que eu pegava, puxava conversa, perguntava se já tinha candidato. Também não queria ser chato nem inconveniente. Se a pessoa dissesse não ter ainda em quem votar – e para vereador quase todo mundo dizia isso – eu dava logo um santinho.
- Com um cabo eleitoral assim, ele deve ter ganhado fácil!
- Nem tanto. Ganhou, mas foi por pouco. Também, ele dizia que não queria comprar votos, que era sério...
- E a punhalada?
- Só de lembrar tenho raiva! Um safado! Como eu digo, político é tudo igual!
- Mas o que ele fez?
Eu, que nem queria conversar, estava cada vez mais curioso. Veio então a explicação:
- Sabe, eu tenho um sobrinho que nunca quis saber de estudo. Largou o colégio na oitava série. Na verdade, ele não quer saber de nada. Já conseguimos vários empregos para ele, e nada. Ele não dá certo. Até na lanchonete da minha esposa tentamos, mas era um encostado, não servia para nada. Tivemos que demitir. Minha irmã, mãe dele, ficou meio chateada comigo.
- Sei como é. Várias famílias têm alguém assim.
- Então. Quando esse safado que eu ajudei a se eleger tomou posse, fui até a Câmara falar com ele. Fui bem recebido, tomei cafezinho com biscoitos, conheci a Câmara. Tudo firula. Contei para ele do meu sobrinho, que não dava certo para nada, e pedi que pelo menos conseguisse para ele um empreguinho na prefeitura. Ou na Câmara. Qualquer função com um salário de cinco, seis mil reais, estaria de bom tamanho...
- E ele?
- Até agora nada! Ele me disse que “ia ver”, e nunca me retornou! Um safado! Senti uma punhalada nas costas!
Fiquei na dúvida entre falar o que me ocorria, ou ter paz no restante do caminho até o aeroporto. Resolvi não polemizar:
- É, político é mesmo tudo igual. O Sr. sabe quanto tempo ainda falta para o aeroporto?


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