Recebi do Eduardo Bim uma interessante decisão, com um comentário, dele, assaz pertinente.
TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS. REPARTIÇÃO DE RECEITAS. INCIDÊNCIA SOBRE A RECEITA BRUTA SEM DEDUÇÕES. ART. 159 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.1. É infundada a pretensão do Município autor a que se proceda à repartição de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, com base na receita bruta da arrecadação das parcelas que integram a base de cálculo, sem deduções como incentivos fiscais, restituições e parcelas destinadas ao PIN, PROTERRA e FSE/FEF.2. Na dicção do art. 159 da Constituição Federal, a transferência constitucional de receitas tributárias aos Municípios é feita com base no produto da arrecadação, e não na receita bruta, justamente porque a finalidade do FPM é transferir, àqueles entes estatais, valores que, originariamente, pelas regras de competência tributária, pertenceriam à União.Com efeito, não basta o mero trânsito contábil de determinada receita pelo patrimônio da União para que a mesma integre a base de cálculo do FPM.(AC 2001.71.07.003083-0/RS, REL. DES. FEDERAL JOEL ILAN PACIORNIK, 1ªT./TRF4, UNÂNIME, JULG. 17.06.2009, D.E. 07.07.2009)
Será que aplicam esse entendimento para o PIS/Confins?
Súmula n.º 68/STJ – “A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.”
· Publicada no DJ de 4/2/1993
Comentários ———————————————————————————
A presente súmula cuida de questão indicativa da incoerência com a qual são tratados os tributos indiretos no Brasil. A depender da situação, e do interesse de quem argumenta, se diz que são pagos pelo consumidor final, ou pelo comerciante.
Se o comerciante, legalmente definido como o contribuinte do imposto, pleiteia a sua restituição, por exemplo, diz-se que repassou o encargo financeiro ao consumidor final, sendo este o “verdadeiro” devedor da exação. Isso para, naturalmente, negar ao contribuinte a restituição do tributo indevido. Confiram-se, a propósito, o art. 166 do CTN, e os comentários às Súmulas 71 e 546 do STF, supra.
Entretanto, se há inadimplência do consumidor final, que não paga o preço (e nem o tributo, que nele estaria embutido) ao comerciante, a Fazenda defende que a relação entre comerciante e vendedor é “mera relação de direito privado” sem qualquer repercussão tributária. Invoca, nesse particular, o art. 123 do CTN.
O mesmo se dá em relação às imunidades subjetivas. Quando uma entidade imune (v.g., uma entidade de assistência social) é vendedora de determinados produtos, e nessa condição invoca sua condição de imune para não se sujeitar à exigência do ICMS, diz-se que o tributo será repassado ao consumidor final, e que este não é imune, não sendo invocável, portanto, o benefício (STF, RE 191.067/SP, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 26/10/1999, v. u., DJ de 3/12/1999). Se, ao revés, a entidade imune é a compradora de determinados produtos, e invoca a imunidade para não se sujeitar ao tributo embutido no preço, diz-se que o contribuinte seria, na verdade, o vendedor, que não é imune, e por isso também se nega a aplicação do benefício (STF, AC 457-MC, Rel. Min. Carlos Britto, j. em 26/10/2004, v. u., DJ de 11/2/2005, p. 5). (1)
Algo semelhante se dá em relação a muitos outros aspectos da tributação indireta, não sendo, contudo, pertinente aprofundá-los aqui. O que importa, para a compreensão da presente súmula, é que ela reflete um desses aspectos contraditórios.
Com efeito, como a contribuição para o PIS (e também a COFINS: confira-se a Súmula n.º 94/STJ, infra) incide sobre o faturamento (CF/88, art. 195, I, “b”), surge a questão de saber se, no caso de contribuinte que pratica operações sujeitas ao ICM, hoje ICMS, o valor desse imposto integra, ou não, a base de cálculo da contribuição.
Caso se entenda que o ICMS é um encargo do comerciante vendedor (assim como o custo da energia elétrica, da mão de obra, da matéria prima etc.), e que o preço, embora seja calculado de forma a recuperar todos esses encargos (inclusive o ICMS), com ele não se confunde, concluir-se-á pela inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS. Realmente, se o comerciante recebe R$ 100.000,00 pela venda de mercadorias em determinado mês, esse é o seu faturamento, devendo ser submetido à incidência do PIS (e da COFINS, a teor da Súmula 94/STJ, infra).
O problema é que, de acordo com a jurisprudência do próprio STJ – e também do STF – o ICMS é “tributo indireto” que, quando incide sobre uma venda, agrega-se ao preço desta e é suportado pelo comprador da mercadoria. Tanto que, como já apontado, no caso de pagamento indevido, somente se restitui o indébito tributário caso o comerciante, dito “contribuinte de direito”, demonstre não haver repassado o valor do tributo ao consumidor final, embutindo-o no preço.
Ora, se se considera que quem “suporta” o ônus representado pelo ICMS, do ponto de vista jurídico – e não meramente econômico – é o consumidor final, usando-se isso como argumento para denegar a restituição ao chamado “contribuinte de direito”, comerciante, então o valor do imposto, embutido no preço, não pode ser considerado “receita” do comerciante.
