domingo, 12 de outubro de 2025

A metamorfose

Cerca de vinte e dois anos depois da primeira leitura, reli "A Metamorfose", de Kafka.

Fui invadido pelas mesmas ideias que tive quando li a primeira vez, mas, desta feita, mais nítidas, ou talvez passíveis de mais clara e precisa elaboração.

Naturalmente que várias interpretações para a obra são possíveis, e pode mesmo ser que o próprio autor desejasse exprimir outra. Mas a minha foi esta.

O livro trata do que nos faz humanos, e de se perdemos essa humanidade se, por uma razão qualquer (doença, acidente etc.), perdemos a capacidade de desempenhar o PAPEL que nos é dado em sociedade, ou que é esperado de nós pelos que nos cercam (e de quem esperamos o reconhecimento de nossa humanidade), seja o de provedor de um lar, seja o de funcionário exemplar (que nunca ficou doente em tantos anos).



Eu, como leitor, ficava angustiado com o comportamento dos familiares de Samsa, em alguns momentos, como a pensar: embora com forma de barata, ainda é o filho, o irmão, de vocês, que está aí, dentro dessa mente! E, em certas ocasiões, cada vez mais raras conforme avança a narrativa, os familiares até lembravam disso, mas só às vezes.

Pode-se pensar, ainda, na dor de alguém que se torna invisível para os que ama, apesar de continuar sendo a mesma pessoa por dentro. Talvez a transformação de Gregor Samsa em inseto simbolize o modo como a sociedade, e a própria família, deixam de reconhecer a humanidade de quem sofre, adoece ou se torna um "incômodo". Mas o livro cuida por igual da beleza que é a empatia, a capacidade de continuar vendo o humano mesmo quando ele está desfigurado, física ou simbolicamente. Talvez tenhamos no livro uma lembrança importante de que devemos enxergar uns aos outros com compaixão, mesmo quando o outro já parece “irreconhecível”.

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