quarta-feira, 7 de outubro de 2009

STF confirma decisão do STJ quanto à lista sêxtupla

Foi noticiado pelo STF que a segunda Turma daquela Corte decidiu, por maioria, pela validade da recusa, pelo STJ, da lista sêxtupla que lhe foi encaminhada pela OAB para a escolha dos nomes que comporiam a lista tríplice a ser submetida ao Presidente da República.
Logo depois, o assunto espalhou-se no twitter, nos blogs, e-mails, e na página do próprio STJ, que deu bastante destaque à decisão.
Já manifestei minha opinião sobre o problema, em posts anteriores (aqui, aqui e aqui e aqui).
Gostaria, agora, de examinar os principais argumentos utilizados pela Ministra Ellen Gracie em seu voto de desempate.
Não tive acesso ainda ao teor do voto, e tudo o que dele conheço decorre da notícia veiculada pelo próprio STF, que afirma existirem "vários argumentos", dos quais, todavia, destacam-se apenas os seguintes:
a) dos três escrutínios efetuados pelo STJ em sessão secreta, nenhum candidato obteve o quorum mínimo previsto no regimento interno para figurar na lista tríplice;
b) justificar os votos tiraria o caráter secreto da sessão, e tolheria a liberdade dos ministros para escolha dos nomes;
c) a cada votação o número de votos diminuía, e dar continuidade ao procedimento, ou exigir que os ministros expusessem suas razões, implicaria uma exposição desnecessária dos advogados constantes da lista.

São argumentos interessantes. Mas não me parece que procedam, com todo o respeito.
Primeiro, eles representam a clara interpretação da CF/88 à luz do regimento interno do STJ, o que não é adequado do ponto de vista hermenêutico. A CF não exige o apontado quorum, e nem o caráter secreto da votação. Mas exige que o STJ escolha três ENTRE OS SEIS indicados. As duas exigências que não constam da CF mas sim do regimento não podem servir de desculpa para o descumprimento de regra constitucional expressa.
Quanto à liberdade trazida pela votação secreta, ela não parece pertinente no caso, e nem pode ser usada como escudo para o descumprimento do dever constitucional de fundamentação dos atos do poder público. Ela é invocável em votações de caráter mera e exclusivamente político, cujas decisões não se devam pautar por critérios jurídicos, nas quais é perfeitamente legítimo àquele que decide fazê-lo neste ou naquele sentido sem que necessite apontar as razões. Além disso, ela é invocável quando aquele que decide pode ser COAGIDO ou por qualquer meio PUNIDO por quem se beneficiaria de sua escolha. É o caso do voto do eleitor em face do político poderoso, ou do deputado que decide rejeitar projeto de lei do interesse do chefe do Executivo. Mas não é, seguramente, o caso de um Ministro que rejeita o nome de um advogado. A prevalecer o argumento, dir-se-á que o desembargador também não precisaria fundamentar seus votos, para não perder a "liberdade" de decidir contra as partes...
Aliás, nem seria preciso afastar o sigilo em relação a cada Ministro. A deliberação até poderia continuar sendo sigilosa. Bastaria que, ao final da deliberação, sem se dizer quem votou em qual sentido, o STJ explicitasse por que, na visão da maioria dos Ministros (cujos nomes seriam preservados), os candidatos não teriam sido escolhidos (v.g., teriam defeitos tais ou tais).
Finalmente, quanto à "exposição desnecessária" dos advogados, acredito que, se os aspectos que seriam apontados são realmente os motivos pelos quais se considera que eles não deveriam ser admitidos no STJ, essa exposição não é desnecessária, mas sim necessária. Se é tão forte a rejeição do STJ à lista, todos precisam saber os motivos dela. Além disso, são eles, os membros da lista, que a estão provocando, ao insistir na questão (poderiam, se tivessem "medo da exposição", renunciar à pretensão de compor a lista...).
Devo dizer, finalmente, que sequer conheço quaisquer dos pretendentes à vaga. Nem mesmo conheço pessoas que tenham concorrido com eles e perdido, ou que pretendam concorrer a vagas futuras. Não tenho o menor interesse pessoal, direto ou indireto, em que desfecho seja este ou aquele. Manifesto minha opinião, aqui, com o exclusivo propósito de debater um tema jurídico relevante (como poderia ser feito em relação ao suposto "golpe" em Honduras, à proibição do uso do véu nas escolas francesas etc.). Parece perigoso o precedente. Como eu já disse antes: e se o Presidente "não aceita" nenhum dos três nomes da lista formulada pelo STJ, pode rejeitar tantas listas quantas forem apresentadas, sequer indicando os motivos, até aparecer uma na qual conste o nome que ele deseja agraciar com a vaga? Isso não transformaria o processo de escolha previsto na Constituição, concentrando a decisão que a CF pretendeu desconcentrada? Parece-me que a decisão do STF fornece elementos para responder sim a todas essas perguntas, o que seguramente não está de acordo com a Constituição Federal.

6 comentários:

Ermiro Neto disse...

Hugo,

Concordo plenamente. Trata-se de um gravíssimo precedente. Realmente lamentável.

Ainda acho possível o ajuizamento de uma ADPF por parte da OAB junto ao Supremo, afetando o julgamento da questão ao Plenário. O que acha?

Vitor Ramalho disse...

É isso, Hugo. Concordo com você!

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Ermiro,
Realmente, a ADPF seria excelente instrumento para afetar a questão ao Plenário. Acho que seria cabível sim.
abraço

Anônimo disse...

Apesar de achar que o ingresso com a ADPF seja uma excelente medida, acredito que a propositura de uma Ação Rescisória - que necessariamente deve ser julgada pelo Pleno - seria a opção mais segura.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

A rescisória é também uma opção, mas há o problema dos requisitos, que são mais exigentes. Há aquela questão de que, diante de "interpretação razoável" da lei, ainda que não a mais correta, não cabe rescisória por violação a literal disposição de lei.
Uma opção seria a ADPF e, caso ela não tenha êxito por razões processuais, não meritórias, utilizar-se a rescisória posteriormente (há dois anos para isso...).

Anônimo disse...

Pelo que me recordo, essa questão de interpretação razoável da lei (súmula do STF) não se aplica para os casos em que a interpretação é da própria Constituição. Assim, continuo achando que a Ação Rescisória é, sim, a melhor opção. Entretanto, hoje, chegando perto do fim do mês de novembro, acredito que talvez a melhor opção seja esperar o Ministro Peluso tomar posse como presidente do STF e opor embargos de declaração. Com muito esforço, principalmente com uma nova direção, a OAB poderia tentar obter o voto do Ministro Gilmar Mendes.
O que vocês acham?