De duas uma. Ou o preço pertence ao comerciante, e o tributo, pago com o valor obtido com ele, é dívida do comerciante (devendo ser devolvido ao comerciante quando pago de maneira indevida), ou então o preço pertence só em parte ao comerciante, parte na qual não se compreende o tributo devido à Fazenda Estadual. Se essa segunda opção é a acolhida na interpretação do art. 166 do CTN e no trato da restituição do indébito do tributo indireto, não pode haver a incoerência de se escolher a primeira forma de compreensão do problema quando se trata de discutir a base de cálculo do PIS e da COFINS. Afinal, o direito é um só, e uma tese, quando verdadeira nos casos em que beneficia a Fazenda Pública, não pode se tornar falsa sempre que sua aplicação coerente beneficiar o contribuinte.
Com amparo nessas premissas, o STF está examinando essa mesma questão (RE 240.785 e ADC 18). É o caso de se aguardar para verificar se, no entendimento da Corte Maior, o ICMS deve ou não ser considerado na determinação da base de cálculo do PIS e da COFINS.
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(1) Mais recentemente essa incoerência parece estar sendo superada, consolidando-se, no âmbito do STF, entendimento segundo o qual a imunidade pode ser invocada quando detida pelo chamado “contribuinte de direito”, mesmo diante da possibilidade de o ônus do tributo ser repassado ao consumidor final, não imune. Tal entendimento é extraído, como decorrência, de duas teses já acolhidas pelo Plenário do STF: i) a imunidade subjetiva (v. g., de templos ou entidades sem fins lucrativos), abrange também o IPTU incidente sobre seus imóveis, ainda que estes estejam alugados a terceiros (o que naturalmente viabiliza o repasse do ônus do imposto aos inquilinos) e ii) não é pertinente a invocação de critérios de classificação de tributos, colhidos a partir da legislação ordinária, para restringir a abrangência da imunidade. Com base nessas premissas, a Segunda Turma do STF entendeu que a imunidade abrange até mesmo o ICMS incidente sobre produtos vendidos pela entidade imune, desde que a receita respectiva seja revertida no atendimento de suas finalidades institucionais (RE 141670 AgR/SP, Rel. Min. Nelson Jobim, j. em 10/10/2000, v. u., DJ de 2/2/2001, p. 105). No julgamento do RE 210.251 Edv/SP, o Plenário do STF discutiu mais uma vez a questão, e consignou que o “contribuinte de direito”, em sendo imune (v. g., entidade assistencial sem fins lucrativos), não deve ser onerado pelo ICMS, ainda que possa eventualmente transferir o ônus do imposto aos consumidores. Entenderam as vozes majoritárias, com inteiro acerto, que, se o “contribuinte de direito”, imune, “repassa” o valor do ICMS ao consumidor final, e não o paga ao Estado (por conta da imunidade), se está atingindo exatamente a finalidade da imunidade, desonerando uma atividade assistencial não lucrativa, que deve ser incentivada pelo Estado; por outro lado, se o produto vendido pela entidade assistencial não tem o ICMS “embutido” em seu preço, sendo assim vendido por quantia inferior à de mercado, isso será melhor para os consumidores, e para a própria entidade assistencial, que terá maior aceitação por parte de seus produtos. Não haverá, finalmente, desequilíbrio na concorrência, considerando a pequeníssima extensão dos negócios da entidade filantrópica (STF, Pleno, RE 210251 EDv/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, j. em 26/2/2003, m. v., DJ de 28/11/2003, p. 11).
3 comentários:
Caro Hugo Segundo,
Ainda sobre a questão do Direito ser uma via de mão dupla.
A meu ver, está correta a jurisprudência com relação à correta interpretação do art. 135 do CTN, segundo a qual, simples inadimplência tributária não configura infração à lei para permitir a responsabilidade tributária a que alude o artigo.
Contudo, simples inadimplência (configurada pelo não pagamento nem entrega de declaração de confissão de débito tempestivos) é considerada infração para enquadramento no art. 138 do mesmo CTN e, com isto, exonerando da multa moratória (que, grosso modo, só incide quando há inadimplência, não quando há infração).
Não teríamos aqui algo que não é e é, simultaneamente? Uma incoerência?
Caro Marcondes,
Obrigado por seu comentário.
Não vejo incoerência.
Na verdade, a inadimplência é sim uma infração. Do contrário, não seria lícito à Fazenda impor a aplicação de multa.
Na verdade, a questão relativa ao art. 135, III, do CTN não diz respeito a saber se se trata ou não de infração, mas se se trata de infração PRATICADA PESSOALMENTE PELO REPRESENTANTE DA PESSOA JURÍDICA. Essa é a questão.
O mero atraso é uma infração imputável à pessoa jurídica, e não ao seu representante. Agora, se há dissolução irregular, caixa 2 etc., pode-se dizer que se trata de ato pessoal do representante, até porque praticado contra os interesses não apenas do Fisco, mas da própria empresa também.
Abraço,
Muito bom esse blog. Grande serviço de utilidade pública prestado aqui. Abç.
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