quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

SIMPLES e Diferencial de Alíquota do ICMS


O Supremo Tribunal Federal reconheceu a "repercussão geral" de questão relacionada à cobrança de diferencial de alíquota e do ICMS antecipado, na fronteira, relativamente às empresas optantes do Simples Nacional (LC 123/2006). A decisão foi noticiada assim:

Quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012
Diferencial de alíquota de ICMS a empresa optante pelo Simples tem repercussão
Por meio do Plenário Virtual, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu repercussão geral da questão constitucional analisada no Recurso Extraordinário (RE) 632783, interposto por uma empresa do ramo de importação e exportação contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJ-RO). Segundo a decisão questionada, a empresa optante do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, conhecido como Simples, por vedação legal, não pode obter outros incentivos fiscais.
A autora do RE sustenta usurpação da competência da União para dispor sobre a tributação favorecida às micro e pequenas empresas, na medida em que a cobrança do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] contraria o tratamento estabelecido pela Lei Complementar 123/2006, conforme estabelece o artigo 146-A da Constituição Federal. Também alega violação da regra da não-cumulatividade, pois as empresas optantes pelo Simples Nacional não podem aproveitar créditos relativos às operações que o recorrido [o Estado de Rondônia] deseja tributar.
A empresa pleiteia que seja reconhecida a possibilidade de não recolhimento de diferencial de alíquota de ICMS e de seu pagamento antecipado, por ser optante do Simples Nacional, condição que lhe facultaria recolher o tributo em guia única.
Manifestação do relator
Para o relator da matéria, ministro Joaquim Barbosa, o caso apresenta os requisitos necessários ao reconhecimento da repercussão geral, conforme o artigo 102, parágrafo 3º, da Constituição Federal, o artigo 543-A, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil, e o artigo 323 do Regimento Interno do STF. Por isso, ele propôs à Corte que fosse reconhecida a repercussão geral da matéria constitucional de que trata os autos.
Ele lembrou que no julgamento do RE 377457, a Corte reafirmou que o exame da alegada usurpação de competência da União para dispor sobre normas gerais em matéria tributária pressupõe juízo de inconstitucionalidade direta, na medida em que a competência tributária é repartida de forma minudente nos textos da Constituição e do ADCT.
“A tensão entre os entes federados transcende interesses meramente localizados de contribuintes e das Fazendas interessadas, pois esse tipo de conflito é capaz de afetar intensamente a harmonia política, bem como se semear a incerteza acerca das obrigações que devem ser uniformemente cumpridas em toda a extensão do território nacional”, ressaltou o ministro.
No entanto, o relator afirmou que, por outro lado, “o respeito à não-cumulatividade é pressuposto constitucional para a cobrança do ICMS”. “A importância desse requisito é reforçada no caso em exame, porquanto a Constituição determina que deve ser favorecido o tratamento tributário das micro e das pequenas empresas”, disse.
Hipoteticamente e sem se comprometer com qualquer das teses, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que a alegada contrariedade argumentada pela empresa recorrente causa danos a dois relevantes direitos constitucionais independentes. São eles: a capacidade contributiva (não-cumulatividade) e a criação de condições para o aumento da oferta do pleno emprego e de mercado fornecedor equilibrado (fomento das pequenas empresas).
De acordo com ele, “em posição antípoda e igualmente relevante, o tratamento tributário centralizado se faz com prejuízo nominal da capacidade arrecadatória de ente federado e, portanto, o desate do litígio repercutirá na estrutura federativa tanto quanto nos interesses individuais das partes”.

