terça-feira, 7 de outubro de 2025

"Só falta" o contencioso judicial

 
Em um hotel em Brasília, preparando-me para despachar com membro de uma Corte Superior sobre um processo no qual emiti um parecer, percebo diante de mim estes dois quadros.

  

Eles não têm nenhuma relação com o tema do despacho, ligado ao cabimento de um Recurso e à validade de uma taxa. Mas, organizando as ideias do que deveria falar ao Ministro, começo a perceber os quadros...

O hotel em que estou não é luxuoso, embora seja confortável. Deve ter centenas de quartos. Em todos eles é provável que quadros semelhantes ornem suas paredes.

São obras de arte?

Podem não ser obras primas dignas de espaços destacados nos melhores museus, mas são, sem dúvidas, obras humanas. E expressam arte. Não são textos técnicos nem imagens informativas sobre como usar o elevador ou a escada de incêndio.

 De acordo com os dicionários, obra de arte é aquela criada "ou avaliada por sua função artística ao invés de prática. Por função artística, se entende a representação de um símbolo, do belo. Apesar de não ter isso como principal objetivo, uma obra de arte pode ter utilidade prática."

São obras de arte, portanto.

À luz da LC 214/2025, contudo, quando vigentes IBS e CBS, hotéis que comprem objetos deste tipo para adornar os quartos, algo inteiramente ínsito à atividade que gera receitas tributáveis pelos tais tributos, não terão direito a crédito (art. 57, I, "b"). Pelo menos esse direito não será assegurado por Receita Federal e Comitê Gestor. Será preciso ir ao Judiciário para fazer valer o que consta do texto constitucional (e dos incontáveis slides usados para vender a reforma tributária com a promessa de "crédito amplo").

A reflexão me levou a outra. Estou hospedado no referido hotel, mas a despesa, seja ela suportada pelo meu escritório, ou pelo Consulente que me pediu o parecer e o despacho, não gerará, por igual, crédito de IBS e CBS, à luz da LC 214/2025 (art. 283). De novo, descumprimento da promessa de crédito amplo, embora tanto a receita do hotel, como a receita do meu escritório, e a do meu consulente, sejam tributáveis pelo IBS e pela CBS, quando entrarem em vigor.

Haverá débitos, e não serão baixos, mas não se gerarão créditos.

A solução será ir ao Judiciário.

Para o contribuinte, porque o Fisco, este terá o split payment, e não precisará sequer executar os contribuintes, em regra.

Para fechar o ciclo, algumas horas depois, minutos antes do despacho, vejo, sobre a mesa da sala de espera do gabinete do Ministro, uma revista em que se estampa, como matéria de capa, a declaração de um Ministro segundo a qual a população confia muito no Judiciário: prova disto é a quantidade imensa de processos.

É curioso como um dado objetivo, mesmo de veracidade incontroversa, pode suscitar interpretações tão contrárias.

De fato, muita gente ir ao Judiciário pode sinalizar excesso de confiança no trabalho deste.

Mas pode ser o contrário. Descumpridores da lei confiam que os lesados, quando procurarem o Judiciário, terão um resultado demorado e ineficiente. Daí descumprem a lei impunemente, e forçam milhares de pessoas a procurar o Judiciário.

Será o caso da Fazenda? Prova disto são os argumentos usados em favor do split: a execução é cara, demorada, ineficiente... assim é o processo judicial, do qual ela tirará proveito como devedora, não como credora. Aliás, como devedora, nem se sabe ainda quem poderá ser demandado, nem em qual Justiça, nem em qual Estado. A pressa foi para aprovar o direito material (EC 132/2023 e LC 214/2025). O direito processual, que socorrerá aqueles que quiserem fazer valer a promessa de "crédito amplo", e tantas outras, nem se sabe como, nem quando, virá...

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