terça-feira, 10 de novembro de 2009

Direito Tributário nas Súmulas do STF e do STJ

Acabo de enviar, por e-mail, os originais do livro "Direito Tributário nas Súmulas do STF e do STJ" para a editora Atlas. É uma encomenda que eles me fizeram há algum tempo, cujo prazo consegui cumprir (era dezembro de 2009). A idéia foi da Roberta Densa, e de logo aderi. Examinando os precedentes que deram origem a cada súmula (o serviço de pesquisa de jurisprudência e de digitalização de nossos tribunais é excelente!), li com cuidado vários acórdãos, acompanhei as discussões dos ministros, e pude compreender as teses que eram em cada caso discutidas. Como as do STF começam dizendo respeito a precedentes que cuidavam de questões surgidas na década de 1940, foi uma viagem na história de nosso Direito Tributário, começando no IVC (imposto sobre vendas e consignações), passando pelo ICM e terminando no ICMS, por exemplo. O mais notável é que, apesar de significativa evolução no trato dos conceitos, muitas das questões antigas, conquanto digam respeito a situações superadas, envolvem a aplicação de teses e de aspectos teóricos até hoje atuais.
Bom, em mais outra "amostra grátis", e aproveitando que nas últimas aulas de "Tributário I" e de "Processo Tributário", tanto na Christus como na Farias Brito, tenho discutido bastante os "precatórios" com meus alunos, posto aqui o rascunho das notas feitas à recentíssima Súmula 406 do STJ:

Súmula n.º 406/STJ – “A Fazenda Pública pode recusar a substituição do bem penhorado por precatório.”

· Aprovada na Sessão de 28/10/2009.

Comentários ———————————————————————————

Nos termos do art. 15, I, da Lei 6.830/80, o executado somente tem o direito de proceder à substituição do bem penhorado, independentemente da aceitação da Fazenda exeqüente, se pretender garantir a execução por meio de depósito em dinheiro ou fiança bancária. Excetuadas essas duas hipóteses, qualquer outra substituição (v.g., um veículo por um imóvel, ou um imóvel por outro imóvel) depende da aceitação da Fazenda Pública, e, evidentemente, de decisão do juízo acerca das razões invocadas pela Fazenda para recusar o bem.

Diante disso, e tendo em conta que o precatório não equivale a dinheiro e nem a fiança bancária,(1) o STJ entendeu que a Fazenda pode recusar a substituição de bem já penhorado por precatório.

Mas daí não se conclua que o precatório não é passível de utilização como forma de garantia do juízo, em sede de execução fiscal. Não é isso o que diz a súmula. Ela apenas afirma que ele, como não é equiparado ao dinheiro ou à fiança, não pode – a teor do art. 15, I, da LEF – ser imposto à Fazenda em substituição a outro bem já devidamente penhorado. Evidentemente que, de uma forma geral, sendo o precatório um direito de crédito, pode sim ser submetido a penhora, como qualquer outra parte integrante do patrimônio do contribuinte. É nesse sentido, aliás, a jurisprudência do STJ:

“(...) 2. Pacificada a jurisprudência da Primeira Seção e das Turmas de Direito Público quanto à possibilidade de penhora sobre crédito relativo a precatório extraída contra a própria Fazenda Pública exeqüente.

3. Firmou-se, por igual, posição afirmativa quanto à relativização da ordem de nomeação de bens à penhora estabelecida nos arts. 11, da Lei 6.830/80 e 656 do CPC.

4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido.”(2)

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE CRÉDITOS ORIUNDO DE PRECATÓRIO DE EMISSÃO DA EXEQÜENTE. POSSIBILIDADE.

1. A Lei n.º 6.830/80 atribui ao executado a prerrogativa de nomear bens à penhora, que pode recair sobre direitos e ações (arts. 9º, III, e 11, VIII).

2. Deveras, a execução deve ser promovida pelo meio menos gravoso ao devedor. Inteligência do art. 620 do CPC.

3. Conseqüentemente, admite-se a nomeação, para fins de garantia do juízo, de crédito da própria Fazenda Estadual consubstanciado em precatório, máxime por suas características de certeza e liquidez, que se exacerbam quando o próprio exeqüente pode aferir-lhe a inteireza (Precedentes do STJ: AGRESP 434722/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 03.02.2003; AGA 447126/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 03.02.2003; e AGRESP 399557/PR, Relator Ministro José Delgado, DJ de 13.05.2002).