A questão é mesmo muito relevante, e precisa ser apreciada com urgência pelo Supremo Tribunal Federal.
Os argumentos utilizados pelas partes, porém, não parecem esgotar os pontos controvertidos em torno do assunto.
Na verdade, não se trata de saber se uma empresa optante pelo Simples pode contar, ou não, com outros benefícios fiscais. Uma coisa, a rigor, não tem nada a ver com a outra. A questão, de rigor, consiste em saber se uma empresa optante pelo Simples pode ser obrigada a recolher o ICMS DUAS VEZES, só por ser uma microempresa, ou uma empresa de pequeno porte. A resposta, nem é preciso muita argumentação para constatar, é evidentemente NÃO.
Primeiro, porque nenhum contribuinte pode ser obrigado a recolher um mesmo tributo, incidente sobre uma mesma operação, duas vezes.
Segundo, porque se essa cobrança em bis in idem é absurda em relação às empresas em geral, seu caráter indevido torna-se ainda mais eloquente no que tange às microempresas, e às empresas de pequeno porte, às quais a Constituição determina seja dado tratamento diferenciado e favorecido. Por mais "indeterminados" que sejam esses conceitos, parece óbvio que não é favorecido um tratamento que implica a cobrança em duplicidade de um imposto.

O leitor poderia, porém, indagar: quem disse que os Estados estão cobrando o ICMS duas vezes?

Estão, e é justamente isso que a notícia afirma estar em vias de análise pelo STF, ainda que por argumentos um tanto, digamos, diferentes.

Quando um contribuinte não optante pelo Simples adquire mercadorias em outros Estados, incide sobre a operação o ICMS pela chamada "alíquota interestadual", que é mais reduzida. Quando o produto chega ao Estado de destino, recolhe-se o "diferencial de alíquota", e o adquirente tem direito ao crédito da quantia correspondente. Ao vender a mercadoria, recolhe a diferença entre o imposto incidente na saída e aquele cobrado nas operações anteriores. Assim, do imposto devido na saída, a consumidor final, é abatido o montante já recolhido pelo comerciante fornecedor (pela alíquota interestadual), bem como o "diferencial de alíquota". Trata-se de decorrência da "não-cumulatividade".

Contribuintes optantes do Simples, porém, não se sujeitam à sistemática de créditos e débitos. Recolhem o imposto calculado sobre o valor de suas vendas, pouco importando quanto já foi pago em operações passadas. É o preço a pagar pela simplificação, que é compensado pela adoção de alíquotas (bem) mais baixas.

Nessa ordem de idéias, um contribuinte que paga o diferencial de alíquota não terá direito ao crédito correspondente, pois pagará o imposto, na operação de saída, pela sistemática do Simples.

Até aí, aparentemente, não há nenhum problema. Parece ser devida a cobrança do diferencial de alíquota. Afinal, se o contribuinte é, por exemplo, um vendedor de camisas, e compra suas mercadorias dentro do seu estado, sobre essa compra recairá um ônus de 17%, e ele não terá nenhum crédito, recolhendo o imposto de forma unificada, quando das vendas correspondentes. Do mesmo modo, se comprar as mercadorias fora do seu estado, sobre a compra deverá recair um ônus de 12% (alíquota interestadual) mais 5% (diferencial de alíquota), totalizando os mesmos 17% e o colocando em igualdade de condições com os contribuintes que adquirem produtos dentro do Estado, em obediência ao art. 152 da CF/88.

O problema é que os Estados-membros, quando das operações interestaduais, não exigem apenas o diferencial de alíquota. Exigem, também, de forma antecipada, o imposto que será devido quando da saída da mercadoria correspondente. Assim, o ICMS devido na venda a consumidor é "antecipado" na fronteira, exigência que é formulada mesmo das MEs e das EPPs. Ocorre que tais empresas recolhem o ICMS, de forma unificada, quando da saída dessas mercadorias, o que significa, portanto, que sofrem a cobrança duas vezes: pagam antecipadamente (não só o diferencial, mas o próprio imposto devido nas operações seguintes, a consumidor final) quando passam as mercadorias pela fronteira interestadual, e pagam, novamente, quando realizam as vendas, pela sistemática do Simples Nacional.


