segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

É possível esquecer a política e manter preservada a esfera privada?

Li, dia desses, em livro de Oliveira Vianna, o seguinte:



“O nosso povo-massa pede aos governos – eleitos ou não-eleitos, pouco importa – é que eles não o inquietem em seu viver particular. Equivale dizer: o que interessa ao nosso povo-massa é a liberdade civil e individual.” (VIANNA, Francisco José de Oliveira. Instituições políticas brasileiras. 2.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955, v.2, p. 623)


Acho que a frase tem algum grau de acerto.
Realmente, as pessoas, pelo menos no Brasil (não excluo a possibilidade de o mesmo ocorrer em outros países), em regra não têm interesse pela participação política. O que lhes interessa, como diz Oliveira Vianna, é que tenham sua esfera privada respeitada.
Basta observar o que ocorre em um condomínio. Todos reclamam do vizinho que faz barulho, ou daquele que estaciona o carro onde não devia, mas acham a pior coisa do mundo ter que ir a uma reunião de condomínio. Ser síndico, então, é o pior e mais pesado fardo do mundo. (Antes que algum leitor pergunte, adianto: só falto às reuniões que ocorrem quando estou viajando, e já foi síndico sim, por um ano. E não me caiu nenhum pedaço. Ao contrário, tive interessante micro-experiência no âmbito da administração.)
Seja como for, o diagnóstico de Oliveira Vianna parece certo, mas não parece possível conseguir isso, pois sem qualquer ingerência do "povo-massa" na política, no âmbito de governantes não-eleitos, por exemplo, não há como assegurar que os governantes "não o inquiete em sua vida particular".
Afinal, como se diz atualmente, com amparo em Habermas, a preservação da esfera privada depende da existência de uma espaço público no qual as pessoas participem da formação da ordem jurídica. (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade,tradução de Flávio Beno Siebeneichler, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v.1, 1997, p. 127).
Bem antes dele, vale registrar, Tobias Barreto já dizia que “o conceito da vida privada não pode surgir senão por meio da consciência de uma vida pública.” (BARRETO, Tobias. Estudos de direito. Campinas: Bookseller, 2000, p. 59)
Traduzindo, isso quer dizer que a única maneira de garantir que a liberdade civil e a individual sejam respeitadas é através de um regime democrático no qual os cidadãos participem da formação das normas jurídicas, pois assim surgem condições para que eles próprios façam normas que respeitem sua liberdade. Cria-se, com isso, um círculo virtuoso, pois cidadãos com os direitos fundamentais respeitados podem participar do processo político, participação que propicia uma maior proteção aos direitos fundamentais.
Será essa uma lição para que, em vez de sentar e ficar reclamando superficialmente de tudo o que o governo faz, todos nós façamos alguma coisa, por mínima que seja? Acho que sim. E fazer alguma coisa não significa necessariamente filiar-se a um partido e lançar candidatura para deputado nas próximas eleições. Pode começar pelo interesse no que o poder público faz com os recursos que arrecada, e na publicização de discussões sérias em torno disso. A internet é ferramenta excelente para que cada cidadão possa acompanhar, de perto, o que fazem seus representantes, fiscalizando desde orçamentos até a tramitação de projetos de lei, mandando e-mails para deputados e senadores etc.  Até com os cartões corporativos é possível saber quanto se gasta, quem e onde. E depois, pela internet mesmo, é livre e grátis a criação de espaços para divulgar e discutir isso. Talvez já tenhamos em nossas mãos instrumento para revolucionar a forma como a democracia é exercida. Bobbio e Paulo Bonavides já o disseram. Vamos começar?




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