4. Agravo regimental desprovido.”(3)

Até mesmo precatório emitido por pessoa jurídica diversa da exeqüente (v.g., execução fiscal de tributo federal garantida por precatório estadual) pode ser penhorado, nos termos da jurisprudência do STJ. O precatório é um crédito como outro qualquer, integrante do patrimônio do exeqüente e passível de constrição. Isso porque “nada impede que a penhora recaia sobre precatório cuja devedora seja outra entidade pública que não a própria exeqüente, devendo-se pôr em relevo que a penhora sobre o crédito do executado previsto em precatório obedece ao regime próprio da penhora de crédito, que indica a sub-rogação do credor no direito penhorado (AgRg no REsp nº 826.260/RS, DJ de 07/08/2006).”(4)

A Fazenda exeqüente até pode recusar o crédito, pleiteando a penhora de outro bem, mas não porque o precatório não seja passível de constrição. Afinal, “o crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente. Assim, a recusa, por parte do exeqüente, da nomeação feita pelo executado pode ser justificada por qualquer das causas previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem oferecido.” Nesse caso, ao cabo da execução, ou a entidade pública exeqüente sub-roga-se na condição de credora da entidade devedora do precatório, ou opta por alienar (em leilão) o crédito representado por esse precatório. Isso porque “o regime aplicável à penhora de precatório é o da penhora de crédito, ou seja: "o credor será satisfeito (a) pela sub-rogação no direito penhorado ou (b) pelo dinheiro resultante da alienação desse dinheiro a terceiro. (...) Essa sub-rogação não é outra coisa senão a adjudicação do crédito do executado, em razão da qual ele se tornará credor do terceiro e poderá (a) receber do terceiro o bem, (b) mover ao terceiro as demandas adequadas para exigir o cumprimento ou (c) prosseguir como parte no processo instaurado pelo executado em face do terceiro" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, v. IV, 2ª ed., SP, Malheiros).”(5)

Até o Ministro José Delgado, um dos que não admitia a penhora de crédito representado por precatório de pessoa jurídica diversa da exeqüente, curvou-se ao entendimento da Seção:

“... rendo-me, com a ressalva do meu ponto de vista, à posição assumida pela distinta 1ª Seção desta Corte Superior, pelo seu caráter uniformizador no trato das questões jurídicas no país, que decidiu: “É pacífico nesta Corte o entendimento acerca da possibilidade de nomeação à penhora de precatório, uma vez que a gradação estabelecida no artigo 11 da Lei n. 6.830/80 e no artigo 656 do Código de Processo Civil tem caráter relativo, por força das circunstâncias e do interesse das partes em cada caso concreto.

Execução que se deve operar pelo meio menos gravoso ao devedor.

Penhora de precatório correspondente à penhora de crédito. Assim, nenhum impedimento para que a penhora recaia sobre precatório expedido por pessoa jurídica distinta da exeqüente. 'Nada impede, por outro lado, que a penhora recaia sobre precatório cuja devedora seja outra entidade pública que não a própria exeqüente. A penhora de crédito em que o devedor é terceiro é prevista expressamente no art. 671 do CPC. A recusa, por parte do exeqüente, da nomeação à penhora de crédito previsto em precatório devido por terceiro pode ser justificada por qualquer das causas previstas no CPC (art. 656), mas não pela impenhorabilidade do bem oferecido' (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, AgRg no REsp 826.260/RS)” (EREsp 834956/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 07/05/07).

6. Agravo regimental não-provido.(6)

Hoje se pode dizer que esse entendimento é pacífico e reiterado no âmbito do STJ(7), o que não quer dizer que o precatório será sempre aceito pela Fazenda e pelo Juiz do processo de execução. Trata-se de um bem, como qualquer outro, que deve ser cotejado com os demais, com a situação do devedor, etc. Sua aceitação, contudo, é recomendável, seja por conta da “relativização da ordem de nomeação de bens à penhora estabelecida nos arts. 11, da Lei 6.830/80 e 656 do CPC”(8), seja porque, a teor do art. 620 do CPC, a “execução se deve operar pelo meio menos gravoso ao devedor”,(9) seja porque, em se tratando de execução fiscal motiva pela União garantida por precatório estadual ou municipal, a União sempre terá condições de compensar, nos repasses que faz a essas entidades, o valor correspondente ao seu crédito.