Nos comentários que escrevi à LC 123/2006, defendi que essa cobrança antecipada não deveria ocorrer, ou, se ocorresse, deveria haver a exclusão do percentual referente ao ICMS quando do pagamento dos tributos incidentes sobre a venda, no âmbito do Simples Nacional. Nos comentários ao art. 13 da citada lei, escrevi à época:

Há ressalvas, porém, que não têm justificativa aparente, e que, além de aumentarem desnecessariamente a complexidade do que deveria ser “Simples”, criam situações que podem gerar tributação em duplicidade, prejudicando, em vez de favorecer, a microempresa e a empresa de pequeno porte.
É o caso, por exemplo, do ICMS cobrado de forma antecipada
Há Estados-membros que tributam as entradas de certas mercadorias em seu território, de forma antecipada. Quando as mercadorias entram no Estado, o ICMS incidente sobre sua venda a consumidor é pago de forma antecipada, na fronteira. Em seguida, quando a empresa vende a mercadoria, não há mais o que recolher eis que o imposto já foi pago. Em face da “ressalva” aqui comentada, porém, pode ocorrer de uma microempresa ser compelida a pagar o ICMS antecipado, quando da entrada das mercadorias no território nacional, sem prejuízo do pagamento por meio do Simples Nacional. Isso implicará, como é claro, dupla tributação, até porque a adesão ao Simples impõe ao contribuinte que não mais se utilize da sistemática de “créditos” e “débitos” inerente à não-cumulatividade do ICMS.
Por essa razão, e por implicar tratamento desnecessariamente mais gravoso à microempresa e à empresa de pequeno porte, a ressalva de que o ICMS antecipado pode continuar sendo exigido das empresas integrantes do Simples Nacional parece-nos inconstitucional, por ofensa aos arts. 146, III, “d”, 170, IX e 179 da CF/88. Isso para não referir a violação ao princípio da capacidade contributiva, indiscutivelmente menor nas microempresas e empresas de pequeno porte, não se justificando o tratamento mais gravoso também por isso.


Algum tempo depois, o legislador complementar tentou resolver o problema, com a edição da LC 127/2007, mas a disposição correspondente foi vetada. Como os comentários à LC 123/2006 haviam sido lançados pouco tempo antes, não havia como tirar uma nova edição, pelo que a Atlas disponibilizou a atualização "on-line", em PDF (clique aqui). Nela, consta o seguinte comentário:

