sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Exceção de pré-executividade e honorários

Descendo agora um pouco para o plano da concretude (saindo do "por que dogmática jurídica?" e voltando ao "processo tributário"), despertou minha atenção uma decisão, do TRF da 5.ª Região, sobre honorários de sucumbência na execução fiscal, em face de êxito, por parte do executado, em exceção de pré-executividade.

A decisão é a seguinte:

"APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO Nº 927 - CE (2004.81.00.011354-3)
APELANTE : FAZENDA NACIONAL
APELADO : CIALNE - COMPANHIA DE ALIMENTOS DO NORDESTE
ADV/PROC : SCHUBERT DE FARIAS MACHADO E OUTROS
REMTE : JUÍZO DA 9ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (FORTALEZA) - PRIVATIVA DE EXEC. FISCAIS
ORIGEM : 9ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (PRIVATIVA DE EXECUÇÕES FISCAIS)
RELATOR : DES. FEDERAL CONVOCADO PAULO MACHADO CORDEIRO


RELATÓRIO

O SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CONVOCADO PAULO MACHADO CORDEIRO (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta pela FAZENDA NACIONAL contra sentença, da lavra do MM. Juiz Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, que acolheu a exceção de pré-executividade e extinguiu a execução fiscal, condenando a Fazenda Pública em honorários advocatícios.
Alega a Fazenda Nacional, em síntese, não ser razoável condenar a União em honorários advocatícios de 5% sobre o valor da execução, resultando na verba de R$ 73.574,95, o que viola o art. 20, §3º, do CPC.
A apelada apresentou contra-razões pugnando pela manutenção da sentença, destacando precedente do Eg. STJ, segundo o qual o percentual de 5% atende ao comando previsto no §4º, do art. 20, do CPC.
Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório.
É o relatório.

VOTO

O SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CONVOCADO PAULO MACHADO CORDEIRO (RELATOR):
Creio que a sentença merece reforma.
A exceção de pré-executividade nasceu de construção doutrinária e jurisprudencial. Apesar de não estar prevista na legislação tem sido admitida pelos órgãos judiciais, inclusive pelo STJ, não caracterizando sua admissibilidade, quando cabível, infringência à lei de execução fiscal.
A via da exceção de pré-executividade, por sua vez, é cabível para argüição de matérias de ordem pública – quando o título executivo não está revestido dos requisitos legais ou quando ausentes um dos pressupostos processuais ou uma das condições da ação de execução, devidamente instruída com a prova da alegação, eis que não comporta dilação probatória.
Os honorários advocatícios só são devidos em razão da sucumbência e sucumbência não houve no presente caso, à míngua de ação incidental, é dizer, da oposição de embargos à execução.
Demais disso, o princípio da simetria impõe tratamento igualitário às partes, de maneira que se o excipiente não seria condenado em honorários advocatícios no caso de rejeição da exceção de que se cuida, da mesma forma descabe a condenação da fazenda exeqüente quando acolhida a exceção.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, para considerar indevidos os honorários advocatícios fixados em exceção de pré-executividade.
É como voto.
PAULO MACHADO CORDEIRO
Desembargador Federal (Convocado)


EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS.IMPOSSIBILIDADE.
1. A exceção de pré-executividade nasceu de construção doutrinária e jurisprudencial. Apesar de não estar prevista na legislação tem sido admitida pelos órgãos judiciais, inclusive pelo STJ, não caracterizando sua admissibilidade, quando cabível, infringência à lei de execução fiscal;
2. Entretanto, os honorários advocatícios só são devidos em razão da sucumbência e sucumbência não houve no presente caso, à míngua de ação incidental, é dizer, da oposição de embargos à execução;
3. Demais disso, o princípio da simetria impõe tratamento igualitário às partes, de maneira que se o excipiente não seria condenado em honorários advocatícios no caso de rejeição da exceção de que se cuida, da mesma forma descabe a condenação da fazenda exeqüente quando acolhida a exceção;
4. Apelação e remessa oficial providas.

ACÓRDÃO

Vistos, Relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas. DECIDE a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado.
Recife, 04 de setembro de 2008.
PAULO MACHADO CORDEIRO
Desembargador Federal Relator (Convocado)"