Aliás, considerando-se que o precatório representa dívida líquida e certa, reconhecida por sentença com trânsito em julgado, do poder público para com o cidadão, é mesmo imoral, e contrário à figura do Estado de Direito, admitir que ele não seja pago, ou que se imponham restrições ao seu uso como forma de quitação de débitos que o cidadão tem para com a Fazenda Pública. Afirmar a imprestabilidade do precatório, enquanto forma de garantia, é afirmar a imprestabilidade da execução contra a Fazenda Pública, a ineficiência da prestação jurisdicional contra o Estado e a desonestidade do Estado enquanto credor. Inadmissível.


NOTAS

(1) Deve ser ressalvada da aplicação desta súmula a hipótese de se tratar de precatório alcançado pelo imoral “parcelamento” de que cuidou a EC 30/2001 vencido e não pago. Isso porque, em relação a estes, a CF/88 diz que têm “poder liberatório” para o pagamento de tributos, o que significa dizer que são equiparados ao dinheiro.

(2) STJ, 2.ª T, REsp 911.303/SP, DJ de 21/5/2007, p. 564.

(3) STJ, 1.ª T, AgRg no REsp 803.069/SP, DJ de 18/12/2006, p. 330.

(4) STJ, 1.ª T, AgRg no Ag 782.996/RS, DJ de 14/12/2006, p. 275.

(5) STJ, 1.ª T, REsp 888.032/ES, DJ de 22/2/2007, p. 171.

(6) STJ, 1.ª T, AgRg no Ag 843.413/RS, DJ 29/6/2007, p. 500.

(7) STJ, 1.ª S, EREsp 834.956/RS, DJ de 7/5/2007, p. 271. No mesmo sentido: STJ, 1.ª S, EAg 782.996/RS, DJ de 4/6/2007, p. 290.

(8) STJ, 2.ª T, REsp 911.303/SP, DJ de 21/5/2007, p. 564.

(9) STJ, 1.ª T, AgRg no Ag 843.413/RS, DJ 29/6/2007, p. 500.

3 comentários:

Fábio Freitas disse...

Prezado Dr. Hugo, o blog, a muito tempo é excelente.
Quanto aos precatórios, devemos nos ater as peculiaridades de cada espécie de precatório (art. 33 ADCT, 78 ADCT, 100 CF e seus parágrafos).
Não se pode colocar tudo no mesmo caldeirão! Por exemplo, a própria CF (art. 78, §2º ADCT) confere, a determinado precatório, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. Desta forma, como recusá-lo?
Um grande abraço e muito obrigado pelas informações postadas.
FFF

Fábio Freitas disse...

Em tempo...
Prezado Dr. Hugo, há muito tempo o blog é excelente.
Quanto aos precatórios, devemos nos ater às peculiaridades de cada espécie de precatório (art. 33 ADCT, 78 ADCT, 100 CF e seus parágrafos).
Não se pode colocar tudo no mesmo caldeirão! Por exemplo, a CF/88 (art. 78, §2º ADCT) confere, a determinado precatório, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora. Desta forma, como recusá-lo?
Um grande abraço e muito obrigado pelas informações postadas.
FFF

DENIVALDO.C.PAC. disse...

SOU ESTUDANTE DE DIREITO DA FADIMA - FACULDADE DE DIREITO DE MACEIÓ, DIA 06.1109, FIQUEI INDIGNADO COM ESTA SÚMULA 406 DO STJ, E FOI ASSUNTO DE DEBATE EM SALA DE AULA, GOSTEI MUITO DAS SUAS INFORMAÇOES/PESQUISA PRESTADAS, QUE PENA QUE SÓ CONSEGUI TER ACESSO 11.11 E APÓS A AULA, MAS,MUITO OBRIGADO E CONCORDO PLENAMENTE COM O SR. DOUTOR HUGO BRITO. ABRAÇOS, DENIVALDO