2. Veto à alínea “g” do inciso XIII
            A alínea “g” do inciso XIII do art. 13 da LC 123/2006 dispõe que o recolhimento unificado, feito por meio do Simples (aplicação de percentual sobre a receita do contribuinte), conquanto envolva o ICMS devido na venda de mercadorias, não inclui o ICMS devido “nas operações com mercadorias sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto, bem como do valor relativo à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, nas aquisições em outros Estados e Distrito Federal, nos termos da legislação estadual ou distrital.”
            Essa disposição arruína as MEs e EPPs que desempenham atividade comercial, sobretudo quando instaladas em Estados precipuamente consumidores, mais pobres, quando a maior parte de suas compras são oriundas de operações interestaduais. O Estado exige o ICMS antecipado, na fronteira, e o contribuinte, além de não poder se creditar do valor correspondente ao diferencial de alíquota, muitas vezes ainda pode vir a recolher o ICMS duas vezes, caso o Estado entenda – descabidamente, é verdade, mas acontece – que a venda posterior da mercadoria deva ser onerada pela alíquota “Simples”.
            Em nossos comentários à LC 123/2006, especialmente no que se refere a essa disposição, fizemos crítica que, com o início da vigência da lei, mostrou-se no todo pertinente. O dispositivo é uma violência às MEs e EPPs, sobretudo se entendido como uma autorização para que se exija não só o diferencial de alíquota relativo à operação interestadual, mas o próprio ICMS devido na saída posterior dessa mercadoria. Esse, até mesmo por já ser recolhido no âmbito do SIMPLES, não deveria jamais ser exigido pelos Estados pela forma antecipada. Afinal, só se pode antecipar um imposto que, no futuro, será devido, não tendo nenhuma lógica que uma ME ou uma EPP “antecipe” um ICMS pela alíquota de 17% ou 18%, por conta de uma venda posterior dessa mercadoria que, quando ocorrer, será tributada pela alíquota relativa ao Simples.
            Certamente por isso, o Congresso Nacional pretendeu alterar essa alínea “g” do inciso XIII do art. 13 da LC/2006, para que somente não estivesse incluído no ICMS recolhido no âmbito do Simples o ICMS “correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, nas aquisições em outros Estados e no Distrito Federal, nos termos da legislação estadual ou distrital, sendo vedada a cobrança de ICMS sob a forma de regime de antecipação do recolhimento do imposto”.
            Essa parte final, que grafamos em itálico, era elogiável sob todos os aspectos, e acolhia exatamente a idéia que defendemos nos comentários ao art. 13. É inconstitucional a exigência do ICMS antecipado, relativo à venda final, se essa venda final não será tributada pela alíquota ou nos moldes em que calculado o “antecipado”, mas sim no âmbito do Simples.
            Não obstante, o Presidente da República vetou o dispositivo, alegando para tanto o seguinte:
“O dispositivo pretende vedar a cobrança de ICMS sob a forma de regime de antecipação do recolhimento do imposto.  
A vedação da cobrança da diferença de alíquota interna para interestadual do ICMS acarretará grande impacto na arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, com reflexos nos Municípios, em relação ao referido imposto.  
A cobrança do ICMS sobre o regime de antecipação tributária nas aquisições em outros Estados tem, ainda, impactos de política tributária, pois essa cobrança também objetiva a equalização das aquisições interestaduais em relação às aquisições internas, de forma a evitar prejuízos para os fornecedores internos e para a arrecadação de ICMS. 
Ademais, sob o aspecto econômico, a proposta fere o princípio constitucional da livre concorrência, uma vez que as aquisições interestaduais passarão a ser mais atrativas do que as compras no mercado interno do próprio Estado.” 
 
            Tais razões, contudo, não justificam o veto.
            Em primeiro lugar, o dispositivo não veda a cobrança da diferença de alíquota interna para estadual. Pelo contrário, ele permite expressamente essa cobrança, afirmando que o ICMS, nesse caso, não está compreendido no recolhimento feito no Simples.
            A pretendida “equalização”, do mesmo modo, é obtida com a cobrança do diferencial de alíquota, que iguala a compra feita em outro Estado daquela feita no plano interno, no Estado onde estabelecida a ME ou a EPP. Mas a cobrança antecipada do ICMS devido na saída subseqüente não tem nada a ver com isso.
Aliás, como o contribuinte que adquire mercadorias no plano interno não tem essa esdrúxula obrigação de recolher, antecipadamente, o ICMS incidente na venda posterior dessas mesmas mercadorias, estabelecer essa obrigação apenas para quem adquire mercadorias em outros Estados é que “desequilibra” e “discrimina” os contribuintes, criando distorções. Sobretudo quando se trata de optante pelo Simples, que não pode aproveitar o crédito e recolhe o ICMS nas operações de saída por sistemática completamente diferente.
Em suma, o veto, e suas razões, tornam ainda mais evidente a inconstitucionalidade da alínea “g” do art. 13, XIII, da LC 126/2006, da forma como os Estados-membros a tem interpretado.


É o caso, portanto, de aguardar a manifestação do STF, de quem se espera a correção dessa distorção em nosso sistema tributário, flagrantemente contrária às disposições constitucionais referentes à tributação, notadamente à tributação das microempresas e empresas de pequeno porte. Pelo que se verifica das pautas e das repercussões gerais reconhecidas, 2012 será um ano repleto de decisões importantes em matéria tributária.





quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Declaração de inconstitucionalidade e termo inicial do prazo de prescrição