***

Como se vê, o TRF considerou correto o acolhimento da exceção de pré-executividade (a execução era mesmo descabida), mas entendeu que não seriam devidos honorários advocatícios de sucumbência.
O fundamento, basicamente, reside no fato de que deveria haver "simetria", e a Fazenda, caso a exceção fosse rejeitada, não receberia honorários.
Com todo o respeito, a decisão não poderia ser mais equivocada. Além de contrariar frontal e completamente a jurisprudência do STJ sobre o assunto, que não só admite como impõe, em tais casos, a condenação da Fazenda exeqüente em honorários de sucumbência, o fundamento utilizado para mostrar "independência" em face da jurisprudência firmada é de total inconsistência. Na verdade, seu erro tem início nas premissas, e se contamina o argumento até a conclusão.
A exceção de pré-executividade realmente não é um "processo apartado", como os embargos. Mas não é por isso que o êxito de quem dela se utiliza não deva ser motivo de condenação da exeqüente em sucumbência.
E a razão é simples: os honorários, devidos ao exeqüente ou ao executado, decorrem do êxito de um ou de outro NA EXECUÇÃO, e não na "exceção"...
Se a exceção foi acolhida, isso significa que a execução será extinta, e será por isso, pela extinção da execução, que os honorários serão devidos.
Não se há que falar em (falta de) simetria, pois, no caso, a eventual rejeição da exceção implicaria a continuidade da execução, e o pagamento de honorários à Fazenda por conta disso.
Aliás, simetria por simetria, a Fazenda Nacional inclui na CDA, independentemente de qualquer deliberação do Judiciário, nada menos do que 20% a título de "encargos legais", os quais, de acordo com o STJ, têm natureza de verba sucumbencial. Quando a execução é tida por improcedente (por conta de uma exceção de pré-executividade bem sucedida), condenar a Fazenda a pagar ao contribuinte apenas 5% (e ainda achando muito) já é demasiadamente assimétrico. Quando o TRF ainda resolve reduzir esse valor para ZERO, a simetria vai para o espaço, completamente. E o incrível é que tudo é feito em nome dela.

6 comentários:

Ermiro Neto disse...

Hugo,

Os argumentos do acórdão são os mesmos que, infelizmente, embasam a corrente daqueles que defendem não haver sucumbência na fase de cumprimento da sentença.

Gustavo Pamplona disse...

Ouso incluir outra questão controvertida que está latente no referido acórdão, o divórcio com a nova processualística.

sob o ponto de vista da moderna processualística, na qual se procura dar efetividade à garantia constitucional do acesso à Justiça, devem-se, fulcro no Princípio do Contraditório e Ampla Defesa, conferir aos litigantes paridade de armas.

Digo paridade de armas tanto no sentido ativo quanto passivo, neste se inclui a questão da sucumbência.

No meu sentir, o acórdão se equivoca também quanto aos Princípios Constitucionais.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Ermiro,
No caso da exceção, talvez a situação seja mesmo semelhante, mas um pouco pior.
É que, no cumprimento da sentença, a parte contra a qual o cumprimento é pedido defendeu-se no processo de conhecimento, ou na etapa anterior à formação da sentença de cujo cumprimento se cogita. E, se tivesse obtido êxito, teria feito jus à sucumbência.
Já na execução fiscal, que versa título extrajudicial, o contribuinte só teria direito à sucumbência se embargasse. Valendo-se da exceção, não. Enquanto isso, a Fazenda, diante da execução não embargada, ou da exceção rejeitada, ou mesmo dos embargos rejeitados, sempre teria (no caso da Fazenda Nacional), os seus 20% embutidos na CDA...

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Gustavo,
Os princípios constitucionais realmente são bem arranhados no processo tributário.
Além da paridade de armas - que dá suporte a igual sucumbência, como você bem destacou - há o princípio da "máxima coincidência possível", até já comentado em outro post. Se a sucumbência destina-se a promover uma reparação integral do direito da parte vitoriosa (que não seria integralmente reparada se não tivesse reparadas também as despesas com advogado), essa reparação integral, quando se trata da Fazenda Pública, nunca é rigorosamente integral. E isso, note-se, se se tratar da Fazenda Nacional, que ainda paga - embora lentamente, mas paga - seus precatórios... No caso de Estados e Municípios, então...

Anônimo disse...

Olá Hugo, gostaria de parabenizá-lo pelo seu blog. A respeito do tema, tive oportunidade de constatar, no capítulo da decisão que desacolhe a condenação da fazenda pública em honorários em exceção de pré-executividade, que este entendimento encontra óbice no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. A evidência disso veja esta recente decisão, publicada em setembro de 2008:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. VERBA HONORÁRIA. CABIMENTO.
1. É cabível o arbitramento de honorários advocatícios contra a Fazenda Pública quando acolhida a exceção de pré-executividade e extinta a execução fiscal por ela manejada.
2. A extinção da execução fiscal depois de citado o devedor, desde que tenha sido constituído advogado e este tenha realizado atos no processo, impõe a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de honorários advocatícios, notadamente quando for apresentada exceção de pré-executividade.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no Ag 1055567/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/09/2008, DJe 21/10/2008)

Acho que está na hora do Judiciário reconhecer a labuta dos advogados que demonstram a saciedade do fisco em abusar da boa-fé dos contribuintes.
Abraço, Leonardo Carvalho

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Pois é, Leonardo. O pior da questão é isso que você aponta: o STJ, faz muito tempo, consolidou, de forma pacífica, o entendimento oposto.
Mas é assim mesmo. No processo tributário, sobretudo no judiciário federal, tenho observado que as decisões do STJ e do STF são "mais que vinculantes", mesmo que sejam apenas decisões monocráticas mandando subir recursos para melhor exame, quando favorecem a Fazenda. Um acórdão divergente, favorável à Fazenda, no meio de um universo de acórdãos favoráveis ao contribuinte, "vincula" certos juízes e desembargadores. Mas uma jurisprudência inteira a favor do contribuinte é sumariamente ignorada em prol da "independência" do juiz....