Durante algum tempo, o STJ acolheu tese segundo a qual o prazo para a propositura da ação de restituição indébito tributário começaria da declaração de inconstitucionalidade da norma instituidora do tributo correspondente. Essa tese, porém, foi afastada pelo próprio STJ.
Em edições anteriores do "Processo Tributário", constava que o assunto, conquanto encerrado pelo STJ, poderia ainda vir a ser discutido no STF, pois se trata, em última análise, do efeito de uma declaração de inconstitucionalidade, tema induvidosamente de competência da Corte Maior.
Na revisão que estou a preparar para a próxima (6.ª) edição, já ia suprimir essa remissão, para não alongar o texto, deixando apenas registrado o entendimento atual do STJ. Afinal, a jurisprudência vai e volta tantas vezes que se deixamos referidas e comentadas em um livro todas as idas e vindas o livro fica enorme e o leitor, tonto. Mas eis que me deparo com a seguinte notícia do STF:

Prazo para devolução de tributos indevidos é questionadoA Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo questiona no Supremo Tribunal Federal o dispositivo do Código Tributário Nacional que trata do prazo prescricional para a repetição de tributo declarado inconstitucional. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a entidade pede que a corte aplique o entendimento de que o prazo prescricional começa a fluir a partir da decisão do STF que declara o tributo inconstitucional.
Na ação, a Confederação sustenta que, de acordo com a regra geral do dispositivo questionado do Código Tributário, o prazo para pleitear a restituição de tributos indevidos ou recolhidos em valores maiores do que os devidos é de cinco anos, contados "da data da extinção do crédito tributário".
A entidade relata que, em 1994, o Superior Tribunal de Justiça definiu que o início da contagem do prazo prescricional seria a data da decisão do STF que reconheceu a invalidade da cobrança. Essa orientação, segundo a Confederação, foi aplicada pelo STJ em quase 100 decisões na década seguinte, e era seguida por todos os demais tribunais.
No entanto, a partir de 2004, o STJ mudou seu entendimento e retrocedeu o prazo prescricional, passando a considerar como fato gerador o recolhimento do tributo. A mudança se deu no julgamento do REsp 435.835/SC. "De um dia para o outro, diversas demandas — validamente ajuizadas ou aptas a serem propostas — foram atingidas por essa nova prescrição, perenizando-se o estado de inconstitucionalidade e alijando os particulares do patrimônio que era seu", afirma a entidade.
A Confederação sustenta que o STJ aplicou o novo entendimento a todas as demandas em curso, "algumas das quais já tramitavam havia muitos anos". A mudança surpreendeu contribuintes que seguiram a orientação anterior e ajuizaram ações de repetição no prazo anteriormente estabelecido, que "se tornaram repentinamente prescritas, como se jamais pudessem ter sido ajuizadas".
A CNC argumenta que, de acordo com a Constituição, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma legal acarreta o desfazimento de todos os seus efeitos, a não ser que haja modulação temporal. A regra deve ser aplicada, portanto, também aos tributos.
Para a entidade, "não se pode exigir que o contribuinte presuma a inépcia, a má-fé ou o desvio por parte do legislador" ao criar um novo tributo. "Ao afirmar que a declaração de inconstitucionalidade pelo STF é irrelevante para a contagem do prazo prescricional para sua repetição, o STJ acaba por impor ao contribuinte o dever de presumir a inconstitucionalidade das leis tributárias", e este passaria a ter de "questionar tudo o que pagar, apenas para interromper a prescrição", enquanto aguarda a manifestação do STF sobre a matéria.
Com esta argumentação, a CNC pede que o STF, em caráter liminar, suspenda o andamento de processos ou os efeitos de decisões judiciais que tratem do tema, salvo se houver coisa julgada. No mérito, pede que seja conferida ao artigo 168, inciso I, do Código Tributário Nacional "interpretação conforme a Constituição", a fim de definir que o prazo prescricional para a repetição de tributo declarado inconstitucional seja contado a partir dessa declaração.
Alternativamente, pede que o STF determine que a nova orientação do STJ somente seja aplicada a demandas iniciadas depois de 4 de junho de 2007, data da publicação do acórdão que marcou a mudança na jurisprudência ou, então, em 24 de março de 2004, data do julgamento. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.ADPF 248


O curioso da notícia não é apenas a discussão do assunto, que até já era esperada, mas o uso da ADPF como instrumento, inclusive para o questionamento do aspecto intertemporal. Com a jurisprudência assumindo cada vez maior importância como "fonte do direito", numa nítida aproximação do nosso sistema com o do "common law", é imperioso dar tratamento adequado, sob o prisma intertemporal, a essas mudanças de entendimento das Cortes Superiores. 2012 promete discussões interessantes no STF, relativamente ao Direito Tributário.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Liminar e agravo de instrumento

Sempre defendi que, das decisões que denegam ou concedem tutelas de urgência, o recurso cabível é o agravo DE INSTRUMENTO, nunca o retido. Isso pela própria natureza da decisão e dos requisitos para a concessão de uma tutela de urgência. Não faz o menor sentido, depois de proferida a sentença, o Tribunal apreciar, como preliminar, se o juiz deveria, ou não, no início do processo, ter determinado a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, por exemplo. Definitivamente não é para isso que o agravo retido serve.
Se os requisitos não estão presentes, que se negue provimento ao agravo, mas essa é outra questão.
Fiquei satisfeito, portanto, quando vi, no último informativo do STJ, o seguinte:


ANTECIPAÇÃO. TUTELA. AG. CONVERSÃO. AGRAVO RETIDO.
A Turma reafirmou que, em se tratando de decisões liminares ou antecipatórias da tutela, o agravo contra elas interposto deve ser, obrigatoriamente, de instrumento. Ressaltou-se que esse entendimento se sustenta no fato de que, dada a urgência dessas medidas e os sensíveis efeitos produzidos na esfera de direitos e interesses das partes, não haveria interesse em aguardar o julgamento da apelação. Ademais, salientou-se que, consoante nova sistemática imposta pela Lei n. 11.187/2005, os agravos contra decisões interlocutórias serão interpostos na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como quando houver casos de inadmissão da apelação e naqueles relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. Na hipótese dos autos, cuidou-se, na origem, de ação de repetição de indébito cumulada com indenização por danos materiais e morais, sob a alegação de que a instituição financeira (recorrente) ter-se-ia equivocado na realização de depósitos bancários, destinando indevidamente valores para a conta de terceiros. O juiz singular deferiu o pedido de antecipação de tutela do recorrido (município), determinando ao banco que restituísse às contas do promovente a quantia de R$ 174.896,85 no prazo de 72 horas, sob pena de imposição de multa de R$ 5 mil por dia de atraso no cumprimento. Dessa forma, os danos decorrentes da antecipação da tutela são evidentes na medida em que obrigam o recorrente a repassar ao recorrido a quantia referida, sob pena de pagamento de multa diária, sendo que a eventual improcedência dos pedidos formulados na ação principal sujeitarão a instituição financeira ao moroso processo executivo. Assim, a Turma deu provimento ao recurso para determinar o regular processamento do agravo de instrumento interposto pelo recorrente. Precedentes citados: RMS 26.733-MG, DJe 12/5/2009; RMS 27.605-RJ, DJe 17/12/2009; AgRg no Ag 1.118.900-MT, DJe 3/9/2009, e AgRg no Ag 494.718-GO, DJe 24/11/2008. RMS 31.445-AL, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 6/12/2011. 

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Eu também sou cidadão!!!


Outro dia estava caminhando no calçadão da beira-mar de manhã cedo, com meu pai, quando quase fomos atropelados por um ciclista, que se esgueirava com toda velocidade por entre as pessoas, naquele trecho inicial (e bem mais estreito) do calçadão. Olhei para ele, apontei para as várias placas que sinalizam ser proibido andar de bicicleta no calçadão, e reclamei.


A reação do sujeito foi muito curiosa. Ele ficou indignado. Disse que eu "ficasse na minha", e se estivesse achando ruim, saísse do calçadão e fosse andar no meio da rua. Então estufou o peito e arrematou: "Está pensando o quê? Eu também sou cidadão!"
Desde esse dia, eu e o meu pai criamos esse "código" para designar situações assim, cada vez mais comuns, nas quais um sujeito, mesmo errado, pretende ter razão por só conseguir enxergar o que entende serem os seus "direitos", e não ter a mais mínima preocupação com os seus deveres.
Se alguém para em local proibido, avança o sinal vermelho, liga um paredão de som no volume máximo no meio da noite ao lado de várias residências, estaciona em cima da calçada, anda na contramão etc. dizemos ironizando: é, ele tem direito, afinal, "também é cidadão"... Chegamos a presenciar, rindo por dentro, a indignação de um amigo que, em sua própria versão, estava dirigindo distraído, olhando para umas vitrines bonitas, e por isso bateu seu carro na traseira de outro que parara à sua frente. Quando perguntamos “e aí?”, ele concluiu, revoltado: - Ora, tinha que ser uma mulher! Veja só, ela ia na minha frente e parou sem necessidade, quando não vinha ninguém, só porque tinha escrito "pare" no chão!
O mais engraçado é que esse colega definitivamente não estava brincando, e mesmo sua justificativa é completamente contraditória. Afinal, se ele estava distraído, olhando para as vitrines ao lado, tanto que não viu a "mulher" parar, como poderia saber que ela parou “sem necessidade” e que não vinha ninguém na rua transversal? Por outro lado, é cômico achar errada a pessoa que para “só porque tem escrito pare no chão”...
Essa parece ser a tônica da contemporaneidade, principalmente aqui no ocidente. As pessoas só pensam no que consideram ser os seus direitos, e esquecem seus deveres. Casalta Nabais, a propósito, ressalta isso no seu "Dever Fundamental de Pagar Impostos".

Em uma coincidência digna do "andar do bêbado", recentemente descobri que todas essas "experiências" são explicadas por Michael Foley, em interessante livro que encontrei por acaso em pequena livraria da estação de TGV Saint Pancras, indo de Londres a Paris: "The Age of Absurdity: Why Modern Life Makes it Hard to be Happy".


O livro é muito bom. Embora exagerado em alguns pontos (de forma, acredito, proposital, com a intenção de ser caricaturesco), o texto revela, com simplicidade desconcertante, muitos paradoxos da vida moderna. Amparado em filósofos os mais variados, e também no budismo, o autor mostra o quanto vivemos uma era em que as pessoas acreditam fazer jus às coisas por merecimento, talento inato ou dom, nunca por esforço. Como conseqüência, não se esforçam (tanto quanto poderiam) e, quando não conseguem o que acham que merecem, ficam frustradas.
Isso se reflete nesse mencionado hábito de só pensar nos direitos (o que a pessoa “merece” receber) e não nos deveres (os esforços e sacrifícios que, por igual, tem de fazer), e, ainda, em muitas outras situações. A seguinte passagem do livro é bem ilustrativa disso: "It is shocking and profoundly regrettable, but, apparently, sales of oranges are falling steadily because people can no longer be bothered to peel them. As soon as I read this I began buying oranges more frequently and eating them with greater pleasure. Now I peel an orange very slowly, deliberately, voluptuously, above all defiantly, as a riposte to an age that demands war without casualties, public services without taxes, rights without obligations, celebrity without achievement, sex without relationship, running shoes without running, coursework without work and sweet grapes without seeds."
Todo o restante do capítulo trata dos efeitos dessa visão (the rejection of difficulty and understanding) sobre a vida moderna, especialmente no âmbito educacional e acadêmico. As críticas que em seguida faz ao relativismo epistêmico são muito interessantes, e estou até pensando em selecionar um dos capítulos desse livro para indicar aos meus alunos da pos-graduação este semestre, na disciplina de Epistemologia Jurídica. Voltarei a esses pontos depois. Por enquanto, o que motivou mesmo este post foi a tirinha abaixo, de Andre Dahmer (http://www.malvados.com.br/), que vi ontem no facebook e reflete exatamente essas idéias. Lembrei logo do assaltante que processou a vítima porque esta, ao reagir, machucou o seu braço. Fantástica, dispensando qualquer observação adicional:


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Ainda Jobs

Concluí a leitura da biografia de Steve Jobs, que recomendo. Está bem escrita, e aparentemente trata da vida de Jobs de forma imparcial, pelo menos tanto quanto isso é possível. Aponta seus defeitos, vícios e virtudes. Mas o interessante é ver a trajetória do ser humano, uma trajetória de vida admirável, conquanto prematuramente encerrada. Suas escolhas, seus sucessos e seus fracassos, arrependimentos... Ler uma biografia, de algum modo, é uma forma de aprender com as experiências de outra pessoa sem ter de sofrê-las na própria carne. Interessante.
Mas o que me mais chamou a atenção quando da conclusão da leitura, por enquanto, foi outro aspecto de ordem "epistemológica". Eu já tinha frequentado algumas lojas da Apple, e nunca tinha prestado atenção a certos detalhes. Depois de ler a biografia, tive a oportunidade de visitar duas delas, e não pude deixar de perceber os vidros, as escadas, a localização, e lembrar o quanto tudo isso representou uma quebra de paradigmas. As lojas de informática, até então, eram feias e situadas em locais distantes dos grandes centros. A idéia era a de que um computador era um item caro, comprado depois de muita reflexão, não sendo objeto de compra de impulso. Assim, não se justificaria ter uma loja em locais movimentados. Tampouco seria justificável ter uma loja bonita, com uma escada de vidro suspensa e paredes de vidro com lâminas enormes. A AppleStore rompeu com tudo isso, e em poucas semanas vendeu o que as concorrentes vendiam durante todo um ano.
A loja nada tem com a epistemologia, é verdade: epistemológico foi observar o quanto um objeto (a loja), que eu já tinha visitado, pareceu-me, depois de ler o livro, totalmente diferente, sendo possível perceber aspectos antes ignorados, embora estivessem lá desde o começo. Um homem não cruza duas vezes o mesmo rio...


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Sugestão bibliográfica

Na mais recente Revista Dialética de Direito Processual (108) há texto de Paulo Roberto Lyrio Pimenta sobre tema atual e relevante. Na UFC, vez por outra um aluno aparece querendo fazer o TCC, ou mesmo dissertação de mestrado, sobre ele. Fica a sugestão bibliográfica:

RDDP 108

Paulo Roberto Lyrio Pimenta - A efetivação de direitos fundamentais sociais pelo Poder Judiciário: cabimento e limites

1 - Delimitação do tema. 2 - A eficácia das normas constitucionais sobre direitos sociais. 3 - Competência do Poder Judiciário para efetivar direitos sociais. 4 - Limites à efetivação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário. 5 - Provimentos jurisdicionais admissíveis para efetivação dos direitos sociais. 6 - Problemas existentes para a execução dos provimentos jurisdicionais que outorgam direitos sociais. 7 - Sanções pelo descumprimento de ordens judiciais. 8 - Conclusão.    89


Regulamento do Processo Administrativo Fiscal Federal

O Processo Administrativo Fiscal federal, como se sabe, é disciplinado, basicamente, pelo Decreto 70.235/72. Esse diploma, embora formalmente seja um decreto, tem "status" de lei ordinária, por tratar de matéria que, hoje, só por lei ordinária pode ser versada, o que faz com que só por veículo normativo dessa natureza possa ser modificado.
Entretanto, existem outras leis, esparsas, que também cuidam do assunto, o que torna a consulta legislativa um tanto trabalhosa.
Para facilitar o trabalho de quem tem de lidar com a legislação correspondente, foi editado o Decreto 7574/2011, que consolida toda essa legislação. Embora ele não inove em nada (e nem poderia), é útil pois reúne, de forma muito bem sistematizada, disposições constantes em diversos outros atos normativos: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7574.htm